ATRIBUIÇÃO PROVISÓRIA DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
FIXAÇÃO DE COMPENSAÇÃO A FAVOR DO OUTRO CÔNJUGE
Sumário

I - Na atribuição provisória da casa de morada de família ao abrigo do nº 9 do art. 931º do CPC, incidente que se rege por critérios de conveniência e oportunidade, o julgador deve ter em conta os princípios estabelecidos no nº 1 do art. 1793º do CCiv., ou seja, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal, bem como os rendimentos de cada cônjuge, o estado de saúde de cada um deles, a idade, a possibilidade de arranjarem trabalho, a possibilidade de um deles dispor de outra casa em que possa residir sem beneficiar da mera tolerância de terceiros e o comportamento pretérito dos mesmos no que diz respeito ao cumprimento dos seus deveres conjugais.
II - A atribuição provisória da casa de morada de família a um dos cônjuges não determina a fixação automática de uma compensação a favor do outro cônjuge [a suportar por aquele]; a fixação de tal compensação depende das circunstâncias do caso concreto, em particular, das exigências de equidade e de justiça que este impuser com base nas circunstâncias da vida dos cônjuges e no equilíbrio dos interesses em confronto.

Texto Integral

Proc. 6369/24.4T8VNG-A.P1 Secção (apelação)
Relator: Des. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Rodrigues Pires
Des. Artur Dionísio Oliveira

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Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

AA requereu, no âmbito da ação de divórcio sem consentimento que instaurou contra o seu então cônjuge, BB, que lhe fosse atribuído o uso da casa de morada de família, sita em ..., Vila Nova de Gaia, alegando, em síntese, que a relação entre o casal se encontra em rutura irremediável, que não é possível a manutenção da sua convivência no mesmo espaço, que não tem qualquer suporte familiar que lhe permita residir noutra habitação, já que toda a sua família reside no Algarve, que não tem, pelos seus rendimentos, condições financeiras para pagar renda ou adquirir outro prédio no qual possa residir com os seus dois filhos e que, diversamente, o requerido tem parentes que o podem acolher, designadamente a mãe, que reside perto da casa de morada de família, que ele aufere um salário muito superior ao seu e que é ele que gere todos os bens comuns do casal a seu exclusivo intento, não permitindo à autora usar os recursos materiais comuns.

Realizada, sem êxito, a tentativa de conciliação, foi o requerido notificado para, querendo, deduzir oposição, mas não o fez.

Inquiridas as testemunhas arroladas, foi proferida decisão final no incidente, com o seguinte dispositivo [parte decisória]:
«DECISÃO
Pelo exposto, atribuo à requerente AA o uso da casa de morada de família, sita na Rua ..., n.º ..., 4.º, hab. ..., em ..., Vila Nova de Gaia, até à sua venda ou partilha, cabendo a cada uma das partes pagar metade da prestação mensal relativa à aquisição da habitação e ficando a requerente exclusivamente responsável pelo pagamento dos encargos relativos ao fornecimento de água, eletricidade, gás, telecomunicações e televisão a cabo, absolvendo o requerido BB do mais requerido.
Custas pela requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. Fixo à causa o valor de 30.000,01.».

