PEDIDO INFUNDADO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário

I - Nos termos do art.22º, do CIRE, a dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo.
II - Trata-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual, sendo-lhe aplicável o artº 483º do CC, mas exigindo-se que o ato ilícito seja cometido com dolo.
III - Tendo no processo de insolvência ficado provado que, ao contrário do fundamento invocado pela ré, os autos revelaram que a ora autora é uma sociedade comercial próspera, com um vasto património, recurso ao crédito bancário e meios financeiros próprios que lhe permitem solver na totalidade aquela dívida e cumprir as respetivas obrigações perante outros fornecedores, mostra-se infundado o pedido de declaração de insolvência.
IV - Os factos provados nesta ação relativos ao relacionamento comercial entre autora e ré, que precederam o pedido de insolvência são demonstrativos que a apresentação do pedido de insolvência da autora pela ré consubstancia um uso desviado do propósito do processo de insolvência, que é o de propiciar a execução dum devedor impossibilitado de cumprir as suas obrigações – artigos 1º e 3º nº 1 do CIRE – consubstanciando uma forma de pressão indevida sobre a autora, para que esta procedesse á liquidação imediata do crédito.
V - Assim e porque a ré tinha plena consciência de que um processo de insolvência prejudica a imagem de qualquer empresa junto de fornecedores, entidades financiadoras e bancárias, clientes e potenciais clientes, para mais numa empresa como a autora acabada de constituir e se conformou com esse resultado, atuou com dolo necessário, devendo por isso ser responsabilizada pelos prejuízos causados à autora.

Texto Integral

Processo: 684/23.1T8PVZ.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 4

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos

Artur Dionísio Oliveira

Ramos Lopes

SUMÁRIO:

………………………………

………………………………

………………………………

Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

A Autora A..., LDA, melhor identificada nos autos, intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra a Ré, B..., LDA. também aí melhor identificada, tendo formulado os seguintes pedidos:

Ser a Ré condenada a pagar à Autora, a título de responsabilidade civil pelos prejuízos vindos de descrever, decorrentes da propositura do pedido infundado de insolvência, uma importância nunca inferior a €350.000,00 (Trezentos e cinquenta mil euros), decomposta nos seguintes valores:

- €36.260,06 (Trinta e seis mil duzentos e sessenta euros e seis cêntimos), a título de prejuízos decorrentes da afetação de recursos humanos ao processo de insolvência;

. - €22.746,39 (Vinte e dois mil setecentos e quarenta e seis euros e trinta e nove cêntimos), a título de despesas com honorários de advogado no âmbito do processo de insolvência;

- €5.736,70 (Cinco mil setecentos e trinta e seis euros e setenta cêntimos), a título de despesas associadas ao reforço do crédito a que a A. se viu constrangida a recorrer para fazer face às exigências impostas pelos seus fornecedores em decorrência do processo de insolvência;

- €49.640,00 (Quarenta e nove mil seiscentos e quarenta euros), valor dos impostos (IMT e imposto de selo) que a A. suportou na compra do imóvel (armazém), como consequência indireta do processo de insolvência, nos termos que se expôs;

- Valor mínimo de €235.616,85 (Duzentos e trinta e cinco mil seiscentos e dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de compensação, a determinar equitativamente, pelo impacto negativo do processo de insolvência no crescimento da sociedade aqui Autora, afetando a sua posição no mercado, o que se repercutiu imediatamente no ano de 2021, em que a sociedade ficou 1.3 milhões de euros (em valor de vendas) aquém dos objetivos previstos, com a consequente perda de lucros, todos eles danos causados à autora com o pedido de insolvência da ré que sabia infundado.

Citada a Ré veio contestar, defendendo-se por impugnação, alegando em suma que o valor de fornecimento feito pela A à A. sem pagamento totalizavam à data €305 684,59, sendo que o fornecimento foi feito sem garantia, permanecendo tal divida sem pagar na presente data.

Que a Ré era uma sociedade recentemente criada, mas a partir de um grupo em notória dificuldade financeira. Impugna os prejuízos invocados, concluindo pela absolvição da Ré dos pedidos, com todas as legais consequências.

Veio a ser realizado o julgamento e no final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Julga-se a acção totalmente improcedente e absolve-se a ré de todos os pedidos.

Julga-se totalmente improcedente o pedido de condenação a ré como litigante de má-fé.

Custas pela autora.”

Inconformada, a Autora A..., LDA, veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes Conclusões:

(…)

A Ré B..., LDA., veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:

“Em conclusão,

72. Cabia à Recorrente o ónus da prova quanto à culpa, dano e, sobretudo, nexo de causalidade. Ora,

73. Nos autos não foi alegado e, menos ainda, provado, qualquer dano imputável à atuaçãõ̧o da Recorrida que tenha tido repercussão direta na pessoa da Recorrente, pelo que, de uma forma ou de outra, o presente recurso terá́ que soçobrar.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que Vossas Excelências não deixarão de, proficientemente, suprir, deve a presente apelação ser julgada totalmente improcedente, mantendo-se in totum a decisão recorrida.”

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, que, assim, definem e delimitam o objeto do mesmo.

As questões suscitadas nas conclusões do recurso são as seguintes:

-erro na apreciação da matéria de facto, pretendendo a apelante a modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas relativamente a factos que indicou relativos à desmonstração do dolo da ré e dos prejuízos invocados.

-consequentemente pretende a alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação, ou seja a condenação da ré pelos prejuízos que causou ao intentar pedido de insolvência da autora que sabia ser infundado.

III-MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.

Tal como explica Abrantes Geraldes[1], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

Nos termos do preceituado no art. 607º n.º 5, do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

Não obstante, a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão.

A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e percetibilidade e tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.

Daí que a jurisprudência[2] acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”.

Importará, por isso, aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica.

Hã ainda que ter em consideração os ónus decorrentes para aquele que impugna a matéria de facto do disposto no art. 640º do CPC.

Entendemos que a Apelante cumpriu tal ónus, sendo destituída de fundamento a pretensão da Apelada de ver rejeitado o recurso por inobservância do ónus imposto pelo nº1 do art. 640º do CPC, nada impedindo a reapreciação da matéria de facto.

Com efeito, a Recorrente circunscreveu ou delimitou o âmbito do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, tendo indicado os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; fundamentou, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa e finalmente, enunciou qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

De acordo com o referido no nº 2 do mesmo preceito legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, o que a Recorrente fez, nas alegações de recurso, procedendo ademais às transcrições dos depoimentos a que se reporta.

Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela Apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza, como dissemos da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

Vejamos.

A Apelante considera ter sido incorretamente julgada a matéria de facto que resulta dos seguinte pontos que foram julgados não provados, relacionados, com o dolo invocado e com prejuízos que alegou ter sofrido, assim por si repartidos, factos esses que pretende ver serem julgados provados:

I. Dos FACTOS RELATIVOS AO DOLO DA RECORRIDA:

1 - A R. sempre teve conhecimento de que a A. tinha e tem um negócio lucrativo.

2 - O não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira.

3 - Entre 12-01-2021 e 18-05-2021, a Autora pagou o valor total de €421.911,75, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020.

5 - A. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.

Pretende ainda a recorrente que se acrescente o seguinte facto ao elenco dos factos provados:

“No momento em que propôs em juízo o pedido de insolvência, a Recorrida tinha conhecimento de que a Recorrente não se encontrava em situação de insolvência.”

II. Dos FACTOS RELATIVOS AOS PREJUÍZOS CAUSADOS:

19 - A A. viu-se compelida a recorrer a suprimentos extraordinários de sócios devido o processo de insolvência;

20 - Não estava prevista a concessão de suprimentos pelo sócio C....

21 - O custo de oportunidade (o facto de ter aquela quantia pecuniária aplicada em suprimentos em vez de o investir em negócios rendosos) corresponde a 10% do valor dos suprimentos.

22 - A autora não teria que suportar os valores do IMT e do Imposto de Selo se assumisse a posição contratual no contrato de leasing

23 - Foi devido ao processo de insolvência que a autora não alcançou os resultados previstos para 2021, nem para os anos seguintes e que as vendas diminuíram.

Comecemos pelos primeiros:

Relativamente ao facto 3, que foi julgado não provado, entende a Apelante que o mesmo ficou demonstrado, com base nos documentos juntos na p.i, sob o nº 6-A, conjugado com os depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas: AA, BB e CC.

Pretende que seja julgado provado que:

3 - Entre 12-01-2021 e 18-05-2021, a Autora pagou o valor total de €421.911,75, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020.

Na sentença, foi dado como provado apenas o pagamento “do valor total de 176.158,21€.”, tal como resulta do facto 19 dos factos provados que tem a seguinte redação:

19 - Entre 12-01-2021 e 18-05-2021, a Autora pagou, a esse título, o valor total de 176.158,21€, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020 (período anterior ao do início, em Janeiro de 2021, da faturação da Autora).

A fundamentação feita na sentença é a seguinte: “Os valores dados como provados que a autora pagou à ré por faturas emitidas ainda em 2020 resultou do depoimento de parte de DD. Os documentos juntos à p.i. com o nº 6-A nada provam. Não demonstram de saída de dinheiro de uma conta bancária (qual?) da autora ou de outrem e entrada numa conta bancária da ré. Esses documentos são inócuos.

Por outro lado, o que as testemunhas ligadas à autora, AA, EE e CC, disseram sobre pagamentos superiores é irrelevante. Pagamento de quantias pecuniárias, em regra, não se prova com testemunhas.”

Afigura-se-nos que a impugnação deste facto é de improceder, já que não resulta da prova produzida, que o pagamento anterior feito pela Autora tenha sido no valor global de €421.911,75, relativo a faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020.

Tratam-se de fornecimentos ainda da responsabilidade da sociedade D..., Ldª, mas que foram transmitidos à autora, mediante o contrato de trespasse.

Ora, os documentos juntos com a petição (6-A), são constituídos por meras “notas de pagamento”, documentos emitidos pela própria autora, onde consta a identificação das faturas supostamente pagas, a indicação da forma de pagamento (transferência bancária), e que os pagamentos tenham sido feitos através de “emissão+ CFM Banco 1...”, sendo que a testemunha AA, explicou que os pagamentos eram feitos através do Banco 1..., ao abrigo dum contrato de confirming, através do qual, o banco adiantava pagamentos de faturas até a um determinado montante previamente acordado.

Acontece que a Ré só reconheceu o pagamento do valor de € 176.158,21€, relativamente a faturas anteriores, e na ausência da documentação bancária, comprovativa do efetivo pagamento das faturas indicadas naquelas notas de pagamento, apesar de tais documentos não terem sido impugnados pela parte contrária, temos de concordar que os mesmos por si só, apesar de pertencerem à contabilidade da autora e da sua aparência legítima, não são suficientes para demonstrar o pagamento daquele valor.

Também o documento que foi solicitado já por este Tribunal de recurso, - constituído pela “conta corrente entre a ré e autora” que havia sido junto ao processo de insolvência, não comprova tais pagamentos, desde logo, porque, conforme resulta do próprio documento entretanto junto aos autos, a conta-corrente em causa reporta-se apenas a faturas de 2021, isto é, às transações comerciais realizadas entre Recorrente e Recorrida depois do início da atividade da primeira (Janeiro de 2021) e não aos pagamentos anteriores (faturas referentes a 2020, que respeitavam a dívidas da sociedade D..., Lda. que a primeira assumiu por força do negócio de trespasse).

Assim, por ser insuficiente a prova, indefere-se a impugnação, realçando-se porém a circunstância de que, independentemente do valor efetivamente pago à Ré, relativamente às faturas inicialmente da responsabilidade da sociedade trespassante, cuja responsabilidade de pagamento passou para a autora, a ré não alegou ter ficado qualquer valor em dívida, pelo que, tem de concluir-se que a ora Apelante procedeu ao pagamento à Apelada da totalidade da dívida anterior (originariamente da D...).

Já a dívida da autora que esteve na base do pedido de insolvência respeita fornecimentos feitos já pela autora à ré, após a sua constituição e início de atividade que ocorreu em janeiro de 2021.

Quanto aos demais factos impugnados 1 - A R. sempre teve conhecimento de que a A. tinha e tem um negócio lucrativo.

2 - O não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira.

5 - A. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.), vejamos.

Quanto ao conhecimento do negócio lucrativo da autora, o tribunal a quo deu uma resposta restritiva, tendo julgado provado apenas que:

8 - A R. achava que o negócio da autora era potencialmente lucrativo.

Defende a Recorrente, que deva ser julgado provado que a ré efetivamente sabia e sempre soube que o negócio da autora era lucrativo.

A Autora acabara de ser constituída, (a sociedade aqui autora foi constituída em Dezembro de 2020 e iniciou atividade em Janeiro de 2021) e por isso, como se salienta na sentença, em Julho de 2021, a A. ainda não tinha contas publicadas.

Não se negando a existência de uma relação de proximidade entre Autora e Ré, porque a ré já era anteriormente fornecedora da sociedade D... há pelo menos dois anos, tendo a criação da autora sido interpretada pela ré como uma “continuidade” da primeira – conforme DOc 5 da p.i, constituído por um e-mail datado de 16.12.2020, enviado pelo legal representante da ré aos representantes da Autora - existindo uma relação de próxima entre os legais representantes de ambas as empresas, revelado nas conversas escritas entre ambos, afigura-se-nos que, efetivamente a Ré tinha conhecimento que o negócio relacionado com a marca ... (comercializada primeiro pela D... e depois pela autora) era um negócio lucrativo.

