CONTRAORDENAÇÃO LABORAL
INTERPRETAÇÃO
Sumário

Contraordenação prevista no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei n.º 102/2009 – Nulidade da decisão – Interpretação da norma – Princípio da legalidade e proibição da analogia – Significações que encontram expressão no texto da norma – Fim que a norma visa alcançar e justificação funcional que assume no sistema – Elementos objectivo e subjectivo do tipo legal – Punição da negligência

Texto Integral

Decisão sumária

1. O recurso é o próprio, subiu pelo modo e com o efeito adequados.
2. O Tribunal profere decisão sumária uma vez que, com base na jurisprudência que a seguir será indicada, as questões a decidir já foram judicialmente apreciadas de modo uniforme e    reiterado; acresce que os direitos das partes não sofrem compressão, uma vez que da presente decisão cabe reclamação para a conferência – cf. artigo 417.º n.º 6-d) e n.º 8 do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 50.º n.º 4 da Lei 107/2009.
Sentença recorrida
3. Por sentença proferida em 21.11.2024, com a referência citius 56241207, o Juízo do Trabalho do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso apresentado e, em consequência:
a) mantenho a decisão da Inspecção Regional do Trabalho, que condenou a arguida pela prática da infracção prevista e punida no artigo 16º, n.º 2, alínea d), da Lei 102/2009, pelas actividades simultâneas e sucessivas no mesmo local de trabalho;
b) fixo a coima aplicada no valor de 100UC.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2UC.”
Alegações da arguida
4. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior a arguida dela veio interpor o presente recurso, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e a Sentença recorrida e a decisão administrativa serem declaradas nulas, ou, caso assim não se entenda, deve a Douta Sentença ser revogada e substituída por decisão que absolva a Recorrente da contraordenação por não ter sido demonstrado e provado o preenchimento da previsão do artigo 16.º, n.º 2, alínea d), da L 102/2009, nem ser admissível a punibilidade da negligência (...)”
5. Nas suas alegações, vertidas nas conclusões, a arguida/recorrente defende que a sentença recorrida e a decisão administrativa são nulas, devendo ser revogada sentença recorrida e absolvida a arguida por falta de prova dos elementos do tipo e/ou por não ser punível a negligência. Para esse efeito, a recorrente alega, em síntese, o seguinte:
▪ A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1 – a) do CPP por não mencionar os actos ou omissões que preenchem o tipo legal da contraordenação imputada à arguida, contrariamente ao que exige o artigo 39.º da Lei 107/2009;
▪ A decisão administrativa enferma de idêntica nulidade por infringir o disposto no
artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ex vi artigo 60.º da Lei 107/2009;
▪ Isto porque não se provou a existência de trabalhadores de diferentes entidades empregadoras a executarem tarefas em simultâneo no mesmo local e porque a arguida era adjudicatária da obra e não empregadora;
▪ Pelo que, não se verifica o elemento objectivo do tipo de ilícito previsto no artigo 16.º n.º 2 - d) da Lei 102/2009;
▪ A punição da negligência não está prevista para a infracção ao artigo 16.º n.º 2 – d) do DL 102/2009 e, como não se trata de uma infracção laboral, a aplicação do disposto no artigo 550.º do Código do Trabalho (CT) que prevê a punição da negligência, só poderia ter lugar por via da analogia, o que é vedado pelo artigo 2.º do RGCO e pelo artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Resposta do Ministério Público
6. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da primeira instância respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, alegando, em síntese, que:
▪ Não existe a alegada nulidade da sentença por insuficiência de factos para a decisão;
▪ A discordância da arguida quanto à matéria de facto não merece provimento porque o presente recurso não tem por objecto a matéria de facto;
▪ Provou-se que a arguida era a adjudicatária e o artigo 16.º n.º 2-d) da Lei 102/2009 prevê a punição da empresa adjudicatária que infringe os deveres aí previstos, como sucedeu;
▪ Os factos provados 3 a 7 preenchem o elemento objectivo do tipo de ilícito;
▪ O elemento subjectivo do tipo, a negligência, resulta dos factos provados, uma vez que a arguida conhecia os deveres que tinha de cumprir.
7. Na segunda instância, o digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer ao abrigo do disposto no artigo 416.º do CPP, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
8. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º do CPP não tendo a arguida respondido ao parecer mencionado no parágrafo que antecede.
Delimitação do âmbito do recurso
9. São as seguintes, as questões relevantes para a decisão do recurso:
A. Nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no artigo 379.º n.º 1- a) do CPP e nulidade da decisão administrativa por violação do disposto no artigo 58.º do RGCO
B. Falta dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito e ausência de previsão legal a punir a negligência
Factos
10. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas pela qual foram enunciados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
11. Factos provados:
1 – A arguida dedica-se à actividade de silvicultura e outras actividades florestais.
2 – No âmbito de uma acção inspectiva constatou-se que no dia 26.04.2023 no Pico Alto – Parque Ecológico do Funchal, ocorreu um acidente mortal no âmbito dos trabalhos do projecto “Aquisição de serviços para limpeza de matos espontâneos invasores e posterior reflorestação com espécies nativas e folhosas para salvaguarda do coberto vegetal do Parque Ecológico do Funchal”, de que a arguida era adjudicatária.
3 – Neste âmbito a arguida contratou a empresa “Moi-Forestry”, sendo esta a entidade empregadora do sinistrado, sem que se tivesse assegurado a coordenação dos empregadores presentes no local de trabalho e que estavam ao seu serviço, através da organização das actividades de segurança e saúde no trabalho.
4 – A arguida não assegurou que a entidade empregadora do sinistrado, sua subempreiteira, tivesse realizado a identificação dos perigos e avaliação do risco da tarefa que estava a ser realizada pelo sinistrado aquando do acidente, nem elaborado para aquela tarefa qualquer conjunto de medidas de prevenção por forma a eliminar/controlar esses mesmos riscos.
5 - Esta situação é agravada pelo facto de, na ocasião, os trabalhos serem realizados exclusivamente por trabalhadores pertencentes a uma empresa externa, sem que a arguida tomasse qualquer medida no sentido de garantir que os trabalhadores estavam protegidos face aos trabalhos a realizar, até porque os empregadores desses trabalhadores não haviam realizado qualquer avaliação [d]e riscos para a actividade desempenhada, facto que a arguida não verificou.
