ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
IMPERATIVIDADE DA LEI
Sumário

Independentemente da interpretação que se faça a propósito do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019 – se tem natureza imperativa ou meramente supletiva – se as partes não convencionaram expressamente acerca da duração do período de renovação do contrato de arrendamento habitacional, deve entender-se que tal período de renovação é de três anos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário: (…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), (…) requereu, em 29.01.2025, procedimento especial de despejo contra (…), invocando a celebração de um contrato de arrendamento para habitação, com início em 01.12.2020, pelo prazo de dois anos, renováveis, e ter comunicado a oposição à renovação do contrato, findando o mesmo, no seu entender, a 30.11.2024.
Citada, a Requerida não deduziu oposição, pelo que o BAS converteu o requerimento de despejo em título para a desocupação do locado, nos termos do artigo 15.º-E do NRAU.
O procedimento foi remetido ao Juízo Local Cível de Loulé, para ser proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio, nos termos do artigo 15.º-EA, n.º 1, alínea a), do NRAU.
Neste tribunal, após ter sido concedido o prévio contraditório, foi proferida sentença considerando que o regime de renovação do contrato pelo período mínimo de três anos, previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, era de natureza imperativa e, por tal fundamento, decidiu julgar o pedido improcedente.

Recorre o Requerente e conclui:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida no dia 07 de Abril de 2025, que julgou o procedimento especial de despejo improcedente, por não provado, e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente, doravante designada por «decisão recorrida.».
2. A decisão recorrida considerou que a comunicação de oposição à renovação remetida pelo Recorrente à Recorrida não poderá ser considerada válida uma vez que o prazo de renovação do contrato ainda se encontrava a decorrer, tendo o seu término apenas em 30.11.2026, aduzindo, para o efeito, uma interpretação do disposto nos artigos 1096.º, n.º 1, e 1097.º, n.º 3, do Código Civil, com redacção dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, como normas de natureza imperativa.
3. Nos termos do disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, e nos termos do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, temos que as partes de um contrato de arrendamento são livres de estabelecer o prazo de duração, desde que o mesmo respeite o disposto no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil (mínimo de 01 ano e máximo de 30 anos), e temos que as partes de um contrato de arrendamento podem convencionar, ab initio, que o contrato não será sujeito a renovação.
4. Caso seja estipulada a possibilidade de renovação, as partes são livres de estabelecer prazos diferenciados para essa mesma renovação, sendo o prazo de 03 anos constante no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, meramente supletivo e aplicável nos casos em que as partes não concretizem o prazo de renovação (silêncio do contrato).
5. A tese da imperatividade do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, viola o elemento literal da interpretação, pois, partindo do texto da norma (artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil), temos que no seu início consta a expressão «salvo disposição em contrário», da qual resulta que a estipulação correspondente no corpo da norma é toda ela supletiva, sendo certo que a única ressalva prevista encontra-se na sua parte final e reporta-se apenas ao que consta no número seguinte (previsão diversa para determinado tipo de contratos) e não a qualquer segmento do corpo da norma, pelo que é por demais evidente que o legislador, por um lado, permitiu às partes a não previsão de renovação e, por outro lado, não as obrigou, em caso de previsão, a um período mínimo de 03 anos, pelo que, atento o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, e a máxima latina «ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus», não tem esta tese apoio na letra da lei.
6. A tese da imperatividade do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, viola o princípio da lógica jurídica, nomeadamente o argumento a maiori ad minus, pois se as partes têm liberdade de estipular a não renovação do contrato (o mais), então as partes também têm liberdade de, em caso de estipulação, fixarem o período que bem entenderem (o menos).
7. A tese da imperatividade do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, traduziria a inutilidade do artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, porque decorre desta norma que, prevendo-se renovação, o prazo mínimo de duração do contrato de arrendamento é de 03 anos a contar da data de celebração, o que significa que o direito de oposição à renovação por parte do senhorio está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de 3 anos, contado da data da celebração do contrato, residindo aqui a tutela da estabilidade do arrendamento, e não propriamente no disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, razão pela qual o elemento interpretativo mais relevante para dilucidação da natureza imperativa ou supletiva desta norma é o sistemático, que impõe que a interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, seja efectuada em conjugação com o disposto no artigo 1097.º, n.º 3, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
8. Face ao exposto, é por demais evidente que o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, tem natureza supletiva, não sendo imposta pelo legislador uma renovação por mais 03 anos.
9. Nos termos do disposto na Cláusula 3ª do contrato de arrendamento celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, o contrato foi celebrado pelo prazo certo de 2 anos, renováveis, com início em 01 de Dezembro de 2020 e termo em 30 de Novembro de 2022 (o que significa que houve a estipulação em contrário constante do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil); renovou-se pelo período de 02 anos, ou seja, até 30 de Novembro de 2024; o Recorrente expediu carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Recorrida; e, nas datas de 31 de Maio de 2024 e Dezembro de 2024, o contrato de arrendamento celebrado entre Recorrente e Recorrida já tinha, nos termos do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, completado os 3 anos impostos pela aludida norma legal.
10. Nestes termos, é por demais evidente que, atenta a natureza supletiva do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, atento o facto de Recorrente e Recorrida terem convencionado que o prazo de renovação do contrato de arrendamento seria de 02 anos, renováveis, e atento o facto de a duração do contrato de arrendamento já ter excedido o período mínimo de 03 anos estipulado no artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, a oposição à renovação efectuada pelo Recorrente foi totalmente tempestiva e produziu os efeitos desejados, tendo o contrato de arrendamento celebrado entre o Recorrente e a Recorrida cessado os seus efeitos em 30 de Novembro de 2024, pelo que a decisão recorrida, ao ter considerado que a comunicação de oposição à renovação remetida pelo Recorrente à Recorrida não poderá ser considerada válida, uma vez que, segundo ali consta, o prazo de renovação do contrato ainda se encontrava a decorrer, tendo apenas o seu término em 30.11.2026, violou o disposto nos artigos 1096.º, n.º 1, e 1097.º, n.º 3, do Código Civil, na redacção, dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, do Código Civil, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.
Nestes termos, e nos demais de direito, cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte que julgou o procedimento especial de despejo improcedente, por não provado, e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente, sendo a mesma substituída por outra que, considerando a tempestividade e produção dos efeitos jurídicos desejados com a oposição à renovação efectuada pelo Recorrente, julgue o pedido totalmente procedente, profira autorização de entrada imediata no locado e decrete o despejo imediato do locado, condenando-se a Recorrida a entregá-lo totalmente desocupado de pessoas e bens ao Recorrente.

