EMBARGOS DE EXECUTADO
INTEGRAÇÃO EM PERSI
ÓNUS DA PROVA
Sumário

Em processo executivo, arguida a excepção dilatória inominada decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 (não integração do executado no PERSI), é ao credor que cabe alegar e demonstrar ter providenciado pela integração, ou não ser ela devida, por exemplo, por o contrato de que emana o crédito exequendo ter sido resolvido antes do início de vigência do regime do PERSI.

Texto Integral

PROC. N.º 6582/24.4T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Porto Este
Lousada - Juízo de Execução - Juiz 2

REL. N.º 968
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: João Diogo Rodrigues
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Anabela Andrade Miranda

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

Em embargos opostos a execução intentada por A..., S.A, contra AA e outros, onde invocou ter adquirido, na sequência de uma cadeia de cessões, um crédito que Banco 1..., S.A. detinha sobre estes, crédito esse proveniente de um Contrato de Mútuo com Hipoteca pelo montante de € 70.000,00, mas que entretanto obteve pagamento parcial em execução onde foi alienado o imóvel hipotecado, veio aquele executado AA, no decurso da audiência de julgamento, arguir a verificação de exceção dilatória decorrente da inobservância do regime PERSI antes da interposição da presente execução. Defendeu, por isso, a sua absolvição da instância, com arquivamento da execução.
O incidente foi processado com observância do imprescindível contraditório, alegando a exequente, na essência, serem o crédito exequendo e o respectivo incumprimento anteriores ao regime jurídico do PERSI. Por isso, concluiu pela não verificação da excepção arguida.
Sucessivamente, foi proferida a decisão agora recorrida, de onde se extrai o seguinte segmento: “No caso concreto, a exequente não alega nem prova que resolveu o contrato de crédito com o Executado [em momento anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro], pelo que deveria ter sido incluído no PERSI, sendo que a sua falta traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que corresponde a uma exceção dilatória inominada.
Pelo exposto, julga-se procedente a excepção atípica ou inominada invocada pois que não se logrando ter feito prova da resolução do contrato e da integração do PERSI não podia a exequente ter intentado a presente ação, por preterição de sujeição do devedor ao PERSI, omissão que determina a absolvição do executado da instância executiva, o que se decide e consequentemente destes embargos de executado que se extinguem por inutilidade superveniente da lide.”
É desta decisão que vem interposto recurso, pela exequente, que o termina formulando as seguintes conclusões:
“I (…)
II. O Banco 1..., S.A., no exercício da sua actividade comercial, celebrou com o aqui Executado, AA, O Banco 1..., S.A. (doravante, “Banco Cedente”), um contrato de mútuo com hipoteca no valor de € 70.000,00 (setenta mil euros), ao qual foi atribuído internamente o n.º ....
III. Para garantia do referido contrato foi constituída hipoteca voluntária, pelo mutuário, aqui Requerido, sobre a fracção autónoma “X”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número ... – X – ... e inscrita na matriz sob o artigo ...-X.
IV. Sucede que o Executado, ora Requerido, a partir de 04/12/2008, deixou de pagar as prestações mensais, tendo inclusive confessado o incumprimento contratual em sede de Oposição à Execução mediante Embargos nomeadamente no seu artigo 2.º, o qual se transcreve: “Apenas decorridos mais de 6 (seis) anos após a celebração do mútuo, o Embargado deixou de cumprir a obrigação de pagamento da prestação, entrando em incumprimento do contrato de mútuo que serve de título aos presentes autos.” (sublinhado nosso)
V. Efectivamente manteve-se, nada mais tendo sido liquidado pelo aqui Requerido o que levou a ora Exequente a intentar a competente acção executiva para cobrança coerciva do valor em dívida, a qual corre nos presentes Autos.
