INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
PRAZO DE ABERTURA
PRAZO PERENTÓRIO
Sumário

I – Antes da Lei nº 9/2022, de 11.1. havia uma significativa divisão jurisprudencial no tocante à natureza do prazo de 15 dias destinado à abertura do incidente de qualificação da insolvência nos termos do art. 188º, nº 1 do CIRE, defendendo um setor a sua natureza perentória e outro a sua natureza meramente ordenadora.
II – Essa divisão jurisprudencial, através da Lei nº 9/2022, de 11.1., foi solucionada no sentido da natureza perentória deste prazo.
III – A Lei nº 9/2022, de 11.1., ao qualificar o prazo previsto no art. 188º, nº 1 do CIRE como perentório, reveste natureza interpretativa nos termos do art. 13º do Cód. Civil, integrando-se na lei interpretada e sendo aplicável a atos praticados ainda no âmbito da lei antiga.

Texto Integral

Proc. nº 6782/20.6T8VNG-B.P1

Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Apelação

Recorrente: AA

Recorrido: Min. Público

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Artur Dionísio do Vale dos Santos Oliveira e Márcia Portela

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Por sentença de 21.10.2020, devidamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA e BB e por despacho proferido em 2.2.2022, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência.

Em 6.6.2022, o Administrador da Insolvência juntou o parecer a que alude o artigo 188.º, nº 3, do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas [doravante CIRE], propondo a qualificação da insolvência como culposa, ao abrigo do artº 186º, n.º 2, als. d) e i) e 3, al. a) deste mesmo diploma.

Para o efeito, alegou que:

- a situação de insolvência deve-se essencialmente ao facto dos insolventes terem avalizado dívidas da sociedade da qual era o insolvente marido sócio gerente e terem também dívidas em nome pessoal à A... no valor de 1.539,36€ e ao Banco 1..., SA., relacionadas com um mútuo, locação financeira, saldo a descoberto e cartão de crédito;

- tais dívidas reportam-se aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, pelo que se verifica que os devedores incumpriram o dever de requererem a sua declaração de insolvência, atendendo à data dos incumprimentos;

- os devedores, após terem conhecimento de que contra si corriam processos executivos, em 15.6.2018 venderam um imóvel de sua propriedade pelo preço de 72.500,00€, sendo este uma fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente a habitação no 4.º andar direito, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...-J, e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia ..., com o VPT de 59.000,00€;

- solicitado aos mesmos que informassem do destino dado ao valor da venda do imóvel, estes informaram que metade tinha sido para pagar ao credor hipotecário (não tendo junto qualquer documento que comprovasse tal afirmação) e que o restante foi para pagar a alguns credores, e gasto em despesas do quotidiano, não tendo, no entanto, informado quais, nem que montantes;

- os insolventes não possuem quaisquer outros bens suscetíveis de apreensão;

- deverão ambos ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa.

Por seu turno, o Min. Público pronunciou-se em 8.6.2022 no sentido de que existem factos concretos dos quais resulta a qualificação da insolvência como culposa, integrando as condutas dos devedores AA e BB no disposto no artº 186º, n.º 1, 2, als. d) e i) do CIRE.

Devidamente citados os requeridos AA e BB, vieram deduzir oposição em 26.7.2022.

Alegaram, em síntese, que:

- Os devedores não tinham o dever de se apresentarem à insolvência;

- Nenhum dos devedores era à data empresário em nome individual;

- A sua situação deficitária foi provocada pela situação deficitária da sociedade comercial “B... Unipessoal Lda.”;

- Os insolventes eram avalistas em financiamentos bancários e a situação deficitária da sociedade arrastou-os para este poço “sem fundo”;

- Os insolventes tentaram tudo o que estava ao seu alcance para mudar a situação mas tal não foi possível;

- Os insolventes nunca tiveram o propósito de prejudicar os seus credores;

- Em 15.6.2018 os insolventes venderam um imóvel do qual eram proprietários pelo montante de 72.500,00€;

- Não foi invocado pelo Sr. Administrador de Insolvência que os insolventes tenham vendido o imóvel abaixo do valor de mercado;

- Não se afigura que esta transmissão tenha criado ou agravado a situação de insolvência dos requeridos.

Em 28.2.2023, o processo foi tabelarmente saneado, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova, admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência final.

Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Por fim, foi proferida sentença que:

a) Qualificou como culposa a insolvência de AA e BB;

b) Fixou em 2 anos o período da sua inibição para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa e em igual período a inibição dos requeridos para administrar patrimónios de terceiros.

Inconformado com o decidido, interpôs recurso o requerido AA que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de Direito da decisão proferida nos presentes autos que julgou a presente insolvência como culposa;

II. O aqui Apelante considera que o presente incidente de qualificação de insolvência é extemporâneo, em virtude da Lei 9/2022 de 11 de Janeiro, pugnando pelo arquivamento do referido incidente por esse motivo.

III. O Tribunal a quo baseou o seu entendimento no facto de o Ministério Público ter a 27-01-2022, promovido a abertura do incidente de qualificação de insolvência.

IV. Todavia, não pode o Apelante concordar com a decisão recorrida, a qual adopta um entendimento que não encontra respaldo na lei.

V. Neste sentido, o n.º1 do artigo 10º da Lei 9/2022 de 11 de Janeiro é claro quando estatui que o diploma é imediatamente aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, se lida em conjugação com os nºs 2, 3 e 4.

VI. Ora, o nºs 2, 3 e 4 não consagram excepção alguma quanto ao apenso de qualificação de insolvência.

VII. A 06-06-2022, o prazo estipulado no nº3 do artigo 188º do CIRE, na nova redacção, já se encontrava ultrapassado.

VIII. O parecer de qualificação de insolvência é extemporâneo, pelo que deve o incidente de qualificação de insolvência ser encerrado.

IX. Alguma jurisprudência sustenta que mesmo antes da publicação da Lei 9/2022 de 11 de Janeiro, se deveria considerar que o referido prazo de 15 dias para alegações constituía um prazo peremptório

X. De facto, veja-se o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-04-2021 (Processo 17920/19.1T8LSB-D.L1-1; Relator: Amélia Rebelo).

XI. No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-01-2022.

XII. E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 17-09-2024 pelo Juiz Conselheiro Luís Espírito Santo.

XIII. E por fim o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12-12-2023 pelo Juiz Conselheiro António Barateiro Martins.

XIV. Deste modo, deve o incidente de qualificação de insolvência ser julgado extemporâneo e, consequentemente, ser o mesmo encerrado.

XV. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o estatuído no artigo 10º/1 da Lei 9 de 2022, e artigos 188º/1, 6, 7 do CIRE, face à nova redação.

XVI. Face à prova documental junta e às declarações de parte do aqui recorrente impunha-se que fossem aditados os seguintes factos à matéria de facto dada como provada:

“A. Em 20-05-2019 por sentença proferida no processo nº5480/18.5T8VNG junto do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia J4, o recorrente foi nomeado como acompanhante do seu irmão CC.

B. Em 29-11-2019 por sentença proferida no processo 4/19.0T8VNG junto do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia J5, o recorrente foi nomeado como acompanhante da sua irmã DD.

C. O recorrente não pôde trabalhar durante quatro anos e tinha que cuidar dos seus irmãos.

D. O aqui recorrente e a aqui recorrida auferiram entre 2018 e 2020 o montante anual inferior a 3000.00€ (três mil euros).

E. Em 22-01-2016 o recorrente teve um grave acidente de trabalho que o leva a ficar cerca de seis meses de baixa.

F. Tendo sido inclusive atribuída uma incapacidade para o seu trabalho em 2020,”

XVII. O facto do insolvente ter ficado com 32.000.00€ para satisfazer as necessidades económicas isto só de per si não leva ao preenchimento da conduta prevista no artigo 186º/2 d) do CIRE.

XVIII. Estamos a falar de um processo de insolvência com créditos reclamados superior a 700.000.00€ (setecentos mil euros).

XIX. Afigura-se que a apropriação do insolvente não tem elevado valor económico e frise-se a mesma teve por fim a subsistência básica.

XX. Teremos que aferir de forma atenta ao contexto familiar, de saúde e económico do insolvente.

XXI. Estamos perante alguém que durante quatro anos ficou impossibilitado de trabalhar.

XXII. A situação do recorrente preenche a previsão do artigo 1º da Constituição da República Portuguesa “O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”

XXIII. O tribunal ad quo ao decidir como decidiu colocou em crise o artigo 1º da C.R.P. e o artigo 10º/1 da Lei 9 de 2022, e artigos 188º/1, 6, 7 do CIRE, face à nova redação.