6 – Cabia à arguida a coordenação dos empregadores presentes no local dos trabalhos a desenvolver, através da organização das actividades de segurança e saúde no trabalho, concretamente pela empresa Moi-Forestry com a identificação dos perigos e avaliação dos riscos da tarefa que estava a ser realizada aquando do acidente, bem como com a adopção de medidas para garantir que os trabalhadores estavam protegidos aquando dos trabalhos, até porque os empregadores não o haviam acautelado.
7 - A arguida estava perfeitamente ciente de que deveria ter que cumprir com a imposição legal supramencionada de coordenação e que ao agir como descrito não procedeu com o cuidado e diligência que na sua qualidade de entidade patronal lhe era exigido.
8 - A arguida sabia que a sua descrita conduta constituía contraordenação punida com coima. 9 - A arguida no ano de 2022 teve um volume de negócios de € 13.794.236.
10 – A arguida, para a obra em causa, tinha um caderno de encargos e nomeou um encarregado de coordenação do projecto.
12. Factos não provados:
Toda a demais factualidade.
Quadro legal relevante
13. Para a presente decisão tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho - Convenção sobre a segurança, a saúde dos trabalhadores e o ambiente de trabalho
Artigo 17
Sempre que várias empresas se dediquem simultaneamente a actividades num mesmo local de trabalho, deverão colaborar na aplicação das disposições da presente Convenção.
Directiva 89/391/CEE relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho
Artigo 1.o Objecto
1. A presente directiva tem por objecto a execução de medidas destinadas a promover o melhoramento da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.
2. Para esse efeito, a presente directiva inclui princípios gerais relativos à prevenção dos riscos profissionais e à protecção da segurança e da saúde, à eliminação dos factores de risco e de acidente, à informação, à consulta, à participação, de acordo com as legislações e/ ou práticas nacionais, à formação dos trabalhadores e seus representantes, assim como linhas gerais para a aplicação dos referidos princípios.
3. A presente directiva não prejudica as disposições nacionais e comunitárias, existentes ou futuras, mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.
Artigo 3.º Definições
Para efeitos da presente directiva, entende-se por:
a) Trabalhador, qualquer pessoa ao serviço de uma entidade patronal e bem assim os estagiários e os aprendizes, com excepção dos empregados domésticos;
b) Entidade patronal, qualquer pessoa singular ou colectiva que seja titular da relação de trabalho com o trabalhador e responsável pela empresa e/ ou pelo estabelecimento;
c) Representante dos trabalhadores, desempenhando uma função específica em matéria de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, qualquer pessoa eleita, escolhida, ou designada, de acordo com as legislações e/ ou práticas nacionais, para ser o delegado dos trabalhadores no que respeita aos problemas da protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho.
d) Prevenção, o conjunto das disposições ou medidas tomadas ou previstas em todas as fases da actividade da empresa, tendo em vista evitar ou diminuir os riscos profissionais.
Artigo 6.º
Obrigações gerais das entidades patronais
1. No âmbito das suas responsabilidades, a entidade patronal tomará as medidas necessárias à defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores, incluindo as actividades de prevenção dos riscos profissionais, de informação e de formação, bem como à criação de um sistema organizado e de meios necessários.
A entidade patronal deve zelar pela adaptação destas medidas, a fim de atender a alterações das circunstâncias e tentar melhorar as situações existentes.
2. A entidade patronal aplicará as medidas previstas no primeiro parágrafo do número anterior com base nos seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Avaliar os riscos que não possam ser evitados; c) Combater os riscos na origem;
d) Adaptar o trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, bem como à escolha dos equipamentos de trabalho e dos métodos de trabalho e de produção, tendo em vista, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho cadenciado e reduzir os efeitos destes sobre a saúde;
e) Ter em conta o estádio de evolução da técnica;
f) Substituir o que é perigosa pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
g) Planificar a prevenção com um sistema coerente que integre a técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais no trabalho;
h) Dar prioridade às medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual; i) Dar instruções adequadas aos trabalhadores.
3. Sem prejuízo das restantes disposições da presente directiva, a entidade patronal deve, de acordo com a natureza das actividades da empresa e/ ou do estabelecimento:
a) Avaliar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores, inclusivamente na escolha dos equipamentos de trabalho e das substâncias ou preparados químicos e na concepção dos locais de trabalho.
Na sequência desta avaliação, e na medida do necessário, as actividades de prevenção e os métodos de trabalho e de produção postos em prática pela entidade patronal devem:
— assegurar um nível mais eficaz de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores,
— ser integrados no conjunto das actividades da empresa e/ ou do estabelecimento e a todos os níveis da hierarquia;
b) Sempre que confiar tarefas a um trabalhador, tomar em consideração as suas capacidades em matéria de segurança e de saúde;
c) Proceder de forma a que a planificação e a introdução de novas tecnologias sejam objecto de consulta aos trabalhadores e/ ou aos seus representantes, no que diz respeito às consequências sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores, em matéria de escolha dos equipamentos, de organização das condições de trabalho e de impacte dos factores ambientais no trabalho;
d) Tomar as medidas adequadas para que só os trabalhadores que tenham recebido uma instrução adequada possam ter acesso às zonas de risco grave e específico.
4. Sem prejuízo das restantes disposições da presente directiva, quando estiverem presentes no mesmo local de trabalho trabalhadores de várias empresas, as entidades patronais devem cooperar na aplicação das disposições relativas à segurança, à higiene e à saúde e, tendo em conta a natureza das actividades, coordená-las no sentido da protecção e da prevenção dos riscos profissionais, informar-se reciprocamente desses riscos e comunicá-los aos trabalhadores e/ ou aos seus representantes.
5. As medidas relativas à segurança, à higiene e à saúde no local de trabalho não devem em caso algum implicar encargos financeiros para os trabalhadores.
Código do Trabalho ou CT
Artigo 281.º
Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho
1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2 - O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.
4 - Os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um. 5 - A lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.
6 - São proibidos ou condicionados os trabalhos que sejam considerados, por regulamentação em legislação especial, susceptíveis de implicar riscos para o património genético do trabalhador ou dos seus descendentes.
7 - Os trabalhadores devem cumprir as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou determinadas pelo empregador.
Artigo 548.º
Noção de contra-ordenação laboral
Constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima.
Artigo 550.º
Punibilidade da negligência
A negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível.
Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro ou Lei 102/2009
Artigo 4.º Conceitos
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Trabalhador» a pessoa singular que, mediante retribuição, se obriga a prestar serviço a um empregador e, bem assim, o tirocinante, o estagiário, o aprendiz e os que estejam na dependência económica do empregador em razão dos meios de trabalho e do resultado da sua atividade, embora não titulares de uma relação jurídica de emprego;
b) «Trabalhador independente» a pessoa singular que exerce uma atividade por conta própria;
c) «Empregador» a pessoa singular ou coletiva com um ou mais trabalhadores ao seu serviço e responsável pela empresa ou estabelecimento ou, quando se trate de organismos sem fins lucrativos, que detenha competência para a contratação de trabalhadores;
d) «Representante dos trabalhadores» o trabalhador eleito para exercer funções de representação dos trabalhadores nos domínios da segurança e saúde no trabalho;
e) «Local de trabalho» o lugar em que o trabalhador se encontra ou de onde ou para onde deva dirigir-se em virtude do seu trabalho, no qual esteja direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador;
f) «Componentes materiais do trabalho» o local de trabalho, o ambiente de trabalho, as ferramentas, as máquinas, equipamentos e materiais, as substâncias e agentes químicos, físicos e biológicos e os processos de trabalho;
g) «Perigo» a propriedade intrínseca de uma instalação, atividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano;
h) «Risco» a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interação do componente material do trabalho que apresente perigo;
i) «Prevenção» o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de atividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores;
j) «Auditoria» a atividade ou o conjunto de atividades desenvolvidas pelos organismos competentes para a promoção da segurança e saúde no trabalho dos ministérios responsáveis pelas áreas laboral e da saúde, com o objetivo de verificar o cumprimento dos pressupostos que deram origem à autorização para a prestação dos serviços de segurança e saúde no trabalho, bem como a qualidade do serviço prestado.
Artigo 16.º
Atividades simultâneas ou sucessivas no mesmo local de trabalho
1 - Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e da saúde.
2 - Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades:
a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário; b) A empresa cessionária, no caso de trabalhadores em regime de cedência ocasional;
c) A empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam serviço ao abrigo de contratos de prestação de serviços;
d) Nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho.
3 - A empresa utilizadora ou adjudicatária da obra ou do serviço deve assegurar que o exercício sucessivo de atividades por terceiros nas suas instalações ou com os equipamentos utilizados não constituem um risco para a segurança e saúde dos seus trabalhadores ou dos trabalhadores temporários, cedidos ocasionalmente ou de trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços.
4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 2 e 3, sem prejuízo da responsabilidade do empregador.
5 - O dono da obra, empresa ou exploração agrícola e a empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com o dono da obra, empresa ou exploração agrícola, empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelas violações das disposições legais relativas à segurança e saúde dos trabalhadores temporários, dos que lhe forem cedidos ocasionalmente ou dos trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços, cometidas durante o exercício da atividade nas suas instalações, assim como pelo pagamento das respetivas coimas.
Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro ou Lei 107/2009
Artigo 25.º
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infração;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.
2 - As sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre objeto de cúmulo material. 3 - Da decisão consta também a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso os sujeitos responsáveis pela infração, o Ministério Público e o assistente, quando exista, não se oponham, mediante simples despacho.
4 - A decisão contém ainda a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o caráter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.
5 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infração.
6 - A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respetivo processo de contraordenação.
Artigo 36.º
Envio dos autos ao Ministério Público
1 - Recebida a impugnação judicial e, sendo caso disso, efectuado o depósito referido no artigo anterior, a autoridade administrativa competente envia os autos ao Ministério Público no prazo de 10 dias, podendo, caso o entenda, apresentar alegações.
2 - Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa competente revogar, total ou parcialmente, a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória.
Artigo 37.º
Apresentação dos autos ao juiz
O Ministério Público torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação.
Artigo 38.º
Não aceitação da impugnação judicial
1 - O juiz rejeita, por meio de despacho, a impugnação judicial feita fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 - Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.
Artigo 39.º Decisão judicial
1 - O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.
5 - Em caso de absolvição, o juiz indica porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.
Artigo 51.º
Âmbito e efeitos do recurso
1 - Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso pode:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida; b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Código de Processo Penal ou CPP
Artigo 379.º
Nulidade da sentença 1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.
Artigo 410.º Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
Código Penal ou CP
Artigo 1.º
Princípio da legalidade
1 - Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.
2 - A medida de segurança só pode ser aplicada a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior ao seu preenchimento.
3 - Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.
Regime Geral das Contraordenações ou RGCO
Artigo 2.º
(Princípio da legalidade)
Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
14. Na análise que se segue o Tribunal leva em conta os seguintes elementos:
Doutrina
Augusto Silva Dias, Direito das Contraordenações, Almedina
Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, GESTLEGAL
Parecer n.º 5/2020, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 21 de Maio de 2020 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa
Jurisprudência
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 89/21.9YUSTR.L1-PICRS (publicado em dgsi.pt)
Acórdão de 25.9.2012, Cour de Cassation, Section Criminelle, Affaire Erika, Cass. crim., 25 septembre 2012, 10-82.938
(publicado em https://www.legifrance.gouv.fr/juri/id/JURITEXT000026430035/)

Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
A. Nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no artigo 379.º n.º 1- a) do CPP e nulidade da decisão administrativa por violação do disposto no artigo 58.º do RGCO
15. Antes de mais, convém começar por recordar que a contraordenação imputada à arguida, pela qual foi condenada, quer por decisão administrativa, quer por sentença judicial que nessa parte confirmou a decisão administrativa, é uma contraordenação prevista e punida no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009.

16. Importa também clarificar que, contrariamente ao que defende a arguida, a contraordenação prevista no artigo 16.º n.º 2 da Lei 102/2009 é uma contraordenação laboral, pois enquadra-se na noção de contraordenação laboral constante do artigo 548.º do CT. Com efeito, se é verdade que o artigo 548.º do CT exige a existência de uma relação laboral, também é verdade que tal preceito não exige, para que se verifique uma contraordenação laboral, que o respectivo sujeito que comete a infracção tenha a posição de empregador. Basta, para haver contraordenação laboral, que “qualquer sujeito” viole uma norma que consagre direitos ou imponha deveres no âmbito de uma relação laboral e que essa violação seja punível com coima, para se estar perante uma contraordenação laboral, sem que o artigo 548.º do CT exija que o infractor seja um dos sujeitos do contrato de trabalho/da relação laboral, no âmbito da qual ocorre tal violação.