VI. O Executado veio deduzir Oposição à Execução mediante Embargos, em que foi alegado, em suma, o seguinte:
- A. Por Excepção
A.1.) Do pagamento da quantia exequenda
A.2) Da ilegitimidade do Embargante
A.3.) Da prescrição parcial dos juros
- B. POR IMPUGNAÇÃO
- II. DA OPOSIÇÃO À PENHORA
- C. DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
VII. Somente, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento através de requerimento datado de 06/01/2025 com a referência 10205411, veio o Requerido alegar a falta de integração no Regime do PERSI e a falta de resolução do contrato por parte do Banco Cedente e/ou da Exequente.
VIII. Ora, dispõe o artigo 573.º do CPC que, o qual se transcreve:
Artigo 573.º - Oportunidade de dedução da defesa
1.Toda a defesa deve ser deduzida na contestação (…).
2.Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa (…), ou que se deva conhecer oficiosamente.
IX. Ora, tratando-se a questão da resolução numa excepção perentória e tendo sido alegada pelo Requerido somente em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, ou seja, muito depois da fase dos articulados, não se aplica o disposto no n.º 2 do artigo 573.º do CPC.
X. Consequentemente mal andou o Tribunal a quo ao aceitar o requerimento do aqui Executado, totalmente intempestivo, em que veio alegar a falta de integração no regime do PERSI e a falta de resolução do contrato de mútuo, sendo que alega que não tendo ocorrido esta e tendo o incumprimento subsistido após a entrada em vigor do regime do PERSI, deveria ter havido a integração do Executado no mesmo, consubstancia um expediente dilatório para obstruir o andamento normal do processo e imiscuir-se assim das responsabilidades que assumiu ao celebrar o contrato aqui Executado.
XI. Conforme demonstrado, o Executado tinha conhecimento expresso da existência deste contrato e da dívida que surgiu por falta de pagamento das prestações a que estava obrigado e em momento algum, quer junto do Banco Cedente quer junto da Cessionária, demonstrou interesse em liquidar a dívida que sabia que existia.
XII. Após o requerimento do aqui Requerido, o Tribunal ordenou, em despacho constante da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento (continuação) datada de 18 de Dezembro de 2025, o seguinte e o qual se transcreve:
“(…) Constata-se efectivamente agora que não se mostra junto aos autos comprovativo da integração dos executados no PERSI, excepção esta de conhecimento oficioso e que a proceder portará a absolvição da instância.
Desta feita determino a notificação Banco 1... a fim de, no prazo de 5 dias, juntar aos autos o comprovativo das notificações em causa, considerando que as mesmas notificações não tiveram lugar, caso no prazo concedido, não sejam juntas ao processo.
(…)”
XIII. Como se pode verificar no Douto Despacho, não é solicitado que o Banco 1... e/ou a Exequente sejam notificados para fazerem prova da existência de resolução do contrato, mas somente se houve ou não integração no regime do PERSI.
XIV. Na sequência do douto Despacho, o Banco Cedente veio responder, a 30 de Dezembro de 2025, que, o qual se transcreve:
“(…) o incumprimento é anterior à entrada do Decreto-Lei que exigia o cumprimento do PERSI (Decreto-Lei 227/2012 de 25/10/2012), (…)”.
XV. Logo, e tendo em consideração que:
- O requerimento do Executado no que respeita à questão da resolução é intempestivo, dada a fase processual em que foi atravessado aos Autos e dado que se encontra verificado o princípio da preclusão quanto a esta questão.
- Pelo facto da questão da resolução suscitada pelo Requerido não ser de conhecimento oficioso e por se tratar de uma excepção perentória, o tribunal a quo não poderia conhecer da mesma;
- O douto Tribunal apenas notifica o Banco 1... para vir informar se houve ou não integração do Executado no regime do PERSI;
- Em momento algum é o Banco 1... e a Exequente notificados para se pronunciarem sobre a questão, intempestiva, da resolução do contrato, havendo assim violação do princípio do contraditório.
- Pelo que, fez o douto tribunal um juízo de suposição, ao arrepio das normas que regulam a produção e valoração da prova, de que não tinha havido resolução do contrato, fazendo assim depender a obrigação de integração no regime do PERSI, quando à data do incumprimento não existia este diploma.
- E no entender da Recorrente, o douto tribunal apenas poderia cingir-se à questão da não integração do PERSI, o que não fez, porque foi para além dos seus poderes tendo ido buscar institutos jurídicos que permitissem decidir pela verificação desta excepção dilatória.