Pretende-se assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que:

- Considere que a dedução do presente incidente de qualificação de insolvência é extemporânea, devendo ser de imediato determinado o seu arquivamento;

- Caso assim não se entenda, deve a presente insolvência ser qualificada com carácter fortuito.

O Min. Público respondeu ao recurso interposto, pronunciando-se pela sua improcedência.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I – Extemporaneidade da abertura do incidente de qualificação da insolvência;

II - Qualificação da insolvência como culposa.


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É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1 – Os insolventes AA e BB, contribuintes fiscais respectivamente, com os nºs ... e ..., casaram em 22 de Agosto de 1987, e residem na Rua ..., ... ... - Vng, Concelho de Vila Nova de Gaia e freguesia ....

2 – Os devedores vieram em 17.10.2020 requerer a sua declaração de insolvência e deduzir pedido de exoneração do passivo restante.

3 - Por sentença proferida no dia 21 de Outubro de 2020, foi declarada a insolvência dos devedores AA e BB, dispensada a realização da assembleia de credores e nomeado administrador de insolvência (cfr. autos principais).

4 – Em 09.02.2021 o A.I. juntou o relatório do artº 155º do CIRE.

5 – Em 02.02.2022 foi proferido despacho a declarar encerrado o processo por insuficiência da massa e a declarar aberto o incidente de qualificação de insolvência.

6 – Em 12.03.2023 foi proferido despacho a determinar que a admissão liminar da exoneração do passivo restante deva aguardar a decisão a proferir no incidente de qualificação da insolvência.

7 - O insolvente AA, foi sócio e gerente da sociedade B... Unipessoal, Lda. NIF ... com sede na Estrada ..., ... ... ... ... - Vila Nova de Gaia, constituída em 9 de Junho de 2010 e declarada insolvente em 05.12.2017, no âmbito do processo nº 9365/17.4T8VNG junto do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, conforme doc.5 junto à oposição dos requeridos, sociedade da qual os requeridos eram avalistas em financiamentos bancários.

8 – Em 06.06. e 08.06.2022 foram juntos os pareceres pelo A.I. e MºPº respectivamente.

9 - Por sentença proferida no processo nº 8384/22.3T8VNG junto do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, em 09.03.2023, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento dos ora insolventes.

10 - Os insolventes detêm créditos já vencidos, dos quais originaram a propositura de várias Ações Executivas.

11 - Não foram apreendidos quaisquer bens para a MI.

12 - Foram reclamados créditos no montante global de €757.765,66, cfr. apenso A de reclamação de créditos.

13 - Os insolventes por força de diversas operações de créditos, em nome pessoal e em nome da sociedade “B... Unipessoal, Lda.”, encontram-se em incumprimento para com os credores conforme o indicado infra:

Banco 1... - 12-03-2018

Banco 1... - 15-01-2018

Banco 2... Livrança 15-02-2017

Banco 2... Livrança 27-02-2018

Banco 2... Livrança 27-02-2018

Banco 2... C. Mútuo 14-11-2016

Banco 2... C. Mútuo 24-12-2012

Banco 2... Livrança 05-02-2017

Banco 3... (cartão C...) - 05-11-2018

Banco 4... C. Mútuo ...

Banco 4... C. Mútuo ...

Banco 4... C. Mútuo 31-07-2019

A... - 01-09-2018

Banco 5... C. Mútuo 02-11-2018

Banco 5... Livrança 27-10-2017

Banco 5... Livrança 27-08-2017

Banco 5... Livrança 27-07-2017

Banco 5... Livrança 27-06-2017

D... Livrança 21-02-2019

14 - No dia 2-11-2020 o A.I. enviou cartas aos insolventes, datadas de 20-10-2020, registada com aviso de recepção, solicitando informação sobre bens, cfr. doc. n.º1 junto ao requerimento de 31.05.2021 no processo principal.

15 - Em 4-11-2020 o A.I. recebeu e-mail do mandatário dos insolventes, mostrando-se disponível para qualquer esclarecimento, cfr. doc. n.º 2 junto ao requerimento de 31.05.2021 no processo principal.

16 - Em 27-01-2021 um colaborador Sr. EE (já falecido) do A.I. enviou um e-mail ao mandatário dos insolventes, na sequência de conversa telefónica tida anteriormente, para que prestasse informação necessária para a elaboração do relatório a elaborar nos termos do Art.º 155 do CIRE, nomeadamente, certidão da CRP do imóvel U-..., cfr. doc. n.º 3, junto ao requerimento de 31.05.2021 no processo principal.

