RECUSA DA PETIÇÃO INICIAL
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
RAZÃO DE URGÊNCIA
Sumário

I - Incumbe à Secretaria Judicial rejeitar a p.i., apresentada por via electrónica, quando não seja feita prova do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário, excepto se
- tiver sido requerida a citação urgente, se à data da apresentação da p.i. faltarem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade;
- ocorrer outra razão de urgência,
caso em que basta que o Autor comprove que requereu o apoio judiciário, mas que este ainda não foi concedido;
ou ainda
- quando se trate de causa que não importe a constituição obrigatória de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, caso em que a parte é notificada para que proceda à junção de comprovativo do pagamento ou da concessão do apoio judiciário.
II – A “razão de urgência”, para efeitos do disposto no artigo 552.º, n.º 9 do CPC, pressupõe a sua alegação e caracterização expressa da situação que justifica a urgência na petição inicial, por forma a permitir aferir da sua consistência/verificação.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

 I – Relatório
Após a apresentação da p.i. e a sua recusa pela Secretaria, a primeira instância proferiu o seguinte despacho:
A secretaria recusou a petição inicial junta aos presentes autos com fundamento no disposto no art. 558º, nº 1, al. f) do CPCivil.
Inconformado com tal acto de recusa, dele veio o requerente reclamar nos termos do disposto no art. 559.º, n.º1, do CPCivil, com os fundamentos constantes do requerimento apresentado em 19-07-2024 (Ref.ª Citius 26062522), que aqui se dão integralmente por reproduzidos.
Apreciando.
Dispõe o art. 558.º, n.º1, al. f), do CPCivil, que:
São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos:
(…)
f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 9 do art. 552.º; - (sublinhado nosso)
Por seu turno, dispõe o referido art. 552.º, n.º9, do CPCivil, que:
Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas  previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo. (sublinhado nosso).
In casu, e compulsada a petição inicial apresentada verifica-se que não foi requerida a citação da Ré nos termos do artigo 561.º, do CPCivil, não se mostra comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida nem a concessão de apoio judiciário que à data da propositura da acção não se mostrava sequer concedido, nem invocou a Autora a formação de acto  tácito .
Pelo que, bem andou a secretaria.
Ademais, o artigo 560.º do Código de Processo Civil (com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho) apenas permite ao autor apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição (ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado), quando o processo não seja de patrocínio obrigatório, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º - Vide neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 09-04-2024, no Proc. 3444/23.6T8LRS-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
In casu, é obrigatória, nos presentes autos, a constituição de mandatário (cf. artigo 40.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil). A autora constituiu mandatário judicial. A petição inicial não foi junta através de qualquer das modalidades previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º e o fundamento da recusa não se reconduz à primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º.
Pelo exposto, improcede a reclamação apresentada, confirmando-se a recusa por parte da secretaria.
***
Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
A. A Decisão recorrida violou o direito de acesso à justiça ao indeferir indevidamente a Reclamação apresentada e assim validar a recusa pela secretaria da petição inicial, desconsiderando a urgência do caso e a apresentação do comprovativo do pedido de apoio judiciário, em violação dos artigos 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 552.º, n.º 9 e 10, do Código de Processo Civil (CPC).
B. A interpretação das normas processuais pelo Tribunal não considerou adequadamente a urgência do caso e a situação económica da Recorrente, impondo obstáculos desproporcionais ao direito de acesso à justiça, violando o princípio da proporcionalidade e o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
C. A Recorrente apresentou a petição inicial dentro do prazo legal, anexando o comprovativo do pedido de apoio judiciário, em conformidade com o artigo 552.º, n.º 9, do CPC, devido à sua incapacidade de pagar a taxa de justiça, em cumprimento dos requisitos para casos urgentes.
D. O pedido de apoio judiciário foi aprovado pela Segurança Social, mas este facto foi desconsiderado pela decisão de indeferimento, resultando numa violação do artigo 20.º da CRP e do princípio da tutela jurisdicional efectiva. E. A recusa da petição inicial pela secretaria judicial foi ilegal, pois desconsiderou o contexto de urgência e a documentação apresentada, violando o artigo 558.º, n.º 1, alínea f), do CPC.
F. A Reclamação da Recorrente foi indeferida, reforçando o erro inicial e ignorando a urgência e concessão do apoio judiciário, o que implica violação dos princípios de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva.