Cumpre-nos agora decidir.

A matéria de facto provada foi assim estabelecida na decisão recorrida:
1. Encontra-se inscrita a aquisição a favor do requerente da fracção autónoma, designada pela letra BN, correspondente à fracção 10º-E, do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 11, (…), Loulé, constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o n.º (…).
2. Em 01/12/2020, o requerente e a requerida assinaram documento intitulado ‘Contrato de Arrendamento com Prazo Certo‘, mediante o qual o primeiro deu de arrendamento à segunda e esta tomou a fracção autónoma supra-referida em 1.
3. Nos termos da cláusula terceira, “o arrendamento será feito pelo prazo de dois anos, renováveis. O arrendamento terá início em 1 de Dezembro de 2020”.
4. As partes acordaram que a renda mensal a ser paga pela requerida seria de € 447,22.
5. Foram acordadas as demais cláusulas que constam do contrato, e que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
6. Em 03/06/2024, o requerente através de carta registada com aviso de recepção endereçada para a morada do arrendado, remeteu à requerida comunicação escrita, nos seguintes termos: “(…), na qualidade de senhorio do locado sito na Rua (…), 10º-E, … (fracção autónoma BN e artigo matricial …), comunica a V. Exa. que se opõe à renovação do contrato de arrendamento celebrado com V. Exa. em 01/12/2020, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1097.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. Assim, (…) manifesta a sua intenção de não renovação do contrato, ficando o mesmo denunciado para o respectivo termo, cessando os seus efeitos a 01 de Dezembro de 2024. Nesta conformidade, fica V. Exa. desde já advertida que deverá proceder à entrega do locado, livre e devoluto de pessoas e bens, em perfeito estado de conservação e manutenção e limpo, com todos os seus pertences e equipamentos em 01/12/2024, data da cessação de produção dos efeitos do contrato celebrado (…)”.
7. A carta mencionada no ponto 6 foi devolvida ao requerente por não ter sido levantada pela requerida no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
8. No dia 27/06/2024, o Requerente, através de carta registada com aviso de recepção endereçada para a morada do arrendado, remeteu novamente à Requerida comunicação escrita onde comunicou a esta a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado no dia 01 de Dezembro de 2020, ficando o mesmo «denunciado» para o respectivo termo.
9. A carta mencionada no ponto 8. foi recebida pela requerida em 04/07/2024.
10. A presente acção foi proposta pelo requerente no Balcão do Arrendatário e do Senhorio em 29/01/2025.