17 - No dia 01-02-2021 foi enviado email ao mandatário dos insolventes a reiterar o pedido de informação anterior, ao abrigo do princípio de colaboração nos termos do Art.º 497 do CPC, conforme email que se junta como doc. n.º 4, junto ao requerimento de 31.05.2021 no processo principal.

18 - Em 08.02.2021 foi enviada resposta informando que os devedores vivem de favor em casa dos pais (rectificada posteriormente para em casa dos filhos, cfr. email de 19.02.2021).

19 - Por email de 10.02.2021 o A.I. reiterou o pedido do email anterior para os demais elementos.

20 - Por email de 19.02.2021 os devedores comunicaram que aguardam certidão da CRP.

21 - Em 15-06-2018 os insolventes alienaram um imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, com a descrição ... – “J”, freguesia ..., onerado por uma hipoteca, pelo valor de €72.500,00 (conforme certidão junta ao requerimento de 31.05.2021 e escritura junta ao requerimento de 16.08.2021 no processo principal).

22 - No ato da outorga da escritura foram entregues dois cheques, um no valor de €32.651,06 (trinta e dois mil, seiscentos cinquenta e um euros, seis cêntimos) e outro no valor de €32.598,94 (trinta e dois mil, quinhentos noventa e oito euros, noventa e quatro cêntimos), tendo sido entregues aos insolventes a quantia de €7.250,00 a título de sinal e princípio de pagamento e reforço do mesmo.

23 - O cheque de €32.651,06 destinou-se a pagar a hipoteca, tendo pago ainda despesas da comissão imobiliária e o restante utilizaram para pagar despesas do quotidiano.

24 - Os insolventes não possuem outros bens suscetíveis de apreensão.

25 - O A.I. não procedeu à avaliação do imóvel.


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Os factos não provados são os seguintes:

- entre 2017 e 2020 tenham sido constituídas novas dividas.

- tenha havido incumprimento reiterado do dever de colaboração/informação por parte dos insolventes.


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I – Extemporaneidade da abertura do incidente de qualificação da insolvência

1. Nas conclusões 2ª a 15ª das suas alegações o recorrente AA sustenta a extemporaneidade da abertura do incidente de qualificação da insolvência, à semelhança do que já havia feito na oposição que anteriormente apresentara, em 26.7.2022, para os efeitos do art. 188º, nº 9 do CIRE.

Sobre esta questão prévia se pronunciou a Mmª Juíza “a quo” no despacho saneador proferido em 28.2.2023 nos seguintes termos:

“Vieram os requeridos/oponentes deduzir oposição alegando que o presente incidente deve ser encerrado por extemporâneo, dada a natureza perentória do prazo fixado no artº 188º, n.º 1 do CIRE.

O MºPº respondeu concluindo pela improcedência do requerido.

Apreciando.

Antes das alterações introduzidas pela Lei 9/2022 de 11.01 ao CIRE, o prazo estabelecido no artº 188º, n.º 1 do CIRE apenas tinha natureza ordenadora do processado, não se traduzindo num prazo perentório ou preclusivo da prática do acto - qualificação de insolvência.

Em 27.01.2022, no processo principal, o MºPº promoveu se declarasse aberto o incidente de qualificação de insolvência, o qual foi declarado aberto por despacho proferido no processo principal em 02.02.2022, decisão irrecorrível, cfr. disposto no artº 188º, n.º 5 do CIRE.

Só em 11.04.2022 entrou em vigor a Lei 9/2022 de 11.01, alterando a redacção do artº 188º, n.º 1 do CIRE, no qual o prazo para alegação de factos para a qualificação da insolvência como culposa passou a ter a natureza de prazo perentório.

Atento todo o exposto, se conclui que o presente incidente não é extemporâneo, improcedendo o exposto pelos requeridos.”

Em 21.3.2023 o requerido AA interpôs recurso deste despacho, pugnando pelo encerramento do incidente de qualificação de insolvência, em virtude da sua extemporaneidade.

Tendo este subido ao Tribunal da Relação do Porto em separado, foi proferida decisão singular a rejeitar o recurso interposto por se considerar que a decisão recorrida não é passível de apelação autónoma.