Porém, não podemos esquecer que nos temos de reportar ao período que antecedeu o pedido de insolvência (feito em 24.7.2021) e que a Autora iniciara a sua atividade uns meses antes, em janeiro desse ano.

Ora, se atendermos à recente criação da autora, parece-nos que, nem nem esta, no rigor dos factos, poderia afirmar que a sua própria atividade era lucrativa, uma vez que na vida de uma empresa sete meses é um período muito curto para se concluir pela existência de lucro.

O que a Autora podia saber é que assumira um negócio lucrativo, tendo em consideração a atividade comercial anteriormente desenvolvida pela sociedade D..., LDA (a seguir designada apenas por D..., por facilidade de exposição), sendo que se provou que a Autora foi constituída com o propósito estratégico de autonomizar o negócio da marca ..., (marca da D...), “porque era o negocio mais profícuo de entre os negócios desenvolvidos pela D... – facto 12 dos factos provados.

Havia pois uma grande expetativa da continuidade do sucesso comercial com essa marca, a desenvolver pela autora, mas relativamente ao potencial lucro, não podemos esquecer que, tal como referiu a testemunha AA (então legal representante da Autora), logo no início da atividade tiveram de liquidar um passivo de cerca de dois milhões de euros, da D....

Atenta a proximidade das duas empresas a Ré estava a par deste negócio potencialmente lucrativo, mas pelas razões apontadas, também no poderia afirmar que que sabia que a autora tinha um negócio lucrativo.

Não se pode assim julgar provado o facto alegado da ré ter conhecimento de que a A. tinha e tem um negócio lucrativo, mas tão só que sabia, porque a autora era uma “continuidade, da D..., empresa de sucesso, no que concerne a exploração da marca ..., sendo pois de esperar idêntico sucesso, os factos que foram julgados provados nesta matéria, ou seja:

8-A Ré achava que o negócio da Autora era potencialmente lucrativo e,

13-Já antes da constituição da sociedade aqui Autora, a Ré mantinha relações comerciais com a sociedade D..., sendo contratada para fabricar os produtos da marca ....

13-A ré conhecia os contornos daquele negócio e sempre lhe reconheceu valor.

Os meios de prova indicados pela recorrente não permitem provar mais do que isto, improcedendo pois a impugnação deste facto.

Vejamos agora a impugnação quanto aos factos:

2 - O não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira.

5 - A. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.)

E ao facto que a recorrente pretende ver aditado:

-No momento da propositura do pedido de insolvência a Recorrente encontrava-se numa situação da manifesta solvência económica e tinha inequívoca capacidade para pagar toda a dívida à Recorrida;

Tratam-se de factos de relevância inegável para demonstração da existência do dolo invocado pela autora.

Tratam-se igualmente de factos reconhecidamente de prova difícil, por se tratarem de factos do foro interno da ré – saber se a ré desconfiava ou não da solvabilidade da autora; se a ré conhecia ou não as razões para o não pagamento atempado do seu crédito pela autora e se tinha conhecimento da situação de solvabilidade da autora.

Neste tipo de prova, o facto a provar não é diretamente o facto principal e por isso os meios de prova não incidem logo sobre aquele, mas sobre outros, chegando-se aos mesmos através de cadeias maiores ou menores de presunções. É a prova indiciária que se serve dos factos instrumentais, sendo admissível o recurso a presunções judiciais, previstas nos artigos 349º e 351º do Código Civil.

Na sentença proferida no processo de insolvência, (processo 2034/21.2T8STS do Juízo de Comércio de Santo Tirso, ficou a constar o seguinte: “No caso em apreço, e tal como atrás se aludiu, embora seja legítimo questionar o valor em dívida pela requerida à requerente, os autos não evidenciam sinais de qualquer impossibilidade de pagamento do valor faturado, parcialmente ou na totalidade.

Ao contrário, revelam os autos que a requerida é uma sociedade comercial próspera, com um vasto património, recurso ao crédito bancário e meios financeiros próprios que lhe permitem solver na totalidade aquela dívida e cumprir as respetivas obrigações perante outros fornecedores.”

O que importa aqui apurar é se a Ré, que requereu a insolvência da autora, que foi julgada improcedente, por ter ficado aí demonstrado ser aquela uma sociedade comercial próspera, com um vasto património, recurso ao crédito bancário e meios financeiros próprios que lhe permitem solver na totalidade aquela dívida e cumprir as respetivas obrigações perante outros fornecedores, tinha ou não conhecimento desta situação e se, não obstante, tal não a inibiu de requerer a insolvência da autora, numa tentativa de obter pagamento do sue crédito.

Desta forma a apreciação da prova produzida nesta matéria, deverá ser direcionada para o relacionamento entre as partes, no que diz respeito as tentativas de cobrança do crédito da ré junto da autora, no período temporal que precedeu apresentação do pedido judicial de insolvência da autora, apresentado pela ré, (que como vimos, ocorreu no dia 24.7.2021), afim de se apreender, através dos factos instrumentais, as verdadeiras razões que conduziram a ré à apresentação de tal pedido.

Para além do depoimento da administrativa da ré, FF, que tratava dos pagamentos e cobrança, nunca ter ouvido na Ré alguma vez se ter questionado ou falado da insolvência da autora, aquando dos procedimentos de cobrança do crédito da ré, existe documentação junta aos autos, nomeadamente correspondência trocada entre os então legais representantes da Autora e ré que precederam a apresentação do pedido de insolvência, reveladoras do contexto em que o mesmo surge, isto é, do facto do pedido de insolvência não ter sido precedido de qualquer receio concreto da autora de falta de solvência da autora para os pagamentos, tendo por isso o tribunal recorrido incorrido efetivamente num “erro de julgamento”, como defende a apelante.

Com efeito, com relevância para a questão a decidir, mostra-se junta, com a petição inicial – Doc nº 6 da p.i – correspondência trocada por e-mail, entre os legais representantes da autora, que antecedeu o pedido de insolvência, e onde, note-se, a possibilidade de ser feito pedido de insolvência surge até expressamente mencionado, sendo ainda relevantes as declarações prestadas por estes em audiência de julgamento. Referimo-nos ao depoimento de parte do legal representante da Ré, DD e ao depoimento da testemunha AA, (na altura gerente da Autora, mas que na data do depoimento já não tinha tal qualidade), nomeadamente no que que respeita as reuniões que tiveram entre si, tendo em vista o pagamento da dívida, no período temporal em análise.

Assim, respeitando a ordem cronológica dos e-mails trocados, para se obter uma “reconstituição” das conversas, no primeiro e-mail datado de 29 de junho de 2021, remetido pela funcionária da Ré, GG, aos representantes da Autora, esta chama a atenção para que se encontra vencida dívida no montante total de 209.606.52€, relativos a faturas com mais de 4 meses e à fatura de abril, solicitando “uma vez mais a regularização destes valores”, afirma que, “Para a B... ter um montante deste valor vencido num só cliente e não receber é completamente incomportável. Como deve imaginar estamos a sofrer um grave estrangulamento de tesouraria com esta situação”.

Com data de 2 de julho de 2021, a mesma funcionária manda um e-mail à autora, perguntando: “seria possível alguma informação relativamente ao pagamento do valor em débito?”

E por e-mail de 7 de Julho de 2021, a mesma funcionária remete e-mail à Autora dizendo: “Como sabe á data de hoje encontram-se vencidas faturas no total de 209.606,52€. Preciso de uma resposta urgente sobre a liquidação deste valor”.

Autora, através do seu legal representante AA, responde, na mesma data, por e-mail de 7 de Julho de 2021, dizendo “É nossa vontade, clara e inequívoca liquidar o mais rapidamente possível qualquer dívida contraída pela A... que esteja já ultrapassada e vos seja igualmente devida.

Estamos neste momento a proceder para isso, a uma validação e inventário do material entregue pela B..., referente a esta listagem que nos anexa assim como às restantes já liquidadas.”

Depois de indicar as razões para a necessidade desta “validação interna”, acrescenta o seguinte: “Para além deste processo descrito, estamos juntos com o DD, a validar a assinatura de um acordo do confidencialidade e cópia, assim como relativamente à utilização de produtos nosso ... para revenda a terceiros, assim como produtos produzidos pela B... subcontratados pela ... para revenda a terceiros, assim como produtos produzidos pela B... subcontratados pela ... não poderem ser alvo de uso para satisfação da vossa ou nossa rede comercial”.

Através de e-mail datado de 8.7.2021 remetido pelo legal representante da Ré DD ao então gerente da Autora AA e outros, após solicitar o pagamento em falta dizendo “Como bem sabes, há muitos meses que na B... andamos, quase diariamente a pedir os pagamentos vencidos.” e que “desde o primeiro momento fomos sempre muito transparentes sobre a gravidade da situação” e chamando a tenção para o facto dos atrasos nos pagamentos ser “insustentável”, dizendo mesmo que “A B... está transformada num financiador informal de A... com maior envolvimento que os próprios sócios sem o ser”, afirma igualmente que: “Se a A... estiver interessada em ter a B... como sócia e financiadora podemos sentar-nos e negociar a conversão de parte da divida em capital social”.

Termina o e-mail da seguinte forma: De outra forma, se até ao fim do dia da próxima segunda feira (12 de julho) não nos derem respostas claras com datas concretas para os pagamentos que vos temos vindo a solicitar, nada mais nos restará do que enviar a sua cobrança para o contencioso, com tudo o que tal implicará”.

A Autora responde por e-mail de 12 de Julho de 2021, dizendo que está a levar acabo os procedimentos de verificação de guias contra datas reais de entrega, assim como a validar a entrega real de mercadoria, a “inventariar todo o nosso stock, rastrear e descontar aquele que já foi comercializado, assim como aquele que nos foi devolvido por não conformidades.”. Mais informando que, “Este procedimento demorará cerca de 10 dias úteis. No entanto estamos a fazer o melhor possível para o tentar antecipar”.

Mediante e-mail de 13 de julho 2021, aquele DD, comunica a AA o seguinte: conforme tínhamos avançado, ontem estivemos reunidos com o nosso departamento jurídico e os mesmos recomendaram, face à informação existente, que fosse requerida a insolvência da A..., Ldª, o que estamos muito inclinados a fazer”.

(…) “Será tomada uma decisão no dia de hoje sobre o tema que podes influenciar, caso haja pagamento de imediato”.[3]

No dia 24 de julho de 2021, a ré requereu a declaração de insolvência da autora (processo nº 2034/21.2T8STS no Juízo do Comércio de Santo Tirso.

De acordo com o depoimento dos envolvidos, ocorreu uma reunião, em que pessoalmente estiveram ambos presentes, que terá ocorrido no dia de S. João- 23/24 de Junho – e outra cerca de dois dias antes do pedido de insolvência, tendo esta sido determinante para a rutura entre as partes.

Ouvida a gravação destes depoimentos, é notório que AA, então legal representante da Autora, teve um depoimento ponderado, assertivo, esclarecedor das várias situações que lhe foram colocadas, identificando sempre os clientes da autora a quem se referia, ao contrário do legal representante da ré, que, com respostas esquivas, e respondendo de forma muitas vezes titubeante e com algumas contradições, limitava-se também com alguma frequência a afirmar que era “mentira”, não tendo esclarecido devidamente as situações e questões concretas que lhe foram colocadas.

Na reunião de Junho, porém, ambos confirmaram que foi abordada a questão que transparece no e-mail que fala da necessidade dum “acordo de confidencialidade”, em que a Autora acusou a Ré desta estar a abordar os seus clientes para lhes vender diretamente produtos da sua marca, mas que eram produzidos pela ré., tendo também DD confirmado que nas aludidas reuniões foi acusado de tal.

Assim, para além das razões de índole “logística”, mencionadas no e-mail de 12 de julho em que a autora pediu 10 dias, para terminar o seu processo interno de conferência de material, foi feita prova da existência de um litígio entre as partes, não relativo à questão de serem ou não devidos os valores peticionados pela Ré, mas relacionados com a questão da autora ter descoberto (através de e-mails que lhe foram remetidos por clientes), que a Ré os contactara para lhes vender peças da marca da autora ..., (por si manufaturadas) a preços mais baratos.

O depoimento prestado pelo legal representante da ré, é significativo no sentido em desvaloriza a acusação que lhe foi feita, dizendo que eram eles que faziam as peças e que as podiam vender a quem quisessem, sendo que as mesmas não eram 100% iguais às da autora, (eram semelhantes mas diferentes), negando também tentar desviar a clientela da autora, por desconhecer quem eram os clientes da autora.

Relembramos aqui os factos relacionados com este litígio que foram julgados provados na sentença e não impugnados neste recurso:

22 - A R. efetuou múltiplas abordagens a clientes da A.

23 - Enviando-lhes produtos em catálogo que apresentava como sendo amostras suas, e tentando negociar a sua comercialização, quando eram produtos da marca ..., da autoria da A.

24 - Produtos a que a R. tinha acesso porque era contratada pela A. para os fabricar,

25 - A R. enviou catálogos e tabelas de preços a clientes da A. com múltiplas reproduções de artigos da A., propondo comercializá-los a preço reduzido, inferior ao preço praticado pela A.

26 - Como exemplo das abordagens da R. a clientes da A. podem descrever-se os seguintes:

27 - No dia 7 de Abril de 2021, a R. enviou à empresa E... B.V. (...), cliente da A., o desenho de um produto da autoria da A., apresentando-o como seu e pretendendo comercializá-lo.