Inconformado com o decidido, interpôs o requerido o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, nos próprios autos (apenso) e efeito suspensivo], cujas alegações culminou com as seguintes
conclusões:
«A. O presente Recurso consubstancia o mais profundo inconformismo do Recorrente face à Sentença proferida pela Mm.ª Juiz a quo, entendendo, sem quebra do respeito sempre devido por douta opinião em contrário, ser desajustada quer da própria matéria assente, quer dos normativos legais positivos aplicáveis in casu, quer de justiça, padecendo de graves erros, tanto no que tange ao julgamento de facto como de Direito.
B. Como bem se define na Sentença em sindicância, e para o que este efeito releva, a questão a decidir nos presentes autos são essencialmente as seguintes: “decide-se sobre a atribuição do uso da casa de morada de família. (…) que decidir se a autora carece mais da habitação identificada nos autos do que o réu e se deve ficar a usá-la em exclusivo até à definição do seu destino em sede de partilha.”, discordando o Réu, em absoluto, das conclusões de facto e de direito da sentença em crise, tanto por análise da prova testemunhal produzida como da prova documental (ou falta dela) oportunamente junta aos autos.
C. Da prova produzida não ficou demonstrado, que a Mãe do aqui Réu, tem disponibilidade para o acolher, a si e ao seu filho, inexistindo qualquer elemento probatório que indique que a habitação de sua Mãe, único elemento que reside próximo deste, tem sequer mais do que um quarto (e efetivamente não tem), sendo que nem por sombras ficou demonstrado nos autos qualquer concreta impossibilidade de manutenção de vivência em conjunto, estando apenas como facto demonstrado provado que as partes nos presentes autos “não se dirigem mutuamente a palavra”, e isto tal como não ficou demonstrado que o Réu tivesse qualquer vínculo laboral menos perene que o da Autora, mais importando reter que a Regulação das Responsabilidades Parentais atualmente existente estatui uma divisão paritária do tempo perpassado com cada um dos progenitores, o que intui no sentido de que a residência alternada será o caminho a seguir em futura Regulação definitiva, pelo que o aqui Réu terá que ter asseguradas condições para garantir ao menor condições análogas às que este terá com a aqui Autora, mais sendo É publico e notório que o montante a despender pelo pagamento de prestação mensal a título de renda por imóvel análogo ao propriedade de Réu e Autora, ou mesmo de tipologia T1, é manifestamente superior ao pago a titulo de prestação de crédito hipotecário, não sendo assim suportável pelo Réu, tendo em conta o montante por ele auferido enquanto único rendimento.
D. Vem o ora Apelante recorrer da douta Sentença proferida nos autos, peticionando que, em respeito pelos preceitos legais aplicáveis, seja revogada a decisão recorrida e substituída por uma que atribua o uso da casa de morada de família também ao requerido, e sem prescindir, que, sendo esta atribuída exclusivamente à Requerente, que seja estatuído montante a pagar a titulo de renda, de acordo com o pago habitualmente por imóvel de tal tipologia na zona em causa e, outrossim, sem prescindir, que a mesma fique totalmente responsável pelo pagamento do crédito hipotecário, não podendo a parte da responsabilidade que cabe ao Requerido ser deduzida do montante a receber em sede de partilha ou venda do imóvel.
E. O Tribunal a quo deu como provados o facto constante no n.º 6 da matéria de facto dada como assente, nomeadamente quanto ao facto de as partes não se dirigirem “mutuamente a palavra, a não ser para resolver assuntos relacionados com o filho CC, relativamente ao qual têm frequentes divergências educativas”, sendo que inexiste na fundamentação fáctica da decisão nada que aponte nesse sentido.
F. Na mesma, apenas é referido que a testemunha DD (filho (apenas) da Requerente), que “não existe diálogo normal entre ambos”, “apenas falando do seu irmão quando estritamente entre ambos”, nada referindo quanto à existência de divergências educativas quanto ao filho CC, as restantes testemunhas apenas revelam, segundo aquela, um conhecimento indireto da relação do casal, tendo pouca valia probatória, sendo assim evidente a falta de fundamentação fáctica para que o ponto 6, mormente quanto à questão das frequentes divergências educativas, seja um facto considerado provado sendo incompreensível como é que o Tribunal como provado tal facto quando inexiste qualquer acervo probatório que o refira.
G. Quanto ao facto dado como provado com o n.º 13, diga-se que a sentença aqui em crise considerou também como não provado que “O réu tem como retaguarda familiar a sua mãe, residente nas proximidades da casa de morada de família, em ..., Vila Nova de Gaia.”, sendo que a mesma apenas refere que “o tribunal ponderou, para sua demonstração, as declarações conjugadas de EE, sobrinha da autora, e de DD (…)”, nada referindo em concreto quanto a nenhuma forma ou “modalidade” de apoio familiar.
H. Mais se infere que inexiste qualquer outro meio probatório produzido nos presentes autos que o comprove, portanto não pode o mesmo ser dado como provado, sendo que jamais ficou demonstrado, sendo mesmo um facto não provado, que o Réu “dispõe de três outras habitações nas quais se pode fixar”, pelo que tal apoio jamais pode ser analisado como podendo ser garantida através do mesmo habitação condigna, quer para si, quer para o seu filho, não subsistindo assim quaisquer dúvidas no que concerne à existência de um verdadeiro erro de julgamento, quanto a este particular.
I. No que respeita ao destino da casa de morada de família, preceitua o n.º 7 do citado artigo 931.º do Código de Processo Civil: “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”, sendo que, o regime processual referido contido no n.º 2 e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da ação de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família([vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” cfr. artigo 931.º n.º 2 do Código Civil, sendo provisória, também, a decisão da Mma. Juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes (“regime provisório” como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º do CC), como sucede in casu.
J. Conforme nos traz o insigne Professor Pereira Coelho: “(…) a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro […]. Ora, este critério geral, segundo nos quer parecer, não pode ser outro senão o de que o direito ao arrendamento da casa de morada da família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. […] A necessidade da casa (ou a «premência», como vem a dizer a jurisprudência; melhor se diria a premência da necessidade) parece-nos ser, assim, o fator principal a atender. […] Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta, em primeiro lugar, justamente estes dois elementos, que mais expressivamente a revelam […]. Trata-se, quanto à «situação patrimonial» dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais os rendimentos e proventos de um e de outro […]. No que se refere ao «interesse dos filhos», que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores […]. Mas o juízo sobre a necessidade ou a premência da necessidade da casa não depende apenas destes dois elementos. Haverá que considerar ainda as demais «razões atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc.”.
K. Ora, na situação dos autos, importa desde referir que, conforme dado como provado, existe uma prestação de crédito hipotecário a pagar mensalmente., mais existindo regulação das responsabilidades parentais provisória do filho de Autora e Réu, prevendo esta divisão paritária do tempo perpassado com cada um, sendo que resulta demonstrado, mesmo atendendo às regras da experiência comum e normal decurso das coisas, que o Réu não consegue suportar o pagamento de renda mensal noutra habitação, nem tampouco condições para efetuar o pagamento de metade do crédito hipotecário em tal caso, bem como não tem sitio para onde habitar condignamente com o seu filho, e isto sendo certo que a prestação mensal, não sendo paga e ocorrendo incumprimento, tal poderá significar que ambos percam todo quanto pago durante o matrimónio, o que não se revela do seu interesse nem tampouco do filho menor de ambos.
L. Assim, em suma, e sendo a casa um bem da compropriedade de Autora e Réu, mesmo atendendo às regras da experiência comum e normal decurso das coisas, está demonstrado que nenhuma das partes tem capacidade para arrendar outra habitação, resultando óbvio que, se a casa ficar exclusivamente atribuída a um, esse deverá ficar responsável pelo pagamento, pelo menos da totalidade da prestação mensal do crédito hipotecário e todas as despesas da casa, incluindo condomínio e IMI.
M. Quanto ao interesse das menores, este deve ser visto também na ótica do período de tempo paritário que este passará com o aqui Réu, e no qual deve ter condições igualmente condignas, mais sendo do interesse deste que os Pais mantenham a casa de morada de família e não deem como perdido o investido monetariamente para a sua aquisição e manutenção desta.
N. Deverá, assim, por violação do disposto, nomeadamente, nos artigos 931.º n.º s 2 e 7 do CPC e 1793.º do CC, em consequência alterar-se a decisão na parte em que atribui à o direito de utilizar a casa de morada de família até venda da mesma, atribuindo-se este ao Autor.
O. Sem prescindir, o que não se concede, sempre se diga que se revela inaceitável que, atribuindo-se o direito de utilização da casa de morada de família à Ré, por todo quanto sobredito, ao Autor não seja atribuía uma contrapartida.
P. Assim, e mantendo como presente que, o objetivo essencial deste incidente é a definição provisória da situação dos cônjuges relativamente à casa de morada de família, com base na factualidade que foi possível apurar, que, seguindo critérios de equidade, e considerando sobretudo o interesse dos menores, filhos do casal, que nenhuma culpa têm das divergências entre os progenitores, afigura-se-nos que a imposição à recorrida, até à venda ou adjudicação da casa, de montante estatuído a titulo de renda ou, ad minimum, do pagamento integral do valor relativo à amortização mensal do empréstimo para aquisição dessa habitação, bem como todos os encargos decorrentes da mesma (seguros, IMI, condomínio e outros), é o mínimo exigível para o cumprimento do critério enunciado, traduzindo-se, desde logo, numa contrapartida a favor do recorrente: a dispensa do pagamento da sua parte da prestação bancária e restantes encargos referentes a um bem comum, não podendo tais prestações ser deduzidas ao valor que o Réu tenha que receber nas partilha/venda do bem. - Posto isto, a manter-se o sentido indicado, deve, ad minimum, e sob pena de violação do princípio e das mais elementares regras da equidade, ser estatuída contrapartida a favor do Réu nos termos ora expostos.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, requer-se a v.exas. que, dando provimento ao recurso, seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, julgando o presente recurso procedente e altere nos termos expostos a decisão tomada, assim se fazendo a e costumeira Justiça!».

A requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida.
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II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção às conclusões das alegações das partes, que, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC, fixam o thema decidendum deste recurso [sem prejuízo do eventual conhecimento de questões de conhecimento oficioso], as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
1. Se a decisão recorrida padece de falta de fundamentação dos factos provados nºs 6 e 13;
2. Se que alterar a solução jurídica decretada da decisão recorrida atribuição do seu uso e fixação de renda.
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III. Factos provados e não provados:

i) A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de dezembro de 2022, autora e réu, à data com domicílio fixado na Bélgica, casaram civilmente, com convenção antenupcial, pela qual estabeleceram o regime de bens de comunhão de bens adquiridos tendo por lei reguladora a lei portuguesa.
2. Em ../../2017, nasceu de relacionamento das partes prévio ao seu casamento, a criança CC, filho de ambas, e então residente com seus pais na Bélgica.
3. Com as partes e o seu referido filho menor comum, residia ainda um outro filho da autora, DD, menor de idade.
4. Em data não concretamente apurada do ano de 2023, as partes, com ambas as crianças acima identificadas, regressaram a Portugal, tendo-se instalado em habitação sita na Rua ..., hab. ..., em ..., Vila Nova de Gaia, onde hoje residem todos.
5. Esse prédio encontra-se inscrito a favor das partes na respetiva matriz predial urbana com o artigo n.º ..., em partes iguais, desde o ano de 2023, estando aí descrita como habitação própria e permanente, e inscrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ....
6. Autora e réu, apesar de residirem na mesma casa, não se dirigem mutuamente a palavra, a não ser para resolver assuntos relacionados com o filho CC, relativamente ao qual têm frequentes divergências educativas.
7. Em 5 de novembro de 2024, foi definido regime provisório do exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambas as partes, segundo o qual as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente e quanto aos atos de particular importância são exercidas conjuntamente, por ambos os pais, jantando o ora réu com o seu filho CC às segundas e quartas-feiras, entre as 19 e as 21 horas, e jantando a mãe com a criança às terças e quintas-feiras, no mesmo horário; às sextas-feiras, a criança jantará com um ou com outro progenitor, alternadamente, mais passando a criança o sábado com um dos pais e o domingo com o outro, alternadamente, cabendo a ambos os pais o pagamento de todas as despesas relativas ao sustento do filho, em partes iguais, como decorre da respetiva ata, do apenso B, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
8. A requerente está atualmente desempregada, tendo exercido atividade profissional como técnica dos A..., S.A., que cessou por ter chegado ao seu termo o contrato de trabalho com a duração de seis meses celebrado, aguardando a celebração de novo contrato, dentro em breve, regressando à mesma atividade profissional.
9. A requerente recebeu subsídio de desemprego, até 05/03/2025, tendo obtido entre 01/01/2025 e 04/02/2025, o valor diário de € 17,41€ por dia, num total de € 592,17, e entre 20/11/2024 e 31/12/2024, o valor diário de € 16,97, no total de € 695,99, acrescido de € 104,40 que corresponde à majoração do limite mínimo.
10. Quando ao serviço dos A.... S.A., a autora aufere a quantia mensal líquida média de € 1.017,27.
11. O requerido exerce atividade profissional ao serviço de B..., S.A., sendo a sua última remuneração mensal declarada ao Instituto da Segurança Social, I.P., em janeiro de 2025, de € 1.750,00.
12. Todos os parentes próximos da requerente habitam no Algarve, não tendo neste momento qualquer pessoa da sua família ou amiga próxima que resida em Vila Nova de Gaia ou em áreas limítrofes que a possa acolher na sua habitação com os seus filhos.
13. O réu tem como retaguarda familiar a sua mãe, residente nas proximidades da casa de morada de família, em ..., Vila Nova de Gaia.
14. A requerente prepara geralmente as refeições, adquirindo a alimentação para todos os habitantes da casa, apesar de o requerido não as consumir conjuntamente com os demais.