G. Houve violação dos princípios de acesso efectivo à justiça e tutela jurisdicional, conforme previstos no artigo 20.º da CRP, pois não se considerou a urgência do caso e a situação económica da Recorrente.
H. O regime processual deveria ter sido interpretado de forma proporcional, conforme o artigo 20.º da CRP, considerando a urgência do caso e a situação de vulnerabilidade económica da Recorrente.
I. O Tribunal a quo não respeitou o princípio da tutela jurisdicional efectiva ao ignorar a urgência e a decisão favorável da Segurança Social, violando o artigo 20.º da CRP.
J. A urgência do caso justificava flexibilidade no cumprimento de formalidades processuais, conforme o princípio da proporcionalidade e o artigo 552.º, n.º 9, do CPC, o que foi ignorado pela decisão recorrida.
K. A jurisprudência dos tribunais superiores apoia a aceitação da petição inicial com a apresentação do comprovativo do pedido de apoio judiciário em casos de urgência, em consonância com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
L. A decisão violou assim o princípio da cooperação processual, previsto no artigo 7.º do CPC, que impõe ao tribunal o dever de colaborar para corrigir
insuficiências processuais.
M. A vulnerabilidade económica da Recorrente exigia uma abordagem mais
colaborativa por parte do tribunal, para evitar a rejeição da petição inicial por meras formalidades, em cumprimento do artigo 7.º do CPC e do princípio da proporcionalidade.
N. A jurisprudência estabelece que a falta de pagamento da taxa de justiça deve ser suprida mediante convite, conforme o artigo 558.º, n.º 1, do CPC, e não por rejeição imediata da petição.
O. A decisão do tribunal bloqueou o acesso da Recorrente à justiça, violando o seu direito fundamental de ter o caso apreciado de maneira justa e tempestiva, em desacordo com o artigo 20.º da CRP.
P. O princípio do suprimento de deficiências processuais, previsto no artigo 7.º do CPC, deveria ter sido aplicado para permitir que a Recorrente regularizasse a documentação necessária (o que veio a fazer assim que tal foi possível).
Q. A rejeição da petição inicial criou uma barreira desproporcional e injusta ao direito de defesa da Recorrente, especialmente considerando sua situação económica, violando o artigo 20.º da CRP e o princípio da proporcionalidade.
R. A decisão recorrida coloca em causa o direito de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6.º), bem como em tratados internacionais, ao impedir a Recorrente de prosseguir com o seu pedido de tutela.
S. A jurisprudência determina que a rejeição liminar de uma petição inicial só deve ocorrer em casos de impossibilidade manifesta de correcção do vício, conforme o artigo 558.º, n.º 1, do CPC.
T. Ao validar a rejeição da petição inicial sem permitir correcção da insuficiência documental, o tribunal violou o princípio do acesso efectivo aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP.
U. A decisão recorrida deve ser revogada, admitindo-se a petição inicial da Recorrente e assegurando o direito ao pleno acesso à justiça, conforme os artigos 627.º e seguintes do CPC.
V. Só com a revogação da decisão se permitirá que a Recorrente tenha os seus direitos efectivamente apreciados em tribunal, garantindo uma justiça célere e acessível, sem entraves desproporcionais, em conformidade com o artigo 20.º da CRP e o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso ser julgado integralmente procedente e em consequência ser revogado o Despacho com a Decisão recorrida e em sua substituição ser proferido Despacho favorável que defira a Reclamação apresentada, verificando a urgência nos termos invocados e a concessão do apoio judiciário comprovado, e bem assim, com isso recebendo a Petição Inicial oportunamente submetida, com o que se fará a devida e costumeira, JUSTIÇA!
***
A Ré contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso, e em síntese:
A. O douto Despacho do Mmo. Juiz a quo de fls. (datado de 23.09.2024) proferido nos presentes autos indeferiu a reclamação da decisão de indeferimento liminar da petição inicial (p.i.) apresentada pela Recorrente e, consequentemente, confirmou a recusa previamente determinada pela secretaria do Tribunal.
B. Tendo em conta as evidências constantes dos autos, nenhuma censura merece o Despacho recorrido, atenta a cuidada e objetiva análise do enquadramento fáctico e jurídico.
C. Aliás, e com o devido respeito, é absolutamente clamorosa a falta de fundamento do recurso sob resposta, cuja interposição não mais constitui do que um ato de desespero face aos sucessivos incumprimentos, por parte da Recorrente, dos prazos e formalidades exigíveis.
