PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
QUESTÕES NOVAS INVOCADAS EM FASE DE RECURSO
Sumário

I. A sentença deve ser lida e interpretada como um todo, pelo que eventuais dúvidas quanto ao alcance da decisão final da sentença devem ser esclarecidas à luz da fundamentação, de facto e de direito, que a sustenta.
II. Os princípios da concentração da defesa e da preclusão, consagrados no artigo 573.º do Código de Processo Civil, impõem que o Réu deduza todos os meios de defesa de que pretende lançar mão, na contestação, não podendo introduzi-los em momento posterior, designadamente em sede de recurso.
III. Os recursos têm por finalidade modificar decisões sobre questões já apreciadas e não se destinam a discutir e decidir questões novas. Por isso, as matérias que não tenham sido articuladas pelas partes e não sejam de conhecimento oficioso, não podem ser conhecidas, em sede de recurso.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Sumário: (…)

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Acordam na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Évora,
1. Relatório:
Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos do Concelho de (…) intentou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra (…) e (…) pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.765,04 (cinco mil e setecentos e sessenta e cinco euros e quatro cêntimos).
Fundamentou o peticionado no facto de ter celebrado, no âmbito da sua atividade de proteção social, com o 1º Réu um contrato de prestação de serviços, para apoio ao utente (…), 2º Réu, tendo-lhe prestado todo o apoio e assistência necessária, designadamente a nível de alojamento, alimentação, tratamento de roupa, cuidados de saúde primários, higiene, conforto pessoal e apoio social e que os RR deixaram de pagar, em maio de 2021, a comparticipação familiar do utente, no valor de € 339,12 mensais.
Os réus apresentaram oposição.
Após a realização da audiência final foi proferida sentença que condenou os RR a pagarem à autora a quantia de € 5.765,04, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à respetiva taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
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O Réu (…), por não se conformar com a sentença, interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem a partir da 13.ª conclusão, porquanto as conclusões 1 a 12 são a cópia dos factos considerados provados na sentença, que serão transcritos infra.
A) Há mandato com e sem representação, isto é, casos em que o mandatário atua por conta e em nome de outrem, em citando os poderes de representação - artigo 1178.º e hipóteses em que mandatário age por conta de outrem, mas em nome próprio - artigo 1180.º.
B) O Recorrente interveio em negócio jurídico em representação de seu irmão já que o representava e representa enquanto, agora, maior acompanhado.
C) Do teor do contrato é identificado o Recorrente na identificação dos intervenientes como requerente dos serviços e contacto privilegiado de seu irmão. Porém, logo de imediato e da simples leitura do próprio contrato se afere que o mesmo se não destina ao Recorrente que, diga-se, não obtém qualquer benefício com o sobredito contrato.
D) De forma abusiva, é referido que o mesmo se destina a prestar serviços ao recorrente quando na realidade tal não é verdade! (veja a esse propósito cláusulas 1ª e 2ª).
E) É o Réu (…) quem aceita todas as normas funcionais da instituição.
F) Por fim, haverá ainda que apreciar a outorga do próprio contrato que na mesma senda do alegado supra contém apenas a assinatura do recorrente e da representante da recorrida!
G) Inequívoco se torna que, de facto, o contrato se destinava ao R. (…) e não ao Recorrente (…), razão porque deverá este ser considerada parte ilegítima e em consequência absolvido da instância com as legais consequências.
H) Mas ainda que assim não fosse sempre poderia o R. (…) não ratificar o contrato celebrado pelo seu “mandatário”, o que não resulta manifesto dos autos (vide Rui Alarcão, Confirmação dos Negócios Anuláveis, I, pág. 118).
I) E essa ratificação foi tácita pelo R. (…) que se não opôs a permanecer nas instalações da A. por determinado período de tempo!
J) Facto insofismável é a circunstância do Recorrente ter sempre agido por conta e no interesse do R. (…), que, de facto beneficiou dos serviços prestados pela A.,
K) Pagou durante determinado tempo a quota parte da mensalidade que lhe competia e em simultâneo beneficiou dos serviços que ali lhe foram prestados!
L) No cumprimento do contrato de mandato, o mandatário age sempre por conta do mandante, que é assim o verdadeiro dono do acto ou dos actos para que ele é conferido.
M) No mandato sem representação mantém-se a essência do mandato, mas o mandatário age em nome próprio do que resulta que tal contrato tem duas finalidades: uma imediata, consistente em acto ou actos a praticar pelo mandatário e normalmente por terceiros e uma mediata, através da qual o mandatário deve transferir para o mandante os efeitos daquele ou daqueles actos. III. O elemento volitivo é sempre determinante (Ac. STJ, 29-06-1993: CJ/STJ, 1993, 3º-9).