28 - No mês de Maio de 2021, a A. discutia com a empresa dinamarquesa F... A/S, sua habitual cliente, a conceção de um modelo de um dos seus produtos.

29 - Nesse contexto, por email datado de 21-05-2021, aquela cliente enviou, como forma de exemplificar o que pretendia, o desenho do mesmo produto supra referido 27, que lhe tinha sido enviado pela R.

30 - No email datado de 30 de Março de 2021 é a A. que envia aquele produto à R., para lhe encomendar o respetivo fabrico, conforme usualmente fazia, enviando o desenho do seu produto, para que a R. se limitasse a fabricá-lo.

31 - No dia 11 de Março de 2021 a R. enviou um email à empresa E... B.V. em que lhe remetia um catálogo de onde constavam artigos que pertencem à A.

32 - Vários artigos que se encontram no referido catálogo, como por exemplo, algumas bicas de lavatório, foram retiradas do portfólio de produtos da A.

33 - E esses mesmos artigos voltam a constar do novo catálogo que a R. enviou à E... B.V., por email datado 3 de Maio de 2021.

34 - A R. abordou a E... B.V., cliente da A., por diversas ocasiões, para negociar a comercialização de produtos que pertencem à A.

35 - Pouco antes da constituição da sociedade aqui Autora, já a R. contactava alguns clientes da marca ...” (que nessa altura negociavam ainda com a sociedade D..., mas que passaram a ser clientes da aqui A. assim que adquiriu aquela marca através do contrato de trespasse ora junto como doc. 4.), pretendendo aliciá-los. Vejamos:

36 - Por email datado de 24/09/2020, a R. enviou à empresa G... Ltd., do Reino Unido, habitual cliente da A., fotografias de produtos da marca ...”, negociando a sua comercialização.

37 - No dia 02/10/2020, a R. enviou um email para aquela mesma empresa, em que lhe remetia um catálogo do qual constavam vários artigos da marca ...”, como por exemplo misturadoras de duas saídas de duche.

38 - Entre os meses de Agosto e Setembro de 2020 a R. enviou vários emails em que sugeria à empresa dinamarquesa H..., habitual cliente da A., que passasse a trabalhar consigo.

A autora, como referiu a testemunha AA pretendia resolver este assunto que lhe estava a causar prejuízos, por desvio de clientela (que podia adquirir os seus produtos diretamente à Ré, a preços mais baixos), tendo feito depender o pagamento da dívida à Ré da assinatura por esta de um contrato de “confidencialidade”, o que a Ré se recusou a aceitar.

Ou seja, a autora pretendia por acordo com a ré, pôr fim á “deslealdade comercial” por parte daquela, fazendo depender o pagamento da dívida á ré, da resolução daquele problema.

A ré soube, através do seu legal representante DD, que o que estava a impedir o pagamento imediato das faturas em dívida, não era qualquer problema com a solvabilidade da autora, mas sim, porque isso lhe foi transmitido pessoalmente pelo então legal representante da autora, a condição que lhe foi imposta por aquele de ser posto termo à atividade ilícita que estava a ser desenvolvida pela ré, através da assinatura dum acordo de confidencialidade.

Isso resulta muito claro dos depoimentos prestados por AA, que relatou que confrontou o legal representante da ré para o facto de terem tido conhecimento que oito seus clientes tinham sido abordados pela ré para lhe vender produtos da autora a preço inferior e que isto era inadmissível.

Relatou que num primeiro momento, aquele negou a situação e disse que a ia resolver, mas na segunda reunião foi até “insultuoso” porque aquele afirmou que tinha toda a legitimidade de vender os produtos a quem quisesse, dizendo que “toda a gente pode copiar”

Também as testemunhas HH (funcionário da autora com as funções de designer de produto), BB (funcionário da autora com as funções de gestor de compras) confirmaram isso mesmo.

Do exposto decorre que estamos perante a cobrança dum crédito litigioso, entendendo-se aqui a palavra litigiosidade em sentido amplo - art. 579º do CC.

É certo que, o titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art. 20.º, n.º 1, do CIRE, a requerer a declaração de insolvência do respetivo devedor.

No entanto o que está em causa nesta ação não é uma questão de ilegitimidade processual, antes uma questão de responsabilidade civil, fundada no artigo 22º do CIRE.

De todo o exposto, nomeadamente da análise da correspondência entre as partes, resulta que a solvabilidade da autora não era sequer uma questão que preocupasse a ré, que sabia tratar-se de uma empresa vocacionada para o sucesso, atenta a marca que detinha, revelando tal correspondência que a ré solicitava o pagamento imediato da dívida, bem sabendo que o que estava a impedir aquele pagamento de imediato eram as negociações goradas relativamente ao “acordo de confidencialidade” que lhe foi exigido e que se recusou a assinar.

Não deixa de ser significativa, com efeito, a afirmação feita no e-mail de 13 de julho, por DD representante da ré, após mencionar a recomendação da insolvência pelo seu departamento jurídico, (…) “Será tomada uma decisão no dia de hoje sobre o tema que podes influenciar, caso haja pagamento de imediato”.(sublinhado nosso).

Ao “exigir” o pagamento de imediato, a Ré não deixa de estar a admitir que a autora tinha liquidez para proceder ao pagamento imediato, dirigindo-se a II dizendo que ele podia, se quisesse, influenciar a decisão, ordenando o pagamento.

Parece claro, destas palavras que, para a Ré o pagamento imediato dependia unicamente da vontade do gerente da autora (que lhe impusera uma condição não aceite), nada tendo a ver com uma eventual incapacidade financeira da autora, para pagar.

Constata-se ainda em abono do facto da ré saber que a falta de pagamento nada tinha a ver com a solvabilidade da autora, o facto que resulta do facto 19 dos factos provados, de se ter provado que a Autora, recentemente constituída havia até já liquidado à Ré, (entre 12-01-2021 e 18-05-2021) o valor total de 176.158,21€, à Ré, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020, que eram da responsabilidade da sociedade trespassante D....

Será legítimo perguntar, o seguinte: Nos seus primeiros 5 meses de vida, se a autora teve capacidade financeira para pagar o passivo da sociedade D..., não teria capacidade financeira para suportar o seu próprio passivo?

A Autora que iniciara a sua atividade há cerca de 5/6 meses, demonstrara já perante a ré ter liquidez suficiente para liquidar os fornecimentos feitos por esta à D..., que pagou.

E a este propósito, a nosso ver não se mostra relevante o facto de não se ter provado, como pretendia a ora Recorrente, que essas faturas foram no valor de €421.911,75, mas sim de 176.158,21€, pois o que releva é que a autora, sociedade acabada de constituir demonstrou com tal pagamento ter capacidade para liquidar a totalidade da dívida da sua antecessora, sendo que a ré não reclamou qualquer passivo por pagar anterior.

Se a autora, acabada de constituir, pagou à Ré aquele valor - 176.158,21€, que não pode deixar de ser considerado elevado, por dívida que não foi contraída por si diretamente, que razões levavam a ré a questionar o pagamento das faturas, com um atraso de 4/5 meses?

Repare-se que o próprio atraso, atendendo às regras da experiência e normalidade não é uma atraso indiciador de falta de solvabilidade, era uma atraso pontual, para o qual foi apresentada justificação, como resulta da correspondência trocada entre as partes.

Acresce que também não se compreenderia a oferta da ré, no e-mail de 8 de julho, de converter a dívida em capital social duma sociedade que não tinha capacidade para pagar aos seus credores…assim como o facto de, tal como se provou a ré ter aliciado trabalhadores da autora para passarem a colaborar consigo, o que só se compreende se lhes reconhece “mais valia” no âmbito daquele setor de negócio.

Mostra-se assim feita prova segura que a Ré sabia as razões do não pagamento imediato daquelas faturas, porque lhe foram comunicadas por e-mail e pessoalmente pelo então legal representante da autora: a autora só efetuaria o pagamentos dos montantes em atraso, dos fornecimentos feitos diretamente pela ré à autora se chegassem a um acordo que pusesse termo à situação e concorrência desleal que a ré vinha adotando relativamente aos produtos comercializados pela autora.

Não cabe aqui apurar nem a (i)licitude da atuação da ré vertida naqueles factos 22 a 38, relativos ao desvio da clientela da autora, nem tão pouco a (i)legitimidade da recusa da autora em proceder ao pagamento imediato das faturas, o que só poderia ter lugar em ação judicial, perante o tribunal.

A questão que é colocada nesta ação é que a Ré, recusando recorrer aos meios judiciais para cobrança do seu crédito, onde tais questões poderiam ser discutidas e dirimidas, optou por requerer a insolvência da autora, tendo plena consciência de que um processo de insolvência prejudica a imagem de qualquer empresa junto de fornecedores, entidades financiadoras e bancárias, clientes e potenciais clientes, (facto provado 51), para mais numa empresa a dar os primeiros passos, fundamentando tal pedido no facto alegado que “a aqui a não demonstrava disponibilidade para pagar o crédito e não tinha capacidade para o fazer….”, bem sabendo que não era essa a razão do não pagamento.

Tal como se provou nos factos 20 e 21:

20 - A R. contactar pessoas que trabalhavam para a A., aliciando-os para passarem a trabalhar sob as suas ordens e direção, pretendendo tirar proveito dos respetivos métodos de trabalho e “know-how”.

21 - Foi, inclusive, aliciado antes de Janeiro de 2021, um dos, à data da entrada da acção de insolvência, gerentes da R., AA, que então exercia as funções de Diretor da área de negócios da D....

Entendemos pelo exposto que deve proceder a impugnação da recorrente, pelo que devem ser aditados os seguintes factos ao elenco dos factos provados, eliminando-se consequente dos factos não provados, os factos 2 e 5:

2 - O não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira.

5 - A. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.

Quanto ao facto que a Recorrente pretende ver aditado -No momento da propositura do pedido de insolvência a Recorrente encontrava-se numa situação da manifesta solvência económica e tinha inequívoca capacidade para pagar toda a dívida à Recorrida, apraz dizer o seguinte:

Os meios de prova supra analisados, constituem prova suficiente que a ré não estava preocupada com a solvência da autora, bem sabendo que o não pagamento atempado das faturas vencidas não estava relacionado com tal situação, mas com o litígio surgido relativo á revenda a terceiros pela ré de produtos da marca da autora.

Porém, a prova produzida não permite concluir pelo conhecimento efetivo da situação económica da autora, desde logo porque, tal como se assinala na sentença, as contas da autora não se encontravam publicadas, o que não lhe permitia ter um conhecimento mais profundo da situação económica da autora. Desta forma improcede esta alteração requerida.

II. Dos FACTOS RELATIVOS AOS PREJUÍZOS CAUSADOS:

A Autora impugna ainda os factos julgados não provados, na sentença relacionados com os prejuízos:

19 - A A. viu-se compelida a recorrer a suprimentos extraordinários de sócios devido o processo de insolvência;

20 - Não estava prevista a concessão de suprimentos pelo sócio C....

21 - O custo de oportunidade (o facto de ter aquela quantia pecuniária aplicada em suprimentos em vez de o investir em negócios rendosos) corresponde a 10% do valor dos suprimentos.

22 - A autora não teria que suportar os valores do IMT e do Imposto de Selo se assumisse a posição contratual no contrato de leasing.

23 - Foi devido ao processo de insolvência que a autora não alcançou os resultados previstos para 2021, nem para os anos seguintes e que as vendas diminuíram.

Vejamos.

Quanto aos factos 19 e 20:

19 - A A. viu-se compelida a recorrer a suprimentos extraordinários de sócios devido o processo de insolvência;

20 - Não estava prevista a concessão de suprimentos pelo sócio C....

Defende a Recorrente que os mesmos devam ser julgados provados com base nos seguintes meios de prova:Depoimentos prestados por JJ, que afirmou que o acionista C... teve logo no mês que entrou fazer suprimentos, quando o aportar apoio financeiro seria expectável apenas mais tarde, tendo afirmado que foram feitos 360 mil euros em suprimentos, (apesar de não saber se foram feitos duma vez, ou parcialmente), umas semanas a seguir ao pedido de insolvência e por causa deste.

Também .CC confirmou o valor de 360 mil euros em suprimentos, feito após o pedido de insolvência e afirmou que foi o processo de insolvência que obrigou essa entrada de suprimentos.

Um dos legais representantes da Autora, KK depôs sobre este tema tendo sido um pouco mais preciso, dizendo que com a insolvência instalou-se a desconfiança, tendo alguns fornecedores alterado as condições de fornecimentos, nomeadamente exigindo pagamentos pronto e para não porem em causa a atividade da empresa, até porque ainda não estava aprovada a linha de confirmimg (em que o banco adianta pagamentos a fornecedores té um determinado valor previamente acordado), tiveram de recorrer a capitais próprios.

Nesta matéria, na sentença, foram julgados provados na sentença, os seguintes factos:

71 - Ao tomarem conhecimento de que pendia contra a A. um processo de insolvência, os fornecedores passaram a impor-lhe condições de pagamento mais exigentes, muitas vezes exigindo o pronto pagamento ou pagamento antecipado.

72 - Para responder a tais exigências, a A. viu-se forçada a intensificar a utilização de uma linha de crédito para pagamento a fornecedores, que contratou com o Banco 2..., S.A., Sociedade Aberta: contrato “Confirming On-Time Pagamentos”.

73 - Este reforço do crédito para pagamento a fornecedores representou um acréscimo de encargos para a A. no valor de €5.736,70 (a título de juros remuneratórios), valor que não teria de suportar caso beneficiasse das normais condições de mercado de pagamento a fornecedores.