D. Enquadrando devidamente a matéria, a Recorrente interpôs a presente ação em 01.07.2024, tendo para o efeito junto aos autos um comprovativo de apresentação do pedido de apoio judiciário, datado de 28.06.2024 (cfr. fls. dos autos).
E. Considerando que tal elemento não constitui comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça ou concessão do apoio judiciário, a p.i. foi – inevitavelmente – recusada pela secretaria do Tribunal a quo.
F. A Recorrente apresentou reclamação do ato de recusa da secretaria, que viria a ser objeto de decisão de indeferimento no dito Despacho de 23.09.2024.
G. De forma clarividente, fundamentou-se esta decisão nos seguintes termos:
(…)
H. Para (tentar) sustentar uma distinta conclusão, afirma a Recorrente que o artigo 552.º do CPC, nos n.ºs 9 e 10, permite que, em situações de urgência, seja suficiente que o Autor comprove que requereu o pedido de apoio judiciário.
I. Contudo, o âmbito aplicação desta norma restringe-se aos casos em que foi “requerida citação nos termos do artigo 561.º”.
J. Como é oportunamente referido na decisão recorrida, em nenhum momento dos autos a Recorrente requereu a citação urgente da Recorrida. K. Acresce que, para além do referido pressuposto essencial do pedido de citação urgente – isto é, em acréscimo a este –, a norma só tem aplicação caso falte menos cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência.
L. No caso em apreço, o prazo de prescrição para o exercício dos direitos em causa terminou no dia 29.06.2024, data em que se completou um ano contado a partir do dia seguinte ao da comunicação da cessação do contrato de trabalho, enviada pela Recorrente e recebida pela Recorrida (através e-mail) em 29.06.2023 (artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
M. Neste sentido, no momento da apresentação da p.i., os eventuais direitos da Recorrente haviam já prescrevido – o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
N. Razão pela qual não se verifica qualquer situação de urgência que justifique a aplicação da norma – nem a mesma decorre da p.i. (como se impunha), ou sequer dos factos posteriores invocados pela Recorrente (não
bastando, para o efeito, indicar de forma genérica e intempestiva, e sem fundamentar, que se tratava do “último dia do prazo”).
O. Em suma:
(d) A Recorrente apenas requereu o apoio judiciário em 28.06.2024, um ano (!) após a cessação do seu contrato de trabalho ocorrida em 29.06.2023;
(e) No momento da propositura da ação em 01.07.2024, a Recorrente não apresentou comprovativo de pagamento prévio da taxa de justiça, nem de concessão de apoio judiciário;
(f) A Recorrente não requereu a citação urgente da Recorrida, e não alegou nem fundamentou qualquer “situação de urgência”, o que, em todo o caso, jamais ocorreria atenta a verificação do prazo de prescrição dos direitos reclamados na ação.
P. Termos em que, reitera-se, está definitivamente excluída a aplicação da regra excecional prevista no 9.º, do artigo 552.º, do CPC.
Q. A situação da Recorrente não se reconduz a nenhuma outra situação prevista na lei, nomeadamente a prevista no artigo 560.º do Código do Processo Civil.
R. Em face do exposto, deverá o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se a decisão de indeferimento e, consequentemente, de rejeição da p.i., nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f), do artigo 558.º do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis,
Deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, sendo, em consequência, integralmente confirmado a Douto Despacho recorrido, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA !”
***
O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos seguintes termos: “Com efeito, a Recorrente invocou na sua petição inicial a resolução do contrato de trabalho que vigorava entre a Autora e a Ré, com efeitos desde 29 de junho de 2023, pelo que não se compreende como sustenta que, tendo apresentado a petição inicial em 1 de julho de 2024, este era o último dia do prazo para intentar a ação. Como bem refere a Recorrida, em 01.07.2024 já se verificava a prescrição dos créditos reclamados pela Autora.
Acresce que, embora nos termos do artigo 558.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil, a petição inicial possa ser rejeitada quando não há comprovação do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário, tal como invoca a Recorrente, o artigo 552.º, n.º 9 e 10, do mesmo diploma, permite que, em situações de urgência, seja suficiente a apresentação do comprovativo do pedido de apoio judiciário, devendo a decisão ser apresentada posteriormente. Porém, como bem refere a Recorrida, aquela norma restringe-se aos casos em que seja “requerida a citação nos termos do artigo 561º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo de caducidade ou outra razão de urgência”. Como sabemos, só se a Recorrente tivesse proposto a ação mais de cinco dias antes de consumada a prescrição, é que não necessitava de requerer a citação antecipada para poder aproveitar-se do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. O que não foi manifestamente o caso.