N) É a consagração do princípio da dupla transferência frente aos efeitos meramente obrigacionais que emergem deste mandato.
O) Há aqui uma interposição real onde os direitos e as obrigações são adquiridos pelo interposto R. – agindo em seu nome, mas por conta e no interesse da A. – daí a ação pessoal que a A. intentou.
P) A A. afirma que celebrou com o Recorrente contrato de prestação de serviços sendo que apenas o R. (…) beneficiou do mesmo e ainda que não tenha outorgado o contrato, tinha seu irmão com mandato sem representação, a diligenciar pela obtenção de solução social para aquele.
Q) A obrigação de pagar recai sobre o mandante e não sobre o mandatário até ao limite do mandato conferido, ou seja, na medida em que os poderes conferidos ao mandatário não tenham sido excedidos.
R) Apenas poderá o R. (…) responder pela divida na medida em que foi este quem beneficiou dos serviços prestados pela A..
S) Poderá ser imputada a responsabilidade contratual ao R. (…) tanto mais que foi este quem beneficiou dos serviços que efetivamente lhe foram prestados.
T) A decisão recorrida é nula pois deixa que se pronunciar a partir de quando – adoptando o raciocino pela corresponsabilização de ambos os RR. –, são devidos juros de mora vencidos e vincendos.
U) Entende o recorrente que tal enunciação se mostra essencial para que quanto a esta parte (juros) possa ser determinado o quantitativo a liquidar a esse título.
V) Dispõe o artigo 615.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando, (alínea c)) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e (alínea d)) O juiz deixe de pronunciar- se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
W) Do teor da decisão sob recurso determina esta na decisão, a final, que sejam os RR. condenados no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, omitindo, porém, a partir de quanto são devidos os mencionados juros.
X) Tal omissão é desta forma omissa a partir de quando se mostram devidos os valores reclamados o que constitui nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, alíneas c) e d), Código Processo Civil, nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
Y) A sentença recorrida deveria ter absolvido o R. (…) por ser este parte ilegítima para intervir nos presentes autos.
Z) Deverão ser alterados os Pontos xx dos Factos dados como provados devendo a passar a constar apenas que o R. (…) requereu os serviços junto da R., através de representante, mandado sem representação.
AA) A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 615.º, alíneas c) e d), Código Processo Civil e artigos 258.º, 1157.º, 1178.º, n.º 2, 1180.º e 1181.º, n.º 2, todos do Código Civil.
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A Autora/Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, atento o disposto artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
i. Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
ii. Da ilegitimidade do Réu/Recorrente (…);
iii. Da admissão do recurso da matéria de facto e respetiva impugnação da decisão de facto;
iv. Reapreciação jurídica da causa.
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2. Fundamentação:
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A autora é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que tem por objetivos, entre outros, a proteção social dos cidadãos nas eventualidades da doença, velhice, invalidez e morte, bem como em todas as situações de falta de diminuição de meios de subsistência ou de incapacidade para o trabalho.
2. No exercício da sua atividade, a autora a requerente, em 12/12/2019, celebrou com (…), ora 1º Requerido, um contrato de prestação de serviços, no âmbito da resposta social ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas) para apoio ao utente (…), ora 2º Requerido.
3. No âmbito do contrato de prestação de serviços e nas condições nele estabelecidas, a autora a Requerente admitiu o utente (…), ora 2º Requerido, nas suas instalações, prestando-lhe, desde então, todo o apoio e assistência necessária, designadamente, a nível de alojamento, alimentação, tratamento de roupa, cuidados de saúde primários, higiene conforto pessoal e apoio social.
4. Nos termos da cláusula IV do Contrato de Prestação de Serviços, a comparticipação familiar do utente, foi fixada em € 339,12 mensais, a pagar até ao dia 10 do mês a que a mesma se refere.
5. Na presente data encontram-se em dívidas, porque não foram pagas pelos requeridos, as mensalidades correspondentes aos meses de Maio de 2021 a Setembro/2022, no montante total de € 5.765,04 (17 x € 339,12).
6. A comparticipação mensal deixou de ser paga pelos requeridos no mês de Maio de 2021.
7. O requerido na pessoa dos seus familiares predispôs-se a sair das instalações da requerente sendo acolhido pela sua família e no âmbito de projeto vida independente com assistência pessoal 24 horas/dia.
8. O requerido é portador de incapacidade física de 92%, encontrando-se paraplégico e dependente de terceiros para as suas lides diárias.