- Pelo que apenas se pode concluir pelo excesso de pronúncia por parte do douto Tribunal, conduzindo assim à nulidade da douta sentença.
XVI. Pelo que o Tribunal a quo apenas poderia pronunciar-se sobre a questão da integração ou não do Requerido no regime do PERSI, e não tendo ocorrido pelo facto de à data de incumprimento ainda não se encontrar em vigor no nosso ordenamento jurídico o referido regime, apenas poderia julgar improcedente a referida excepção dilatória atípica.
XVII. Mas não, optou por considerar, sem alegação admissível das partes nem produção de prova, dado que as partes também não foram notificadas para o efeito, que não se encontrando o contrato resolvido após a entrada em vigor do Regime do PERSI, a integração do Requerido deveria ter ocorrido.
XVIII. E assim se pronuncia em excesso o Tribunal a quo porque a questão da resolução não poderia por ele ter sido conhecida, conforme explanado supra.
XIX. E mesmo que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se admite, o contrato sempre estaria resolvido em data anterior à entrada em vigor do regime do PERSI dado que em sede de processo de execução fiscal o imóvel dado de garantia ao presente contrato veio a ser vendido.
XX. Conforme previsto na cláusula décima do contrato executado, a qual se transcreve, opera a resolução se:
“(…)
a) (…)
b) Se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objecto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou acção judicial, casos em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura;
c) (…)”
(…)”
XXI. Ora a venda no âmbito do processo de execução fiscal acontece em 17/07/2009, facto este que o Executado tem expresso conhecimento porque afirma também na sua oposição e por esta altura o regime do PERSI ainda não se encontrava em vigor.
XXII. Encontrando-se assim o contrato resolvido quer por falta de pagamento das prestações acordadas, conforme confessado pelo aqui Executado, quer pela perda da garantia, também não haveria lugar a integração no regime do PERSI.
XXIII. Pelo que, apenas se pode concluir pela não verificação de qualquer excepção atípica ou inominada por falta de integração do PERSI por não se encontrar em vigor à data do incumprimento nem até à verificação automática da resolução do contrato, não havendo qualquer obrigação que o Banco Cedente tivesse de integrar o aqui Executado nesse regime.
XXIV. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao decidir pela procedência da excepção dilatória por falta de integração do PERSI, justificando com a alegada ausência de resolução do contrato, sendo esta uma excepção perenptória, e como tal dissociável da questão do PERSI, e da qual não podia conhecer.
XXV. Pelo que há excesso de pronúncia tendo o tribunal a quo quase substítuido a parte na defesa das suas pretensões nos presentes autos.
XXVI. Neste sentido, considera também a ora Recorrente que a douta Sentença é nula, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por o Tribunal a quo ter apreciado a questão da resolução do contrato e fazer disso depender de posterior integração no PERSI quando foi alegado pelo Executado após a fase dos articulados e não ser de conhecimento oficioso por se tratar de eventual excepção perentória.
XXVII. Pelo exposto, deverá a douta Sentença ser revogada por outra que decida pela não verificação de excepção dilatória atípica ou inominada por falta de integração no PERSI, prosseguindo os presentes autos os seus trâmites até final e mantendo-se a penhora registada a favor dos presentes autos.
XXVIII. Considera assim a Recorrente que se está perante uma nulidade de sentença, conforme disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pelo facto do Juiz ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, dado que a questão da resolução do contrato foi:
- Alegada pelo Requerido em fase processual inadmissível;
- Por se tratar de excepção perenptória;
- Porque não havia sido anteriormente alegada pelas partes e como tal não havia necessidade de ter sido feita prova desse facto, dado que não está em discussão neste processo;
- E porque, em momento algum, é pedido à parte que faça prova da resolução do contrato, mas é com base numa suposição que é proferida uma decisão que leva à absolvição da instância do aqui Requerido.
XXIX. Pelo que a douta decisão, e salvo melhor entendimento, está totalmente desprovida de fundamento que justifique a verificação da excepção dilatória atípica ou inominada de falta de integração no regime do PERSI.