Seguidamente, o recorrente veio solicitar que tal decisão singular fosse submetida à conferência, nos termos do art. 652.º, n.º 3, do Cód. proc. Civil e, assim, viria ser proferido acórdão, em 12.9.2023, que manteve a decisão reclamada de rejeição.

Prosseguindo os autos, a 1ª Instância, em 12.2.2025, proferiu decisão a qualificar a insolvência dos requeridos AA e BB como culposa e no recurso que o primeiro interpôs, em 4.3.2025, voltou este a suscitar a questão da extemporaneidade da abertura do incidente de qualificação.

2. Sobre esta questão importa reter os seguintes elementos processuais:

a) A insolvência dos devedores AA e BB foi declarada por sentença proferida em 21.10.2020, na qual se prescindiu da realização da assembleia de credores e se consignou ainda o seguinte: “Não há elementos nos autos que justifiquem, por ora, a abertura do incidente de qualificação da insolvência.”;

b) O relatório a que se refere o art. 155º do CIRE foi apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência no dia 4.2.2021, tendo sido comunicado aos interessados em 9.2.2021;

c) Em 25.6.2021, a Mmª Juíza “a quo” ordenou a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para, em 10 dias, complementar o seu relatório e esclarecer se mantém a sua posição quanto ao pedido de exoneração do passivo restante;

d) Em 31.5.2021, o Sr. Administrador da Insolvência veio complementar o seu relatório, mantendo a sua posição negativa relativamente à concessão da exoneração do passivo restante;

e) Em 27.1.2022 o Min. Público emitiu a seguinte promoção:

“Como decorre das conclusões a que chegou o Sr. A. I. e se mostra confirmado com o documento junto pelos insolventes em 16 de Agosto de 2021, em 15 de Junho de 2018, os insolventes venderam o único bem de que eram proprietários, ou seja, a fracção autónoma identificada em tal documento, pelo valor de 72 500,00€, facto que, em nosso entender, não só prejudicou os seus credores como integra a presunção prevista no art.º 186. n.º 1 al d) do CIRE.

Como tal, p. se dê início ao incidente de qualificação da insolvência com cópia do relatório do Sr. A. I., do referido documento, desta promoção e do despacho que vier a recair sobre o mesmo.

E, nessa sequência:

Ao abrigo do art.º 238.º n.º 1 al. e) do CIRE, p. se indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.”;

f) Em 2.2.2022 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“Promoção de 27.01.2022, 2ª parte:

Atenta a posição da Sra. Procuradora da República junto deste tribunal, declaro aberto o incidente de qualificação de insolvência.

Publicite cfr. artº 188º, n.º 2, in fine, do CIRE.

Extraia cópia do relatório do A.I. (04 e 09.02.2021), do documento referido na promoção em epigrafe e desta, bem como deste despacho e autue por apenso como incidente de qualificação de insolvência, ali abrindo conclusão.”;

g) Em 9.3.2022 a Mmª Juíza “a quo” notificou o Sr. Administrador da Insolvência para este, em 20 dias, juntar o seu parecer;

h) Em 6.6.2022 o Sr. Administrador da Insolvência juntou o seu parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa, ao abrigo do artº 186º, n.ºs 2, als. d) e i) e 3, al. a) do CIRE, com afetação de ambos os insolventes, tendo justificado o atraso na apresentação do parecer com base em motivos de saúde que o forçaram ao afastamento de algumas atividades conforme informação hospitalar que junta;

i) O Min. Público, em 8.6.2022, pronunciou-se também no sentido de que existem factos concretos dos quais resulta a qualificação da insolvência como culposa.

3. Antes da entrada em vigor da Lei nº 9/2022, de 11.1. o art. 188º, nº 1 do CIRE tinha a seguinte redação:

«Até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes

No âmbito desta redação discutia-se se o prazo de 15 dias aí previsto tinha natureza perentória ou meramente ordenadora, sendo que a jurisprudência maioritária perfilhava esta segunda posição.

Particularmente relevante neste sentido mostra-se o Acórdão do STJ de 13.7.2017 (p. 2037/14.3 T8VNG-E.P1.S2, relator JOÃO CAMILO, disponível in www.dgsi.pt.) onde se consignou o seguinte no respetivo sumário:

«O prazo fixado no nº 1 do art. 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para o administrador da insolvência ou qualquer interessado requerer a qualificação da insolvência como culposa tem natureza ordenadora ou disciplinadora do processado e não se traduz num prazo perentório ou preclusivo da prática daquele ato.»