9. Não sabe ler e escrever.
10. Tem dificuldade em se expressar sendo difícil compreender o que o mesmo procura transmitir.
11. É fumador e necessita de auxílio para as atividades diárias.
12. Foi a Segurança Social a entidade que promoveu a sua ida para as instalações da A. do 2º requerido.
13. Em 29 de Março de 2021, o 1º requerido comunicou que iria retirar o 2º requerido da instituição.
14. No dia em causa, nenhum familiar foi buscar o 2º requerido às instalações da A.
15. O 2º requerido tinha visitas frequentes do 1º requerido e de seu pai.
16. Durante o período pandémico as visita foram limitadas, e realizadas através dos gradeamentos da instituição.
17. Não foi o 2º requerido retirado das instalações da A., porquanto o mesmo ocupava uma vaga reservada do instituto de Segurança Social.
18. O 1º requerido foi interpelado a pagamento dos valores em divida por cartas remetidas em 02/07/2021 e 30/12/2021.
19. A Autora denunciou o contrato em 24/05/2022.
20. Atualmente o 2º requerido já não se encontra internado nas instalações da A, desde pelo menos Fevereiro de 2023.
21. Encontrando-se por liquidar os valores das mensalidades devidas desde Maio de 2021.
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2.2. O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) Que a Requerente se recusou a deixar sair o requerido das suas instalações tendo inclusivamente sido apresentada queixa crime nos serviços do Ministério Público de (…).
b) A permanência do requerido nas instalações da requerente apenas se deve à própria que se recusa a libertar o requerido.
c) O 1º requerido por várias ocasiões já informou que não consente que o requerido permaneça na instituição.
d) Vêem recusada a solicitação de libertar o requerido da mesma, para a sua residência.
e) A requerente tem vindo abusivamente a prestar cuidados ao requerido, contra a sua vontade e dos seus familiares.
f) Que os familiares se encontram impedidos de poder visitá-lo nas instalações.
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2.3. Apreciação das questões a decidir:
2.3.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Propugna o Recorrente (…), nas alegações de recurso, que a decisão recorrida é nula por não referir o momento a partir do qual são devidos juros de mora vencidos e vincendos, pelo que violou o disposto no artigo 615.º, alíneas c) e d), do CPC. Termina as alegações propugnando que “Deve ser declarada nula a decisão proferida por se verificar ininteligibilidade da decisão condenatória no que se refere aos juros em que condena o recorrente.”
Dispõe a norma citada e designadamente as alíneas em causa, que:
“É nula a sentença quando: (….)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Analisada a sentença verifica-se que, não obstante na parte decisória da sentença se referir, no que aos juros de mora diz respeito, apenas: “Pelo exposto, decide-se condenar os Réus (…) no pagamento à Autora (…) a quantia de (…), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à respetiva taxa legal, até efetivo e integral pagamento”, consta do último parágrafo da “Fundamentação de direito”, mesmo antes da última parte “IV. Decisão”, o seguinte:
“A autora é uma sociedade comercial, pelo que tem a qualidade de comerciante. Relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, previstas no artigo 102.º, § 3.º, do Código Comercial, aos juros moratórios devidos aplicam-se as taxas supletivas para os juros comerciais que vigoraram desde a data de vencimento da factura até integral pagamento” (sublinhado e negrito nosso).
Deste parágrafo é manifesto que, ao contrário do invocado pelo Recorrente, a sentença identifica de forma expressa o momento a partir do qual são devidos os juros de mora: a partir do vencimento das respetivas faturas.
Ora, na fundamentação da sentença concretiza-se quando é que é devido o pagamento da fatura. Com efeito, o ponto 4. da matéria de facto dada como provada explicita que: “a comparticipação familiar do utente, foi fixada em € 339,12 mensais, a pagar até ao dia 10 do mês a que se refere” e o facto 5 refere que “não foram pagas, pelos requeridos, as mensalidades correspondentes aos meses de Maio de 2021 a setembro de 2022, no montante de € 5.765,04 (17 x € 339,12)”.
Deste modo, é manifesto que a sentença não omite qualquer pronúncia quanto aos juros de mora, designadamente quanto ao momento a partir do qual são os mesmos devidos concluindo-se, por conseguinte, que não existe qualquer “ininteligibilidade da sentença”, devendo a decisão final, que foi devidamente destacada da sentença, nos termos do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ser lida e interpretada em articulação com a fundamentação de facto e de direito, que a sustenta e suporta.