ii) Oficiosamente, ao abrigo do que dispõem os arts. 607º nº 4, 663º nº 2 e 986º nº 2, todos do
CPC, considera-se ainda provado o seguinte [resultante de consulta do histórico do apenso B (mais concretamente da ata com data de 28.05.2025), relativo à regulação das responsabilidades parentais do menor CC, filho de requerente e requerido]:
15. O regime provisório descrito em 7 foi substituído, em 28.05.2025, por outro regime provisório com o seguinte teor:
«Cláusula 1.ª (Fixação da residência e regime do exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança)
1.1 Fixa-se a residência de CC com a mãe, a quem competirá a decisão relativa aos atos da sua vida corrente, sem prejuízo da intervenção do progenitor não residente nos momentos em que o tiver consigo;
1.2 As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas por ambos os pais, conjuntamente.
1.3 Todas as comunicações e informações necessárias para este efeito serão realizadas pela irmã do progenitor, FF, e pela avó paterna, na indisponibilidade da primeira, devendo ocorrer por contacto telefónico, mensagem escrita e por correio eletrónico.
1.4. À irmã do progenitor, tia paterna da criança, compete ainda a assegurar as recolhas e as entregas da criança, na execução do regime de convívios com o progenitor não residente, podendo caber à avó paterna, em caso de impedimento da primeira.
Cláusula 2.ª (Regime de convívios/visitas entre o progenitor e o filho)
2.1 Durante o período escolar, o pai irá buscar o filho à escola, sendo a sua entrega em casa da mãe 19:00 horas às segundas e quartas feiras; jantando com este às terças e quintas feiras, sendo a entrega em casa da mãe às 21.30 horas.
2.2 O filho conviverá ainda com o pai aos fins de semana de 15 em 15 dias, indo a intermediária buscar o filho à casa da mãe às 09:00 horas de sábado e entregando-o no domingo às 19:00 horas no mesmo local.
2.3 Nas sextas feiras que antecedem o fim de semana em que o filho ficará com a mãe, o pai irá buscar o filho à escola e jantará com este, sendo a criança entregue em casa da mãe às 21:30 horas.
2.4 Nas férias de verão, o filho passará 15 dias com cada um dos pais, em datas a acordar até 30/06/2025; caso haja sobreposição de datas pretendidas, os pais poderão alternar entre si esse período de 15 dias em dois de duas semanas.
2.5 Nas férias escolares de verão, no período em que o filho não esteja em gozo de férias com qualquer dos pais nos termos descritos em 2.4, o filho passará o período de um mês, seguido ou intercalado, em atividades do centro de ATL em que foi inscrito pela mãe, passando outro período de um mês, seguido ou intercalado, a cargo do pai durante o dia, seguindo os horários de recolha e entrega os acima descritos (respetivamente, 9 horas e 19 horas nos dias em que não deva jantar com o pai; e 9 horas e 21h30 nos dias em que deva jantar com o pai).
2.6 A criança poderá contactar com o progenitor com quem não esteja a passar o dia por videochamada, uma vez por dia, a realizar às 19:00 horas, com a duração máxima de 15 minutos, e a efetuar diretamente para aplicação instalada no tablet da criança.
Cláusula (Alimentos e forma de os prestar) (…)».
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iii) Na decisão recorrida foram dados como não provados os seguintes factos:
- O requerido retirou de contas bancárias comuns do casal valores não apurados, usando-os em seu único proveito.
- O requerido dispõe de três outras habitações nas quais se pode fixar.
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IV. Apreciação das questões indicadas em II:

1. Se a decisão recorrida padece de falta de fundamentação dos factos provados nºs 6 e 13.
O recorrente alega nas conclusões E a H que os factos provados nºs 6 e 13 não se mostram fundamentados na decisão recorrida e, por isso, não podiam ter sido dados como provados (sic).
O tribunal a quo fundamentou a materialidade que deu como provada do seguinte modo:
«Para dar os factos referidos como assentes, o tribunal fundou-se, em primeiro lugar, na apreciação dos documentos juntos pelas partes na ação de divórcio, bem como na tramitação desse processo, conjugado com a análise crítica dos depoimentos das testemunhas ouvidas.
Mais teve em consideração o documento junto pela autora com a petição inicial, relativo ao seu salário, e às pesquisas efetuadas junto do ISS, I.P. sobre os rendimentos do trabalho de ambas as partes, em especial sobre as prestações de desemprego entretanto recebidas pela requerente.
Para prova da titularidade da casa aqui em apreço, o tribunal atendeu ao documento junto pela requerente em 03/03/2025.
Quanto às circunstâncias de vida das partes, desde o seu regresso da Bélgica, e especificamente na sua vida diária na habitação comum, o tribunal baseou-se, para sua prova, na apreciação crítica das declarações da testemunha DD.
Apesar da sua idade e da relação de parentesco com a autora, de forma singela explicou que as partes não fazem refeições juntas (já que o requerido toma as refeições confecionadas pela requerente, mas não em conjunto) e que não existe diálogo normal entre ambas, dormindo o réu na sala, no sofá, e não existindo vida familiar e social conjunta. Pelo que referiu a testemunha, a relação entre as partes é distante e tensa e não diálogo entre ambos, contrariamente ao que acontecia quando ainda residiam na Bélgica, apenas falando do seu irmão quando estritamente necessário.
As testemunhas GG e HH demonstraram praticamente apenas um conhecimento indireto da relação do casal, tendo pouca valia probatória, mas afirmaram do estado de ânimo da autora quanto à sua vida conjugal e familiar e da relação difícil entre ambos no que tange ao filho comum.
No que respeita ao apoio familiar de que beneficia cada uma das partes, o tribunal ponderou, para sua demonstração, as declarações conjugadas de EE, sobrinha da autora, e de DD, citado.
A primeira explicou que toda a sua família vive no Algarve, o que foi secundado pela segunda testemunha referida, e que não ninguém que possa acolhê-los, não existindo nenhum parente a residir nas suas proximidades.
Relativamente à existência da habitação da mãe do réu, situada bem próxima da casa de morada de família, e à retaguarda que esta pessoa configura, o tribunal mais uma vez atendeu a essas testemunhas, especialmente a DD que, não sabendo descrever com rigor o espaço da respetiva residência, informou com clareza que fica localizada muito próxima da habitação da família, e que se trata de pessoa com quem relacionamento e convívio frequente do requerido.».
Começando pelo facto provado nº 6, diremos que desta transcrição decorre que quanto às circunstâncias de vida das partes, desde o seu regresso da Bélgica, incluindo a sua vivência e relacionamento diário na habitação comum, a decisão recorrida é taxativa no sentido de que a convicção da Julgadora se fundou no depoimento prestado pela testemunha DD, filho da requerente [que declarou não ter, atualmente, bom relacionamento com o réu]. Não obstante esta relação de parentesco com a requente [e menos bom relacionamento com o requerido], a Mma. Julgadora a acreditou na isenção e veracidade do seu depoimento. E o requerido, ora recorrente, nada refere agora em desabono de tais isenção e veracidade do depoimento da testemunha.
Não há dúvida que aquele facto se reporta ao atual relacionamento diário entre a requerente e o requerido. Por isso, o que dele consta radica no que disse a referida testemunha no decurso do depoimento que prestou na sessão de prova realizada no dia 04.02.2025, no âmbito do incidente em apreço. Disto não há dúvida, nem para o recorrente.
Este parece entender que na fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada a Mma. Julgadora a quo estava obrigada a reproduzir ponto por ponto, facto por facto, o que foi relatado pela dita testemunha na indicada diligência. Mas não é isso que a lei processual exige. O que os nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC impõem é que o juiz aprecie livremente as provas [exceto nos casos em que estiver em causa prova vinculada, nos termos indicados na 2ª parte do nº 5] e proceda à análise crítica das mesmas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. E a análise crítica das provas não se confunde com uma indicação descritiva, nem muito menos com uma reprodução ponto por ponto, ipsis verbis, do que disseram as partes [em declarações de parte], as testemunhas ou outras pessoas ouvidas em produção de prova [segundo Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed., atual., Almedina, pgs. 359-360, [a] exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes”, o que significa que, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos”. Em igual sentido, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, pg. 348, que ensina que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado”, acrescentando a que a exigência da motivação da decisão “não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão”].
Ora, da transcrição feita resulta que, embora sucinta, a decisão recorrida contém a exigida análise crítica das provas. O que não contém é a reprodução do depoimento integral que a referida testemunha prestou. Mas faz menção do essencial e daí se conclui que o facto provado nº 6 assentou no que essa testemunha relatou.
Não estamos, por isso, perante falta ou insuficiência de fundamentação/motivação atinente ao facto provado nº 6.
Como tal, não ocorre vício enquadrável na previsão da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC [não especificação dos fundamentos de facto que justifiquem a decisão sobre a prova do referido facto provado nº 6, sendo certo que esta falta de fundamentação teria de ser absoluta/total, como defende a jurisprudência maioritária], gerador de nulidade da decisão recorrida, nem se coloca sequer a necessidade de se lançar mão da possibilidade prevista na al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC, soluções que, diga-se, o recorrente não invocou.
Caso não tivesse ficado convencido de que a dita testemunha depôs de modo a permitir que o tribunal a quo considerasse como provado o facto em análise, restava-lhe a respetiva impugnação em conformidade com o estabelecido no art. 640º do CPC, ou seja, além de indicar o facto que reputa mal decidido [al. a) do nº 1], devia especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa [al. b) do nº 1] e a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre tal ponto [al. c) do nº 1], devendo, ainda, por estar em questão prova oral gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação do depoimento da referida testemunha [ou de outras que tivesse por adequadas] em que se funda [al. a) do nº 2].