No mesmo sentido, a título exemplificativo, mencionam-se ainda os seguintes acórdãos: Rel. Porto de 14.3.2017, p. 2037/14.3T8VNG-E.P1, relator JOSÉ CARVALHO; Rel. Porto de 9.10.2018, p. 2928/16.7T8AVR-A.P1, relator ESTELITA DE MENDONÇA; Rel. Porto de 7.5.2019, p. 521/18.9T8AMT-C.P1 (do presente relator); Rel. Porto de 16.6.2020, p. 1388/18.5 T8AMT-C.P1, relator IGREJA MATOS; Rel. Guimarães de 15.3.2018, p. 253/16.2 T8VNF-D.G1, relator BARROCA PENHA; Rel. Guimarães de 30.5.2018, p. 616/16.3 T8VNF-E.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Por seu turno, em sentido contrário – de que o prazo referido no art. 188º, nº 1 do CIRE tem natureza perentória -, também exemplificativamente, referimos os seguintes acórdãos: Rel. Coimbra de 10.3.2015, p. 631/13.9-L.C1, relatora CATARINA GONÇALVES; Rel. Guimarães de 25.2.2016, p. 1857/14.3TBGMR-DG1, relatora CRISTINA CERDEIRA; Rel. Guimarães de 30.5.2018, p. 1193/13.2TBBGC-A.G1, relator JOSÉ AMARAL; Rel. Coimbra de 15.1.2022, p. 632/21.3T8LRA-C.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Sucede que esta querela jurisprudencial se mostra resolvida com a nova redação do art. 188º, nº 1 do CIRE, introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11.1., que é a seguinte:

«1. O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório[1] de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes

Depois os subsequentes nºs 2, 3 e 4 deste mesmo preceito reportam-se à possibilidade de prorrogação daquele prazo de 15 dias.[2]

Conforme sustenta CATARINA SERRA (“O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência”, in Revista Julgar, nº 48, págs. 13/14) a nova redação dos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 188º corresponde, na sua ótica, a uma solução de consenso – entre, por um lado, a segurança jurídica que a natureza perentória ou preclusiva dos prazos sempre assegura e, por outro lado, a realização dos interesses públicos e privados que o incidente persegue e que estão associados à repressão e prevenção dos comportamentos antijurídicos e ao ressarcimento dos danos, respetivamente.

Por seu lado, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO (in “Manual de Direito da Insolvência, 8ª ed., págs. 177/178) sobre esta alteração legislativa escreve o seguinte:

“Com a alteração introduzida pelo art. 2.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, o legislador pôs fim a um dissenso sobre a natureza, dilatória ou perentória, do prazo, qualificando-o expressamente como prazo perentório[3]. A natureza perentória era justificada por razões de segurança jurídica e de proteção dos potenciais afetados; já a natureza meramente ordenadora encontrava respaldo na finalidade do incidente qualificador da insolvência – o reforço da tutela dos credores concursais, que não se basta com a mera responsabilização patrimonial do insolvente e a privação do seu poder de disposição. Conciliando estes dois interesses antagónicos, o legislador temperou a rigidez do prazo de 15 dias (imposta pela tutela dos potenciais afetados), com a possibilidade de prorrogação do mesmo, com o fundamento previsto no n.º 2 do artigo 188.º (agora, em nome dos interesses sancionatórios e indemnizatórios dos credores concursais), isto é, "quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas dentro dele, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o em curso". Todavia, a prorrogação não pode em caso algum exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa de realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º (art. 188.º, n.º 3). A decisão do juiz sobre o requerimento de prorrogação deve ser rápida, ultra-rápida, segundo a lei, 24 horas (art. 188.º, n.º 4). Será importante que os juízes estejam habilitados a responder tão prontamente à solicitação, pois o requerimento de prorrogação do prazo não suspende o mesmo (n.º 2 do artigo 188.º).”

Assim, a abertura do incidente de qualificação de insolvência “… passou a estar limitada a dois momentos/duas fases: a fase de declaração de insolvência, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência de abertura é visível logo de início, e a fase posterior à junção (e à eventual apreciação) do relatório a que se refere o art.155.º, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência de abertura apenas se torna visível mais tarde.