74 - A A. previra a celebração do supra referido contrato de confirming para o mês de Julho de 2021, como forma de apoio à tesouraria.

75 - Devido à desconfiança gerada pelo processo de insolvência, o processo de contratualização foi mais demorado, só em 4 de Outubro de 2021 se celebrou o contrato com o Banco 2....

76 - No mês de Agosto de 2021, o sócio C..., Lda. fez suprimentos no valor de €360.000,00.

77 - Tal valor foi reduzido a 285.000,00€ em 11/11/2021, a 235.000€ em 19/11/2021, a 205.000,00€ em 26/1/2022, 175.000,00€ em 17/2/2022 aumentado para 205.000€ em 22/2/2022 e reembolsado ao sócio em 11/3/2022.

O tribunal não julgou provado que os suprimentos feitos em Agosto de 2021 tivessem ocorrido, por causa da insolvência e parece-nos que bem.

A testemunha CC admitiu que era muito difícil separar o que era consequência do processo de insolvência e o que não era…

Com efeito, a Autora havia sido recentemente criada, pelo que sempre haveria a possibilidade de ter de ser feita uma injeção de capital, que note-se a autora, como resulta do facto 77, prontamente reembolsou o sócio capitalista.

Na falta de outros meios de prova afigura-se-nos que não resultou provado de forma segura e clara que a necessidade de suprimentos tenha sido causa do pedido de insolvência ou de contingências relacionadas com o negocio da autora.

Assim indefere-se a impugnação daqueles factos.

Pretende ainda a recorrente ver provado o seguinte facto:

21 - O custo de oportunidade (o facto de ter aquela quantia pecuniária aplicada em suprimentos em vez de o investir em negócios rendosos) corresponde a 10% do valor dos suprimentos.

Pensamos que se trata de facto que não interessa à decisão da causa, no sentido em que os suprimentos à sociedade foram feitos por um sócio- C..., Lda.

Assim as questões relacionadas com a rentabilidade do capital aplicado por aquele sócio - que o aplicou em suprimentos, em vez de o aplicar em negócios rendosos – constituirá quando muito um prejuízo daquele sócio, não da sociedade com quem aquele não se confunde, atento o principio consagrado no art. 5º do Código das Sociedades Comerciais.

Na tarefa de reapreciação da prova produzida há que atender que, a apreciação da modificabilidade da decisão de facto é uma atividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objeto incida sobre factualidade que extravase o objeto do processo – sendo propósito precípuo da impugnação da decisão de facto, o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto à interferência na solução do caso, ou seja, fica a impugnação limitada àquela cuja alteração/modificação se mostre relevante para a decisão a proferir.

Desta forma, não se conhece da impugnação deste facto.

Quanto ao facto 22:

22 - A autora não teria que suportar os valores do IMT e do Imposto de Selo se assumisse a posição contratual no contrato de leasing.

Entendemos que deve manter-se no elenco dos factos não provados este facto, porquanto, sendo o contrato de leasing um contrato consensual e não resultando do seu regime jurídico, (DL 149/95, de 24 de Junho), em contrário, nada impedia que o locatário assumisse no contrato suportar tais valores, o que por vezes acontece. Desta forma não se pode ter como seguro, uma vez que dependia em concreto dos termos contratuais a acordar, que não fosse a autora a ter que suportar tais despesas com impostos.

Por ultimo, a recorrente impugna o seguinte facto, que pretende ver provado: 23 - Foi devido ao processo de insolvência que a autora não alcançou os resultados previstos para 2021, nem para os anos seguintes e que as vendas diminuíram.

Alega a Apelante que este facto resulta demonstrado com base na conjugação do depoimento das testemunhas BB, gestor de compras na autora; LL, designer de produto na autora; CC, que presta assessoria financeira à autora; JJ, que presta acessória financeira à autora; MM, e AA, e do legal representante KK, do qual resulta que o processo de insolvência causou distorções na previsão de crescimento da autora, salientando essencialmente os seguintes fatores:

-alguns clientes, nomeadamente estrageiros, (da Alemanha, Dinamarca e Bélgica), que as testemunhas identificaram, deixaram de comprar à autora, ao saberem da existência de um processo de insolvência; referiram alguns problemas (atrasos), no financiamento junto da banca, que naturalmente em face do processo de insolvência precisa de acautelar-se, o trouxe problemas a nível da gestão diária, também com exigências de fornecedores a pedir pagamento a pronto, o que gerava atrasos nas vendas conduzindo igualmente ao afastamento de clientes.

Para além destes depoimentos terem sido feitos por pessoas que, atendendo as funções que exerciam na autora, ou com ela colaborando, demonstraram ter conhecimento dos mesmos, estamos em crer, que os mesmos ocorreram, fazendo uso das regras da experiência de vida, da lógica, da racionalidade, dos padrões habituais e da normalidade do comércio, das obrigações e dos aspetos gerais da vida.

Com efeito, recorrendo-se às regras da experiência e da normalidade, não podemos deixar de concordar que, tal como alega a Recorrente,[4]

“Decorre das normas da experiência comum que a pendência do processo de insolvência produz consequências negativas, de natureza difusa, que inexoravelmente acometem qualquer empresa que se encontre demandada num processo dessa natureza.

Os efeitos particularmente estigmatizantes do processo de insolvência atacam estruturalmente a empresa requerida, ao repercutirem-se negativamente em toda a sua atividade.

Ao constar do circuito de mercado que determinada empresa se encontra demandada num processo de insolvência, além das consequências com fornecedores e instituições de crédito, também os clientes tendem a procurar alternativas, os colaboradores despendem mais tempo no desenvolvimento das suas funções por forma a convencer os parceiros de negócio a confiarem na empresa.

Todas as descritas circunstâncias se interpenetram e atuam em conjunto, produzindo um impacto global na atividade da empresa.

Tais consequências revelam-se com especial acuidade em empresas, como é o caso da Recorrente, em fase de crescimento e expansão, processo que exige um reforço do investimento e disponibilidade de meios.”

Tratam-se na verdade, de efeitos perniciosos, resultantes da instauração de um qualquer processo de insolvência, o qual tem subjacente a impossibilidade do devedor em cumprir as suas obrigações, deixando em alerta de risco, todos os que com a empresa se relacionam.

Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:

83 - Ao longo dos anos, a ... atingiu sempre os objetivos de crescimento projetados.

84 - No final do ano de 2021, pela primeira vez desde 2016, o negócio da marca ... não cresceu;

85 - Tendo ficado 1,3 milhões de euros aquém dos objetivos previstos, que eram de 6.4 milhões de euros em valor de vendas (conforme as percentagens de crescimento previstas no plano de negócios elaborado em 2020, com previsões de crescimento para os 5 anos subsequentes, projetado com base nos resultados obtidos no quadriénio anterior (de 2016 a 2020).

Estes factos permitem comparar o negócio da D... com a marca ... desde 2016, que foi sempre crescente e que apenas com a transição para autora, que é surpreendida aos 7 meses de existência com um processo de insolvência, implicou uma falta de crescimento que não era expectável em face dos resultados anteriores (era a mesma marca e essencialmente a mesma equipa), tratando-se de um negócio de “continuidade”, como a ré reconheceu no e-mail-Doc 5 da petição.

Dessa forma, impõe-se reconhecer, com base nos indicados depoimentos conjugados com as regas da experiência que ficou suficientemente demonstrado que a instauração do processo de insolvência, teve como consequência a perda de alguns clientes, que se afastaram e uma retração do crescimento pela recorrente que se encontrava em face de expansão, face ao que era esperado.

Desta forma deverá ser incluído no elenco dos factos provados o seguinte facto:

– O processo de insolvência implicou um decréscimo das vendas previstas pela autora, por alguns clientes se terem afastado e consequentemente um crescimento inferior ao que era esperado.

As alterações à matéria factual ficarão a constar de seguida no elenco dos factos provados e não provados.

IV-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Com interesse para a decisão encontram-se julgados provados os seguintes FACTOS:

1 - A A. é uma sociedade por quotas com o capital social atual de € 10.000,00 (dez mil euros).

2 - O objeto social da A. consiste na fabricação e comercialização por grosso e a retalho de materiais de construção, em particular de torneiras, acessórios de banho e outros similares; importação e exportação de materiais de construção.

3 - A A. dedica-se, sobretudo, a efetuar os acabamentos de torneiras que lhe chegam em bruto e a proceder à sua comercialização.

4 - No dia 24-07-2021, a Ré requereu a declaração de insolvência da aqui A. (processo n.º 2034/21.2T8STS – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 7, Tribunal Judicial da Comarca do Porto).

5 - Como fundamento daquela pretensão, a aqui Ré alegou, essencialmente, que:

- Era titular de um crédito sobre a aqui A. no valor de €305.684,59, resultante das relações comerciais desenvolvidas entre ambas as partes;

- dos quais €241.514,77 vencidos, sendo a mais antiga das faturas vencidas e não pagas de fornecimento concretizado em 12 Fevereiro de 2021, com vencimento em 13 de Abril de 2021.;

- não depositou contas desde que foi constituída, não é conhecido o seu desempenho comercial,

- A aqui A. não demonstrava disponibilidade para pagar o crédito e não tinha capacidade para o fazer;

- Não eram conhecidos à aqui A. propriedades, equipamentos, trabalhadores afetos ou outros bens;

- A Requerente tem vindo a exigir, há meses, o pagamento dos seus créditos junto da Requerida, mas sem sucesso;

- mas sempre com a promessa de que tal seria ultrapassado pela entrada de um novo investidor que dotaria a sociedade dos fundos necessários ao pagamento dos fornecimentos,

- Foi feito um aumento de capital com entrada de novo sócio mas o aumento de capital foi simbólico - montante de €5 000,00 (cinco mil euros) - feito em Junho do corrente ano e por pessoa a quem não é reconhecida qualquer capacidade de investimento ou curriculum vitae prévio na gestão de sociedades.

- Em 8 de Junho de 2021 os gerentes BB e NN renunciaram ao cargo e foi nomeado como gerente, o novo sócio AA.

- Depois de inúmeras reuniões e tentativas de cobrança infrutíferas junto da nova gerência e de outras tantas diligências feitas no sentido de apurar da solvabilidade da Requerida, em 15 de Julho a Requerida solicitou a intervenção de mandatário para proceder à interpelação para o pagamento.

- O que viria a ser feito, à sociedade Requerida e ao gerente em funções, com a expressa advertência que se suspeitava da solvabilidade da sociedade e que seria requerida a declaração de Insolvência da sociedade e proceder ao apuramento de responsabilidade societárias e pessoais pelo pagamento em falta mas, nenhuma resposta se logrou obter

- Dois dias depois da receção da carta é levado a registo a nomeação de novo gerente e da alteração da forma de obrigar da sociedade.

- A Requerente encetou imediatamente tentativas de contacto com o novo gerente, mas também deste não obteve qualquer resposta concreta ou demonstração de solidez e solvabilidade da sociedade – cf. doc. 2 junto à p.i. cujo teor se dá por reproduzido.

6 - Seguidos os termos da acção, veio o tribunal a proferir sentença, no dia 16-03-2022, em que julgou a acção improcedente e indeferiu a pretensão da aqui R..

7 - Na fundamentação de direito da sentença é referido que dos factos “provados está evidenciada com abundância a situação de solvência da requerida, empresa próspera da sua área de negócios, em forte expansão, sem dívidas ao Estado, antes sendo credora do mesmo por contribuições a título de IVA, e cumpridora das suas obrigações perante os respetivos fornecedores – doc. 2 da p.i.

8 - A R. achava que o negócio da autora era potencialmente lucrativo.

9 - A sociedade aqui autora foi constituída em Dezembro de 2020 e iniciou atividade em Janeiro de 2021.

10 - Por essa razão, em Julho de 2021, a A. ainda não tinha contas publicadas.

11 - No dia 02/01/2021, em simultâneo com o início da sua atividade, a A. adquiriu da sociedade D..., Lda., a marca ...”, assim como o respetivo estabelecimento comercial. - Cfr. Documento 4 da p.i., que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

12 - A A. foi constituída com o propósito estratégico de autonomizar o negócio com aquela marca, porque era o mais profícuo de entre os vários negócios da sociedade D....

13 - Já antes da constituição da sociedade aqui Autora, a Ré mantinha relações comerciais com a sociedade D..., sendo contratada para fabricar os produtos da marca ...”.

14 - A R. já conhecia os contornos daquele negócio, e sempre lhe reconheceu valor.

15 - Ao ter conhecimento de que a marca ... seria autonomizada numa nova sociedade (a aqui Autora), o representante legal da R., DD, vaticinou, com forte convicção, os maiores sucessos àquele novo (embora, como o próprio afirmou, se tratasse de uma “continuidade”) projeto. - Cfr. Documento 5.

16 - A aqui R., num email datado de 08-07-2021, subscrito pelo seu gerente DD enviado para o então gerente da autora AA escreveu: “(…) Como bem sabes, há muitos meses que na B... andamos, quase diariamente, a pedir os pagamento vencidos. Desde o primeiro momento fomos sempre muito transparentes sobre a gravidade da situação para onde os vossos atrasos nos estavam a empurrar. Mais uma vez te digo que a situação criada pelos vossos atrasos nos pagamentos é insustentável.

A B... está transformada num financiador informal da A... com maior envolvimento que os próprios sócios, mas sem o ser.

Se a A... estiver interessada em ter a B... como sócia e financiadora podemos sentar-nos e negociar a conversão de parte da dívida em capital social.”