Temos assim, que não só não foi requerida a citação nos termos do artigo 561º do Código de Processo Civil (como previsto no n.º 9 do artigo 552.º), como à data da apresentação da petição em juízo já não se verificava a razão de urgência que a Recorrente invoca.
Consequentemente, o parecer do Ministério Público é no sentido de que o recurso da Autora não deve merecer provimento.”
***
A Autora exerceu o contraditório, nos seguintes termos:
IV. SOBRE O PRETENSO INCUMPRIMENTO DO ARTIGO  552.º, N.º  9 CPC
A. Teleologia da norma
7. A leitura estritamente literal perfilhada pelo MP ignora a ratio da norma: - evitar o perecimento do direito de acção quando o autor, por impedimento económico, não consegue antecipar a taxa de justiça.
8. O artigo  552.º, n.º  9 do CPC visa impedir que a carência económica inviabilize o exercício tempestivo do direito de acção, harmonizando-o com a garantia de acesso aos tribunais (art.º  20.º CRP). A jurisprudência mais recente – TRP, 02-06-2023, Proc.  12998/22.9T8PRT.P1 – sublinha que o juiz deve interpretar o requisito de urgência funcionalmente, ponderando «razões materiais de urgência» quando o autor demonstra que a caducidade está iminente.
9. A jurisprudência maioritária das Relações – v.g. TRL, 20-02-2020, Proc.  16026/19.8T8LSB.L1-2; TRP, 17-04-2023, Proc. 12998/22.9 T8PRT.P1 – reconhece que a exigência de pedido de citação urgente não é absoluta quando o autor demonstra: (i) que intentou a ação no limite do prazo; e (ii) que juntou o comprovativo de pedido de apoio judiciário.
10. A doutrina de Miguel Teixeira de Sousa, preconiza idêntica leitura teleológica, advertindo que a literalidade não pode sobrepor-se à tutela efectiva dos direitos, in Estudos de Processo Civil, págs.  245-250, defendendo que o juiz deve privilegiar uma interpretação funcional que salvaguarde o direito de acesso aos tribunais (art.º  20.º CRP).
B. Dever de cooperação e suprimento
Mesmo que se entenda violado o requisito formal, incumbia à secretaria convidar a Recorrente a suprir a deficiência, posto que, mesmo concedendo, por hipótese, que faltaria o pedido de citação urgente, a secretaria estava vinculada a convidar ao suprimento (art.º  7.º, n.º  1 CPC). Ora, a omissão desse convite gera nulidade processual – STJ, 04-11-2021, Proc.  77/21.5JALSB-C.S1 – já que a parte não podia antever a recusa liminar (art.º  7.º CPC) cfr. por todos - STJ, 04-11-2021, Proc. 77/21.5JALSB-C.S1; STJ, 27-09-2023, Proc. 26/23.6YFLSB, STJ, 12-11-2024 , Proc. 5482/14.0T8ALM-B.L1.S1).
11. Destarte, a recusa liminar sem prévio convite constitui nulidade processual (art.º  195.º CPC) e fere o princípio da proporcionalidade (art.º  18.º CRP).
C. Demonstração da urgência
12. Conforme mencionado nos autos a petição inicial foi apresentada «no último dia útil do prazo anual de caducidade» – facto objectivo que reconduz a situação ao conceito de “outra razão de urgência” previsto na parte final do art.º  552.º, n.º  9, in fine, do CPC, satisfazendo a exigência ali prevista. A este propósito o TCA Norte, 22-03-2023, Proc.  00002/22.2BEVIS reconheceu que a incerteza sobre a decisão de apoio judiciário constitui, por si, circunstância urgente.
13. A jurisprudência do STA, Ac.  09-11-2023, Proc.  0387/15.0BEBJA (em matéria de contencioso administrativo) também é transportável para o processo laboral: o tribunal deve valorar a urgência material derivada da possibilidade de perda definitiva do direito substantivo.