17. De onde resulta que, no plano substantivo: o regime contraordenacional primário sectorial, aqui aplicável, é o previsto nos artigos 548.º a 566.º do CT; subsidiariamente aplica-se o regime contraordenacional geral previsto no RGCO, por remissão do artigo 549.º do CT. No plano processual, aplica-se o regime contraordenacional sectorial primário previsto na Lei 107/2009 e, subsidiariamente, aplica-se o regime contraordenacional geral previsto no RGCO, por remissão do artigo 60.º da Lei 107/2009. Por sua vez, o artigo 32.º do RGCO, no plano substantivo, remete para a aplicação subsidiária do Código Penal (CP) e o artigo 41.º do RGCO, no plano processual, remete para a aplicação subsidiária do CPP. É à luz deste quadro legal que o Tribunal aplica as normas desses diplomas a seguir mencionadas.
18. Dito isto, a arguida, recorrente alega que a sentença recorrida é nula por não mencionar os actos ou omissões que preenchem o tipo legal da contraordenação imputada à arguida, contrariamente ao que exige o artigo 39.º da Lei 107/2009 e, por isso, enferma do vício da nulidade previsto no artigo 379.º n.º 1 – a) do CPP.
19. Adicionalmente, na óptica da arguida, a decisão administrativa impugnada em primeira instância enferma de idêntica insuficiência de factos e por isso infringe o disposto no artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO).
20. Segundo o Tribunal julga perceber, para fundamentar a arguição de tais vícios a arguida alega que nem a decisão administrativa impugnada, nem a sentença recorrida, mencionam a existência de trabalhadores de diferentes entidades empregadoras a executarem tarefas em simultâneo no mesmo local, já que, dos factos imputados à arguida e que vieram a provar-se apenas consta que a arguida, como adjudicatária, tinha contratado uma empresa, a Moi Forestry, como subempreiteira, não tendo a arguida/adjudicatária da obra a qualidade de empregadora para efeitos da aplicação do artigo 16.º n.º 2- d) da Lei 102/2009.
21. Para analisar essa questão, convém clarificar que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, procedeu a uma alteração dos factos descritos na decisão administrativa junta com a referência citius 55131074 de 3.4.2024, na medida em que julgou provado o facto 10 que não se encontra descrito na decisão administrativa. Como o facto provado 10 foi alegado pela própria defesa da arguida, na impugnação judicial da decisão administrativa (cf. artigos 4.º e 5.º das alegações da arguida juntas com a referência citius 55131087 de 3.4.2024) e não teve por efeito a imputação de contraordenação diversa, nem a agravação dos limites máximos da coima, a alteração que dele resultou é uma alteração não substancial dos factos, sujeita ao regime previsto no artigo 358.º n.º 2 do CPP, que não carece de ser comunicada à arguida. Essa alteração não foi impugnada no presente recurso pelo que não faz parte do seu objecto.
22. Feita esta clarificação, importa ainda sublinhar que o presente recurso não pode incidir sobre a matéria de facto – cf. artigo 51.º n.º 1 da Lei 107/2009. Porém, o Tribunal pode pronunciar-se sobre as nulidades previstas no artigo 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP, desde que sejam alegadas – cf. artigo 51.º n.º 4 da Lei 107/2009.
23. A esse propósito, a arguida pretende ver qualificada a falta de um dos elementos do tipo objectivo de ilícito como uma nulidade da sentença prevista no artigo 379.º n.º 1 – a) do CPP (conjugado com o artigo                                                           410.º n.º 3 do CPP), com base na violação do dever de fundamentação da decisão judicial especificamente previsto, no caso em análise, no artigo 39.º da Lei 107/2009. Porém, a falta do elemento objectivo do tipo de ilícito aqui em litígio – a saber, a presença simultânea de duas empregadoras cujos trabalhadores desenvolvem actividade no mesmo local – não vicia a sentença por falta de fundamentação. A consequência da falta desse elemento, caso se verificasse, não seria a nulidade da sentença mas a absolvição da arguida. Diversa seria a insuficiência dos factos para a decisão, que ocorre quando o Tribunal não investiga, nem se pronuncia, sobre factos que devia indagar e sobre os quais devia pronunciar-se porque fazem parte do objecto do processo. Se isso suceder, o vício da sentença é a nulidade prevista no artigo 410.º n.º 2 – a) do CPP. Porém, no que respeita à sentença recorrida, como o Tribunal a quo procedeu à alteração não substancial dos factos acima mencionada no parágrafo 21, as alegações da recorrente no presente recurso não se enquadram no vício previsto no artigo 410.º n.º 2 – a) do CPP, uma vez que do facto provado 10 resulta que a arguida tinha um encarregado para coordenar a obra em questão, tal facto foi alegado pela defesa e o Tribunal a quo não deixou de o indagar e de se pronunciar sobre ele.
24. Já no que respeita à alegada nulidade da decisão administrativa, por falta de factos que preencham o elemento objectivo do tipo de ilícito (eg. a presença simultânea de duas empregadoras cujos trabalhadores desenvolvessem actividade no mesmo local), a ser necessário esse facto para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito, a falta da sua indicação na decisão administrativa conduziria à improcedência da contraordenação e não à violação do disposto no artigo 25.º da Lei 107/2009. Convém clarificar que no presente caso não se aplica o artigo 58.º do RGCO como alega a arguida, uma vez que é o artigo 25.º da Lei 107/2009 que prevê os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa.
25. Ainda que a decisão administrativa infringisse o disposto no artigo 25.º da Lei 107/2009, quod non, o certo é que tal preceito não indica qualquer consequência para o incumprimento dos requisitos nele estabelecidos. A esse propósito, afigura-se não ser de aplicar subsidiariamente à decisão administrativa o regime da nulidade previsto no artigo 379.º n.º 1 – a) do CPP, porque os requisitos que deve observar a decisão administrativa, previstos no artigo 25.º da Lei 107/2009, são diversos dos requisitos que deve observar a decisão judicial.
26. Acresce que, também não é de aplicar subsidiariamente à decisão administrativa apresentada em juízo, o regime da nulidade da acusação previsto no artigo 283.º do CPP, pois a apresentação dos autos ao juiz, pelo Ministério Público, prevista no artigo 37.º da Lei 107/2009, não converte a decisão administrativa sancionatória numa acusação. Com efeito, o acto de apresentação do processo contraordenacional ao juiz não é uma acusação, apesar de ter por efeito, tal como a acusação, manifestar a pretensão do Ministério Público de que a arguida seja submetida a julgamento, como resulta do artigo 37.º da Lei 107/2009 (cf. neste sentido, quanto à interpretação do artigo 62.º do RGCO cujo teor, no que aqui releva, é idêntico ao do artigo 37.º da Lei 107/2009, vide o Parecer n.º 5/2020, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 21 de Maio de 2020, em particular, conclusões 2.º, 3.ª e 4.ª).