17 - A sociedade D..., enquanto cliente da R., fez-lhe compras regulares até final de 2020, das quais resultaram dívidas para a primeira.

18 - Por efeito do negócio de trespasse já referido, a Autora passou a ser responsável pelas dívidas que a D... tinha com a Ré constantes do balancete de trespasse anexo ao contrato de trespasse.

19 - Entre 12-01-2021 e 18-05-2021, a Autora pagou, a esse título, o valor total de 176.158,21€, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020 (período anterior ao do início, em Janeiro de 2021, da faturação da Autora).

20 - A R. contactar pessoas que trabalhavam para a A., aliciando-os para passarem a trabalhar sob as suas ordens e direção, pretendendo tirar proveito dos respetivos métodos de trabalho e “know-how”.

21 - Foi, inclusive, aliciado antes de Janeiro de 2021, um dos, à data da entrada da acção de insolvência, gerentes da R., AA, que então exercia as funções de Diretor da área de negócios da D....

22 - A R. efetuou múltiplas abordagens a clientes da A.

23 - Enviando-lhes produtos em catálogo que apresentava como sendo amostras suas, e tentando negociar a sua comercialização, quando eram produtos da marca ..., da autoria da A.

24 - Produtos a que a R. tinha acesso porque era contratada pela A. para os fabricar,

25 - A R. enviou catálogos e tabelas de preços a clientes da A. com múltiplas reproduções de artigos da A., propondo comercializá-los a preço reduzido, inferior ao preço praticado pela A.

26 - Como exemplo das abordagens da R. a clientes da A. podem descrever-se os seguintes:

27 - No dia 7 de Abril de 2021, a R. enviou à empresa E... B.V. (...), cliente da A., o desenho de um produto da autoria da A., apresentando-o como seu e pretendendo comercializá-lo.

28 - No mês de Maio de 2021, a A. discutia com a empresa dinamarquesa F... A/S, sua habitual cliente, a conceção de um modelo de um dos seus produtos.

29 - Nesse contexto, por email datado de 21-05-2021, aquela cliente enviou, como forma de exemplificar o que pretendia, o desenho do mesmo produto supra referido 27, que lhe tinha sido enviado pela R.

30 - No email datado de 30 de Março de 2021 é a A. que envia aquele produto à R., para lhe encomendar o respetivo fabrico, conforme usualmente fazia, enviando o desenho do seu produto, para que a R. se limitasse a fabricá-lo.

31 - No dia 11 de Março de 2021 a R. enviou um email à empresa E... B.V. em que lhe remetia um catálogo de onde constavam artigos que pertencem à A.

32 - Vários artigos que se encontram no referido catálogo, como por exemplo, algumas bicas de lavatório, foram retiradas do portfólio de produtos da A.

33 - E esses mesmos artigos voltam a constar do novo catálogo que a R. enviou à E... B.V., por email datado 3 de Maio de 2021.

34 - A R. abordou a E... B.V., cliente da A., por diversas ocasiões, para negociar a comercialização de produtos que pertencem à A.

35 - Pouco antes da constituição da sociedade aqui Autora, já a R. contactava alguns clientes da marca ...” (que nessa altura negociavam ainda com a sociedade D..., mas que passaram a ser clientes da aqui A. assim que adquiriu aquela marca através do contrato de trespasse ora junto como doc. 4.), pretendendo aliciá-los. Vejamos:

36 - Por email datado de 24/09/2020, a R. enviou à empresa G... Ltd., do Reino Unido, habitual cliente da A., fotografias de produtos da marca ...”, negociando a sua comercialização.

37 - No dia 02/10/2020, a R. enviou um email para aquela mesma empresa, em que lhe remetia um catálogo do qual constavam vários artigos da marca ...”, como por exemplo misturadoras de duas saídas de duche.

38 - Entre os meses de Agosto e Setembro de 2020 a R. enviou vários emails em que sugeria à empresa dinamarquesa H..., habitual cliente da A., que passasse a trabalhar consigo.

39 - A autora escusou-se ao pagamento dos valores devidos à ré invocando as situações seguintes:

40 - A R. fornecera à A. produtos defeituosos no valor de €20.000,00 e, confrontada com as reclamações da A., não emitira as correspondentes notas de crédito;

41 - Algumas das faturas que a R. apresentava como fundamento do crédito registavam uma data de entrega que não correspondia àquela em que a mercadoria fora de facto entregue à A.;

42 - A R. não devolvera à A. sete torneiras que lhe haviam sido cedidas a preço reduzido e às quais dera um destino diverso (envio a clientes da A., na tentativa de captação dessa clientela) daquele que havia justificado a redução do preço (uso pessoal do legal representante da R.).

43 - A enviou email à R datado de 7 de Julho de 2021 onde escreveu ter “vontade clara e inequívoca de liquidar o mais rapidamente possível qualquer dívida contraída pela A...” – doc 6,

44 - Transmitindo igualmente que o pagamento do crédito se encontrava dependente da sanação daquelas várias questões e ainda da celebração de um acordo de confidencialidade e “assim como relativamente à utilização de produtos nossos ... para revenda a terceiros, assim como produtos produzidos pela B... subcontratados pela ... não poderem ser alvo de uso para satisfação da vossa ou nossa rede comercial”.

45 - Na fundamentação do pedido de insolvência, além do não pagamento do crédito por parte da aqui A., a R. alegou também que não são conhecidos trabalhadores afetos.

45-A - O não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira. (facto ora aditado)

45-B- A. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.(facto ora aditado).

46 - Na sentença proferida no processo de insolvência, aqui junta como doc. 3, deu-se como provado o seguinte facto:“35. O legal representante da Requerente sugeriu a vários trabalhadores da Requerida a possibilidade de passarem a trabalhar para a Requerente.”

47 - O legal representante da R. tinha conhecimento de que havia pessoas que trabalhavam para a A. podendo embora desconhecer se tinham contrato de trabalho subordinado com esta.

48 - No momento da propositura do pedido de insolvência por parte da R., a A. não se encontrava a ser demandada em qualquer processo judicial;

49 - Além de que não constava no circuito do mercado quaisquer indicações –demonstrações de desagrado por parte de fornecedores ou clientes - que sinalizassem a A. como uma sociedade de risco, débil, sem capacidade para pagar, que merecesse desconfiança.

50 - Tendo sido constituída em meados de 1961, a R. encontra-se a operar no mercado há mais de 60 anos.

51 - A R. tem – e tinha à altura da propositura do pedido de insolvência – plena consciência de que um processo de insolvência prejudica a imagem de qualquer empresa junto de fornecedores, entidades financiadoras e bancárias, clientes e potenciais clientes.

52 - Na sentença proferida no âmbito do processo de insolvência, veio o tribunal a concluir que ficara demonstrada “uma situação da manifesta solvência económica da requerida, que lhe permite a liquidação total dos valores faturados que a requerente considera ser-lhe devido pela totalidade, o que resulta, designadamente, dos documentos 2, 3, 9, 10 e 11, juntos com a oposição”.

53 - A própria Ré, veio manifestar a sua concordância com este preciso entendimento em sede de alegações de recurso.

54 - Depois de confrontada com a oposição (datada de 19/08/2021), de onde colheu evidências da situação de solvabilidade da aqui A., a ora R. nunca desistiu do pedido.

55 - Do requerimento de referência 39689959, datado de 25/08/2021, a aqui Ré fez constar o seguinte: “7. A Requerida esforça-se por assumir uma posição de enorme pujança económico financeira, mas oferece pouco, o que oferece quase não se consegue ler e o que se consegue ler é pouco credível,

8. Todos os documentos juntos foi de terrível qualidade de digitalização, o que obstaculiza a sua análise e compreensão;9. Nenhum é documento oficial ou certificado por entidade que ateste a sua conformidade.10. O que se consegue retirar dos documentos juntos são informações irrelevante ou ;11. De frágil sustentação, a título de exemplo:- a Requerida diz ter €525 987,51 em conta à ordem, mas o documento 1 comprova inequivocamente que a 30 de junho o balancete apresentava um saldo negativo em caixa e bancos de €14 065,52;- a requerida fez pousar para a foto, em 17.08.2021, €310 000,00 na Banco 3... e 215 987 no Banco 4... mas se os tem, não os usou para pagar à Requerente. Nem um euro. Deve hoje o mesmo que devia à data da apresentação do pedido.15. As dificuldades de liquidez da Requerida para assegurar os pagamentos com que se comprometeu não é uma “invenção” da Requerente, mas um autorreconhecimento, reafirmado persistentemente ao longo de semanas e meses (extraído do doc. 19)”

56 - Do requerimento de referência 39821449, datado de 13/09/2021, fez constar o seguinte: “26. Parece notório que a Requerente tem como objetivo receber o quanto forneceu, mas não confia na capacidade de pagamento da Requerida”

57 - Do requerimento de referência 40766455, datado de 16/12/2021, fez constar o seguinte:“26. À data do pedido de insolvência a Requerida alegou ter uma tesouraria robusta e auto-suficiente, mas em Outubro no mesmo ano viu-se forçada a contratar uma linha de crédito especificamente concebida para adiantamentos a fornecedores, no valor de €500 000,00, contra-garantida por três avalistas, nenhum dos quais é a C..., mas os gerentes e um terceiro alheio à sociedade.”

58 - Com o processo de insolvência, os representantes e restantes colaboradores da sociedade aqui A., dedicaram tempo em quantidade não apurada, com reuniões entre si, com o advogado, bancos, fornecedores, clientes, pesquisa de documentos para instruir o processo e deslocações ao tribunal. As pessoas em questão foram as seguintes:

59 - AA, sócio-gerente, a pessoa que mais tempo ocupou: Valor p/ hora da retribuição: €24,72, foi a quatro sessões de julgamento.

60 - HH, designer de produto: Valor retribuição p/ hora: €6,92, foi uma vez a tribunal.

61 - OO, diretor de qualidade e engenharia: Valor p/ hora: €8,65 foi três vezes a tribunal.

62 - BB, gestor de compras: Valor p/ hora: €7,50 foi uma vez a tribunal.

63 - EE, gestor de compras: Valor p/ hora: €7,50 foi duas vezes a tribunal.

64 - PP, técnica oficial de contas: Valor p/ hora €11,54 e foi duas vezes a tribunal;

65 - QQ, diretor de logística: - Valor p/ hora €13,85.

66 - KK, sócio-gerente não era assalariado da autora;

67 - JJ, que trabalha para empresa que presta assessoria financeira, foi três vezes a tribunal, valor por hora não apurado;

68 - CC, que trabalha para a mesma empresa de assessoria financeira, valor por hora não apurado.

69 - O processo de insolvência n.º 2034/21.2T8STS implicou despesas com honorários de advogado.

70 - No total, a A. suportou, a título de honorários de advogado, despesas no valor de €22.746,39.

71 - Ao tomarem conhecimento de que pendia contra a A. um processo de insolvência, os fornecedores passaram a impor-lhe condições de pagamento mais exigentes, muitas vezes exigindo o pronto pagamento ou pagamento antecipado.

72 - Para responder a tais exigências, a A. viu-se forçada a intensificar a utilização de uma linha de crédito para pagamento a fornecedores, que contratou com o Banco 2..., S.A., Sociedade Aberta: contrato “Confirming On-Time Pagamentos”.

73 - Este reforço do crédito para pagamento a fornecedores representou um acréscimo de encargos para a A. no valor de €5.736,70 (a título de juros remuneratórios), valor que não teria de suportar caso beneficiasse das normais condições de mercado de pagamento a fornecedores.

74 - A A. previra a celebração do supra referido contrato de confirming para o mês de Julho de 2021, como forma de apoio à tesouraria.

75 - Devido à desconfiança gerada pelo processo de insolvência, o processo de contratualização foi mais demorado, só em 4 de Outubro de 2021 se celebrou o contrato com o Banco 2....

76 - No mês de Agosto de 2021, o sócio C..., Lda. fez suprimentos no valor de €360.000,00.

77 - Tal valor foi reduzido a 285.000,00€ em 11/11/2021, a 235.000€ em 19/11/2021, a 205.000,00€ em 26/1/2022, 175.000,00€ em 17/2/2022 aumentado para 205.000€ em 22/2/2022 e reembolsado ao sócio em 11/3/2022.

78 - A desconfiança das instituições bancárias face à A., gerada pelo processo de insolvência, repercutiu-se negativamente na operação de aquisição de um imóvel (armazém), destinado a acolher as novas instalações da sociedade aqui A.

79 - Em Julho de 2021, a A. acordara com a então possuidora do imóvel, I..., SA (sujeito ativo em contrato de locação financeira – leasing imobiliário), e com o Banco 4..., S.A. que o negócio se consubstanciaria numa cessão da posição contratual no contrato de locação financeira que incidia sobre o imóvel.

80 - A desconfiança gerada pela pendência do pedido de insolvência determinou o adiamento da validação daquela operação.

81 - Na ausência de uma resposta afirmativa por parte da instituição bancária, a A. acabou por adquirir o imóvel através de um contrato de compra e venda, celebrado no dia 03/03/2022, recorrendo ao crédito junto de outra entidade bancária, a Banco 3..., C.R.L.

82 - A aquisição do imóvel por esta via implicou o pagamento de €44.200,00 a título de IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), bem como o pagamento de €5.440,00 a título de Imposto do Selo.

83 - Ao longo dos anos, a ... atingiu sempre os objetivos de crescimento projetados.