Aplicando o Direito.
Do período mínimo de renovação no contrato de arrendamento habitacional
Está em discussão, fundamentalmente, a natureza imperativa do prazo de renovação do contrato de arrendamento habitacional previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na versão introduzida pela Lei n.º 13/2019.
A sentença entendeu que a referida norma determina que “as partes não podem estipular que (o contrato) se renove por um prazo inferior a três anos – ou seja, ainda que as partes estabeleçam o prazo de um ou dois anos para o termo do contrato de arrendamento, caso estipulem que o contrato se renova automaticamente, as renovações têm de ter o prazo mínimo de três ou mais anos.”
Reconhece-se que a jurisprudência sobre a aludida norma não é uniforme, mas a orientação dominante no Supremo Tribunal de Justiça afirma o seu carácter imperativo.
De acordo com esta orientação, podem as partes convencionar a não renovação do contrato, mas admitindo essa renovação, esta deverá ter uma duração mínima de três anos (mesmo que o prazo de duração inicial do contrato seja inferior, pois o artigo 1095.º, n.º 2, permite prazos de duração inicial não inferior a um nem superior a 30 anos; contudo, tendo sido estipulado um prazo de duração inicial inferior a três anos, a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produzirá efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data – artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019).
Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes Acórdãos, indicados a título meramente exemplificativo e publicados no endereço da DGSI:
· de 17.01.2023 (Proc. n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1);
· de 20.09.2023 (Proc. n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1) – com o voto de vencido do Cons.º Jorge Arcanjo;
· de 12.12.2024 (Proc. n.º 138/20.8T8MDL.G1.S1);
· de 13.02.2025 (Proc. n.º 907/24.0YLPRT.L1.S1) – com o voto de vencido da Cons.ª Maria de Deus Correia; e,
· de 13.03.2025 (Proc. n.º 1395/24.6YLPRT.L1.S1) – também com o voto de vencido da Cons.ª Maria de Deus Correia.
Esta é também a posição dominante nesta Relação de Évora, manifestada nos seus Acórdãos de 10.11.2022 (Proc. n.º 126/21.7T8ABF.E1), de 10.11.2022 (Proc. 983/22.0YLPRT.E1), de 25.01.2023 (Proc. n.º 3934/21.5T8STB.E1), de 18.12.2023 (Proc. n.º 607/22.5YLPRT.E1), de 08.02.2024 (Proc. nº 1120/23.9YLPRT.E1), de 11.07.2024 (Proc. nº 39/24.0YLPRT.E1), e de 16.01.2025 (Proc. n.º 78/24.1T8LAG.E1), todos publicados na página da DGSI.
Para os que seguem a linha jurisprudencial que nega esse carácter imperativo ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, o uso da expressão “salvo estipulação em contrário” significa a possibilidade de as partes convencionarem prazos de renovação distintos dos nele previstos, designadamente de duração inferior a três anos.
Seguindo esta interpretação, cita-se, por todos, o Acórdão da Relação do Porto de 09.10.2023 (Proc. n.º 1467/22.1YLPRT.P1), igualmente publicado na página da DGSI.
O caso dos autos tem, porém, uma especificidade que importa ponderar: foi celebrado já no tempo da actual redacção da norma que estamos a discutir, mas não foi estipulado um prazo expresso de renovação do contrato. A cláusula 3.ª do contrato limita-se a dizer o seguinte: “1 – O arrendamento será feito pelo prazo de dois anos, renováveis. 2 – O arrendamento terá início em 1 de Dezembro de 2020.”
O que está convencionado, pois, é o prazo de duração inicial do contrato, dois anos, o que se enquadra no intervalo de tempo de um a trinta anos previsto no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil. Mas não se convencionou, de forma expressa, sobre o prazo de duração dos períodos de renovação, e não se pode interpretar, sem outros elementos que os autos não fornecem, que a vontade das partes fosse que os períodos de renovação tivessem uma duração idêntica ao período inicial do contrato.
Deste modo, independentemente do carácter imperativo ou supletivo do período de renovação por três anos previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, não existindo estipulação expressa das partes acerca desta matéria, sempre se deveria concluir pela aplicabilidade daquela norma e, como tal, afirmar que o contrato, validamente celebrado pelo período inicial de dois anos (de 01.12.2020 a 30.11.2022), se renovou por mais três anos, ou seja, até 30.11.2025.
Ponderando, pois, que a comunicação do senhorio não respeitou esse prazo mínimo de renovação, procedeu correctamente a sentença ao julgar o pedido improcedente.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 10 de Julho de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Vítor Sequinho dos Santos
Eduarda Branquinho