27. No quadro legal vigente, os vícios da decisão administrativa, a existirem, deveriam, antes, ser controlados pelo Ministério Público e/ou pelo Tribunal, consoante os casos, com base no disposto nos artigos 36.º a 38.º e 51.º n.º 2 da Lei 107/2009.
28. Ou seja, após a impugnação judicial apresentada pela arguida, a autoridade administrativa tem o dever de reapreciar a sua decisão em face dos motivos invocados pela recorrente (cf. artigo 36.º n.º 2 da Lei 107/2009). Uma tal reapreciação pela autoridade administrativa, que tem por limite a proibição da reformatio in pejus (cf. artigo 72.º - A do RGCO), não está no âmbito do seu poder discricionário, pelo contrário, constitui um dever baseado em razões de legalidade (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, páginas 317 e 318, que é válido para as contraordenações do sector laboral).
29. Não fazendo a autoridade administrativa essa reapreciação, cabe ao Ministério Público, caso verifique que a decisão administrativa enferma de vícios sanáveis, proceder ele mesmo à remessa da decisão à autoridade administrativa para que sane tais vícios, como resulta do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, n.º 5/2020, página 30: “Quando porém se verificarem vícios sanáveis na decisão impugnada ou no processo contraordenacional (v.g. falta ou ininteligibilidade da fundamentação da decisão impugnada, inobservância do direito de audiência, utilização de provas proibidas, erro na pessoa do sancionado) que nem justificam o arquivamento do processo, nem a sua apresentação no tribunal, deve o Ministério Público antecipar-se à decisão judicial de devolução do processo à autoridade administrativa e proceder ele a essa remessa, de modo a que tais vícios sejam sanados, proferindo a autoridade administrativa nova decisão, sem que seja necessária uma intervenção judicial”.
30. Quando nada disso é feito, cabe ao Tribunal de primeira instância, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, declarar a nulidade da decisão administrativa impugnada, seja no momento em que os autos lhe são apresentados para o despacho, previsto no artigo 38.º da Lei 107/2009, seja no momento da sentença. Com efeito: O tribunal pode, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, ainda declarar a nulidade da decisão administrativa recorrida e ordenar a remessa dos autos à autoridade administrativa competente para sanação do vício.”; nesse caso, “O Tribunal não impõe qualquer decisão material ao poder executivo, antes controla a legalidade da decisão, porque está vinculado ao princípio da legalidade (...)” cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2.ª Edição, Universidade Católica Portuguesa, página 322.
31. A esse propósito, no despacho em que designou dia para a audiência (cf. referência citius 55266881 de 3.5.2024), o Tribunal a quo julgou, de forma genérica, queNão existem nulidades insanáveis, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa” e na sentença recorrida não voltou a pronunciar-se sobre a nulidade da decisão administrativa. A arguida, no presente recurso, não invoca o vício da sentença recorrida com fundamento na omissão de pronuncia sobre a alegada nulidade da decisão administrativa; pelo que, não tendo tal vício sido invocado como fundamento do presente recurso, o mesmo não é de conhecimento oficioso – cf. Artigos 119.º e 120.º n.º 1 do CPP.
32. Por fim, se a falta do elemento objectivo do tipo aqui alegada pela recorrente gerasse um vício da decisão administrativa, quod non, o Tribunal da Relação poderia, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, ordenar a remessa dos autos à autoridade administrativa para sanação do vício, ao abrigo do disposto no artigo 51.º n.º 2 da Lei 107/2009, já que, nos termos desse preceito legal o Tribunal da Relação pode alterar a decisão do Tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão impugnada, salvo o disposto no artigo 72.º-A do RGCO (proibição da reformatio in pejus).
33. No entanto, o que sucede no caso em análise é que a alegada falta de um dos elementos do tipo objectivo de ilícito não se enquadra em nenhuma das nulidades da sentença previstas no artigo 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP nem, no que respeita à decisão administrativa, representa uma infracção aos requisitos previstos no artigo 25.º da lei 107/2009. Como já foi explicado, a falta de um dos elementos objectivos do tipo de ilícito, a verificar-se, conduz à improcedência da contraordenação e à consequente absolvição da arguida.
34. Motivos pelos quais não se verifica nenhuma das alegadas nulidades e improcede este segmento da argumentação da recorrente.
B. Falta dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito e ausência de previsão legal a punir a negligência
35. A análise desta questão suscita três problemas, que serão analisados pela seguinte ordem: saber quais são os elementos objectivos do tipo de ilícito e se falta algum; saber se se verifica o elemento subjectivo do tipo de culpa negligente; saber se existe previsão legal a punir a negligência.
36. O Tribunal começa por resolver o problema de saber quais são os elementos do tipo objectivo de ilícito imputado à arguida e se os factos provados preenchem todos esses elementos, o que exige uma tarefa de interpretação do artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009 a fim de apurar quais os seus sentidos possíveis.
37. Embora inserido na fundamentação de facto, a sentença recorrida menciona o seguinte raciocínio quanto à interpretação do artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009:
“A arguida alega que não existiam trabalhos em simultâneo para concluir que não existia obrigação de coordenação, mas o alegado não faz sentido, pois que entre si e a empresa Moi-Forestry haveria sempre que coordenar trabalhos, com a organização das actividades de segurança e saúde.
38. A arguida discorda do raciocínio transcrito no parágrafo anterior e defende que, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 107/2009, a empresa adjudicatária não tem a qualidade de empregadora e por isso, como se provou apenas a intervenção da empresa Moi Forestry na actividade em causa, falta um dos elementos do tipo objectivo de ilícito que é a presença de duas empregadoras cujos trabalhadores desenvolvem actividade no mesmo local, simultaneamente.