84 - No final do ano de 2021, pela primeira vez desde 2016, o negócio da marca ... não cresceu;

85 - Tendo ficado 1,3 milhões de euros aquém dos objetivos previstos, que eram de 6.4 milhões de euros em valor de vendas (conforme as percentagens de crescimento previstas no plano de negócios elaborado em 2020, com previsões de crescimento para os 5 anos subsequentes, projetado com base nos resultados obtidos no quadriénio anterior (de 2016 a 2020).

86 - A margem de lucro é de 36%.

87 - No ano de 2022, a A. terminou com um volume de negócios no valor de €4.861.248,27, conforme resulta da IES referente àquele ano.

88 - Já relativamente ao ano de 2023, o balancete relativo ao período entre 01/01/23 e 31/07/23 regista um volume de negócios de €2.088.815,60;

89 - Ano de 2023: 4.000.000,00€ previstos de volume de negócios.

89-A– O processo de insolvência implicou um decréscimo das vendas previstas pela autora, por alguns clientes se terem afastado e consequentemente um crescimento inferior ao que era esperado. (facto ora aditado).

90 - Previamente à entrada do processo de insolvência, a ré havia interpelado a A. para pagamento do devido por várias vezes.

91 - A Requerida foi constituída em 09 Dezembro de 2020 sob o nome J... LDA, com capital social de €5 000,00 (cinco mil euros), detida por dois sócios – a K... SGPS S.A com uma quota de 4.500,50€ e AA com uma quota de 499,50€ - e gerida por dois gerentes BB e NN.

92 - Durante o primeiro semestre de ano de 2021 a A. foi detida em maioria pela sociedade K... SGPS S.A.,

93 - A sociedade K... SGPS, S.A. conhecida por integrar o grupo “L...” abrangia 24 empresas que atuavam nas áreas de engenharia e construção, materiais de construção (entre elas a D...), imobiliária, hotelaria e turismo e “home automation”)

94 - A sociedade L... S.A., em 2021 enfrentou problemas de liquidez para pagar aos seus fornecedores.

95 - Foi alvo de pedidos de insolvência de credores.

96 - Essa sociedade deu entrada no tribunal, em Setembro de 2021, a um processo especial de revitalização.

97 - No plano de recuperação que juntou está escrito, designadamente, que: “A L..., S.A. é uma empresa portuguesa de elevada especialização na construção, vocacionada para a gestão de grandes projetos de engenharia com elevado valor acrescentado, reunindo competências para desenvolver trabalhos em todas as áreas da construção, apresentando especialidades consolidadas, onde a sua experiência se traduz numa forte vantagem comparativa para o cliente. Estabelecida a 3 de abril de 1974, tem a sua sede em ..., em Vila do Conde, sendo atualmente, a principal empresa do Grupo K... SGPS, S.A., que opera no campo da Engenharia e Construção há mais de 7 décadas. O Grupo K... SGPS, S.A. atua através de variadas empresas nas áreas de Engenharia e Construção, de Materiais de Construção, de Imobiliário, de Hotelaria e Turismo e de Home Automation, assegurando assim toda a cadeia de valor dos seus projetos e obras, atuando nacional e internacionalmente .História da empresa: Fundada em 1943, pelas mãos do Mestre RR, desde cedo a L... se tornou numa empresa de referência na área da Engenharia e Construção em Portugal. Hoje, com mais de 7 décadas de história, a L... é uma das maiores empresas do sector no nosso país. A sua principal missão é dar forma a projetos arquitetónicos diferenciadores, respondendo com eficácia às necessidades do mercado e de cada cliente.”

98 – Em 12/7/2021 foi registada a transmissão da quota da K... SGPS para C..., S.A. e em 20/7/2021 a nomeação de novo gerente

99 - A K... SGPS, S.A. detinha também a sociedade D..., LDA.

100 - A D... tinha um parceiro bancário que intervinha nos pagamentos à R. através de um contrato de confirming – sempre que o plafond disponível o permitia.

101 - Coisa que à data do pedido de insolvência a A. não tinha, nem a ré tinha seguro de crédito, garantia ou outra forma de caucionamento às vendas feita à A.

102 - Citada para deduzir oposição a A. contestou requerendo o deferimento dos pedidos seguintes: “II – Ser julgado procedente o pedido de litigância de ma-́fé pela Requerente e, em consequência, ser a mesma condenada ao pagamento de indemnização à Requerida em montante não inferior a 30.000,00€ (trinta mil euros);

III – Ser a Requerente condenada a pagar a liquidada quantia de 100.000,00€ (cem mil euros) a título de indemnizaçãõ por danos não patrimoniais e, ainda, a quantia por danos patrimoniais, que se venha a liquidar na acção respetiva e/ou em execução de sentença̧.”

103 - A aqui autora juntou documentos ao processo em 20.09.2021 e 06.12.2021.

104 - O julgamento teve uma primeira diligência agendada para 6/12/2021 que não durou mais do que meia hora.

105 - Teve sessões de julgamento nos dias 13/1/2022 e 8/2/2022, todo o dia, 10/3/2022 e 16/3/2022 de manhã.

106 - A aqui autora apresentou rol de testemunhas que chegou a aditar já no inicio do julgamento.

107 - A aqui autora, interpôs no processo de insolvência recurso subordinado na parte em que se decidiu absolver a aqui ré do pedido da sua condenação como litigante de má-fé

E foram julgados não provados os seguintes FACTOS:

1 - A R. sempre teve conhecimento de que a A. tinha e tem um negócio lucrativo.

2 – (eliminado).

3 - Entre 12-01-2021 e 18-05-2021, a Autora pagou o valor total de €421.911,75, por faturas com datas entre 01-09-2020 e 23-12-2020.

4 - A R. não tinha capacidade para produzir alguns dos produtos que enviava em catálogo aos clientes da A.

5 – (eliminado).

6 - O legal representante da R. tinha conhecimento de que a A. tinha trabalhadores a seu cargo (trabalhadores no sentido de que tinham um contrato de trabalho subordinado com a autora).

7 - AA gastou 400 horas com o processo originando um prejuízo total com a retribuição e restantes encargos associados (Segurança social, Seguro de acidentes de trabalho, subsídio de refeição, utilização de viatura e combustível) de €14.101,37

8 - HH, designer de produto: 100h - prejuízo total de €954,23.

9 - OO 100h - prejuízo total de €1.273,84.

10 - BB, gestor de compras: 50h prejuízo total de €509,15.

11 - EE, gestor de compras: 200h prejuízo total de €2.320,99.

12 -º PP: 100h - prejuízo total de €1.532,89.

13 - QQ 60h prejuízo total de €1.167,59.

14 - KK: 120h – Valor p/ hora €40,00 – prejuízo total de €4.800,00;

15 - JJ, assessor financeiro: 120h – Valor p/ hora €40,00 – prejuízo total de €4.800,00;

16 - CC, assessor financeiro: 120h – Valor p/ hora €40,00 – prejuízo total de €4.800,00.

17 - QQ e CC foram a tribunal para serem ouvidos no processo de insolvência.

18 - O tempo dedicado ao processo de insolvência por parte dos representantes e restantes colaboradores da sociedade aqui A. implicou um prejuízo total de €36.260,06.

19 - A A. viu-se compelida a recorrer a suprimentos extraordinários de sócios devido o processo de insolvência;

20 - Não estava prevista a concessão de suprimentos pelo sócio C....

21 - O custo de oportunidade (o facto de ter aquela quantia pecuniária aplicada em suprimentos em vez de o investir em negócios rendosos) corresponde a 10% do valor dos suprimentos.

22 - A autora não teria que suportar os valores do IMT e do Imposto de Selo se assumisse a posição contratual no contrato de leasing

23 –(eliminado).

24 - As informações financeiras disponíveis sobre a K... SGPS S.A, à data, indicavam um aumento do prazo médio de pagamento dos 87 dias em 2018, para os 790 em 2019 e, a existência de ações judiciais, nomeadamente de ação executiva em curso (Execução Ordinária 10403/21.1T8PRT(1) Porto – Juízo Execução - Juiz 1).

25 - A sociedade L..., S.A. encontrava-se catalogada pelas empresas de informação financeira como de risco elevado.

26 - Houve pedidos de seguro de crédito, garantia ou outras formas de caucionamento às vendas da R à A. que foram recusados por todos os prestadores contactados por conta de ausência de ativos conhecidos da Requerida.

27 - A A. não forneceu à R. qualquer evidência sobre a sua autonomização do grupo.

28 - A oposição no processo de insolvência tinha 225º artigos.

29 - A requerida no processo de insolvência insistiu reiteradamente na apreciação da litigância de má-f́é́ e do pedido de indemnização.

30 - Naquele processo, a aqui A. iniciou a sua intervenção processual com documentos ilegíveis, não certificados ou não oficiais, manipulados ou alterados, sem indicação da proveniência ou data de origem.

31 - A aqui autora juntou documentos ao processo em 30.08.2021, 09.09.2021 e 27.09.2021.

32 - Não cumpriu prazos de resposta e foi profícua na apresentação de requerimentos orais e escritos.

33 - Em audiência de julgamento inquiriu prolongadamente todos os arrolados, só o representante da R. prestou depoimento durante 1 hora e 57 minutos na secção da manhã e uma hora na seção da tarde – só na instância do mandatário da A.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

A Autora, aqui Apelante é uma sociedade comercial, constituída em Dezembro de 2020, cujo objeto social consiste na fabricação e comercialização por grosso e a retalho de materiais de construção, em particular de torneiras, acessórios de banho e outros similares; importação e exportação de materiais de construção, dedicando-se sobretudo, a efetuar os acabamentos de torneiras que lhe chegam em bruto e a proceder à sua comercialização.

No dia 02/01/2021, em simultâneo com o início da sua atividade, a A. adquiriu da sociedade D..., Lda., a marca ...”, assim como o respetivo estabelecimento comercial.

Como se provou, a ora apelante foi constituída com o propósito estratégico de autonomizar o negócio com aquela marca, porque era o mais profícuo de entre os vários negócios da sociedade D..., passando a comercializar os produtos daquela marca ...”.

Já antes da constituição da sociedade ora Apelante, a Ré mantinha relações comerciais com a anterior sociedade D..., sendo contratada para fabricar os produtos da marca ...”.

A sociedade D..., enquanto cliente da R., fez-lhe compras regulares até final de 2020, das quais resultaram dívidas para a primeira, sendo que tais dívidas, foram transmitidas à ora apelante juntamente com a marca ... e o estabelecimento comercial daquela D..., através de contrato de trespasse.

Provou-se que, a ora Apelante pagou á ré tais dívidas, que lhe foram transmitidas pela D..., que totalizaram o valor de € valor total de 176.158,21€, liquidando à ré faturas referentes a um período anterior ao do início, em Janeiro de 2021, da faturação da Autora.

No desenvolvimento do relacionamento comercial anteriormente exercido pela D..., a que a autora deu continuidade, com a Ré/apelada, sociedade metalúrgica que fabricava as torneiras e acessórios de banho que a autora depois comercializava sob a marca ..., veio a Ré reclamar da Autora o pagamento de faturas de produtos que lhe forneceu vencidas e não pagas, sendo a mais antiga referente a fornecimento concretizado em 12 Fevereiro de 2021, totalizando o crédito o valor de €305.684,59 euros.

Tendo reclamado tal pagamento da autora/apelante e não o tendo obtido, a Ré, no dia 24-07-2021, a Ré requereu a declaração de insolvência da A., insolvência que correu termos no processo n.º 2034/21.2T8STS – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 7, Tribunal Judicial da Comarca do Porto.

Para fundamentar aquela pretensão, a aqui Ré alegou, essencialmente, que:

- Era titular de um crédito sobre a aqui A. no valor de €305.684,59, resultante das relações comerciais desenvolvidas entre ambas as partes;

- dos quais €241.514,77 vencidos, sendo a mais antiga das faturas vencidas e não pagas de fornecimento concretizado em 12 Fevereiro de 2021, com vencimento em 13 de Abril de 2021.;

- não depositou contas desde que foi constituída, não é conhecido o seu desempenho comercial,

- A aqui A. não demonstrava disponibilidade para pagar o crédito e não tinha capacidade para o fazer;

- Não eram conhecidos à aqui A. propriedades, equipamentos, trabalhadores afetos ou outros bens;

- A Requerente tem vindo a exigir, há meses, o pagamento dos seus créditos junto da Requerida, mas sem sucesso;

- mas sempre com a promessa de que tal seria ultrapassado pela entrada de um novo investidor que dotaria a sociedade dos fundos necessários ao pagamento dos fornecimentos,

- Foi feito um aumento de capital com entrada de novo sócio mas o aumento de capital foi simbólico - montante de €5 000,00 (cinco mil euros) - feito em Junho do corrente ano e por pessoa a quem não é reconhecida qualquer capacidade de investimento ou curriculum vitae prévio na gestão de sociedades.

- Em 8 de Junho de 2021 os gerentes BB e NN renunciaram ao cargo e foi nomeado como gerente, o novo sócio AA.

- Depois de inúmeras reuniões e tentativas de cobrança infrutíferas junto da nova gerência e de outras tantas diligências feitas no sentido de apurar da solvabilidade da Requerida, em 15 de Julho a Requerida solicitou a intervenção de mandatário para proceder à interpelação para o pagamento.

- O que viria a ser feito, à sociedade Requerida e ao gerente em funções, com a expressa advertência que se suspeitava da solvabilidade da sociedade e que seria requerida a declaração de Insolvência da sociedade e proceder ao apuramento de responsabilidade societárias e pessoais pelo pagamento em falta mas, nenhuma resposta se logrou obter

- Dois dias depois da receção da carta é levado a registo a nomeação de novo gerente e da alteração da forma de obrigar da sociedade.