V. CONTRADITÓRIO SOBRE A QUESTÃO DA CADUCIDADE/PRESCRIÇÃO
A. Suspensão do prazo por força do pedido de apoio judiciário
14. O pedido de apoio judiciário, formulado em 28-06-2024, operou ex lege a suspensão do prazo de prescrição (art.º  323.º, n.º  2 do CC), conforme entendimento uniforme do STJ, 12.09.2018, Ac. Proc. 8158/16.0T8VNG.P1.S1; STJ, Ac.  24-03-2022, Proc.  1372/20.9T8LSB.S1; TR Lisboa, Ac. 30.03.2023, Proc. 8822/22.5T8SNT.L1-2; TR Porto, 01.07.2013, Ac. Proc. 704/12.5TTOAZ.P1; TR Coimbra, 02.06.2009, Ac. Proc. 1015/07.3TBLRA.C2; TCA-Norte, 17.05.2024, Ac. Proc. 01456/13.7BEBRG; TR Lisboa, 14.12.2023, Ac. Proc. 28422/05.3YYLSB-B.L1-6; TR Porto, 21-04-2015, Proc.  447/13.7TBVFR.P1., entre outros.
15. A decisão definitiva de dispensa da taxa, proferida em 05-07-2024, retroage os seus efeitos à data do requerimento (art.º  27.º-5 da Lei  34/2004). Logo, o prazo permaneceu suspenso entre 28-06 e 05-07-2024.
B. Inaplicabilidade da excepção do art.º  552.º, n.º  9 quando o prazo ainda
Corria
16. Demonstrado que o prazo estava suspenso, resulta inócua a invocação do artigo  552.º, n.º  9 CPC para negar provimento ao recurso. Relevante é antes o entendimento expresso no TRG, 05-07-2023, Proc.  345/22.0T8BRG.G1: inexistindo urgência, mantém-se a recusa, mas só quando o prazo tiver efectivamente expirado, o que não ocorre in casu.
C. Interrupção subsequente
17. A citação a efectuar após admissão da petição (quando ordenada) produzirá efeitos interruptivos (art.º  323.º, n.º  1 CC), reforçando a utilidade prática do prosseguimento da acção.
D. Equidade e parâmetro constitucional
18. A leitura propugnada pelo MP geraria uma desigualdade material entre
trabalhadores solventes e insolventes, proibida pelo art.º  13.º CRP e censurada pelo TC, Ac.  268/2021 (inconstitucionalidade por violação do acesso à justiça quando o legislador impõe ónus desproporcionais a litigantes carenciados).
VI. PEDIDOS
Roga-se assim a V/ Exas., se dignem:
I. Revogar o despacho de 23-09-2024 e ordenar a admissão da petição inicial;
II. Declarar nula a recusa da secretaria, por violação do dever de cooperação;
III. Declarar suspenso o prazo de prescrição entre 28-06 e 05-07-2024;
IV. Subsidiariamente, se outra for a interpretação normativa, suscitar a inconstitucionalidade da norma em crise e remeter a questão de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional (art.º  70.º, n.º  1, al.  b) da Lei do Tribunal Constitucional).
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Os autos foram aos vistos às Exmas Desembargadoras Adjuntas.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, cumpre apreciar e decidir se o tribunal a quo errou ao confirmar a recusa da p.i. por parte da Secretaria.
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III – Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório supra, e ainda que na presente acção pede-se se declare a resolução do contrato de trabalho, com justa causa, por assédio no local de trabalho, e se condene a Ré a pagar à Autora indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor total de 60.000€. Resultou ainda provado que a resolução do contrato ocorreu no dia 29-06-2023, a acção deu entrada em juízo, por meios electrónicos, no dia 01-07-2024, e o pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de preparos e demais encargos, ocorreu no dia 28-06-2024.
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IV – Apreciação do Recurso
A questão a apreciar e decidir é se o tribunal a quo errou ao decidir que a Secretaria bem andou ao recusar a p.i.
A Secretaria recusou a p.i. com fundamento no disposto no art. 558º nº 1, al. f) do CPCivil, ou seja, porque não foi comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, não ocorrendo o caso previsto no nº 9 do artigo 552º do CPC.
Vejamos o regime legal aplicável.
Determina o artigo 558º do CPC os casos de recusa da petição inicial pela Secretaria. Dispõe este preceito legal, para o que ao caso interessa, que “ 1 - São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos:
(…)
f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º;
2 - A verificação dos fundamentos de rejeição elencados no número anterior é efetuada pelo sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, ou, quando tal não seja tecnicamente possível, pela secretaria, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
3 - Sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, compete à secretaria recusar o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição.”