Na verdade, ainda que a parte decisória deva espelhar de forma clara o resultado da lide e, por isso, devesse concretizar o momento a partir do qual são devidos juros, a sentença deve ser lida e interpretada no seu conjunto, pelo que, eventuais dúvidas quanto ao alcance do segmento decisório da sentença, devem ser esclarecidas à luz da fundamentação, de facto e de direito, que o sustenta.
No caso em apreço, a leitura da sentença no seu todo, não deixa qualquer margem para dúvidas interpretativas quanto ao momento inicial da contagem dos juros, pois a Mma. Juíza não deixou escapar a questão do vencimento e a decisão é completamente compreensível.
Face ao exposto, improcede o recurso, na parte atinente à arguição da nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, alínea c) e d), do Código de Processo Civil.
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2.3.2. Da ilegitimidade do Réu/Recorrente (...)
Defende o Réu/Recorrente que “o contrato se destinava ao réu (…) razão por que deverá ser considerado parte ilegítima e, em consequência, absolvido da instância”.
Nos termos do artigo 30.º do Código Processo Civil, que estabelece o conceito de legitimidade, “o Réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, sendo que o consagrando tal preceito legal o princípio interesse em contradizer exprime-se “pela prejuízo que advenha da procedência da ação”, geral de que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Conforme entendimento consolidado na jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do TRP de 04.10.2021[1], “ao apuramento da legitimidade processual – pressuposto processual que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação e que, a verificar-se, conduz à absolvição da instância – releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram esta última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada”.
Deste modo, no caso concreto, dúvidas não existem de que o Réu tem legitimidade para a causa. Tanto assim que foi demandado, condenado e recorreu. Outra questão é saber se o Réu foi ou não devidamente condenado, mas isso já é questão de mérito que se relaciona com os factos que foram dados como provados e não provados e conduz, não como requerido à absolvição da instância, mas do pedido.
Neste conspecto, sendo o Réu (…) parte legítima, na ação, improcede também o recurso nesta parte.
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2.3.3. Da admissão do recurso da matéria de facto;
Cumpre, antes do mais, apreciar e decidir se é de admitir ou rejeitar o recurso da decisão relativa à matéria de facto.
Nos termos do artigo 640.º do CPC (que estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto), sob pena de rejeição, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente” [2], o recorrente deve especificar, na impugnação:
a. os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados[3];
b. os meios probatórios que imponham decisão diversa e, no caso de prova gravada, com indicação exata das passagens da gravação relevantes.
c. a decisão que deve ser proferida.
Analisado o teor do recurso, no que se refere ao mencionada em a., verificamos, que a Recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados. E não o faz nem nas conclusões, referindo nestas apenas que “Deverão ser alterados os pontos xx dos factos dados como provados devendo passar a constar apenas que o Réu (…) requereu os serviços juntos da Ré, através de representante, mandado sem representação.” nem o faz na própria motivação, onde não especifica qual o ponto da matéria de facto que julga incorretamente julgado.
No que se refere ao requisito referido em b., o Recorrente diz o seguinte, na motivação: “haverá de atender às declarações prestadas pelo próprio recorrente em juízo que questionado sobre os termos em que celebrou o contrato esclareceu que XXXXX”. Ou seja, não transcreve o que pretende, nem especifica em concreto as passagens da gravação que considera pertinentes.
Finalmente, quanto ao pressuposto constante em c., o Recorrente não expressa a redação que deseja, referindo nas conclusões de recurso que: “devendo a passar a constar apenas que o Réu (…) requereu os serviços junto da Ré, através de representante, mandado sem representação”. Ora, esta afirmação não consubstancia um facto, mas antes uma conclusão de direito, que conjugada com a omissão relativa à indicação concreta dos factos impugnados e dos meios probatórios nos conduz à conclusão de que o Recorrente incumpriu os ónus impostos a quem impugne a decisão relativa à matéria de facto.
Em consequência, e não estando prevista a possibilidade de convidar o recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso[4] quanto ao incumprimento referidos, concluímos pela impossibilidade de reapreciar, no presente caso, a decisão proferida sobre a matéria de facto, impondo-se a imediata rejeição do recurso nessa parte.
Pelo exposto, rejeita-se o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, mantendo-se a decisão de facto expressa na decisão recorrida.
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2.3.4. Reapreciação jurídica da causa;
Na sentença recorrida, considerou-se que Autora e RR celebraram entre si um contrato de prestação de serviços, no âmbito da resposta social ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas), nos termos do qual os RR se obrigaram a pagar um valor mensal que não pagaram, motivo pelo qual foram condenados no pedido que consubstancia precisamente o preço dos serviços prestados e não pagos entre Maio de 2021 e Setembro de 2022.
Aquando da oposição apresentada o Réu/Recorrente tinha admitido a celebração do contrato nos termos indicados pela Autora no requerimento de injunção mas defendeu-se por exceção ao invocar ter o contrato sido resolvido, porque não pretendiam que o 2º Réu continuasse naquela instituição e que a instituição prestava os serviços contra a vontade dos Requeridos.
Os factos alegados pelos RR e que consubstanciavam a referida exceção foram todos dados como provados.
Vem agora o Recorrente, em sede de recuso, com uma questão nova e completamente distinta: pôr em causa ter celebrado o contrato por si, propugnar que interveio no contrato, apenas em representação do seu irmão, já que nunca beneficiou do mesmo; Que agiu sempre, por conta e no interesse do R. (…), que, foi quem beneficiou dos serviços prestados pela A.. Conclui, por isso, que a obrigação de pagar recai apenas sobre o mandante e não sobre o mandatário até ao limite do mandato conferido, ou seja, na medida em que os poderes conferidos ao mandatário não tenham sido excedidos, pelo que penas poderá o R. (…) responder pela divida, tendo a decisão recorrida violado o disposto nos artigos 258.º, 1157.º, 1178.º, n.º 2, 1180.º, 1181.º, n.º 2, todos do Código Civil.
A invocação destes factos consubstancia matéria que não está dada como provada e que nem poderia ser dada como provada porque nunca alegada, exceto agora em sede de recurso.
No caso concreto, o Recorrente/Réu poderia, em sede de contestação, ter invocado esta fundamentação de defesa, que imporia que a discussão da causa ocorresse sobre esse fundamento, mas, ao invés, admitiu, ou seja, confessou ter celebrado o contrato nos exatos termos referidos pela Autora e constantes do contrato escrito que foi junto aos autos e que foi dado como provado.
Por conseguinte, não tendo o Réu/Recorrente apresentado essa defesa em sede de contestação e, por conseguinte, não tendo a Autora pronunciado-se sobre a mesma, nem sequer a sentença aludiu a tal questão que não foi suscitada e de que não podia conhecer oficiosamente (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CPC), também não o pode fazer agora, em sede de recurso, atento o disposto no artigo 574.º do CPC, que consagra os princípios da concentração da defesa na contestação e da preclusão[5].
“I - Os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II - As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida”.
Acresce que as alegações não têm qualquer respaldo nos factos dados como provados (fundamentados no acordo das partes e nos documentos juntos, designadamente no contrato escrito e subscrito pelas partes) que evidenciam que o Réu/Recorrente (…) outorgou o contrato “na qualidade de requerente de serviço” e nos termos da cláusula IV “Nos termos do presente acordo, o segundo outorgante compromete-se a comparticipar mensalmente o primeiro outorgante a soma da seguinte quantia: € 339,12 (…)”.
Por conseguinte, não assiste qualquer razão ao recorrente, não se mostrando violado qualquer das normas citadas relativas à representação (artigo 258.º do CC) e/ou ao contrato de mandato previsto nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil.
Improcede, também, mais este ponto do recurso.
Face a todo o exposto, importa concluir que a sentença não padece dos erros de direito invocados pelo Recorrente e não viola qualquer dos preceitos pelo mesmo referido, motivo pelo qual deve ser mantida na íntegra, com os fundamentos de facto e de direito exarados na mesma.
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As custas são suportadas pelo Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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3. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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Évora, 10 de julho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
António Marques da Silva (1.ª Adjunto)
Maria Adelaide Domingos (2.º Adjunto)


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[1] Publicado in www.dgsi.pt.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7:ª edição, pág. 198.
[3] Que conforme se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 10-10-2024, no Proc. n.º 1109/21.2T8ENT.E1, publicado in www.dgsi.pt: “(os concretos pontos de facto impugnados) devem ser feitos nas respetivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão.”
[4] Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2025 (Processo n.º 2015/23.1T8AVR.P1.S1 “Não resultando das conclusões de recurso que o recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, tenha concretizado os pontos de facto que considera incorretamente julgados, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC, e à luz do entendimento que vem sendo sufragado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em particular a decorrente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 17 de Outubro de 2023, in Diário da República 220/2023, Série I de 2023-11-14, págs. 44-65, deve o recurso do Autor nessa parte ser rejeitado, não havendo lugar a convite para aperfeiçoamento das conclusões. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/313bbe02e79267bd80258c2200445ef1?OpenDocument
[5] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2004, proferido no Processo n.º 642/04, o Acórdão do STJ de 08-10-2020 (Processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1) e ambos publicados in www.dgsi.pt).