39. As duas significações do texto do artigo 16.º n.º 2- d) do DL 102/2009 que aqui estão em litígio são, assim, as seguintes:
(i)     Basta, para preencher o tipo objectivo de ilícito que, além da adjudicatária, que tinha um encarregado de coordenação da obra e um caderno de encargos, exista outra empresa, subcontratada pela adjudicatária, que desenvolvia actividades no mesmo local com os seus trabalhadores, nomeadamente com o trabalhador sinistrado, como decidiu o Tribunal a quo;
(ii) Ou, como defende a arguida, é necessário que além da adjudicatária que tinha um encarregado de coordenação da obra e um caderno de encargos, existam pelo menos duas ou mais empresas/empregadoras/terceiras em relação à adjudicatária, a desenvolver simultaneamente actividade no local com os seus trabalhadores; pois se assim for, como esse facto não foi imputado à arguida nem se provou, a arguida deve ser absolvida da contraordenação.
40. Sendo esses os contornos do litígio, para interpretar o artigo 16.º n.º 2 – a) da Lei 107/2009 o Tribunal leva em conta que, embora não resulte directamente do artigo 29.º da CRP, a proibição da analogia também é de aplicar no domínio das contraordenações por razões de segurança jurídica (cf. artigo 1.º n.º 3 do CP). Adicionalmente, o Tribunal lança mão do princípio da legalidade, consagrado no artigo 2.º do RGCO e da função de garantia que dele resulta, e recorre à aplicação subsidiária das regras do CP, como prevê o artigo 32.º do RGCO, ex vi artigo 549.º do CT (cf. sobre a aplicação desses critérios de interpretação, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, GESTLEGAL, páginas 220 a 227 e Augusto Silva Dias, Direito das Contraordenações, Almedina, páginas 71 a 78).
41. No que respeita ao princípio da legalidade, embora a exigência de lei certa e os limites da indeterminação, que dele resultam, não tenham, no direito contraordenacional, o mesmo rigor que têm no direito penal, o certo é que a norma contraordenacional, que define a infracção e a respectiva sanção, tem de configurar o essencial do conteúdo do ilícito de modo que o destinatário compreenda o interesse de ordenação do sector da actividade tutelado e/ou o perigo genérico que a norma visa prevenir.
42. Nesse contexto, o Tribunal começa por fazer uma interpretação literal do artigo 16.º n.º 2 – d) do DL 102/2007 para verificar se o caso em análise cabe num dos sentidos possíveis das palavras da lei. Se concluir que não cabe, não é possível recorrer à analogia para fundar a responsabilidade da arguida, uma vez que a mesma é proibida pelo artigo 1.º n.º 3 do CP. Se concluir que cabe, o Tribunal seguirá os critérios gerais da interpretação, para optar por um dos sentidos possíveis do texto da lei, levando em conta, como elementos decisivos, o fim que a norma visa alcançar (interpretação teleológica) e a justificação funcional que assume no sistema (cf. nesse sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 89/21.9YUSTR.L1-PICRS, parágrafos 60 a 66)
43. Para esse efeito, o Tribunal esquematiza como se segue os elementos do tipo objectivo de ilícito previstos no artigo 16.º n.º 2 – d) do DL 102/2009:
▪ Existirem várias empresas (ou estabelecimentos, ou serviços) que desenvolvem simultaneamente actividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho (cf. artigo 16.º n.º 1 do DL 102/2009 onde se lê “Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho (...) para o qual remete o n.º 2 do mesmo preceito, onde se lê (...) quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior);
▪ Ser a arguida a empresa adjudicatária da obra em curso (cf. alínea d) do n.º 2 do artigo 16.º do DL 102/2009 onde se lê “Nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra (...)”);
▪ A empresa adjudicatária não observar o dever de assegurar a coordenação dos demais empregadores, através da organização de atividades de segurança e saúde no trabalho, para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores dos vários empregadores, que desenvolvem actividades no mesmo local de trabalho (cf. n.º 2 do artigo 16.º do DL 102/2009 onde se lê “(...) devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior (...)” e alínea d) do n.º 2 do artigo 16.º do DL 102/2009 onde se lê “(...) para o que deve [a adjudicatária] assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das atividades de segurança e saúde no trabalho.”;
▪ A arguida/agente da infracção, enquadrar-se no conceito de empregador definido no artigo 4.º - c) da Lei 102/2009:c) «Empregador» a pessoa singular ou coletiva com um ou mais trabalhadores ao seu serviço e responsável pela empresa ou estabelecimento ou, quando se trate de organismos sem fins lucrativos, que detenha competência para a contratação de trabalhadores,”.
44. Da análise que antecede resulta que, contrariamente ao que defende a arguida, não é necessário para preencher o tipo de ilícito aqui em causa, que exista um nexo causal entre a violação do dever das regras de segurança por parte da adjudicatária e o acidente mortal sofrido pelo trabalhador da empresa subcontratada pela adjudicatária.
45. Com efeito, a contraordenação aqui em análise, prevista no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009, é uma contraordenação formal ou de mera actividade (o resultado não faz parte do tipo) e de omissão pura (de mera inactividade), uma vez que não existe qualquer correspondência entre a omissão (que por isso é pura) e a acção (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, GESTLEGAL, páginas 356 e 1012).

46. Dito isto, à luz dos critérios de interpretação enunciados supra, afigura-se que qualquer das significações acima mencionadas no parágrafo 39 se encontra expressa no texto legal, como resulta, por um lado, da letra do n.º 1 – “Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho” para o qual remete o n.º 2 do artigo 16.º da Lei 102/2009 e, por outro lado, da referência constante da alínea d) do n.º 2 desse preceito – “(...) a empresa adjudicatária da obra ou do serviço (...) deve assegurar a coordenação dos demais empregadores”, que equipara a adjudicatária a um empregador, a que acrescem os “demais”.
47. Adicionalmente, o artigo 4.º - c) da Lei 102/2007 apenas exige, no que aqui releva, que para ter a qualidade de empregadora a arguida seja uma pessoa colectiva, com um ou mais trabalhadores ao seu serviço e seja a responsável pela empresa. Ora, a esse propósito, apurou-se que a arguida é uma pessoa colectiva pois, como se extrai da abreviatura “S.A.” incluída na sua firma, é uma sociedade anónima (cf. artigo 275.º do Código das Sociedades Comerciais), responsável pela empresa adjudicatária e tinha pelo menos um trabalhador ao seu serviço, a saber, tinha um encarregado da coordenação da obra que decorria no local em questão, como resulta dos factos provados 1, 2 e 10.
48. Em consequência, o Tribunal pode optar por qualquer uma das significações mencionadas no parágrafo 39 sem ultrapassar os limites impostos à interpretação pelo princípio da legalidade e pela proibição da analogia.