XXX. Por todo o exposto, entende a ora Recorrente que o presente Recurso deverá proceder e consequentemente ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere por não verificada a execpção dilatória atípica ou inominada de falta de integração no regime do PERSI.
XXXI. Mais se requer que a douta Sentença seja declarada nula ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1, parte final, do artigo 615.º do CPC por excesso de pronúncia.
Termos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, ser revogada a douta sentença, devendo a mesma ser substituída por outra que determine que não se verifica a excepção dilatória atípica ou inominada por falta de integração no regime do PERSI, devendo os presentes autos prosseguir os seus trâmites até final e manter a penhora registada à ordem dos presentes autos.
Requer-se ainda que a douta Sentença seja declarada nula ao abrigo do disposto nas alíneas d) do n.º 1, parte final, do artigo 615.º do CPC por excesso de pronúncia.”
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Não foi junta qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida em separado e com efeito devolutivo, sem que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre a nulidade arguida.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir, não se tendo por essencial a devolução do processo ao tribunal recorrido, para observância do disposto no art. 617º, nº 5 do CPC.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo de eventuais questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, extraídas de tais conclusões, identificam-se as seguintes questões:
- Se a alegação de que o banco não resolveu o contrato consubstancia uma excepção peremptória, que teria de ter sido arguida nos embargos, sendo extemporânea a sua alegação já na fase de julgamento;
- Se, na sequência do requerimento do embargante, o tribunal apenas interpelou o embargado/exequente para se pronunciar sobre a integração do executado no PERSI, nada referindo sobre a resolução do contrato;
- Se, ao assentar a decisão na falta de resolução do contrato, o tribunal apreciou questão cuja arguição estava precludida e não era de conhecimento oficioso, bem como violou o princípio do contraditório.
- Se, assim, incorreu em nulidade, por excesso de pronúncia;
- Se a excepção da falta de integração do executado no PERSI devia ser indeferida, por o incumprimento ser anterior à data de entrada em vigor do Regime do PERSI;
- Em qualquer caso, se o contrato deveria ter-se por resolvido por, em data anterior à entrada em vigor do regime do PERSI, o imóvel dado de garantia ao presente contrato ter sido vendido, em sede de processo de execução fiscal, o que determinava a resolução, segundo o clausulado no próprio contrato.
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É útil atentar nos pressupostos da decisão em crise, que constituem elementos do próprio processo e que são assim descritos:
“Na acta de audiência de discussão e julgamento de 18.12.2024 o executado requereu que fosse oficiado “ao Banco 1... para informar os autos se o embargante AA foi integrado no PERSI e, em caso afirmativo, juntar os documentos comprovativos de tal integração”.
Na resposta apresentada pelo Banco 1... veio esta instituição bancária dar conta de que “o incumprimento é anterior à entrada do Decreto-Lei que exigia o cumprimento do PERSI (Decreto-Lei 227/2012 de 25/10/2012), sendo que antes da entrada em vigor deste Decreto-Lei já existia o processo executivo 6041/11.5TBCSC, onde o Banco era Exequente e os executados eram AA, BB, CC e DD.”
Responde assim o Banco 1... dando conta de que não foi dado cumprimento ao PERSI porque não existia a lei que determinou a sua aplicabilidade e reiterou a exequente (instituição financeira a quem e entidade bancaria cedeu o crédito) que não lhe era aplicável tal disposição legal.
Reitera o executado que que deve ser julgada verificada a excepção atípica ou inominada, de natureza insuprível e de conhecimento oficioso, da falta de integração dos Executados no PERSI e em consequência ser absolvido da instância, conforme artigos 576.º, n.º 2 e 578.º do Código de Processo Civil.
O Exequente ofereceu resposta, em acta, pugnando pelo indeferimento.”
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Não se reveste de qualquer controvérsia, designadamente na jurisprudência, a afirmação de que a omissão da integração de devedores de créditos bancários, com o aquele a que os autos respeitam, num Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) constitui uma excepção dilatória inominada.