Determina também o artigo 145º do CPC – “Comprovação do pagamento de taxa de justiça
1 - Quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.
2 - A comprovação de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de comprovação.
3 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º
4 - O prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício do apoio judiciário são comprovados:
a) Quando o ato processual seja praticado por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b) Quando o ato processual seja praticado por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo anterior, através da junção do documento comprovativo do prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário.
5 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte, é a parte notificada para que proceda à junção de comprovativo de pagamento ou da concessão de apoio judiciário, sob pena de ficar sujeita às cominações legais.
Atualmente a distribuição é assegurada por meios eletrónicos, nos termos definidos na Portaria 280/2013, de 26 de Agosto (cfr. artigos 132º nº2 e 204º nº 1 do CPC). O processo, nos termos previstos no nº 1 do art. 132º do CPC tem “natureza eletrónica”, e a sua tramitação é efetuada “no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”
Esta Portaria regula vários aspectos da tramitação eletrónica dos processos judiciais, entre os quais a apresentação de peças processuais e documentos – Capítulo II – e a Distribuição – Capítulo III.
Para o que ao caso interessa, dispõe o artigo 17º da Portaria, sob a epígrafe “Tramitação da recusa de atos processuais eletrónicos
1 - Tendo sido efetuada a distribuição eletrónica ou tendo sido os atos processuais praticados e apresentados eletronicamente, deve a unidade de processos verificar a ocorrência dos fundamentos de recusa previstos nas alíneas f) e h) do artigo 558.º do Código de Processo Civil.
2 - Havendo fundamento para a recusa deve a unidade de processos efetuar a notificação da mesma por via eletrónica.
3 - Sem prejuízo do benefício concedido ao autor nos termos do artigo 560.º do Código do Processo Civil, decorrido que seja o prazo para reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respetiva baixa na distribuição.”
Da análise conjugada dos referidos preceitos legais resulta que: se foi realizada distribuição electrónica os se os actos processuais foram praticados e apresentados eletronicamente, deve a unidade de processos verificar a ocorrência dos fundamentos de recusa, mormente  se está comprovado nos autos o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário. Só assim não será no caso previsto no nº 9 do artigo 552º do CPC – “9 - Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, e faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor comprovar que requereu o pedido de apoio judiciário mas este ainda não foi concedido, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º ou, sendo a petição inicial apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, através da junção do respetivo documento comprovativo.”.
Ou seja, a Secretaria, ante a omissão de prova do prévio pagamento da taxa de justiça ou de concessão de apoio judiciário, apenas não recusará a p.i quando:
- tiver sido requerida a citação urgente, se à data da apresentação da p.i. faltarem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade;
- ocorrer outra razão de urgência,
caso em que basta que o Autor comprove que requereu o apoio judiciário, mas que este ainda não foi concedido;
ou ainda
- quando se trate de causa que não importe a constituição obrigatória de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, caso em que a parte é notificada para que proceda à junção de comprovativo do pagamento ou da concessão do apoio judiciário.
No presente caso
- à data da propositura da acção não se mostrava paga a taxa de justiça;
- à data da propositura da acção não se mostrava concedido o apoio judiciário;
- a Autora, com a p.i., juntou comprovativo de ter pedido apoio judiciário no dia 28-06-2024;
- a invocada data de resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora foi o dia 29-06-2023;
- a p.i. deu entrada por meio electrónicos;
- não foi requerida a citação urgente;
- a Autora nada alega na p.i. sobre qualquer outra “razão de urgência” para efeitos do disposto no artigo 552º nº9 do CPC, sendo certo que este preceito pressupõe essa alegação, e caracterização expressa da situação de urgência na petição inicial, por forma a permitir aferir da sua consistência/verificação;
- considerando o valor do pedido, é obrigatória a constituição de advogado ( artigo 40º nº1 a), 629º nº1 do CPC, e 44º nº1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário);
Portanto, ocorrendo – como aqui sucedeu – a apresentação por via eletrónica da petição inicial e efetuada a distribuição automática e eletrónica, incumbia à secção de processos a verificação da regularidade formal da petição inicial, nomeadamente quanto ao cumprimento do disposto no nº 7 do art. 552º do CPC. Entre os demais requisitos formais a que a p.i. deve obedecer, conta-se o pagamento da taxa de justiça ou o comprovativo de concessão do apoio judiciário.