O recorrente, porém, não alega que a referida testemunha tenha deposto de modo divergente do que foi considerado na decisão recorrida, não indica nem transcreve nenhum segmento do seu depoimento e não especifica – muito menos com exatidão – qualquer passagem da respetiva gravação que possa indiciar que a factualidade do facto provado nº 6 tenha sido erradamente apreciada/decidida. Ou seja, não cumpriu, minimamente, quer o ónus primário da al. b) do nº 1, quer o ónus secundário da al. a) do nº 2, ambos do citado art. 640º.
Limitou-se, pura e simplesmente, a alegar a falta de fundamentação da decisão recorrida relativamente ao aludido facto provado e a sustentar que, por via disso, deveria ser dado como não provado.
Quanto à falta de fundamentação, já concluímos atrás não assistir razão ao recorrente.
Se quis impugnar o facto em questão, a impugnação tem de ser rejeitada por inobservância do ónus primário da al. b) do nº 1 daquele art. 640º, além de também não se mostrar cumprido o ónus secundário da al. a) do nº 2 do mesmo normativo [a Jurisprudência vem sustentando uniformemente que a não observância dos ónus primários das als. a) a c) do nº 1 deste artigo determina a rejeição imediata do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, ao passo que o não cumprimento do ónus secundário da al. a) do nº 2 só implicará tal rejeição quando a falta ou inexatidão dificulte gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame da prova pelo tribunal de recurso – neste sentido, i. a., Acórdãos do STJ de 14.03.2024, proc. 8176/21.7TSLSB.L1.S1, de 27.02.2024, proc. 2351/21.1T8PDL.L1.S1, de 25.01.2024, proc. 1007/17.4T8VCT.G1.S1, de 21.03.2023, proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1, de 13.10.2022, proc. 1700/20.4T8LRS.L1.S1 e de 03.10.2019, proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Tudo para concluir que o facto provado nº 6 é de manter nos seus precisos termos.
O recorrente insurge-se também contra o facto provado nº 13, entendendo que deve ser dado como não provado. Como causa para este resultado, invoca, igualmente, falta de fundamentação na decisão recorrida.
Desta resulta que tal facto radicou nos depoimentos das testemunhas EE e, especialmente, DD. E especificou-se ali que esta, embora «não sabendo descrever com rigor o espaço da respetiva residência, informou com clareza que fica localizada muito próxima da habitação da família, e que se trata [a mãe do requerido] de pessoa com quem relacionamento e convívio frequente do requerido”.
O que consta daquele facto provado não extravasa esta indicação sucinta do conteúdo do depoimento da testemunha DD.
Não há, por isso, também aqui falta ou insuficiência de fundamentação de tal facto. Pelo que, quanto a ela, não ocorre a nulidade de decisão atrás referenciada, nem há, igualmente, que lançar mão da possibilidade prevista na al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC.
Se o recorrente quis impugnar o facto ao abrigo do art. 640º do mesmo Código, devia ter observado o que atrás se deixou indicado, o que não aconteceu. Valem, por isso, aqui as considerações e conclusões atrás expostas a propósito do facto provado nº 6.
Consequentemente, também o facto provado nº 13 se mantém intocado. *
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2. Se que alterar a solução jurídica decretada da decisão recorrida atribuição do seu uso e fixação de renda.
Estamos perante incidente com processo especialíssimo com características idênticas aos processos de jurisdição voluntária, por se nortear, como estes, por critérios de conveniência [e de oportunidade] e não de legalidade, como indica o nº 9 do art. 931º do CPC, o que o aproxima do disposto no art. 987º do mesmo Código [M. Teixeira de Sousa, no Blog do Instituto Português de Processo Civil, a propósito da qualificação da tutela provisória permitida pelo atual nº 9 do art. 931º do CPC, discorda do entendimento (sustentado em vários acórdãos) que aproxima o incidente da figura dos procedimentos cautelares por não se destinar “a acautelar o efeito útil de uma tutela definitiva”, designadamente a da atribuição do destino da casa depois do divórcio, além de o critério de conveniência nada ter em comum “com o critério de decretamento das providências cautelares”, destinando o regime provisório a vigorar apenas na pendência do processo de divórcio, estando “excluída qualquer necessidade de confirmação da tutela provisória através de uma ação respeitante à tutela definitiva” (cf. “https://blogippc.blogspot.com/2017/01/jurisprudencia-541.html?m=1”)].
É certo que o incidente em apreço não se confunde com o processo que está previsto no art. 990º do CPC, pois enquanto in casu está em questão a fixação de um regime provisório de utilização da casa de morada de família para vigorar durante a pendência do processo de divórcio entre o recorrente e a recorrida e até que a partilha dos bens do casal seja efetuada, ali prevê-se a atribuição definitiva (ou da transferência do direito ao arrendamento) da casa de morada de família em consequência ou como efeito do decretamento do divórcio, por remeter para o preceituado no art. 1793º do CCiv..
Mas, apesar disso, o referido regime provisório, além de ser fixado de acordo com o(s) apontado(s) critério(s) de conveniência (e de oportunidade), deverá também ter em conta os princípios estabelecidos no nº 1 do art. 1793º, o que, sem dúvida, aproxima, como começámos por dizer, o regime deste incidente do processo que está previsto no dito art. 990º [com interesse sobre esta problemática, vejam-se os acórdãos do STJ de 26.11.2024, proc. 4188/22.1T8VIS-B.C1.S1, de 17.12.2019, proc. 4630/17.3T8FNC-A.L1.S1 e de 13/10/2016, proc. 135/12.7TBPBL-C.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 29.09.2022, proc. 17360/21.2T8PRT.P1 e de 05.02.2013, proc. 1164/10.0TMPRT-B.P1 (este relatado pelo aqui relator), disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 21.01.2020, proc. 1558/19.6T8CBR.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc].
Feito este brevíssimo introito, avancemos então.
O recorrente, nas conclusões I a N, alega que não estão provados os pressupostos para atribuição provisória da casa de morada de família à requerente/recorrida e que, pelo contrário, tal direito lhe deve ser conferido a ele.
De acordo com o disposto no nº 9 do art. 931º do CPC, «[e]m qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório (…) quanto à utilização da casa de morada da família (…)».
Por sua vez, o art. 990º nº 1 do mesmo corpo de normas – aplicável por via analógica ao incidente aqui em causa – refere que «[a]quele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito».
E o art. 1973º do CCiv. [que tem como epígrafe «Casa de morada da família»], estabelece no nº 1 que «[p]ode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal».