- A Requerente encetou imediatamente tentativas de contacto com o novo gerente, mas também deste não obteve qualquer resposta concreta ou demonstração de solidez e solvabilidade da sociedade – cf. doc. 2 junto à p.i. cujo teor se dá por reproduzido.

Cerca de oito meses depois, veio a ser proferida sentença, datada de 16.3.2022, que indeferiu o pedido de declaração insolvência da autora, tendo-se aí feito consignar o seguinte:

“No caso em apreço, e tal como atrás se aludiu, embora seja legítimo questionar o valor em divida pela requerida à requerente, os autos não evidenciam sinais de qualquer impossibilidade de pagamento do valor faturado, parcialmente ou na totalidade.

Ao contrário, revelam os autos que a requerida é uma sociedade comercial próspera, com um vasto património, recurso ao crédito bancário e meios financeiros próprios que lhe permitem solver na totalidade aquela dívida e cumprir as respetivas obrigações perante outros fornecedores.

Aqui chegados e perante esse circunstancialismo, o facto de a requerente não ter procurado a cobrança do seu crédito com recurso a uma ação judicial que permitisse a formação de título executivo, procedendo subsequentemente à cobrança coerciva do valor daí resultante, antes requerendo a insolvência, afigura-se medida drástica para um quadro que na ótica deste Tribunal não seria de modo a justificar tal desfecho, com todos os efeitos que da declaração de insolvência resultariam para o incumpridor.”(sublinhado nosso).

Para concluir: “Neste sentido, improcedem os pressupostos em que assentou o pedido de insolvência formulado pela requerente, estando demonstrado nestes autos que a devedora é titular de património e recursos financeiros próprios que lhe permitem responder pela obrigação resultante dos fornecimentos invocados nestes autos, não estando preenchido o facto índice a que alude a alínea b) do n.º 1 do art. 20º do CIRE, o que necessariamente determina a improcedência da presente ação.”

Esta sentença é o ponto de partida para esta ação, em que a autora, ora apelante pretende ver a ré responsabilizada pelos prejuízos que sofreu.

Baseia a sua pretensão na seguinte norma:

Artigo 22º do CIRE, que dispõe o seguinte:

A dedução de pedido infundado de declaração de insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo .

Na sentença ora sob recurso, o tribunal a quo absolveu a Ré do pedido, por entender não terem ficado demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil da ré, afirmando que “neste cenário não é possível concluir que, á data da entrada da petição de insolvência os responsáveis da Ré soubessem que a autora não estava insolvente. Ou que o tivessem cogitado, conformando-se com essa hipótese”.

Em face da matéria de facto provada, não pode este tribunal de recurso, acompanhar tal decisão.

Trata-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual, sendo-lhe aplicável o artº 483º do CC, mas em que se exige que o ato ilícito seja cometido com dolo.

Assim, cabia à autora demonstrar os pressupostos cumulativos estabelecidos na norma citada: ato (ação ou omissão), a ilicitude, a culpa, esta na forma de dolo, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A única diferença do regime geral do art. 483º do C.C, é que decorre do citado art.º 22º do CIRE que a dedução em juízo de um pedido infundado de declaração de insolvência constitui o impetrante em responsabilidade civil perante o requerido, desde que tenha agido com dolo, estando assim abrangidas todas as modalidades que a doutrina geralmente identifica na figura genérica do dolo, a saber: dolo direto, necessário e eventual.

O dolo é a modalidade mais grave de imputação do (facto) ilícito, aquela em que o agente merece mais forte reprovação por maior ser a dependência entre o evento ilícito e a sua vontade.

Porém, o dolo apresenta mais de uma variante: umas vezes o sujeito tem a intenção de produzir o resultado antijurídico, o evento ilícito constitui o fim ou objetivo do seu comportamento (dolo direto); outras vezes o agente não tem a intenção de produzir o resultado ilícito (pois prossegue finalidade diversa) mas sabe que também produzirá forçosamente/necessariamente esse resultado (dolo necessário); e existem também situações em que o agente também prevê o resultado ilícito mas não tem a intenção de o produzir, nem o prevê como consequência certa/necessária, sendo que, ainda que movido por finalidade diversa, apenas prevê o resultado ilícito como possível ou eventual – tem a consciência de que, agindo de determinada maneira, esse resultado poderá produzir-se mas não tem a certeza de que se produzirá, havendo dolo se, não se encontrando seguro de que o resultado ilícito se dará, não se preocupa todavia com que eventualmente venha a dar-se, aceitando-o e portanto querendo-o para essa hipótese; a insensibilidade do agente perante os valores que violou continua a merecer um juízo de forte reprovação (dolo eventual).

Ficam assim afastados os comportamentos meramente negligentes.

Com efeito, diferente do dolo, em qualquer das suas variantes, é o conceito de mera culpa ou negligência, a qual consiste na omissão da diligência exigível do agente, e que compreende, em primeiro lugar, os casos (excluídos do conceito do dolo) em que o agente prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar (negligência consciente).[5]

Teremos assim que avaliar a factualidade provada de molde a perceber se existe dolo da ré no pedido de insolvência da autora/apelante, que se provou ser infundado, numa daquelas três variantes possíveis: dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual).

Basta atentarmos na correspondência trocada por e-mail entre as partes, supra analisada na fundamentação de facto, para se perceber que o propósito da Ré, ao requerer a insolvência da autora foi apenas um: compelir a autora a pagar de imediato a dívida dos fornecimentos que lhe tinha feito, cujo pagamento estava com um atraso de 4/5 meses.

Não se pretendendo de forma alguma minimizar a situação de credora da Ré, primeiro porque se trata de um valor em dívida bastante elevado, segundo, porque a ré revelou naquela correspondência que o atraso naqueles pagamentos, estava a ser para si insustentável, o certo é que desde logo estes dois critérios- valor elevado e atraso no pagamento – por si, nas circunstâncias em que ocorrem, não têm o valor que lhes foi atribuído na sentença recorrida.

Com efeito, quanto ao “valor elevado”, que por essa razão poderia á partida mostrar-se difícil de liquidar pela devedora, deixa de ter tal peso, quando se provou que a autora, nesse mesmo período temporal, teve liquidez suficiente para pagar à mesma Ré, um valor superior a mais de metade daquele valor em dívida – a quantia de € 176.158,21 euros (e referente a uma dívida de terceiro que assumira), - mostrando dessa forma que claramente, tinha solvabilidade para efetuar pagamento.

Quanto aos 4/5 meses de atraso no pagamento, pouco mais tempo são do que o tempo de vida da própria autora acabada de ser constituída…

Não obstante, a Ré não se inibiu de, perante esta situação, que era por si conhecida, requerer a insolvência da ora Apelante, invocando um infundado incumprimento generalizado de obrigações por parte da autora, com o único objetivo de a pressionar a pagar “rapidamente”, tal como resulta do teor do e-mail já por nos referenciado de 13 de julho de 2021 (doc 6 da p.i).

Invocou também que não lhe eram conhecidos trabalhadores afetos, quando conhecia a equipa da autora (cujos membros chegou até a aliciar para trabalharem consigo), não sendo igualmente crível que uma empresa que lhe solicitou fornecimentos na ordem de 300.000,00, não tivesse trabalhadores para os comercializar.

Acresce que a demais factualidade provada não deixa a nosso ver, margem para dúvidas, que a Ré atuou ao requerer a insolvência da autora com o único objetivo de obter a satisfação de uma forma célere do seu crédito, pressionando a autora a pagar, para dessa forma evitar as consequências negativas que um processo de insolvência lhe podiam causar, para o mais estando a mesma a iniciar a sua atividade comercial, sendo que se provou que a R. tinha plena consciência de que um processo de insolvência prejudica a imagem de qualquer empresa junto de fornecedores, entidades financiadoras e bancárias, clientes e potenciais clientes (facto supra 51), o que aliás veio a acontecer.

Com efeito, decorre da matéria de facto que, no momento da propositura do pedido de insolvência, a autora/apelante não se encontrava a ser demandada em qualquer processo judicial, nem constava do circuito do mercado quaisquer indicações – demonstrações de desagrado por parte de fornecedores ou clientes - que a sinalizassem como uma sociedade de risco, débil, sem capacidade para pagar, que merecesse desconfiança;

A Ré era conhecedora que o negócio desenvolvido era potencialmente lucrativo.

Não só porque acompanhara já o negócio da anterior D..., que comercializava uma marca de sucesso, a ..., que foi adquirida pela Autora, que a passou a comercializar, como passou a aliciar os clientes da autora (factos supra 22 a 38), para dessa forma “beneficiar do sucesso” da autora; como aliciou igualmente trabalhadores da autora para passarem a trabalhar para si (facto supra 20 e 21), oferecendo-se ainda para ter uma participação social no capital da autora, factos que espelham que a ré “cobiçava” o negocio da autora, reconhecendo-lhe um grande valor ao negócio adquirido pela Recorrente;

A apelada sabia assim que a Recorrente tinha parcerias comerciais fortes, com clientes de dimensão importante e que tinha pessoas hábeis e competentes a trabalhar para si, sendo a autora uma continuidade da D..., com quem se relacionou durante cerca de dois anos anteriormente, sendo sabedora do sucesso da marca por aquela comercializada ....

A apelada não podia desconhecer a situação de solvabilidade da Autora quando dela recebeu entre 12-01-2021 e 18-05-2021, o valor total de €€ 176.158,21, por dívidas que originariamente nem eram da responsabilidade daquela, mas da sociedade D....

Por outro lado a apelada sabia que o não pagamento da dívida se devia a um litígio surgido entre as partes, no âmbito do qual a autora condicionou o pagamento da dívida à celebração de um acordo de confidencialidade, que a ré recusou assinar, destinado a fazer face a uma situação incomportável para a autora de ver a ré prosseguir com a atividade ilícita de desviar os seus clientes para lhes vender produtos da sua marca a valores inferiores.

Mais se provou que, o não pagamento, por parte da A., do crédito da R. nunca levou a que esta desconfiar da solvabilidade da primeira.

E ainda que, a. ré sabia que o não pagamento da dívida se devia à litigiosidade do crédito, em nada se relacionando com uma hipotética situação de insolvência.

Lembramos aqui a fundamentação da sentença proferida no processo de insolvência, onde se afirma: “Aqui chegados e perante esse circunstancialismo, o facto de a requerente não ter procurado a cobrança do seu crédito com recurso a uma ação judicial que permitisse a formação de título executivo, procedendo subsequentemente à cobrança coerciva do valor daí resultante, antes requerendo a insolvência, afigura-se medida drástica para um quadro que na ótica deste Tribunal não seria de modo a justificar tal desfecho, com todos os efeitos que da declaração de insolvência resultariam para o incumpridor.”

Neste quadro que acabamos de analisar, a apresentação do pedido de insolvência da autora pela ré consubstancia um uso desviado do propósito do processo de insolvência, que é o de propiciar a execução dum devedor impossibilitado de cumprir as suas obrigações – artigos 1º e 3º nº 1 do CIRE – consubstanciando uma forma de pressão indevida porque desproporcionada ao objetivo de ver satisfeito o seu crédito, face ás previsíveis consequências danosas da instauração do processo de insolvência no devedor, para mais, numa sociedade que acara de iniciar a sua atividade.

A conduta da R. é ilícita, pois intentou o processo de insolvência contra a autora, alegando como fundamento a falta de solvabilidade da autora – que a autora não tinha capacidade para pagar o crédito - facto-índice previsto na alínea b) do artigo 20º, nº 1 do CIRE – facto voluntário e ilícito.

A conduta da R., que tal como se provou, tinha plena consciência de que um processo de insolvência prejudica a imagem de qualquer empresa junto de fornecedores, entidades financiadoras e bancárias, clientes e potenciais clientes, não podendo desconhecer que, no caso particular da autora, sociedade acabada de constituir e de dar inicio á sua atividade comercial, tais efeitos, produzir-se-iam certamente, tendo atuado, a nosso ver, por tal motivo com dolo necessário, que ocorre quando a pessoa sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender realizará um facto, apesar de não ser por diretamente pretendido, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta.

Situamos a conduta da R. aqui em causa num domínio que já é o do dolo necessário, porquanto a “obstinação” de alcançar um outro objetivo – o pagamento imediato da dívida (que tinha um “mero” atraso de 4/5 meses), quando a devedora acabara de lhe fazer um pagamento de valor elevado, (176.158,21€), evidencia uma enorme indiferença básica pelo resultado desvalioso induzido com o pedido descabido de insolvência, duma sociedade que ter sido acabada de constituir iria ser prejudicada com a insolvência.

Há uma indiferença perante o resultado que não querido diretamente, sabia que se iria produzir.

Pensamos que o e-mail de 13.7.2021, supra analisado, reforça este entendimento.

Estão, pois, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Uma palavra final apenas relativamente ao argumento que foi usado pela ré, nesta ação, mas ao qual não fez qualquer referência, no processo de insolvência 2034/21.2T8STS, ao qual o tribunal recorrido, mostrou, a nosso ver, “injustificada” adesão.

Veio a Ré alegar nestes autos, que as suas suspeitas de solvabilidade da autora advinham afinal do facto da mesma estar integrada, assim com a anterior D... num grupo empresarial mais vasto, da qual fazia parte, uma sociedade, que foi alvo de um processo de insolvência, evidenciando assim o grupo falta de liquidez, motivo porque a divida da ré não foi paga.