49. Sendo assim, os elementos decisivos, para optar por um dos sentidos da norma aqui em litígio são o fim que a norma visa alcançar (interpretação teleológica) e a justificação funcional que assume no sistema, elementos que serão analisados a seguir.
50. O fim que a norma visa alcançar resulta do artigo 2.º n.º 1 da Lei 102/2009, que tem por epígrafe “Transposição de directivas comunitárias” e é, neste caso, a transposição para o direito interno do artigo 6.º n.º 4 da Directiva 89/391 que prevê o seguinte:
(...) quando estiverem presentes no mesmo local de trabalho trabalhadores de várias empresas, as entidades patronais devem cooperar na aplicação das disposições relativas à segurança, à higiene e à saúde e, tendo em conta a natureza das actividades, coordená-las no sentido da protecção e da prevenção dos riscos profissionais, informar-se reciprocamente desses riscos e comunicá-los aos trabalhadores e/ou aos seus representantes.
51. O artigo 3.º - b) da Directiva 89/391 contém uma definição de empregador (aí designado por “entidade patronal”) para efeitos de aplicação dessa directiva: empregador/entidade patronal é qualquer pessoa singular ou colectiva que seja titular da relação de trabalho com o trabalhador e responsável pela empresa e/ ou pelo estabelecimento. No que respeita ao preenchimento desse requisito, vale o mesmo raciocínio já acima exposto no parágrafo 47. Mas ainda que assim não fosse, o artigo 1.º n.º 3 da Directiva 89/391 prevê que os Estados Membros podem estabelecer regras mais favoráveis no seu direito nacional.
52. Adicionalmente, o artigo 16.º da Lei 102/2009 cumpre a finalidade de concretizar, no plano interno, os deveres impostos pelo artigo 17.º da Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou Convenção sobre a segurança, a saúde dos trabalhadores e o ambiente de trabalho de 1981 (ratificada por Portugal), às empresas que se dedicam simultaneamente a actividades no mesmo local.
53. Já no que respeita à justificação funcional que o artigo 16.º da Lei 102/2009 assume no sistema, tal justificação encontra-se no princípio da responsabilidade social das empresas (ubi emolumentum, ibi onus/onde há benefício há ónus).
54. O princípio da responsabilidade social das empresas encontra expressão no plano interno, no artigo 281.º n.º 4 do CT, que prevê que os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um.
55. O mesmo princípio de responsabilidade social das empresas justifica-se quando, com base no cálculo de utilidade, as empresas tecem entre si relações de dependência, como sucedeu no caso em análise entre, por um lado, a adjudicatária da obra que manteve o controlo indirecto das operações que se desenrolaram no local, pois tinha um caderno de encargos e um encarregado de coordenação dessa obra, e por outro lado, a subempreiteira por ela contratada, que tinha ao seu serviço, simultaneamente, no mesmo local, o trabalhador que foi vítima de acidente mortal enquanto executava a actividade subcontratada (cf. factos provados 1 a 3, 5, 6 e 10). Nessa situação existe, por parte da empresa adjudicatária que tem o controlo, ainda que indirecto, das operações realizadas, um poder e um dever de assegurar a coordenação entre a sua própria actividade de coordenação da obra, enquanto adjudicatária, e a actividade da empresa que subcontratou; ou seja, sobre a arguida recai o dever normal de diligência que inclui a organização de actividades de segurança e saúde no trabalho, com vista a prevenir os riscos genéricos para os trabalhadores de qualquer uma das empresas, arguida e   subcontratada, que directa ou indirectamente desempenham actividade no mesmo local em que está em curso a obra.
56. Essa dimensão do princípio da responsabilidade social das empresas, quando uma delas subcontrata outra para realização de um serviço e mantém o poder de supervisionar ou inspeccionar no local as condições em que a empresa subcontratada realiza o serviço, para prevenir os riscos genéricos que daí decorrem, corresponde igualmente à interpretação da jurisprudência comparada (vide, em França, acórdão de 25.9.2012, Cour de Cassation, Section Criminelle, Affaire Erika, Cass. crim., 25 septembre 2012, 10-82.938).
57. No plano internacional, depois do desastre ocorrido no edifício Rana Plaza no Bangladeche, determinadas empresas do sector têxtil e as empresas por elas subcontratadas, celebraram acordos vinculativos em matéria de responsabilidade social das empresas (RSE), sob a égide da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); o Parlamento Europeu remeteu para esses acordos (cf. Resolução do Parlamento Europeu de 23 de Maio de 2013, sobre as condições de trabalho e as normas em matéria de saúde e segurança na sequência dos incêndios em fábricas e do desmoronamento de um edifício recentemente ocorridos no Bangladeche (2013/2638(RSP), publicada no Jornal Oficial C-55/120 de 12.2.2016, cujos considerandos A e J e ponto 11, o Tribunal cita a seguir):
“A. Considerando que, em 24 de abril de 2013, o desmoronamento da fábrica de confeções situada no edifício Rana Plaza, em Daca, no Bangladeche, causou a morte de 1 100 pessoas e deixou feridas cerca de 2 500, fazendo deste acidente a pior tragédia da história da indústria do vestuário;
(...)
J. Considerando que, na sequência das críticas generalizadas dirigidas às empresas internacionais que trabalham com fábricas de confeção locais, muitas grandes empresas ocidentais subscreveram recentemente um acordo juridicamente vinculativo elaborado por organizações laborais locais com o objetivo de garantir o respeito de normas básicas de segurança no local de trabalho nas fábricas de confeção no Bangladeche;
(…)
11. Solicita a todas as empresas, nomeadamente empresas de vestuário, que contratam ou subcontratam fábricas no Bangladeche e noutros países que respeitem na íntegra as práticas de RSE reconhecidas a nível internacional, em particular as orientações recentemente atualizadas da OCDE para as empresas multinacionais, os dez princípios do Pacto Global das Nações Unidas, a norma-guia sobre responsabilidade social ISO 26000, a declaração de princípios tripartida da OIT sobre empresas multinacionais e política social e os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos, e que investiguem de forma crítica as suas cadeias de abastecimento, a fim de se certificarem de que os seus produtos são confecionados exclusivamente em fábricas que respeitam plenamente as normas de segurança e os direitos dos trabalhadores;”.