Da conjugação destes preceitos resulta que a atribuição provisória da casa de morada de família e um dos cônjuges depende, desde logo, de dois fatores/pressupostos: a atribuição deverá ser feita ao cônjuge que tiver mais necessidade da mesma e em função do interesse dos filhos do casal, havendo-os.
Mas estes não são os únicos fatores a considerar, já que o nº 1 do citado art. 1793º não é taxativo [utiliza a expressão «nomeadamente», antes de referir aqueles dois pressupostos].
A jurisprudência tem apontado outros, também relevantes, embora mantendo a primazia daqueles, tais como os rendimentos de cada cônjuge, o estado de saúde de cada um deles, a idade, a possibilidade de arranjarem trabalho, a (im)possibilidade de um dos cônjuges dispor de outra casa em que possa residir sem beneficiar da mera tolerância de terceiros e o comportamento pretérito dos mesmos no que diz respeito ao cumprimento dos seus deveres conjugais [assim, acórdãos do STJ de 26.11.2024 e de 17.12.2019, atrás citados]. E admite que, excecionalmente, a casa possa ser atribuída a ambos os cônjuges quando seja premente a necessidade de ambos e a casa tenha caraterísticas que permitam que funcione como se de duas residências se tratasse, cada uma delas com autonomia física e funcional, de tal modo que permita que cada cônjuge desenvolva uma residência autónoma e independente enquanto perdurar a medida [acórdão da Relação do Porto de 29.09.2022, também já atrás indicado].
Na doutrina, Pereira Coelho [in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, 1989-1990, pgs. 137, 138, 207 e 208, citado no acórdão desta Relação acabado de citar] não anda longe deste entendimento ao ensinar que “(…) a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro (…). Ora, este critério geral, segundo nos quer parecer, não pode ser outro senão o de que o direito ao arrendamento da casa de morada da família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. (…) A necessidade da casa (ou a «premência», como vem a dizer a jurisprudência; melhor se diria a premência da necessidade) parece-nos ser, assim, o fator principal a atender. (…) Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta, em primeiro lugar, justamente estes dois elementos, que mais expressivamente a revelam (…). Trata-se, quanto à «situação patrimonial» dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais os rendimentos e proventos de um e de outro (…). No que se refere ao «interesse dos filhos», que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores (…). Mas o juízo sobre a necessidade ou a premência da necessidade da casa não depende apenas destes dois elementos. Haverá que considerar ainda as demais «razões atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc.” [veja-se, ainda, Nuno Salter Cid, in Sobre a atribuição judicial provisória do direito de utilizar a casa de morada da família, Julgar, nº 40, 2020, pgs. 56-57, que, de modo mais abreviado refere que [a] fixação de regime provisório relativo à utilização da casa de morada da família pressupõe naturalmente, em primeiro lugar, a conclusão de que a casa existe, sob o ponto de vista jurídico” e, “[e]m segundo lugar, cumpre averiguar se a ‘atribuição provisória da casa’ a um dos cônjuges é imperiosa ou vivamente aconselhável, considerando a necessidade mais premente desse cônjuge e/ou o interesse atendível dos filhos, sim, mas sem desprezar outros factos e circunstâncias que no caso mereçam ponderação.”].
É em função destes critérios que há que aferir se a decisão recorrida decidiu bem ou mal ao atribuir a utilização provisória da casa de morada de família à ora recorrida ou se, pelo contrário, a prova recolhida impõe solução diversa, no sentido defendido pelo recorrente.
Começando pelo que se mostra provado com vista ao preenchimento dos dois principais fatores a considerar – quem tem mais necessidade na utilização da casa de morada de família [identificada nos factos provados nºs 4 e 5] e interesse dos filhos –, diremos que as necessidades são inequivocamente mais prementes para a requerente/recorrida do que para o requerido/recorrente. Desde logo porque aquela, além do CC [criança atualmente com oito anos de idade], que é filho dela e deste último, tem ainda a cargo [à sua guarda e cuidado] um outro filho menor, DD [fruto de outro relacionamento], que também reside na casa de morada de família, ao passo que o requerido, de acordo com o regime provisório mais recente fixado no apenso de regulação das responsabilidades parentais, de 28.05.2025, já nem sequer tem a cargo a guarda e cuidados diários daquele seu filho CC, diversamente do que havia inicialmente sido estabelecido no regime provisório de 05.11.2024 [o requerido, atualmente, pode ter consigo o menor em fins de semana alternados e nas férias de Verão durante quinze dias]. Visto do lado das crianças, também o facto de a requerente ter dois filhos menores de quem tem de cuidar, enquanto o requerido só tem um nos períodos de visitas fixados [acabados de referir], faz pender a maior necessidade da casa para o lado daquela, já que a procura de outra habitação com condições mínimas para albergar permanentemente três pessoas [a requerente e os dois filhos menores] é necessariamente mais dispendiosa do que a de uma habitação para uma pessoa a título permanente [o requerido] ou duas pessoas ocasionalmente [o requerido e o filho, quando este estiver consigo nos períodos de visitas].
Depois, quanto aos outros fatores atrás apontados, temos ainda que os proventos do trabalho do requerido são um mais elevados que os da requerente, com a agravante de esta estar atualmente desempregada, por ter chegado ao fim o contrato de trabalho a termo a que esteve vinculada.
E há ainda o facto de a requerente não ter parentes próximos a residir na localidade em que se situa a casa de morada de família ou em zonas limítrofes [todos os seus parentes próximos residem no Algarve], ao passo que o requerido tem um familiar direto [a mãe] que vive nas proximidades e com quem se relaciona, além de, ao que parece, ter também o apoio de uma irmã que se prestou a auxiliá-lo em várias tarefas indicadas do regime provisório fixado em 28.05.2025 no apenso B.
Ora, face a estes fatores [assentes na factualidade provada] apresenta-se evidente que a decisão recorrida, ao atribuir a utilização provisória da casa de família à requerente, ora recorrida, não é merecedora de censura, pois atribuiu-a à parte que dela mais necessita e em benefício também dos interesses dos ditos menores.
Como tal e não tendo o recorrente feito, em devido tempo [já que não deduziu sequer oposição ao incidente em apreço], prova de que «não consegue suportar o pagamento de renda mensal noutra habitação, nem tampouco condições para efetuar o pagamento de metade do crédito hipotecário (…), bem como não tem sítio para onde (possa ir) habitar condignamente com o seu filho» [cfr. conclusão K das alegações], a sua pretensão recursória [de lhe ser atribuído a ele o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família] tem que improceder.