Com efeito, dispõe o art. 12º do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25/10 que as instituições de crédito devem promover “as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.” E o artigo 14.º, n.º 1 do mesmo diploma, estabelece que, caso ocorra “incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.”
Com tais pressupostos, mais estabelece o art. 18º, nº1, b) do mesmo DL 227/2012 que a integração em PERSI e a comunicação de extinção do procedimento funcionam como uma condição de admissibilidade da acção tendente à cobrança da dívida, declarativa ou executiva, donde se retira que a sua falta constitui uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância.
No caso, temos dois factos por certos.
O primeiro é o de que contrato de crédito, celebrado em 12/9/2002, entrou em incumprimento passados seis anos. Afirma-o o próprio embargante na sua petição. Assim, apesar da imprecisão dessa data, deve ter-se por adquirido que o contrato de crédito em questão já há anos estava em incumprimento, quando o diploma do PERSI, isto é, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, entrou em vigor.
O segundo é o de que, tendo sido parte do crédito em causa satisfeito em execução fiscal, por adjudicação, ao Banco 1..., do imóvel hipotecado em garantia, em Setembro de 2009, jamais ocorreu a integração do devedor em PERSI. Aliás, o próprio exequente jamais alinhou a sua defesa, perante a excepção dilatória em causa, pela alegação de que o executado havia sido, em algum momento, integrado num tal procedimento.
Sem prejuízo, é fulcral atentar em que a decisão recorrida assentou ainda num outro pressuposto: o de que o contrato de crédito em questão jamais foi resolvido pelo credor mutuante, pelo que continuava em vigor, e com valores em dívida, à data da entrada em vigor do PERSI.
E é neste ponto que o apelante baseia os argumentos do seu recurso: ora por isso consubstanciar uma excepção peremptória, que o embargante não arguiu atempadamente e que, por isso, o tribunal se deveria ter abstido de considerar; ora por o tribunal ter decidido sem lhe ter permitido que se pronunciasse sobre a questão. Tudo isso, por fim, a resultar numa nulidade da decisão por excesso de pronúncia.
Neste contexto, em qualquer caso, não é controversa a tempestividade da arguição da excepção em causa, o que é concordante com a jurisprudência assente sobre essa questão. Como se referiu no Ac. do STJ de 14/11/2024 (proc. nº 451/14.3TBMTA-C.L2.S1, Relator: FERNANDO BAPTISTA, em dgsi.pt): “Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, e, como tal, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado (tal como resulta da ressalva prevista no art. 573º, n.º 2, in fine do CPC), para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – ut art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC.” No mesmo sentido, cfr. ac. deste TRP, de 5/3/24, no proc. nº 5823/21.4T8PRT-F.P1.
A questão que se coloca é, então a de saber se, tendo sido pressuposto da afirmação da necessidade de integração do executado no PERSI a falta de resolução do contrato de crédito que é causa de pedir na execução, teria de ter sido o próprio executado a invocar, como pressuposto da actuação da excepção, isso mesmo, ou seja, que o contrato de crédito não fora resolvido. É essa a tese do apelante, qualificando esse facto como uma excepção peremptória, distinta da excepção dilatória inominada em apreciação, que o embargante não poderia ter deixado de invocar na petição dos próprios embargos.
Com pertinência para a apreciação desta questão, dispõe o art. 14º do já citado DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro: “Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa.”
Importando esta regra para a situação sub judice, só podemos concordar com outro dos pressupostos da decisão recorrida e que o próprio apelante também não discute: a especificidade do caso resulta de o contrato de crédito em causa e o correspondente incumprimento contratual serem anteriores à entrada em vigor do PERSI, isto é, do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro.
Nestas circunstâncias, com efeito, se um tal contrato de crédito tivesse sido resolvido em momento anterior à vigência do PERSI, dele apenas restando uma dívida a cobrar, não caberia dizer-se que o contrato de crédito estava em incumprimento, sendo subsumível ao citado art. 14º; e, por isso, que o executado teria de ter sido integrado no PERSI antes de instaurada a presente execução. Isso resulta do princípio de não retroactividade da lei, tal como consagrado no art. 12º.