Cumpre não esquecer que as normas que impõem a junção à p.i. de documento comprovativo do pagamento, ou dispensa dele, da taxa de justiça devida, são normas imperativas e o seu cumprimento é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal extrair as respectivas consequências do seu incumprimento.
A lei exige o comprovativo do pagamento ou da sua dispensa. Excepto, para o que ao caso importa, se tiver sido requerida a citação urgente, quando à data da apresentação da p.i. faltarem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade, o que no presente caso não aconteceu, ou ocorrer outra razão de urgência, que, no presente caso, não foi alegada.
Argumenta a Apelante que a decisão recorrida viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, que se  encontra consagrado no artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Como se sabe, este é um direito fundamental, inerente ao Estado de Direito, e que reconhece vários direitos conexos mas distintos, como o direito de acesso aos Tribunais, e a garantia de que o direito à justiça não pode ser coartado pela insuficiência de meios económicos (artigo 20ºnº1 da CRP). Cumpre, no entanto, ter presente que a lei não estabelece qualquer princípio de gratuitidade do acesso à justiça. E, portanto, o legislador pode exigir o pagamento de custas sem que com isso esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, naturalmente, a lei consagra os instrumentos necessários a assegurar o pagamento das taxas devidas, ou a assegurar que o utente possa fazer prova da sua insuficiência económica, estando então dispensado do pagamento de taxa de justiça e custas. Os preceitos em causa nestes autos – 558º nº 1 f) e 559º nº9, ambos do CPC – reflectem esta opção legislativa e não violam os princípios do acesso ao direito e aos tribunais ou da proporcionalidade.
Não ocorre também qualquer violação do principio da cooperação processual, que visa obter com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Este princípio pressupõe naturalmente que as partes cumpram as formalidades previstas na lei processual. Como já supra referimos, a lei prevê um efeito cominatório de rejeição da p.i. que não cumpra as formalidades referidas na alínea f) do nº1 do artigo 558º do CPC. E, portanto, não tinha a secretaria de notificar a Autora para suprir a deficiência.
Defende ainda a Apelante que o facto de ter apresentado a p.i. “«no último dia útil do prazo anual de caducidade» – é um facto objectivo que reconduz a situação ao conceito de “outra razão de urgência” previsto na parte final do art.º  552.º, n.º  9, in fine, do CPC”.
Antes do mais, a razão que fundamentaria a urgência deveria ser expressamente alegada, como referimos supra. Como a Autora não podia deixar de saber, porquanto devidamente representada por advogado, a p.i. é desde logo escrutinada formalmente pelo funcionário judicial. Portanto, as razões que possam afastar a cominação de rejeição devem ser claramente expostas no próprio texto. No caso, as razões que justificavam que não tivesse pago a taxa de justiça e que não juntasse o comprovativo da concessão do apoio judiciário. Tal não aconteceu.
Por outro lado, a Autora interpôs a acção quando já decorrera o prazo a que alude o artigo 337º nº1 do CT, sendo que, ao contrário do defendido pela Apelante na resposta ao parecer do Ministério Público, não ocorreu qualquer interrupção deste prazo nos termos do artigo 323º nº2 do C.Civil, por força do requerimento do apoio judiciário, pois tal requerimento não visou a nomeação de patrono, antes a dispensa de taxa de justiça e demais encargos. De facto, é em presença de pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono, e não para dispensa do pagamento de taxas e demais encargos, que a ação se considera proposta na data de apresentação deste pedido, devendo, em consequência, considerar-se que na mesma data foi requerida a citação do réu e, assim, verificada a interrupção da prescrição nos termos do disposto no artigo 323º nº2 do C. Civil. É o que resulta do disposto o artigo 33º nº4 da Lei 34/2004 de 29/07.
Finalmente, não ocorre qualquer “desigualdade material entre trabalhadores solventes e insolventes, proibida pelo art.º  13.º CRP”, porquanto a Autora não foi discriminada por não ter condições económicas para suportar os custos com a lide.
Em face do exposto, não nos merece censura a decisão recorrida.
                                                           ***
V - Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se a decisão recorrida.
                                                        ***
Custas a cargo da Apelante.

                                                        ***
Lisboa, 10-09-2025,
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Celina Nóbrega
Paula Pott