O recorrente insurge-se ainda contra o facto de a decisão recorrida não ter fixado uma contrapartida, a seu favor, pela utilização da casa de morada de família provisoriamente atribuída à recorrida.
Já defendemos [o aqui relator] que a atribuição provisória da casa de morada de família a um dos cônjuges em processo de divórcio implica necessariamente a condenação desse cônjuge a pagar ao outro uma compensação, ainda que não coincidente com a que seria devida a título de renda no âmbito de um contrato de arrendamento [cfr. acórdão desta Relação do Porto de 05.02.2013, atrás citado, no qual dissemos que “apesar da atribuição provisória da casa de morada de família não estar diretamente regulada nos arts. 1793º do CCiv. e 1413º (atual art. 990º) do CPC, o STJ (…) conclui que, ainda assim, o regime prescrito nestes normativos é indiretamente aplicável (…) àqueles casos de atribuição provisória. Não tanto, (…), na parte que alude ao arrendamento, mas sim no segmento em que prevê a «compensação» do outro cônjuge com uma renda”, tendo-se então justificado tal entendimento, afirmando que “a fixação desta compensação (…) é facilmente entendível, pelo menos em casos (…), em que está em questão um bem que é comum de ambos os cônjuges (…), não fazendo sentido beneficiar um deles (o que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro (o que fica sem o direito de a utilizar) por se ver privado do uso e fruição de um bem que também é seu, sendo certo que entre o momento da atribuição provisória daquela e o da partilha dos bens comuns pode decorrer um período mais ou menos longo”].
Acontece, porém, que, entretanto, alterámos a nossa posição após a publicação do acórdão do STJ de 13.10.2016 [também já atrás citado] e em função dos ensinamentos que nele se consignaram.
Com efeito, consta do respetivo sumário que: “I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do art.do nº7 do art. 931º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele existe se o juiz o tiver efetivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de ação ulterior.”.
E na fundamentação de tal douto aresto diz-se, mais desenvolvidamente, o seguinte:
“Como atrás se referiu, a jurisprudência das Relações tem oscilado, quanto a esta questão, entre duas visões, rígidas e extremadas, entendendo uma das orientações, plasmada, por exemplo, no acórdão recorrido, que (independentemente de qualquer valoração ou ponderação concreta da situação dos cônjuges dissidentes) a fixação de tal compensação é legalmente inadmissível, ao passo que a outra corrente jurisprudencial considera que tal atribuição compensatória deverá ter necessariamente lugar, como forma de obviar a um inadmissível enriquecimento do cônjuge a quem o imóvel foi provisoriamente atribuído à custa do outro interessado.
Considera-se que nenhuma destas posições extremadas, assentes fundamentalmente numa análise conceitual do regime jurídico em causa, é adequada às exigências de ponderação equitativa das circunstâncias do caso concreto, especialmente prementes no campo da definição provisória das relações entre os cônjuges, na pendência do processo de divórcio: na verdade, a formulação legal ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo - é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial e casuística das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso; no primeiro caso, o julgador entenderá que, perante o resultado de tal ponderação casuística, a vantagem auferida pelo cônjuge beneficiário com o uso exclusivo do imóvel não justifica a atribuição de uma contrapartida patrimonial ao outro cônjuge, privado temporariamente do uso do bem; na segunda situação, pode o juiz temperar tal atribuição exclusiva com a imposição da obrigação do pagamento ao outro cônjuge de uma contrapartida económica, fundada em razões de equidade e justiça, aproximando-se, neste caso, ao menos por analogia, do regime de arrendamento que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.
(…)
Tal significa, como é evidente, que o uso, individual e exclusivo, do bem pelo cônjuge a quem o mesmo foi judicialmente atribuído é lícito, encontrando ainda causa ou suporte precisamente na dita decisão, ou seja, na hétero composição de interesses que a mesma - injuntivamente contém. Mas a circunstância de não existir efetivamente uma situação de responsabilidade civil do beneficiário da atribuição ou de enriquecimento sem causa deste não significa que se deva afastar em absoluto a possibilidade de, por exigências de justiça e equidade, face às circunstâncias concretas da vida dos cônjuges, tal atribuição exclusiva poder ser temperada com a compensação, no plano patrimonial, do outro cônjuge, privado do uso referido imóvel e, por isso, eventualmente obrigado a suportar outras despesas ou incómodos graves com o estabelecimento da sua residência, até à partilha dos bens…
Saliente-se que nos movemos no campo das decisões provisórias e cautelares, em que sempre se entendeu que o julgador dispõe de amplas possibilidades de valoração concreta e flexível dos interesses contrapostos, bem expressas, por exemplo, na norma constante do art. 376º, nº3, do CPC, ao prescrever que em sede de procedimentos cautelares o juiz não está sujeito à providência concretamente requerida, podendo decretar a que se revele mais eficaz e adequada à tutela do direito e à prevenção do periculum in mora.
Interpreta-se, pois, a norma constante do 7 (agora nº 9, após a alteração introduzida pela Lei nº 3/2023, de 16.01) do art. 931º do CPC no sentido de a medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família poder ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta eventual atribuição a título oneroso uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.
Desta configuração normativa (…) decorre que (o) (…) direito a uma compensação patrimonial pressupõe necessariamente, em termos constitutivos, a formulação de um juízo equitativo, em que o julgador, ponderadas as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges e por imperiosas razões de justiça material, considera que o equilíbrio dos interesses em confronto se satisfaz com a imposição ao beneficiário da utilização do imóvel de uma contrapartida por tal uso exclusivo (…)”.
Lendo as referências feitas aos procedimentos cautelares como sendo antes reportadas aos processos de jurisdição voluntária [atentas as críticas apontadas por Teixeira de Sousa a que atrás fizemos menção], também entendemos agora que a fixação de uma compensação a cargo do cônjuge que beneficia da atribuição provisória da casa de morada de família, e a favor do outro cônjuge, depende das circunstâncias do caso concreto, em particular, das exigências de equidade e de justiça que este impuser com base nas circunstâncias da vida dos cônjuges e no equilíbrio dos interesses em confronto [é, aliás, esta a orientação que atualmente predomina na Jurisprudência, como se afere do decidido, entre outros, nos acórdãos desta Relação do Porto de 29.09.2022 e da Relação de Coimbra de 21.01.2020, atrás citados].
Ora, no caso dos autos são várias as circunstâncias que impedem a fixação da compensação pretendida pelo recorrente.
À cabeça surge o facto deste não ter deduzido oposição ao incidente, nada tendo, por isso, alegado [para depois provar no momento processual próprio] com vista a demonstrar a necessidade de fixação de tal compensação [necessidade esta reportada a ele próprio] e a possibilidade de a requerente, ora recorrida, a suportar. Aliás, não sendo agora defensável que o juiz tenha obrigatoriamente que fixar uma compensação pela referida atribuição provisória [ainda que não requerida pelas partes] e não tendo esta questão [da fixação de compensação] sido suscitada pelo requerido na fase da tramitação do incidente na 1ª instância, até à prolação da decisão recorrida, sempre haveria de considerar-se que estamos perante questão nova, só agora invocada em sede recursória e que, como tal, por não ser de conhecimento oficioso, estaria fora do conhecimento deste tribunal de recurso, não podendo ser aqui atendida.
Depois – ainda que não se tratasse de questão nova e dela pudéssemos conhecer –, porque se mostra provado que a requerente está desempregada, a receber subsídio de desemprego inferior ao salário mínimo nacional, tem a cargo dois filhos menores [desconhecendo-se se um deles, o DD, está a beneficiar de alimentos do respetivo progenitor] e está obrigada [conforme se decidiu na decisão recorrida] a pagar metade da prestação mensal relativa ao empréstimo concedido para aquisição da casa de morada de família e a totalidade dos encargos relativos ao fornecimento de água, eletricidade, gás, telecomunicações e televisão a cabo.
Por isso, a decisão recorrida também não é merecedora de censura nesta parte. Há, assim, que julgar o recurso totalmente improcedente.

As custas deste recurso ficam a cargo do recorrente, face ao total decaimento nesta 2ª instância -arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC..
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Síntese conclusiva:
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V. Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. 2º) Condenar o recorrente nas custas do recurso, pelo decaimento.

Porto, 2025.07.10
Pinto dos Santos
Rodrigues Pires
Artur Dionísio Oliveira