Presumivelmente, a possibilidade de abertura (ex officio) na primeira fase permitiria cobrir a maioria dos casos que a lei pretendia que fossem cobertos - aqueles em que, como se disse, a conveniência de abertura do incidente é patente e manifesta. A possibilidade de abertura do incidente na segunda fase parece ser subsidiária ou residual relativamente àquela.

É razoável entender que a letra da lei, colocando a abertura do incidente nesta segunda fase na dependência da iniciativa dos interessados, reflecte a intenção do legislador de limitar, em geral, a abertura do incidente: a abertura ulterior justificar-se-ia na medida em que os interessados se movessem. Corresponde isto a uma clara privatização do incidente de qualificação da insolvência.

É discutível se a opção legislativa é acertada, se deve privatizar-se um incidente em que pontuam, de facto, significativos interesses públicos. E ainda que, em homenagem a estes interesses, se sustente que o juiz deve poder abrir o incidente oficiosamente nesta fase, parece razoavelmente claro que o incidente não pode ser aberto para lá do prazo de quinze dias fixado no art.188º. O prazo de quinze dias funciona, ao que tudo indica, como prazo-limite absoluto para a abertura do incidente. Ficam, assim, sem cobertura os casos em que os indícios aparecem mais tarde (por exemplo, na fase da liquidação ou aquando da identificação dos actos suscepíveis de resolução em benefício da massa).” – cfr. CATARINA SERRA, ob. cit., págs. 15/16.

De qualquer modo, impõe-se concluir que com a alteração efetuada na redação do art. 188º, nº 1 do CIRE, qualificando-se expressamente como perentório o prazo de 15 dias aí previsto, foi ultrapassada a divergência jurisprudencial que se vinha registando, deixando de ser possível sustentar a natureza meramente ordenadora de tal prazo.[4]

4. Porém, uma outa questão se coloca – e com relevância para a decisão do presente recurso – que é a de apurar se a Lei nº 9/2022, de 11.1., ao qualificar o prazo previsto no art. 188º, nº 1 do CIRE como perentório, reveste natureza interpretativa nos termos do art. 13º do Cód. Civil.

Entendemos que a resposta a esta questão só pode ser afirmativa.

Vejamos então.

A Lei nº 9/2022, de 11.1. entrou em vigor 90 dias após a sua publicação – art. 12º -, ou seja em 11.4.2022, e, de acordo com o regime transitório previsto no seu art. 10.º, nº 1 é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, em conformidade, com a regra geral tempus regit actum.

Por isso, tal como se fez no Acórdão do STJ de 17.10.2024 (proc. 40/21.6.T8EVR-C.E1.S1, relator LUÍS CORREIA DE MENDONÇA, disponível in www.dgsi.pt), é de colocar a seguinte interrogação: Permanecerão intocáveis os atos praticados no domínio da lei antiga, isto é, no âmbito da versão do art. 188.º resultante do Dec. Lei nº 79/2017, de 30.6. e a partir do pressuposto do carácter meramente ordenador do prazo de 15 dias?

Ora, há, desde logo, que ter em conta a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª, onde se refere o seguinte: «Por último, a presente proposta de lei contém ainda alterações, que visam, no essencial, a clarificação pontual de aspetos processuais ou substantivos sobre os quais há imprecisão na lei, dissenso na doutrina ou jurisprudência e fomentar uma capaz operacionalização dos institutos vigentes, permitindo, assim, uma melhor e mais célere aplicação do Direito, com a consequente elevação da tutela de credores e devedores. (…)

Neste sentido, quanto ao incidente de qualificação de insolvência, no qual se apura da responsabilidade civil pela causa ou agravamento da situação de insolvência do devedor, prevê-se de forma expressa o caráter perentório do prazo para abertura do incidente de qualificação de insolvência…».

Por conseguinte, a aplicação da nova lei aos casos antigos resulta inequívoca diante da «cláusula de retroatividade» constante do seu art. 10º, nº 1 e também do disposto no art. 13.º, nº 1 do Cód. Civil.

Aí se preceitua que «a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza

Sucede que é irrecusável a natureza interpretativa da Lei nº 9/2022 ao utilizar, de forma expressa, o conceito “perentório” para, num contexto de dissenso jurisprudencial, assim qualificar o prazo previsto no art. 188º, nº 1 do CIRE.