Diz-se na sentença que, “Entrando em matéria não alegada na petição de insolvência, a autora estava integrada num grupo de empresas onde, pelo menos uma delas, em 2021 enfrentou problemas de liquidez para pagar aos seus fornecedores. Foi alvo de processos de insolvência e de um PER.

À data do pedido de insolvência a autora não tinha parceiro bancário ou qualquer instrumento para financiar a sua atividade ou garantir os créditos da autora.

Verdade que em Julho de 2021 houve uma alteração de sócios na autora. Saiu a K... SGPS, que detinha a sociedade que estava com problemas de liquidez, e entrou outro sócio. E foi nomeado novo gerente.

Porém, e agora reentramos nos factos alegados na petição de insolvência, a requerente encetou imediatamente tentativas de contacto com o novo gerente, mas também deste não obteve qualquer resposta concreta ou demonstração de solidez e solvabilidade da sociedade.”

Salvo o devido respeito, este argumento não têm qualquer relevância, por uma razão muito simples: ele só surge a posteriori, tratando-se de matéria que não foi alegada no processo de insolvência.

Aqui trata-se de aferir as circunstâncias em que a ré/apelada baseou a sua decisão de pedir a insolvência da autora, circunstâncias essas que serviram para gerar a sua convicção de falta de solvabilidade da autora para consigo e demais credores e o fundamento que invocou naquele processo de insolvência para a demonstrar.

Acresce que, embora numa relação de grupo, as sociedades são autónomas entre si, existindo uma separação jurídico-subjetiva entre as diversas sociedades que o integram.

Analisemos agora quais os danos provados que foram causados pelo processo de insolvência, a fim de fixar o montante indemnizatório devido à Autora.

A autora pediu a condenação da ré no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais que lhe causou em consequência da instauração do processo de insolvência.

Rege, quanto a estes, como é sabido, em primeira linha, o princípio da reposição natural, expresso no art. 562.º do Código Civil.

E quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566.º, n.º 1), há que lançar mão da indemnização em dinheiro, a fixar de acordo com a teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2), segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a situação hipotética que teria nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.

Relevante é ainda o disposto no artº. 563º do C.C., nos termos do qual, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido não fosse a lesão.

Vejamos então quais os danos que a autora logrou provar, correspondentes ao prejuízo que sofreu em consequência do processo de insolvência instaurado pela ré.

Quanto aos prejuízos sofridos, a Autora formulou os seguintes pedidos:

- €36.260,06 (Trinta e seis mil duzentos e sessenta euros e seis cêntimos), a título de prejuízos decorrentes da afetação de recursos humanos ao processo de insolvência.

Nesta matéria provou-se o seguinte:

58 - Com o processo de insolvência, os representantes e restantes colaboradores da sociedade aqui A., dedicaram tempo em quantidade não apurada, com reuniões entre si, com o advogado, bancos, fornecedores, clientes, pesquisa de documentos para instruir o processo e deslocações ao tribunal. As pessoas em questão foram as seguintes:

Nos factos 58 a 68, encontram-se discriminados os colaboradores da autora que dedicaram tempo ao processo e o valor /hora da retribuição, sem contudo se ter apurado o número de horas efetivamente despendido por cada um.

Porém não foi provado que, o tempo dedicado ao processo de insolvência por parte dos representantes e restantes colaboradores da sociedade aqui A. tivesse implicado um prejuízo total de €36.260,06 (facto 18 dos factos não provados).

Acresce que os custos com os colaboradores da autora são custos indiretos, no sentido em que o custo por hora da respetiva retribuição sempre teria de ser suportado pela autora, independentemente da intervenção no processo de insolvência.

O dano é indireto, no sentido em que se os colaboradores não estivessem ocupados com o processo de insolvência (deslocações a tribunal, pesquisa de documentos, reuniões, etc), estariam a exercer as funções na empresa para as quais foram contratados.

Desta forma, indefere-se, nesta parte o pedido.

A Autora pede ainda o seguinte:

€22.746,39 (Vinte e dois mil setecentos e quarenta e seis euros e trinta e nove cêntimos), a título de despesas com honorários de advogado no âmbito do processo de insolvência.

Nesta matéria emergiu provado que:

69 - O processo de insolvência n.º 2034/21.2T8STS implicou despesas com honorários de advogado.

70 - No total, a A. suportou, a título de honorários de advogado, despesas no valor de €22.746,39.

Estamos perante um dano emergente, um custo suportado pela autora em consequência do processo instaurado, pelo que é devido o valor peticionado.

A Autora pediu ainda:

- €5.736,70 (Cinco mil setecentos e trinta e seis euros e setenta cêntimos), a título de despesas associadas ao reforço do crédito a que a A. se viu constrangida a recorrer para fazer face às exigências impostas pelos seus fornecedores em decorrência do processo de insolvência.

Nesta matéria provou-se que:

71 - Ao tomarem conhecimento de que pendia contra a A. um processo de insolvência, os fornecedores passaram a impor-lhe condições de pagamento mais exigentes, muitas vezes exigindo o pronto pagamento ou pagamento antecipado.

72 - Para responder a tais exigências, a A. viu-se forçada a intensificar a utilização de uma linha de crédito para pagamento a fornecedores, que contratou com o Banco 2..., S.A., Sociedade Aberta: contrato “Confirming On-Time Pagamentos”.

73 - Este reforço do crédito para pagamento a fornecedores representou um acréscimo de encargos para a A. no valor de €5.736,70 (a título de juros remuneratórios), valor que não teria de suportar caso beneficiasse das normais condições de mercado de pagamento a fornecedores.

É pois devido este valor peticionado.

Igualmente peticiona:

- €49.640,00 (Quarenta e nove mil seiscentos e quarenta euros), valor dos impostos (IMT e imposto de selo) que a A. suportou na compra do imóvel (armazém), como consequência indireta do processo de insolvência.

Não obstante a prova dos factos 78 a 82, relacionados com as dificuldades que o processo de insolvência originou nas negociações goradas entre a então possuidora do imóvel, que a autora pretendia adquiri (I..., SA (sujeito ativo em contrato de locação financeira – leasing imobiliário), e com o Banco 4..., S.A. em face da prova negativa do facto 22 dos factos não provados, é de indeferir a pretensão da autora/apelante.

- Valor mínimo de €235.616,85 (Duzentos e trinta e cinco mil seiscentos e dezasseis euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de compensação, a determinar equitativamente, pelo impacto negativo do processo de insolvência no crescimento da sociedade aqui Autora, afetando a sua posição no mercado, o que se repercutiu imediatamente no ano de 2021, em que a sociedade ficou 1.3 milhões de euros (em valor de vendas) aquém dos objetivos previstos, com a consequente perda de lucros.

Nesta matéria foram provados os seguintes factos:

83 - Ao longo dos anos, a ... atingiu sempre os objetivos de crescimento projetados.

84 - No final do ano de 2021, pela primeira vez desde 2016, o negócio da marca ... não cresceu;

85 - Tendo ficado 1,3 milhões de euros aquém dos objetivos previstos, que eram de 6.4 milhões de euros em valor de vendas (conforme as percentagens de crescimento previstas no plano de negócios elaborado em 2020, com previsões de crescimento para os 5 anos subsequentes, projetado com base nos resultados obtidos no quadriénio anterior (de 2016 a 2020).

86 - A margem de lucro é de 36%.

87 - No ano de 2022, a A. terminou com um volume de negócios no valor de €4.861.248,27, conforme resulta da IES referente àquele ano.

88 - Já relativamente ao ano de 2023, o balancete relativo ao período entre 01/01/23 e 31/07/23 regista um volume de negócios de €2.088.815,60;

89 - Ano de 2023: 4.000.000,00€ previstos de volume de negócios.

89-A– O processo de insolvência implicou um decréscimo das vendas previstas pela autora, por alguns clientes se terem afastado e consequentemente um crescimento inferior ao que era esperado.

Uma vez que a Autora/apelante adquiriu uma marca anteriormente comercializada e com sucesso pela D..., à qual deu continuidade, continuando a nova empresa a estar integrada no mesmo grupo empresarial daquela D..., torna-se possível usar os valores desta empresa relativos à comercialização de produtos da marca ... por comparação, relativamente ao que seria expetável relativamente à Autora.

Ficou provado, no final do ano de 2021 (o processo de insolvência iniciou-se em 24.7.2021 e terminou em 16.3.2022),, pela primeira vez desde 2016, o negócio da marca ... não cresceu.

Esse crescimento era porém expectável até porque a separação dos negócios da D..., com a criação da autora visaram que ficasse esta empresa “concentrada” na comercialização da marca de sucesso ...:

Provou-se que o processo de insolvência implicou um decréscimo das vendas previstas pela autora, por alguns clientes se terem afastado e consequentemente um crescimento inferior ao que era esperado.

E que ficou 1,3 milhões de euros aquém dos objetivos previstos, que eram de 6.4 milhões de euros em valor de vendas (conforme as percentagens de crescimento previstas no plano de negócios elaborado em 2020, com previsões de crescimento para os 5 anos subsequentes, projetado com base nos resultados obtidos no quadriénio anterior (de 2016 a 2020), sendo a margem de lucro de 36%, o que representa uma perda de lucros prevista de €468.000,00 euros.

Não podemos porém concluir que a autora sofreu um dano neste valor, nem a autora assim o pediu, dizendo que o mesmo deva ser fixado equitativamente.

Com efeito, no cálculo do prejuízo causado, não podemos esquecer que nos estamos a referir ao lucro esperado, que não pode deixar de se considerar incerto, já que depende de várias condicionantes do mercado (basta pensar nos efeitos causados pela pandemia, positivos nalguns setores da economia, como nas análises clínicas, vacinas e hospitais e vacinas e negativo nos setores que paralisaram).

Tem ainda relevância, na ponderação dos danos que que o lucro esperado é calculado tendo em consideração, o quadro anterior de comercialização da marca com sucesso pela D... e não pela própria autora, empresa acabada de constituir, a qual não teve sequer tempo de “dar provas” do esperado sucesso, sendo certo que o processo de insolvência veio “cortar” o decurso normal do negócio esperado pela autora.

Acontece que, da matéria de facto provada, não resultam dúvidas da interferência negativa do processo de insolvência no seu crescimento, e no seu potencial lucro.

A responsabilidade civil, como já se referiu, tem em vista “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cf. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo.

A incerteza do que teria acontecido quanto ao sucesso ou insucesso da atividade comercial da autora, não fora a ingerência negativa do processo de insolvência, faz-nos cair no dano da “perda de chance”, pois o que aconteceu é que, as consequências negativas que se verificaram junto da banca e junto dos clientes da autora decorrentes do ato ilícito praticado pela ré, interferiram naquele processo do lucro expectável em face dos anteriores resultados, de forma negativa influenciando “as chances” de sucesso e consequente expetáveis.

A autora perdeu uma oportunidade séria de obter os lucros expetáveis, naquele ano.

Como refere Patrícia Cordeiro da Costa[6] “a chance indemnizável não é [...] uma chance abstrata e filosófica, no campo das possibilidades gerais, mas uma chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito. Sob pena de se transformar a perda de chance num mecanismo de atribuição irrestrita de indemnizações, bastando a presença de uma mera suspeita de probabilidade, a ação de indemnização deve ser preparada, em termos de alegação de facto e de produção de prova, de forma a que o tribunal, na decisão a tomar, tenha dados de facto suficientes para, desde logo, concluir pela existência duma chance séria. [...] A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria [...]”

O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 2/2022[7], proferido no P. n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2 -fixou a seguinte jurisprudência: “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”

No caso em apreço, a factualidade provada que reproduzimos reflete a consistência e a seriedade do dano sofrido pela autora, impondo-se a fixação do respetivo valor, por recurso à equidade, pelo que tendo em conta o lucro projetado de €468.000,00 euros, (margem de lucro de 36% x os 1,3 milhões de euros aquém dos objetivos previstos), considerando que aquele valor teve por referencia a atividade da sociedade anterior (D...) e o facto da autora ter sido recentemente criada, mas considerando igualmente os factos provados 87, 88 e 89, que refletem, o sucesso da autora nos anos posteriores de 2022, 2023 e 2024, após a insolvência ter sido julgada improcedente, entendemos ser justo e adequado fixar o valor €100.000,00 euros.

Terá assim de ser condenada a ré a pagar á autora uma indemnização no valor global de €128.483,09 euros €22.746,39 + €5.736,70 + 100.000,00).

VI-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré/apelada a pagar á autora/apelante uma indemnização no valor de € €128.483,09 euros (cento e vinte e oito mil quatrocentos e oitenta e três euros e nove cêntimos).

Custa por ambas as partes na proporção do decaimento.


Porto, 10 de julho de 2025.
Alexandra Pelayo
Artur Dionísio Oliveira
João Ramos Lopes
______________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[2] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt
[3] Assinala-se a “bold”, as referências feitas na correspondência trocada entre a partes, quanto à reação judicial à falta de pagamento imediato.
[4] Artigos 157 e ss das alegações de recurso.
[5] Quanto a estes conceitos, vide, nomeadamente, I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, págs. 317 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª edição, Almedina, págs. 487 e seguintes e Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Lições ao 3º Ano Jurídico, Coimbra, 1983, págs. 250 e seguintes.
[6] In “A perda de chance — dez anos depois”, Revista Julgar, Set -Dez, 2020, pág. 168/9 e 167.
[7] Proferido no P. n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2 disponível in www.dgsi.pt e publicado no DR I Série nº 18 de 26.1.2022.