Compreende-se, pois, a utilidade do pressuposto invocado na decisão em crise: a execução não deveria ter sido instaurada antes de integração do devedor no PERSI, pois que a dívida exequenda procede de um contrato de crédito que se manteve para além do início da vigência do DL 227/2012 em continuado incumprimento.
Ora, como acima se referiu, contesta o apelante que o tribunal pudesse lançar mão desse pressuposto. E isso porquanto, consubstanciando a continuidade do contrato, nas concretas circunstâncias do caso, uma condição de integração no PERSI e de actuação da correspondente excepção dilatória, constituiria ela uma excepção peremptória, que carecia de ter sido alegada pelo embargante, na petição, ficando precludida a possibilidade de a mesma ser considerada ulteriormente.
Não se concorda, porém, com tal entendimento. Diferentemente, a prévia ocorrência da resolução do contrato constituiria, isso sim, um facto impeditivo do funcionamento da excepção.
Ou seja, perante a discussão da necessidade de integração do executado no PERSI – questão suscitada pelo próprio e sobre a qual o tribunal garantiu o imprescindível contraditório – era ao próprio exequente, ora apelante, que cabia alegar que não havia essa obrigatoriedade, já que o contrato havia sido resolvido antes da entrada em vigor do DL 227/2012 (1/1/2013). A prévia resolução do contrato constituiria, repete-se, um facto impeditivo do direito do executado, consubstanciado na excepção dilatória criada pelo legislador. E, como tal, caberia ao exequente alegar e demonstrar a correspondente factualidade, em cumprimento do disposto nos arts. 5º, nº 1 do CPC e 342º, nº 2 do CC.
Nestes termos, a continuidade do contrato, por ausência da sua resolução, não constitui uma excepção peremptória ao direito do exequente. Pelo contrário, a prévia resolução do contrato é que constituiria facto impeditivo da actuação da excepção dilatória em questão. E, por isso, no âmbito do contraditório estabelecido por determinação do tribunal, a propósito dessa excepção, cabia ao exequente alegar a resolução do contrato em momento anterior à vigência do DL 227/2012, tornando inaplicável ao caso a excepção dilatória inominada da omissão de integração do executado no PERSI.
Esta solução é a única compatível com o regime transitório estabelecido no art. 39º, nº 1 do D.L. 227/2012, que dispõe: “1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.”.
De resto, apesar de o não justificar desenvolvidamente, foi esta mesma a solução considerada na decisão recorrida, onde não deixou de se afirmar que cabia ao exequente a alegação da resolução do contrato, o que não fez. Disse-se- ali “No caso concreto, a exequente não alega nem prova que resolveu o contrato de crédito com o Executado pelo que deveria ter sido incluído no PERSI (…)”. Neste sentido, além da jurisprudência citada na decisão recorrida, cfr ac. do TRL de 9/4/2024 (proc. nº 8328/23.5T8LRS.L1-7, Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO, em dgsi.pt).
Conclui-se, pois, que não incumpriu o executado/embargante um ónus de alegação relativamente à continuidade do contrato, pois que não era a si que competia tal alegação; antes era ao exequente que, para obviar à conclusão pela necessidade de integração do executado no PERSI, cabia alegar que o contrato de crédito fora resolvido antes, quando se estabeleceu a discussão sobre a excepção dilatória em causa.
Recorde-se, todavia, que o exequente, a esse propósito, apenas alegou a antiguidade do incumprimento em relação à vigência do DL do PERSI, o que, a seu ver, seria suficiente.