Com efeito, deve considerar-se como lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 62.[5]

E, tal como afirma OLIVEIRA ASCENSÃO (in “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, págs. 562/563), referido no Ac. STJ de 17.10.2024, “a lei interpretativa é retroactiva, não só porque a lei é uma determinação, e não uma declaração de ciência, mas também porque a lei nova embora não suprima a anterior não se confunde com ela e vem regular o passado.”

É, pois, nesta perspetiva, que tem de ser decidida a questão da extemporaneidade, ou não, da abertura do incidente de qualificação de insolvência.

5. Regressando ao caso concreto, verifica-se que o recorrente AA foi declarado insolvente em 21.10.2020, tendo o relatório para os efeitos do art. 155º do CIRE sido apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência em 4.2.2021 e depois complementado em 31.5.2021.

Apenas em 2.2.2022, na sequência de promoção nesse sentido do Min. Público de 27.1.2022, por despacho da Mmª Juíza “a quo” foi determinada a abertura do incidente de qualificação de insolvência e só, em 6.6.2022, o Sr. Administrador da Insolvência juntou o seu parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa, ao abrigo do artº 186º, n.ºs 2, als. d) e i) e 3, al. a) do CIRE, com afetação de ambos os insolventes.

Neste contexto, em sintonia com as considerações atrás feitas no ponto 4, onde se concluiu pela natureza interpretativa da Lei nº 9/2022 quanto ao carácter perentório do prazo de 15 dias previsto no art. 188º, nº 1 do CIRE, é manifesta a ultrapassagem deste prazo, que não foi objeto de qualquer prorrogação, razão pela qual o presente incidente de qualificação da insolvência é extemporâneo.

É que, nessa linha, o art. 139º, nº 3 do Cód. Proc. Civil é inequívoco ao estatuir que o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.

Assim, em dissenso também com a posição assumida pelo Min. Público nas suas contra-alegações, procede a questão prévia que nos autos foi suscitada pelos insolventes no seu articulado de oposição e, em consequência, será de revogar a sentença recorrida, declarando-se extinto, por extemporaneidade, o incidente de qualificação da insolvência e ficando prejudicada, ao abrigo do disposto no art. 608º, nº 2, 1ª parte do Cód. Proc. Civil, a apreciação da outra questão que atrás foi enunciada e que se prendia com a verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa de acordo com o art. 186º do CIRE.[6]


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo insolvente AA e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, declarando-se extinto, por extemporaneidade, o incidente de qualificação da insolvência.

Sem custas, por delas estar isento o recorrido Min. Público (art. 4º, nº 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais).


Porto, 10.7.2025
Rodrigues Pires
Artur Dionísio Oliveira
Márcia Portela
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[1] Sublinhado nosso.
[2] «2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso.
3 - A prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º
4 - O juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas, e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º do Código de Processo Civil, e publicita a decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais
[3] Esta ilustre Professora regista ainda, em nota de rodapé, as dúvidas colocadas a esta solução, em Parecer, pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e também as suas próprias dúvidas ao escrever: “Para nós, se a admissibilidade de abertura do incidente após a sentença foi determinado pela insuficiência dos elementos carreados para o processo no momento da prolação da sentença para aferir da necessidade de abertura do incidente, então, por maioria de razão, este limite temporal não deveria existir.”
[4] Dando conta desta alteração legislativa e da inequívoca natureza perentória do prazo de 15 dias previsto no art. 188º, nº 1 do CIRE, face à sua nova redação, cfr., por ex., Ac. Rel. Porto de 7.2.2023, p. 2084/21.9T8VNG-G.P1, relator ALBERTO TAVEIRA, Ac. Rel. Guimarães de 16.2.2023, p. 2489/22.8T8GMR-E.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS, Ac. Rel. Guimarães de 25.5.2023, p. 4010/21.6T8VNF-G.G1, relatora ALEXANDRA VIANA LOPES, Ac. Rel. Lisboa de 14.11.2023, p. 619/22.9T8AGH-B.L1-1, relator NUNO TEIXEIRA, Ac. Rel. Porto de 30.1.2024, p. 5137/18.7T8VNG-E.P1, relator RUI MOREIRA, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Que referenciam a este propósito BAPTISTA MACHADO, “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, págs. 286 e segs.
[6] Também neste sentido refere-se o Ac. Rel. Porto de 12.9.2023, proferido no proc. nº 2942/21.0 T8STS-B.P1, não publicado, do presente relator e também subscrito pelos aqui dois adjuntos.