58. Assim, tendo em conta os fins e a justificação funcional do artigo 16.º da Lei 102/2009, acima enunciados, afigura-se que o dever de coordenação da arguida mediante organização de actividades de segurança e saúde existe, quer a arguida, como empresa adjudicatária, subcontrate várias empresas para operarem simultaneamente no mesmo local e na mesma obra (o que não se provou), quer a arguida subcontrate apenas uma empresa e operem simultaneamente no mesmo local e na mesma obra, a arguida, que tem um caderno de encargos e um encarregado de coordenação da obra que lhe permite manter o controlo, ainda que indirecto, da obra em curso nesse local, e a empresa subcontratada, que no mesmo local colocou o trabalhador sinistrado, para executar os trabalhos (adjudicados à arguida e que esta subcontratou), como se provou.
59. Nessa situação, o artigo 281.º n.º 4 do CT prevê que os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um.
60. Uma vez que resulta dos factos provados 5, 6 e 10, a inobservância, por parte da arguida/adjudicatária, do dever de coordenação – mediante organização de actividades de segurança e saúde no trabalho –                                com a outra empresa/empregadora, a Moi Forestry, quando cada uma delas tinha pelo menos um trabalhador (a arguida tinha o encarregado de coordenação e a Moi Forestry tinha o trabalhador sinistrado) a desenvolver a respectiva actividade simultaneamente no mesmo local, por ser nele que decorria obra, isso basta para que a arguida tenha consumado a contraordenação prevista no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009.
61. Assim, tendo a arguida, nas circunstâncias acima mencionadas, omitido o dever previsto no artigo 16.º n.º 2-d) da Lei 102/2009, encontram-se preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito.
62. No que respeita ao elemento subjectivo do tipo de culpa, a negligência, convém sublinhar que nos tipos negligentes de mera actividade, neste caso, de mera inactividade (omissão), a violação do dever de cuidado, ou seja, do dever de prever e evitar a realização de um facto típico, ganha autonomia teorético-dogmática. Para resolver a questão prático-normativa de saber que medida de cuidado é exigida assumem relevo os mesmos elementos concretizadores da negligência que relevam para as infracções de resultado (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, GESTLEGAL, páginas 1012 e 1020).
63. Além disso, o Tribunal leva em conta que a prova da negligência, nos tipos contraordenacionais é menos exigente do que nos tipos penais, por um lado, porque os tipos contraordenacionais são mais parcos em elementos objectivos e, por outro lado, porque a arguida é uma pessoa colectiva, o que torna a prova da negligência mais flexível.
64. Feito este enquadramento, é essencial como elemento concretizador da negligência, a existência de normas escritas no sector laboral aqui em causa, em cujo contexto actua a arguida ao desenvolver a sua actividade, nomeadamente, o artigo 281.º do CT já acima mencionado no parágrafo 54. Além desse preceito, existem no Código do Trabalho outras normas sobre segurança e saúde no trabalho (eg. artigos 127.º n.º 1 – g) e h) e n.º 2, 197.º n.º 2 – e) e 212.º n.º 2 – a), do CT) que vinculam a arguida no âmbito da sua actividade e permitem densificar o dever de cuidado que sobre ela impende, tendo em conta que o interesse que a contraordenação aqui em causa visa proteger é a prevenção de perigos genéricos para a saúde e segurança no trabalho.
65. À luz dos elementos concretizadores mencionados no parágrafo anterior, a comprovação da negligência, como elemento subjectivo, infere-se dos factos provados 3 a 8 e 10.
66. Contrariamente ao que defende a arguida, a punição da negligência não resulta do recurso à analogia que, como já foi explicado, é proibido. Tal como já foi acima mencionado no parágrafo 16, a contraordenação prevista no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009 é uma contraordenação laboral, pois enquadra-se na noção de contraordenação laboral constante do artigo 548.º do CT. Por isso, a negligência é punível por força do disposto no artigo 550.º do CT, sem que isso represente qualquer recurso à analogia.
67. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente e improcede totalmente o recurso.

Em síntese
68. Não se verifica nenhuma das alegadas nulidades da sentença recorrida e da decisão administrativa sancionatória.
69. Qualquer das significações do artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009 aqui em litígio – a constante da sentença recorrida e a defendida pela arguida – se encontra expressa no texto legal. Pelo que, o Tribunal pode optar por qualquer uma dessas significações sem ultrapassar os limites impostos à interpretação pelo princípio da legalidade e pela proibição da analogia.
70. Tendo em conta os fins e a justificação funcional do artigo 16.º da Lei 102/2009, afigura-se ser de interpretar essa norma no sentido de que o dever de coordenação aí previsto inclui a coordenação entre a arguida e a empresa por si subcontratada, mediante a organização de actividades de segurança e saúde no trabalho, ainda que a arguida, como adjudicatária da obra, tenha subcontratado apenas uma empresa, a Moi Forestry, uma vez que as duas empresas, a arguida e a empresa subcontratada, tinham os respectivos trabalhadores, o encarregado de coordenar a obra (ao serviço da arguida) e o sinistrado (ao serviço da Moi Forestry), a desempenhar a sua actividade no mesmo local onde decorria a obra.
71. A contraordenação aqui em análise, prevista no artigo 16.º n.º 2 – d) da Lei 102/2009, é uma contraordenação formal ou de mera actividade (o resultado não faz parte do tipo) e de omissão pura (de mera inactividade), uma vez que não existe qualquer correspondência entre a omissão (que por isso é pura) e a acção.
72. O interesse tutelado por essa contraordenação é prevenir perigos genéricos para a segurança e saúde no trabalho.
73. Tal contraordenação consumou-se mediante a mera inobservância, por parte da arguida, do dever de coordenação entre as duas empresas (a arguida e a Moi Forestry) por falta de organização, pela arguida, de actividades de segurança e saúde no trabalho.
74. O elemento concretizador da negligência tem por base as normas sobre segurança e saúde em vigor no sector laboral, nomeadamente, o disposto no artigo 281.º n.º 4 do CT. A negligência da arguida infere-se dos factos provados e, tratando-se de uma contraordenação laboral, a negligência é punível sem que para esse efeito haja recurso à analogia – artigos 548.º e 550.º do CT.
75. Motivos pelos quais improcede o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas
76. As custas do presente recurso ficam a cargo da arguida/recorrente, porque foi condenada em primeira instância e decaiu totalmente no recurso – cf. artigo 513.º n.º 1 do CPP.
77. Fixo em 3 UC a taxa de justiça – cf. artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.

Decisão
I. Julgo improcedente o recurso e mantenho a sentença recorrida.
II. Condeno a arguida nas custas do recurso, fixando em 3Uc a taxa de justiça.

Lisboa, 6 de Agosto de 2025
Paula Pott