Sem prejuízo de se regressar a esta questão, atentar-se-á, por ora, apenas no facto de que a conclusão que antes se enunciou nos dirige para a solução da questão sucessivamente colocada pelo apelante: a de que o tribunal apreciou questão fundada em facto não alegado pelo executado e sobre a qual o tribunal se pronunciou sem lhe ter dado oportunidade para isso mesmo, tudo redundando numa decisão nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Com efeito, cabendo ao exequente/embargado a alegação de que o contrato havia sido resolvido antes da vigência do regime do PERSI e não o tendo feito, fica prejudicada a questão de excesso de pronúncia, quer por referência à apreciação de facto não oportunamente alegado pelo embargante, quer por referência a uma eventual omissão de contraditório a cargo do tribunal. Em suma, o tribunal não se pronunciou sobre factos ou questões que não pudesse conhecer – por não terem sido alegados pela parte a quem competia, ou por não ter lançado o contraditório sobre eles – pois que se limitou a constatar a inexistência de um impedimento ao funcionamento da excepção dilatória em discussão, inexistência essa resultante de o mesmo não ter sido importado para a causa, pela parte a quem tal competia. Noutras palavras, o tribunal não se pronunciou sobre a presença de um requisito do funcionamento da excepção dilatória em análise, pois que se limitou a constatar a ausência de um facto que poderia obviar a esse funcionamento e que não foi trazido à discussão por falta de alegação da parte que com isso estava onerada
Rejeita-se, pois, que o a sentença sob recurso tenha incorrido na nulidade arguida, sob qualquer das perspectivas para o efeito invocadas.
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Sucessivamente, o apelante impugna a própria solução da sentença recorrida, defendendo que, por o crédito ter entrado em incumprimento em momento anterior ao da vigência do regime do PERSI, não era necessário integrar o devedor em tal programa, como condição prévia para a propositura da execução.
Não tem, porém, razão, como resulta do já acima exposto. Nos termos dos arts. 13º, 14º, 18º e 39º já referidos, e uma vez que não demonstrou ter sido resolvido o contrato de crédito de que emanou o crédito exequendo, em momento anterior ao do início da vigência do DL 227/2012, estava a exequente, em momento anterior ao da instauração da acção ou, pelo menos, o banco credor antes da cedência do seu crédito ao ora exequente, obrigado a integrar o executado em PERSI, como condição de vir, ulteriormente, a poder cobrar coercivamente o seu crédito.
Não o tendo feito, só pode considerar-se verificada a referida omissão, a redundar na identificação da excepção dilatória inominada prevista na al. b) do nº 1 do art. 18º do DL. 227/2012, determinante da extinção da instância executiva, com a absolvição do executado dessa mesma instância.
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Por fim, resta afirmar ser inadmissível a alegação, nesta fase, de que o contrato de crédito em questão fora efectivamente resolvido.
Vem o apelante, com efeito, alegar que, segundo o clausulado nesse mesmo contrato, a alienação do bem hipotecado em garantia do crédito era apta a determinar a resolução do contrato.
Tal matéria é, todavia, nova na causa, por não ter sido alegada pelo ora apelante, tempestivamente. Como resulta evidenciado pelo acima exposto, estava o embargado onerado com a alegação de uma tal factualidade quando foi convidado a pronunciar-se, em exercício do imprescindível contraditório, sobre a omissão de integração do executado em PERSI. Era então pertinente a alegação de não o ter feito, por se não lhe aplicar o regime, não por o incumprimento do crédito ser anterior à vigência desse mesmo regime – o que, como vimos, não é excludente do PERSI - mas por já então estar resolvido o contrato de onde proveio o crédito.
O ora apelante, no entanto, omitiu essa alegação, inibindo em momento oportuno a discussão sobre se o contrato havia sido resolvido, ou não.
Como refere recorrentemente a jurisprudência, os recursos destinam-se à reapreciação das questões suscitadas e resolvidas perante e pelo tribunal recorrido e não à decisão de questões novas - cfr. entre muitos outros, o ac. do STJ de 11/6/2024, proc. nº 7778/21.6T8ALM.L1.S1, Relator LEONEL SERÔDIO, em dgsi.pt.
Por conseguinte, não poderá este TRP apreciar a questão agora suscitada pelo apelante, sobre se o contrato de que proveio o crédito exequendo havia sido resolvido em momento anterior ao do início da vigência do DL. 227/2012, i.é, em data anterior a 1/1/2013.
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Resta, em conclusão, confirmar a sentença recorrida, na falta de provimento do presente recurso de apelação.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento à presente apelação, em razão do que confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.
Reg. e not.

Porto, 10 de Julho de 2025
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda