SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSABILIDADE DE GERENTES OS ADMINISTRADORES
DANOS DECORRENTES DA PERDA DE VALOR DA QUOTA SOCIAL
Sumário

I – A responsabilidade dos gerentes ou administradores de sociedades comerciais pelos actos praticados no exercício das suas funções é regulada de forma sistemática e detalhada, tanto em termos substantivos como adjectivos, nos artigos 72.º e seguintes do CSC.
II – A responsabilidade (obrigacional) perante a sociedade, definida no artigo 72.º, pode ser efectivada por via da acção ut universi regulada nos artigos 75.º e 76.º, da acção ut singuli regulada no artigo 77.º ou da acção sub-rogatória prevista no artigo 78.º, n.º 2.
III – A responsabilidade (delitual) perante os sócios e os terceiros, aqui se incluindo os credores sociais, está regulada nos artigos 78.º e 79.º.
IV – No que concerne aos credores sociais, o artigo 79.º prevê a responsabilização dos gerentes ou administradores pelos danos directos sofridos por aqueles, ao passo que o artigo 78.º, n.º 1, contempla os danos indirectos causados aos mesmos.
V – No que diz respeito aos sócios, prevê-se no artigo 79.º uma acção individual de responsabilidade, que se distingue da acção social ut singuli prevista no artigo 77.º do CSC: nesta acção social, os sócios exigem a reparação dos danos causados à sociedade e que só indirectamente os atingem; naquela acção individual exigem a reparação dos danos causados directamente a si próprios.
VI – Em suma, a responsabilidade dos gerentes ou administradores pelos danos causados aos sócios rege-se pelo artigo 79.º, n.º 1, que cinge essa responsabilidade aos danos diretamente causados aos segundos no exercício das funções dos primeiros.
VII - Os danos causados à sociedade que apenas reflexa ou indirectamente atinjam o património dos sócios, não lhes conferem um direito indemnizatório próprio, pois tal direito não encontra base legal nas regras gerais da responsabilidade civil previstas no Código Civil ou nas regras especiais do Código das Sociedades Comerciais. Ainda que causados pelos actos praticados pelos gerentes ou administradores da sociedade, no exercício das suas funções de administração, aqueles danos apenas conferem um direito indemnizatório à própria sociedade, embora este direito possa ser efectivado por via da acção de responsabilidade proposta por sócios prevista no artigo 77.º do CSC.
VIII - O critério de distinção entre os danos directos e os danos indirectos encontra-se na intermediação do património da sociedade: os danos directos produzem-se na esfera do terceiro sem a intermediação do património da pessoa colectiva; os danos indirectos, com a intermediação do património da pessoa colectiva.
IX – Por conseguinte, ao cingir a responsabilidade dos gerentes ou administradores aos danos directamente causados aos sócios, o artigo 79.º, n.º 1, exclui a responsabilidade daqueles pelos danos decorrentes da perda de valor da quota social destes.

Texto Integral

Processo: 3796/24.0T8PNF.P2-A

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., ... ..., Marco de Canaveses, BB e CC, residentes na Rua ..., ... Braga, intentaram o presente procedimento cautelar de arresto contra DD, EE, residentes na Rua ..., ..., ... Marco de Canaveses, e FF, residente na Rua ..., ..., ... Marco de Canaveses, requerendo o arresto dos bens que identificam nas alíneas a) a i) do pedido.
Inquiridas as testemunhas arroladas pelos requerentes, o Tribunal julgou procedente este procedimento relativamente aos requeridos DD e FF, decretando o arresto de bens dos mesmos, e absolveu a requerida EE do pedido.
Posteriormente, os requerentes vieram desistir do pedido quanto aos requeridos DD e EE, a qual foi homologada por sentença proferida em 03.02.2025, prosseguindo os autos apenas contra o requerido FF.
Realizado o arresto de bens deste, foi efectuada a sua citação.

*
Este requerido veio interpor recurso de apelação da decisão que decretou o arresto, concluindo assim a sua alegação:
«I - A decisão recorrida que decretou o arresto contra o Recorrente não se mostra assinada pela Mma. Juiz a quo, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artº. 615.º do CPC, deve ser declarada nula.
II - A decisão recorrida que decretou o arresto de bens do Recorrente encontra-se ferida de erro de julgamento porquanto, em face da matéria de facto que indiciariamente deu como provada, julgou mal encontrarem-se verificados os dois pressupostos exigidos na lei para que possa ser decretado o procedimento cautelar de arresto, quando, na realidade, nenhum deles se mostra preenchido.
III - Quanto à probabilidade da existência de um crédito dos Requerentes sobre o Requerido, nos presentes autos, os Recorridos invocam um crédito sobre o Recorrente no valor de € 703.252,47, alegadamente correspondente ao prejuízo por eles sofrido com a desvalorização da quota de que são contitulares na A..., tendo expressamente declarado que o crédito que pretendem salvaguardar diz respeito a indemnização que lhes é devida na qualidade de sócios da A... em virtude de atos de gerente em prejuízo dos sócios, convocando o regime previsto no artº. 79.º, n.º 1, do CSC, tendo a decisão recorrida considerado que os Requerentes poderiam ser titulares daquele invocado direito de crédito sobre o Requerido, por considerar (mal) que os primeiros poderiam demandar o último ao abrigo da mencionada disposição legal – cfr. os pontos 1., 3., 4., 5., 18. e 19. dos factos indiciariamente dados como provados.
IV - Não obstante a decisão recorrida referir que a responsabilidade prevista no artº. 79.º do CSC tem natureza delitual e está dependente da verificação dos pressupostos previstos nos artº.s 483.º e 487.º do CPC, falha em demonstrar qual o concreto facto ilícito que, no caso concreto, permite sustentar uma aparência do direito dos Recorridos sobre o Recorrente.
V - Ora, no caso dos autos, não vem sequer alegado no requerimento inicial – nem se mostra nos factos indiciariamente provados na decisão recorrida – qualquer violação pelo Recorrente de direitos absolutos dos Recorridos.
VI - A decisão recorrida detém-se na modalidade de ilícito consubstanciada na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, mas olvida-se a decisão recorrida de identificar qual a norma que entende ter sido violada pelo Recorrente, que, de resto, também não foi identificada pelos Recorridos.
VII - Nem se diga que, no caso, o pressuposto da ilicitude se mostraria preenchido com apelo à violação pelo Recorrido dos deveres previstos no artº. 64.º do CSC, na medida em que aquela norma não é “norma legal de proteção” dos sócios, pois que não visa tutelar os interesses dos sócios nem os danos diretamente causados aos sócios – que, relembra-se, são aqueles que os Recorrentes expressamente indicaram pretender salvaguardar com o procedimento cautelar de arresto – se inserem no círculo de interesses que a referida norma visa acautelar.
VIII - Acresce que, nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, os Requerentes arrogam-se titulares de um crédito próprio sobre o Requerido, nos termos do artº. 79.º do CSC, correspondente à perda do valor contabilístico da quota de que são titulares na A... e foi este dano que a decisão recorrida também considerou para afirmar a probabilidade da existência do crédito dos Requerentes sobre o Requerido.
IX - No entanto, os Requerentes não podem demandar o Requerido ao abrigo do disposto no artº. 79.º do CSC para dele exigir o ressarcimento do dano que invocam, porquanto esse dano – que (a existir) estaria na base do seu direito de crédito sobre o Requerido – não é um dano diretamente causado aos sócios e, portanto, que por estes possa ser exigido aos gerentes, ao abrigo daquela disposição legal.
X - O dano que os Recorridos invocam nos presentes autos e que a decisão recorrida deu como indiciariamente demonstrado – desvalorização da quota social –, a existir (o que não se concede), é um dano indireto, reflexo, que, por isso, não permite o acionamento dos gerentes pelos sócios ao abrigo do artº. 79.º do CSC.
XI - O dano de desvalorização da quota resulta de um dano infligido diretamente no património social, que reflexamente (ou indiretamente) acarreta prejuízos também aos sócios, que veem diminuir o valor das suas participações sociais.
XII - Esse é o caso do dano invocado pelos Recorridos nos presentes autos e indiciariamente dado como provado na decisão recorrida, na medida em que se entendeu que a atuação do Requerido deu causa à condenação da sociedade a pagar mais de dois milhões de euros ao Estado (prejuízo da sociedade), que, uma vez contabilisticamente registado nas contas, levará a negativo os capitais próprios da sociedade e, consequentemente, a uma desvalorização das participações sociais dos sócios.
XIII - Se o dano invocado que sustenta o alegado crédito dos Requerentes não pode ser exigido pelos sócios aos gerentes, o mesmo é dizer que não há (porque não pode haver) – nem indiciariamente – direito de crédito.
XIV - A responsabilidade direta dos gerentes e administradores, por atos praticados no exercício das suas funções, perante os sócios enquanto tais apenas pode resultar do regime previsto no artº. 79.º do CSC, mas essa responsabilidade cinge-se aos danos diretamente provocados no património dos sócios, e já não aos danos que estes sofram por via dos prejuízos que os gerentes e administradores hajam causado à sociedade e que os atinja indiretamente.
XV - A norma do artº. 79.º do CSC consagra o critério de incidência do dano e que este critério não se limita a proceder a uma limitação da extensão dos danos, mas respeita ao próprio requisito da ilicitude, delimitando os comportamentos ilícitos, o que significa que os comportamentos dos gerentes e administradores que provocam danos indiretos aos sócios não são ilícitos, pois não geram responsabilidade direta dos primeiros perante os últimos.
XVI - A decisão recorrida partiu do errado pressuposto de que os Requerentes, por conta do dano de desvalorização da participação social invocado e dado como indiciariamente provado pelo Tribunal a quo, teriam o direito de responsabilizar diretamente o Requerido ao abrigo do disposto no artº. 79.º do CSC.
XVII - Acresce ainda que, para que se possa afirmar a probabilidade da existência do direito, é indispensável estarmos perante um crédito já constituído (ainda que ilíquido), como tem vindo a ser dito, em uníssono, na doutrina e na jurisprudência.
XVIII - O crédito futuro, hipotético ou eventual não permite concluir pela verosimilhança da existência do crédito, uma vez que ainda não se integra na esfera jurídica do requerente, fazendo soçobrar o primeiro requisito do procedimento cautelar de arresto.
XIX - No caso dos autos, o crédito invocado pelos Requerentes sobre o Requerido, ainda que existisse (o que não acontece), sempre seria um crédito futuro, dependente de um evento futuro e incerto.
XX - Apenas resulta dos factos indiciariamente provados que existe uma sentença transitada em julgado no Processo Crime que condenou a sociedade a pagar ao Estado o referido montante, solidariamente com outras pessoas e entidades.
XXI - Não está sequer indiciariamente provado que:
i. A sociedade pagou ao Estado qualquer montante na sequência da condenação no Processo Crime;
ii. A sociedade registou nas suas contas o passivo de cerca de dois milhões de euros que, na tese dos Requerentes, terá como efeito a desvalorização da sua quota para valor nulo.
XXII - O dano – que, na tese dos Requerente, leva à constituição do seu crédito – está dependente dos dois referidos acontecimentos, que são futuros e incertos, ou, pelo menos, do segundo.
XXIII - É a própria decisão recorrida que assume que o dano ainda não se verificou.
XXIV - O crédito invocado pelos Requerentes assenta num juízo de hipotético sobre o que dizem que virá a ser refletido nas contas da sociedade, mas que ainda não foi, e que se desconhece, na presente data, se será refletido e em que termos.
XXV - Na presente data, não se pode afirmar um dano da sociedade e muito menos dos Requerentes, pois o dano da sociedade é eventual e eventual é também o dano invocado pelos Requerentes, o qual, a existir, não pode ser exigido por aqueles ao Recorrido.
XXVI - Assim, resulta à saciedade que, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, não existe “aparência do direito” por falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, pois, num caso como o dos autos, em que manifestamente o crédito invocado pelos Requerentes sobre o Requerido e dado como indiciariamente provado na decisão recorrida não existe, porque o quadro legal não permite aos Requerentes responsabilizar diretamente os Requeridos por esse dano, é óbvio que não se pode afirmar, como fez a decisão recorrida, a probabilidade da existência do direito.
XXVII - A decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola o disposto no artº. 79.º do CSC e no artº. 483.º do CC.
XXVIII - Não se mostram preenchidos os requisitos previstos no artº. 619.º do CC e no artº. 391.º do CPC, que a decisão recorrida também violou, de cuja verificação depende o decretamento do procedimento cautelar de arresto.
XXIX - Quanto ao justo receio ou perigo de insatisfação do invocado crédito, relativamente ao ora Recorrente, o único facto julgado indiciariamente provado na decisão recorrida com interesse para a apreciação deste requisito legal é o que consta do ponto 22, o qual é manifestamente insuficiente para o julgar preenchido.
XXX - Não se mostra indiciariamente provado qualquer ato de diminuição de património, muito menos de sonegação ou dissipação de património.
XXXI - Também não se mostra indiciariamente provado que o Recorrente seja titular de bens de fácil dissipação ou facilmente ocultáveis, antes pelo contrário, pois o que se encontra indiciariamente provado é que o Recorrente é titular de um bem sujeito a registo e que aufere um vencimento como funcionário de uma sociedade comercial.
XXXII - Acresce que, também não se encontra indiciariamente provado o valor do vencimento que o Recorrente aufere nem o valor do veículo de que é proprietário.
XXXIII - Inexiste matéria de facto indiciariamente dada como provada na decisão recorrida que permita concluir, como concluiu o Tribunal a quo, pela insuficiência de património relevante.
XXXIV - Em segundo lugar, a insuficiência de património relevante a que alude a decisão recorrida não pode servir de critério para aferir do justo receio.
XXXV - Na verdade, a perda ou a diminuição da garantia patrimonial a que alude o artº. 391.º do CPC implica um exercício comparativo entre o património do devedor no momento da constituição da obrigação e no momento que é requerido o arresto dos seus bens, uma vez que é a conduta do devedor no sentido da diminuição da garantia patrimonial em prejuízo dos credores que justifica que a estes seja concedida a faculdade de arrestar o património daquele.
XXXVI - No caso dos autos, não se mostra indiciariamente demonstrado qual o património do Recorrente em data anterior à da instauração do procedimento cautelar que possibilite uma qualquer análise comparativa que permita concluir pela diminuição da perda da garantia patrimonial dos eventuais credores do Recorrente.
XXXVII - Assim como também não se mostram indiciariamente demonstrados quaisquer atos praticados pelo Recorrente que tenham feito diminuir ou que ameacem o seu património, de modo a justificar uma frustração das legítimas expectativas dos seus eventuais credores.
XXXVIII - Nem sequer é suficiente que se mostre indiciariamente demonstrado – o que sequer é o caso dos autos – a superioridade do ativo sobre o passivo, sendo sempre necessária a existência de outros factores para que possa concluir pelo risco de perda de garantia patrimonial, designadamente que o devedor está a praticar ou tenciona praticar atos de dissipação, ocultação ou alienação de bens que integram o seu património.
XXXIX - Só a demonstração (indiciária) de factos positivos do devedor tendentes a agravar a situação do seu património permitem concluir objetivamente pelo justo receio de perda de garantia patrimonial por serem suscetíveis de provocar no homem médio, colocado na posição do credor, o receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
XL - No caso dos autos, como vimos, não existe base factual que permita afirmar o justificado receio de perda da garantia patrimonial, uma vez que inexistem quaisquer outros factos indiciariamente dados como provados relativamente ao Recorrente, além do seu património atual, cujo montante sequer se mostra indiciariamente evidenciado.
XLI - Necessário seria que os Requerentes tivessem alegado e provado factos positivos e concretos que revelem, da parte do Recorrente, a disposição de desviar, alienar ou ocultar os seus bens, o que não sucedeu.
XLII - Acresce que, no caso dos autos, não se mostra indiciariamente demonstrado – desde logo porque os Recorridos tão pouco alegaram – que o Recorrente houvesse sido interpelado para pagar o crédito de que se arrogam titulares e uma conduta deste demonstrativa do propósito de não cumprir.
XLIII - Em virtude do exposto, andou mal o Tribunal a quo ao julgar verificado o requisito de justo receio de perda da garantia patrimonial.
XLIV - A decisão recorrida viola, assim, o disposto no artº. 391.º do CPC e no artº. 619.º do CC.
XLV - Em face de tudo quanto ficou exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que indefira o decretamento do procedimento cautelar de arresto contra o Recorrente».
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Os recorridos apresentaram resposta a esta alegação, concluindo assim essa resposta:
«i) No que concerne à probabilidade da existência de um crédito, o legislador não exige a prova efectiva desse crédito, mas tão só que seja provável a existência do mesmo, nem tão pouco que a obrigação seja certa, exigível e líquida ou que já se encontre reconhecida pelos Tribunais. Na verdade, a lei basta-se com a mera aparência do direito de crédito e esta traduz-se na alegação de factos que, ainda que perfuntoriamente, demonstrem de forma sumária ser razoável a titularidade do invocado direito de crédito.
ii) In casu, temos assente, ainda que perfunctoriamente, que por força da atuação do requerido e do outro gerente, foram causados danos aos requerentes no valor de 700.000,00€ correspondentes ao valor de desvalorização da quota, sendo que aqueles resultam de actos praticados enquanto gerentes da sociedade A... e redundaram na praticaram ilícitos fiscais que culminaram na condenação da sociedade, da qual os requerentes são sócios, a pagar ao Estado um valor superior a 2.000.000,00€, a título de IVA não entregue.
iii) Por conseguinte, pelo menos, a probabilidade da existência de um crédito existe.
iv) A responsabilidade civil dos administradores tem que decorrer da "preterição de deveres contratuais e legais", tendo que existir sempre uma desconformidade entre a conduta do administrador, gerente, e aquela que lhe era normativamente exigível.
v) A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos, o que redunda, em termos valorativos, numa restrição desta responsabilidade, como defende Menezes Cordeiro, aos casos de «práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado»; ou de «práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa.».
vi) As atribuições do órgão da administração de uma sociedade assumem, como é óbvio, papel fundamental para a vida social: é a este órgão que cabe, verdadeiramente, a condução dos negócios sociais, a prática corrente dos atos destinados a dinamizar e prosseguir o escopo da sociedade.
vii) O requerido não pode ficar impune, provada a prática dos atos lesivos, devendo ser levado em consideração que a Doutrina, diante da configuração flagrante do dolo dos agentes, tem admitido a configuração do dano direto, para os efeitos de preenchimento do requisito exigido pelo artigo 79, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, principalmente quando provado que as condutas lesivas assumem um patamar de gravidade e de intensidade como o do presente caso.
viii) Os requerentes invocaram factos de onde decorre o seu prejuízo, proveniente da actuação criminosa do requerido que, como é manifesto, não resultou da vontade da sociedade mas apenas de uma conduta levada a cabo à margem da sociedade e por iniciativa exclusiva do requerido.
ix) Assim e porque os requerentes intentaram a presente ação como sócios, sendo a determinação do modelo normativo da responsabilidade uma questão de qualificação jurídica e, portanto, matéria de direito, de conhecimento oficioso, a cuja indagação, interpretação e aplicação o juiz não está sujeito às respetivas alegações das partes, por força do preceituado pelo artigo 5º, nº 3, do Código do Processo Civil.
x) Não se acolhendo o entendimento de que as indemnizações peticionadas pelos requerentes não se fundam juridicamente no disposto no artigo 79° Código das Sociedades Comerciais (scilicet, na verificação de um dano diretamente causado), mas na subsunção das situações fácticas à hipótese legal do artigo 75º ou 77º do CSC, haverá que verificar na ação principal tal situação.
xi) Como pertinentemente se colhe da sentença recorrida, in casu, dos factos provados resulta que a atuação dos requeridos DD e FF veio a causar na sociedade um prejuízo superior a 2 000 000,00€, valor que quando contabilizado nas contas daquela, conduzirá a capitais próprios negativos, o que determinará a perda da totalidade do valor das quotas dos requerentes, num montante aproximado dos 700.000,00€.
xii) Ademais verifica-se que o requerido apenas é proprietário do veículo automóvel arrestado e bem assim recebendo o seu ordenado, não tendo contas bancárias com saldo penhorável, sendo, pois, manifesta a brutal discrepância entre o activo e o passivo, acrescendo que o requerido, mal se conheceu a existência do processo inspectivo e do processo crime, logo cedeu a quota social à sua mãe e tenha renunciado à gerência, pese embora se mantenha na sociedade como gerente de facto, na “pele” de funcionário, o que bem demonstra o modus operandi do requerido.
Termos em que e nos mais de direito, deve o recurso improceder com as legais consequências».
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A Sra. Juíza a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade da sentença, em cumprimento do disposto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, concluindo pela não verificação da mesma.
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II. Fundamentação
A. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir consistem em saber se a sentença é nula por falta de assinatura do Juiz e se não estão verificados os pressupostos legais de que depende a providência cautelar de arresto.
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B. Nulidade da sentença
Veio o recorrente arguir a nulidade da decisão que decretou o arresto, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. a), do CPC, afirmando que a mesma não está assinada pela M.ª Juíza a quo.
Analisada a decisão recorrida no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais (Citius), verifica-se que a mesma se encontra datada e assinada pela Sra. Juíza que a proferiu, nos termos previstos nos artigos 132.º, n.º 2, e 153.º, n.º 1, do CPC, e 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, na sua versão actual.
Pelo exposto, sem necessidade de outros considerandos, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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C. Factos provados
São os seguintes os factos julgados indiciariamente provados na decisão recorrida:
1.-Os requerentes são sócios da sociedade B..., LDA, com sede na Rua ..., ..., ... Marco de Canaveses, tendo todos em comum uma quota sem determinação de parte ou direito no valor de 62.259,95€ estando a sociedade inscrita na Conservatória do Registo Comercial do Marco de Canaveses desde 4.9.1971
2.-A referida sociedade tem como objecto a indústria de produtos de alumínio e de redes de arame, a que corresponde o CAE Principal ...-R3 e o Secundário ...-R3.
3.-Em 15 de fevereiro de 2021, no âmbito do Processo n.º 34/13.5TELSB.L1, foi proferido acórdão, transitado em julgado, onde consta a seguinte factualidade provada:
“1. O arguido GG engendrou um plano tendo em vista a aquisição por parte da sociedade arguida de direito espanhol, por si representada, C..., S.A. (C...), de ferro vendido pelas empresas, também de direito espanhol, D..., S.A. (D...), e E..., SL (E...), sem que para o efeito aquela tivesse de suportar o pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
2. De acordo com o plano formulado pelo arguido GG, a mercadoria seria adquirida às referidas empresas espanholas pela sociedade arguida de direito português F... – UNIPESSOAL, LDA. (F...), também representada por aquele, sem haver lugar ao pagamento de IVA, por se tratar de transacção intracomunitária.
3. O referido plano engendrado pelo arguido GG previa que, na realidade, a sociedade arguida F... venderia a mercadoria à sociedade arguida C... que, por seu turno, efectuaria o respectivo pagamento.
4. No entanto, o mesmo plano previa ainda que a sociedade arguida F... iria facturar a mercadoria à sociedade arguida B..., LDA. (A...), que, por sua vez, facturaria tal mercadoria, sem liquidar IVA, por se tratar de aparente transacção intracomunitária, à sociedade arguida C....
5. Ainda de acordo com o aludido plano engendrado pelo arguido GG, os pagamentos da mercadoria, a realizar pela sociedade arguida C... à sociedade arguida F... passariam primeiro pela conta bancária titulada pela sociedade arguida A..., após o que seriam encaminhados por esta para a conta bancária da sociedade arguida F....

8. Por fim, o plano elaborado pelo arguido GG previa que o IVA facturado pela sociedade arguida F... à sociedade arguida A..., por um lado, não seria entregue ao Estado Português pela sociedade arguida F... e, por outro lado, seria objecto de pedido de reembolso por parte da sociedade arguida A....
9. Os arguidos DD e FF, em representação da sociedade arguida A..., aderiram ao descrito plano e aceitaram que esta empresa integrasse o referido circuito de facturação.
10. Os arguidos DD e FF, em representação da sociedade arguida A..., nunca quiseram comprar nem vender o ferro que, de acordo com o plano, seria adquirido pela sociedade arguida F... às empresas espanholas D... e E..., e que seria depois encaminhado para os destinatários indicados pelo arguido GG.

12. O arguido GG, em representação da sociedade arguida C..., nunca quis comprar a mercadoria à sociedade arguida A....
13. Os arguidos GG, DD e FF combinaram entre si que a sociedade arguida A... receberia como contrapartida pela entrada da mesma no aludido circuito de facturação a diferença entre o valor que lhe seria facturado pela sociedade arguida F... e o valor que aquela iria facturar à sociedade arguida C....
14. Ainda de acordo com o combinado, tal contrapartida a ser recebida pela sociedade arguida A... seria paga através da diferença entre o valor das transferências bancárias da sociedade arguida C... para a conta da sociedade arguida A... e o valor das transferências bancárias desta para a conta da sociedade arguida F....

16. Na execução do planeado nos termos mencionados, o arguido GG, em representação das sociedades arguidas F... e C..., e os arguidos DD e FF, em representação da sociedade arguida A..., agiram pela forma a seguir descrita.

28. O arguido DD é desde 04.09.1971 sócio e gerente da sociedade arguida A....
29. No ano de 2012, foram sempre os arguidos DD e FF que tomaram todas as decisões referentes às opções e destino da sociedade arguida A..., sendo os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores desta, nomeadamente pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pelo pedido de reembolso de IVA, bem como pela gestão da contabilidade da empresa e pela emissão de facturas.
30. O arguido FF assumiu formalmente o cargo de gerente da sociedade arguida A... entre 05.11.2012 e 04.03.2015.
31. No ano de 2012, a sociedade arguida F... emitiu a favor da sociedade arguida A... facturas correspondentes à aparente venda a esta de 17.958,620 toneladas de ferro pelo valor total de € 11.326.765,99, sendo € 9.208.752,83 relativos ao valor da mercadoria, a um preço médio de € 512,78 por tonelada, e tendo a primeira liquidado IVA no valor de € 2.118.013,15.

41. Dando execução ao descrito plano, por ordem dos arguidos DD e FF em representação da sociedade arguida A..., esta solicitou à Autoridade Tributária o reembolso do IVA liquidado pela sociedade arguida F... correspondente à mercadoria facturada pela F... à A..., e que esta transmitiu à sociedade arguida C....
42. O valor total do IVA correspondente à mercadoria facturada pela sociedade arguida F... à sociedade arguida A... que esta transmitiu à sociedade arguida C... é de € 1.904.286,65.
43. Nesta sequência, foi pago à sociedade arguida A... o reembolso do aludido IVA relativo aos meses de Maio, de Junho e de Julho de 2012, no valor total de € 686.100,81.
….
69. Os arguidos DD e FF tinham conhecimento dos factos acima descritos aos mesmos e à sociedade arguida A... respeitantes, bem como que o plano engendrado pelo arguido GG incluía a não entrega ao Estado Português do IVA correspondente aos valores documentados nas facturas emitidas por este em representação da sociedade arguida F... a favor da sociedade arguida A....
70. Os arguidos DD e FF quiseram agir pela forma mencionada, em representação da sociedade arguida A..., e em comunhão de esforços e de intenções com o arguido GG, na sequência de plano elaborado por este e a que aqueles aderiram, tendo em vista a obtenção pela sociedade arguida A... do reembolso do IVA correspondente a valores documentados nas facturas emitidas pelo arguido GG em representação da sociedade arguida F... a favor daquela.
71. Os arguidos DD e FF sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
….”.
4. Pela prática dos factos mencionados em 3), o mencionado Acórdão decidiu:
d) Condenar o arguido DD pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.os 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, ficando esta suspensão subordinada ao dever de aquele, no decurso do período de suspensão, entregar à Autoridade Tributária o montante global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) por conta do valor fixado a título de indemnização, devendo comprovar anualmente no processo o pagamento de € 12.000,00 (doze mil euros).
e) Condenar o arguido FF pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.os 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, ficando esta suspensão subordinada ao dever de aquele, no decurso do período de suspensão, entregar à Autoridade Tributária o montante global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) por conta do valor fixado a título de indemnização, devendo comprovar anualmente no processo o pagamento de € 12.000,00 (doze mil euros).
f) Condenar a sociedade arguida B..., LDª, nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 1, do RGIT, pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, al. c), e 104.º, n.os 2, al. a), e 3, ambos do RGIT, e pelos arts. 90.º-A, n.º 1, e 90.º-B, n.os 4 e 5, ambos do Código Penal, ex vi art. 3.º do RGIT, na pena de 700 (setecentos) dias de multa à taxa diária de € 100,00 (cem euros), o que perfaz o montante global de € 70.000,00 (setenta mil euros);

m) Condenar solidariamente os arguidos/demandados DD, FF, B..., LDª, GG, F... – UNIPESSOAL, LDª, e C..., S.A., a pagarem à Fazenda Nacional o valor de € 2.082.498,49 (dois milhões e oitenta e dois mil quatrocentos e noventa e oito euros e quarenta e nove cêntimos), acrescido juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação dos arguidos/demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e vincendos, até integral pagamento [arts. 559.º e 804.º a 806.º, todos do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08.04].
5. A decisão referida em 4) foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão datado de 27.9.2022 e pelo Supremo Tribunal de Justiça em 9.3.2023 (este com a rejeição do recurso de revista)
6. Os factos referidos em 3) foram previamente apurados em sede inspectiva pela Direção de Finanças do Porto, que elaborou o relatório de inspecção tributária à sociedade A....
7. Na sequência desta inspecção, foi pela AT liquidado IVA dos meses de maio, junho, julho setembro e novembro de 2012 e respetivos juros compensatórios e de mora, no valor global de €697.511,83, apurado com base na utilização de faturação falsa.
8. Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel no âmbito do Processo n.º 366/14.5BEPNF, ainda não transitada em julgado, foi confirmado o valor liquidado pela AT e referido no número anterior, determinando-se o seu pagamento pela sociedade A....
9) Os requeridos, DD e a sua esposa EE separaram-se de pessoas e bens em 11 de novembro de 2022.
10. Em 16 de dezembro de 2022, os requeridos, DD e a sua esposa EE, fizeram partilha com atribuição total do património imobiliário a esta que se comprometeu a pagar, no prazo de 1 ano a quantia de 48.000.00€ à AT, conforme escritura de partilha do património conjugal realizada no cartório Notarial de HH em Felgueiras, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. No âmbito da escritura referida em 10), entre outros, foram partilhadas as seguintes verbas:
a) verba um: Prédio urbano correspondente a casa de cave e résdo-chão e quintal, sito actualmente na Rua ..., ... [antigo Lugar ...], freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o número ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... da freguesia ... [antigo artigo urbano ... da extinta freguesia ...], com o valor patrimonial de 120.561,70 euros, pelo valor de 125 000,00€;
b) verba dois: Prédio rústico correspondente a terreno de cultura com videiras em cordão, sito em Lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., com o valor patrimonial para efeitos de IMT, de 254,47 euros, pelo valor de 4500,00€;
12. As verbas referidas em a) e b) do número anterior, têm um valor mínimo de mercado de 500.000,00€ (quinhentos mil euros) e 100.000.00€ (cem mil euros), respectivamente.
13. Anteriormente ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa o requerido DD havia cedido as suas quotas da sociedade A..., mas mantendo-se como gerente.
14. A requerida EE, tinha conhecimento dos factos acima descritos e quis actuar em conluio e comunhão de esforços com o seu marido, o requerido DD, por forma a que o património não pudesse ser afectado.
15. A requerida EE foi convocada pelos requerentes para uma Assembleia Geral da A... para o dia 21.5.2024, para entre outros pontos:
Ponto Um: Deliberar sobre a exclusão como sócia da Sra. D. EE, com fundamento na prática de ato prejudicial à Sociedade correspondente à outorga de escritura de partilha em 16.12.2022, com vista a inviabilizar o direito de regresso da Sociedade face ao gerente em suspensão de funções DD relacionado com o processo judicial n.º 34/13.5TELSB.L1 que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 22 - Tribunal Judicial de Comarca de Lisboa; …………………………………………………………………………………..
Ponto Dois: Deliberar no sentido de a Sociedade propor ação judicial contra a sócia EE e contra o gerente suspenso DD, com vista à anulação da escritura de partilhas, referida no Ponto Um anterior, e responsabilização civil (por danos patrimoniais e não patrimoniais) em virtude de tal ato…………………………………………………………………….
16. A requerida EE, na véspera, ou seja, no dia 20.5.2024, cedeu a II, seu filho, duas quotas, apenas conservando para si uma no valor de 673.38€, o que fez com que tais pontos tivessem sido rejeitados com os votos deste.
17. E quanto a outros pontos, ou seja:
Ponto Três: Deliberar no sentido de a Sociedade propor ação judicial contra o gerente ora suspenso, DD, para responsabilização civil (por danos patrimoniais e não patrimoniais) pela prática dos atos que constam da sentença proferida no processo judicial n.º 34/13.STELSB.L1 que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 22 - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 5.ª secção, Processo: 34/13.5TELSB.L1;…………………………………….
Ponto Quatro: Deliberar no sentido de contratar juridicamente os serviços de advocacia do Senhor Dr. JJ - Advogados, com escritório na Rua ..., em Coimbra, para desencadear os procedimentos necessários à instauração das ações judiciais, o outorgando as procurações forenses necessárias para o efeito;……
Ponto Cinco: Deliberar no sentido de solicitar ao Sr. Dr. JJ um estudo sobre a possibilidade de a Sociedade ainda poder propor ação judicial contra o ex-sócio FF, para responsabilização civil (por danos patrimoniais e não patrimoniais) pela prática dos atos que constam da sentença proferida no processo judicial n.º 34/13.5TELSB.L1 que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 22 - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e de acórdão preferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 3. secção, Processo: 34/13.5TELSB.L1;………………………………………………………………………………
Ponto Seis: Deliberar no sentida de a sociedade proceder ao pagamento das provisões de honorários, honorários e despesas que venham a ser apresentadas pelo Sr. Dr. JJ -Advogados………………………
o mesmo resultado com a conjunção dos votos de II e FF, irmãos.
18. A quota social dos ora requerentes, na proporção da sua participação, reportada ao balanço de Dezembro de 2023, e para efeitos fiscais, que não de mercado, tinha o valor de 703.252.47€, de acordo com o disposto no art.º 15º, n.º 1 do Código de Imposto de Selo, sendo este o seu valor tributário.
19. Com o trânsito em julgado da sentença do processo-crime, referida em 3.) e com a incorporação nas contas da sociedade da dívida à AT, supra referida, a quota social dos requerentes passa a ter o valor de 0,00€.
20. A Requerida EE tem como património:
a) Prédio urbano correspondente a casa de cave e rés-do-chão e quintal, sito actualmente na Rua ..., ... [antigo Lugar ...], freguesia ..., concelho de Marco de Canaveses, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o número ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ... da freguesia ... [antigo artigo urbano ... da extinta freguesia ...], com o valor patrimonial de 120.561,70 euros.
b) Prédio rústico correspondente a terreno de cultura com videiras em cordão, sito em Lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., com o valor patrimonial para efeitos de IMT, de 254,47 euros.
c) Veículo automóvel da marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-..-IH.
d) Veículo automóvel da marca Nissan, modelo ..., com a matrícula ..-MM-...
e) Recheio da casa de morada de família sito na Rua ..., ..., Marco de Canaveses, composto por todo o mobiliário, electrodomésticos e peças de decoração.
f) Quota Social de 673.38€ na sociedade B... LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Marco de Canaveses.
21. O Requerido DD tem como único património:
a) A pensão de reforma que aufere da Segurança Social.
22. O Requerido FF tem como único património:
a) O vencimento que aufere como funcionário, na sociedade B... LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Marco de Canaveses.
b) O Veículo automóvel da marca BMW, modelo ...., com a matrícula ..-CZ-...
23. O prédio rústico correspondente a terreno de cultura com videiras em cordão, sito em Lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., com o valor patrimonial para efeitos de IMT, de 254,47 euros encontra-se à venda numa imobiliária.
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D. O Direito
1. As providências cautelares visam afastar o perigo, que adviria para uma posição subjetiva concreta, da demora na prolação duma decisão de mérito com as necessárias garantias de certeza e segurança jurídicas. A compatibilização dos interesses, muitas vezes contrapostos, da celeridade e da justiça exige que, nas situações em que se prove a existência do periculum in mora, possam ser requeridas e decretadas medidas de carácter provisório, tendo em vista acautelar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ou evitar o proferimento de decisões definitivas sem qualquer interesse prático. O seu decretamento destina-se, portanto, a antecipar ou garantir o resultado do processo principal, por via de uma composição provisória do litígio, que acautele a efetividade da tutela jurisdicional.
Nos termos do disposto no artigo 391.º, n.º 1, do CPC, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor. Para o efeito, o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência (cfr. artigo 392.º, n.º 2, do mesmo código).
São, assim, requisitos da providência cautelar de arresto (1) a probabilidade da existência de crédito e (2) o justificado receio de perda da garantia patrimonial desse crédito. Para que o arresto possa ser decretado é, assim, necessário que se aleguem e provem de forma sumária (summaria cognitio) factos que apontem para uma “aparência do direito” (fumus boni juris) e para um periculum in mora.
2. No caso c0ncreto, no que respeita ao requerido FF (ora recorrente), os requerentes (ora recorridos) alegaram que o primeiro, na qualidade de gerente da sociedade B..., Lda., da qual os segundos são sócios, praticou ilícitos fiscais que culminaram na condenação daquela sociedade a pagar à Administração Tributária (AT) um valor superior a 2 milhões de euros e que, em face de tal condenação, a quota de que dispõem na referida sociedade passou de um valor de cerca de 700.000,00 € para um valor nulo, uma vez que os capitais próprios da sociedade passaram a ser negativos.
Tendo-se provado esta alegação, o Tribunal a quo julgou demonstrada a probabilidade da existência do crédito dos requerentes, à luz do artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), conjugado com as regras gerais da responsabilidade civil aquiliana, previstas nos artigos 483.º e 487.º do Código Civil (CC).
O recorrente discorda, afirmando que: não está verificado o pressuposto da ilicitude previsto no artigo 483.º do CC, pois não foi alegado no requerimento inicial nem decorre dos factos julgados indiciariamente provados qualquer violação de direitos absolutos dos recorridos ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; o alegado dano de desvalorização da quota social, a existir, não configura um dano directamente causado aos recorridos, mas sim um dano infligido directamente no património social, que reflexa ou indirectamente acarreta prejuízos aos sócios, que veem diminuir o valor das suas participações sociais, pelo que estes não podem exigir o seu ressarcimento ao abrigo do artigo 79.º do CSC; o crédito invocado pelos recorridos sempre seria um crédito futuro, dependente de um evento futuro e incerto, pelo que ainda não se pode falar de um dano, enquanto requisito da responsabilidade aquiliana.
O crédito de que os recorridos se arrogam tem, assim, como fonte a responsabilidade do recorrente pela administração da sociedade comercial A....
A responsabilidade pela constituição, administração e fiscalização de sociedades comerciais está regulada nos artigos 71.º e seguintes do CSC.
A responsabilidade funcional dos gerentes ou administradores, isto é, a responsabilidade pelos actos por estes praticados no exercício das suas funções de administração é aí abordada de forma sistemática e detalhada, tanto em termos substantivos como adjectivos.
Tendo em conta o critério do sujeito lesado, verifica-se que o CSC regula a responsabilidade dos gerentes ou administradores perante a sociedade (cfr. em especial os artigos 72.º, 75.º a 77.º e 78.º, n.º 2), a responsabilidade perante os credores sociais (cfr. artigo 78.º, n.º 1, e 79.º) e a responsabilidade perante os sócios e terceiros (cfr. artigo 79.º).
Cremos ser claro o âmbito de cada um destes tipos de responsabilidade, bem como das acções respectivas.
A responsabilidade (obrigacional) perante a sociedade, definida no artigo 72.º, pode ser efectivada por via da acção ut universi regulada nos artigos 75.º e 76.º, da acção ut singuli regulada no artigo 77.º ou da acção sub-rogatória prevista no artigo 78.º, n.º 2.
Por sua vez, a responsabilidade perante os sócios e os terceiros, aqui se incluindo os credores sociais, está regulada nos artigos 78.º e 79.º.
Sob a epígrafe “Responsabilidade para com os credores sociais”, o artigo 78.º, n.º 1 do CSC preceitua que os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
Por sua vez, o artigo 79.º, n.º 1, sob a epígrafe “Responsabilidade para com os sócios e terceiros”, dispõe que os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.
A norma do artigo 78.º, n.º 1, consagra um desvio à regra de que só o património social responde pelas dívidas da sociedade. Não existindo qualquer relação contratual entre os credores de uma sociedade e os seus gerentes ou administradores, a responsabilidade aí prevista é delitual, pelo que pressupõe a verificação dos pressupostos enunciados no artigo 483.º do CC. Nestes termos, para que os credores sejam merecedores da tutela daquele artigo 78.º, n.º 1, impõe-se que se verifique a violação culposa de uma disposição legal ou contratual destinada a proteger interesses alheios e que, por via dessa violação, o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos credores. Diferentemente do que sucede no regime geral da responsabilidade civil – no âmbito do qual os prejuízos indemnizáveis têm de ser directos (directamente causados no património do lesado) –, os danos indemnizáveis por via da norma do artigo 78.º, n.º 1, do CSC, refletem-se diretamente no património social e só indiretamente afetam os credores sociais, na medida em que o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos.
Já em face ao artigo 79.º, a responsabilidade perante sócios e terceiros só existirá para os danos directamente causados, consagrando-se aqui uma responsabilidade por violação de deveres especiais fundados numa relação específica, directa, entre o gerente ou administrador e os aludidos sócios e terceiros.
O dano directo na esfera patrimonial dos sócios e/ou terceiros não implica dano no património da sociedade, podendo até corresponder a um acréscimo do património social.
Não existindo qualquer relação obrigacional entre os gerentes ou administradores da sociedade, por um lado, e os sócios desta ou terceiros, por outro lado, esta norma tem em vista uma situação de responsabilidade civil extracontratual ou delitual comum, pelo dano directo provocado aos referidos sócios e/ou terceiros (cfr. Tânia Meireles da Cunha, Da Responsabilidade dos Gestores de Sociedades perante os Credores Sociais, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 60), pelo que depende igualmente da verificação dos requisitos enunciados no artigo 483.º do CC.
Mas, como já ficou referido, o acto susceptível de gerar a responsabilidade do gerente ou administrador enquanto tal deverá ter sido praticado no exercício das suas funções de gestão ou administração. Se tiver sido praticado pelos referidos gerentes ou administradores pessoalmente considerados, estaremos no âmbito do regime geral da responsabilidade aquiliana previsto no Código Civil.
A previsão do artigo 79.º não se sobrepõe à previsão dos artigos 77.º e 78.º.
No que concerne aos credores sociais – que naturalmente se enquadram na categoria de terceiros –, o artigo 79.º prevê a responsabilização dos gerentes ou administradores pelos danos directos sofridos por aqueles, ao passo que o artigo 78.º, n.º 1, contempla os danos indirectos causados aos mesmos. Como se escreve no ac. do STJ, de 28.02.2019 (proc. n.º 947/11.9TBEVR.E1.S3, citado pelo recorrente), «[e]m sede de responsabilidade dos gerentes ou administradores a distinção entre o regime do art. 78.º (responsabilidade para com os credores sociais) e do art. 79.º do CSC (responsabilidade para com os sócios e terceiros), encontra-se na intermediação do património da sociedade».
No que diz respeito aos sócios, prevê-se no artigo 79.º uma acção individual de responsabilidade, que se distingue da acção social ut singuli prevista no artigo 77.º do CSC: nesta acção social, os sócios exigem a reparação dos danos causados à sociedade e que só indirectamente os atingem; naquela acção individual exigem a reparação dos danos causados directamente a si próprios.
Perante o exposto, em suma, podemos afirmar que a responsabilidade dos gerentes ou administradores pelos danos causados aos sócios se rege pelo artigo 79.º, n.º 1, do CSC, que cinge essa responsabilidade aos danos diretamente causados aos segundos no exercício das funções dos primeiros.
Os danos causados à sociedade que apenas reflexa ou indirectamente atinjam o património dos sócios, não lhes conferem um direito indemnizatório próprio, pois tal direito não encontra base legal nas regras gerais da responsabilidade civil previstas no Código Civil ou nas regras especiais do Código das Sociedades Comerciais que vimos analisando. Ainda que causados pelos actos praticados pelos gerentes ou administradores da sociedade, no exercício das suas funções de administração, aqueles danos apenas conferem um direito indemnizatório à própria sociedade, embora este direito possa ser efectivado por via da acção de responsabilidade proposta por sócios prevista no artigo 77.º do CSC.
Ora, como se escreve no já citado ac. do STJ de 28.02.2019, «[o] critério de distinção entre os danos directos e os danos indirectos, entre os danos directamente causados no sentido do art. 79.º e os danos indirectamente causados no sentido do art. 78.º do Código das Sociedades Comerciais, encontra-se na intermediação do património da sociedade. Os danos directos produzem-se na esfera do terceiro sem a intermediação do património da pessoa colectiva; os danos indirectos, com a intermediação do património da pessoa colectiva».
No mesmo sentido, escreve-se o seguinte no ac. do TRG, de 02.11.2023 (proc. n.º 5543/21.0T8BRG-A.G1) a respeito do âmbito do artigo 79.º do CSC: «resulta expresso no aludido preceito que os administradores respondem pelos danos directamente causados a sócios ou terceiros, e só pelos danos directamente causados, por responderem nos termos gerais [cfr. Pinto Oliveira, Responsabilidade dos Administradores, p. 141].
(…) O texto desta norma acrescenta que a responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros apenas ocorre “(…) pelos danos que directamente lhes causarem (…)”, isto é, pelos danos provocados sem interferência da presença da sociedade. Conclui-se que a tutela dos sócios e de terceiros se prevalece das normas de protecção, nos termos gerais [cfr. Ana Filipa Duarte Ferreira, A responsabilidade civil dos administradores perante sócios e terceiros – o conceito de dano diretamente causado do artigo 79º do C.S.C., p. 37 e ac. da RL de 13.01.2011 supra citado].
(…) O primeiro pressuposto a ter em conta para responsabilizar um administrador nos termos do art.º 79º, nº 1, do CSC é a necessidade de a conduta ilícita e culposa do administrador ser praticada no exercício das suas funções de gestão e representação da sociedade. Caso seja praticada a título pessoal e fora do seu âmbito profissional e administrativo, poderá ainda assim responder nos termos gerais, mas já não mediante aplicação da disposição em causa [cfr. Beatriz Carvalho Aires, obra citada, p. 17].
Quanto aos danos provocados, estes devem ser directamente causados na esfera jurídica dos sócios ou terceiros e não na sociedade. Se os prejuízos do acto lesivo do administrador afectarem o património social, que só indiretamente afectarão os sócios ou terceiros, tal não servirá de fundamento para tornar o administrador responsável para com eles, pois os direitos a tutelar são, directa e imediatamente, os dos sócios e terceiros em geral [vide, Ana Filipa Duarte Ferreira, obra citada, p. 44].
(…) Deste modo, e em termos gerais, pode dizer-se que um dano será considerado directamente causado na esfera jurídica de um sócio ou terceiro, se existir uma relação directa e imediata de causalidade adequada entre o facto ilícito e culposo praticado pelo administrador e o dano provocado aos sócios e terceiros, não decorrendo esses prejuízos por intermédio da sociedade. Assim, conclui-se que os danos ocorrem directamente nos sócios e terceiros, sendo eles os principais lesados e sem que exista uma interferência directa da sociedade [assim, Beatriz Carvalho Aires, obra citada, p. 19]».
Por conseguinte, como se conclui no aresto do STJ antes citado (a propósito de um caso que apresenta similitudes com a situação em apreço neste recurso), ao cingir a responsabilidade dos gerentes ou administradores aos danos directamente causados aos sócios, o artigo 79.º, n.º 1, exclui a responsabilidade daqueles pelos danos decorrentes da perda de valor da quota social destes. A circunstância de os recorridos relacionarem «causalmente o seu dano com a diminuição do património da sociedade», isto é, com o facto da sua quota social passar de um valor de cerca de 700 mil euros para um valor nulo, uma vez que os capitais próprios da referida sociedade passaram a ser negativos, confirma que o dano é indirecto e que, consequentemente, o recorrente, como gerente, não responde perante os recorridos, como sócios, pela perda do valor da sua participação social, sem prejuízo de poder responder pelos danos causados à própria sociedade, cuja indemnização se poderá reflectir indirectamente no valor das participações sociais, nomeadamente as detidas pelos recorridos.
Nestes termos, entendemos assistir razão ao recorrente quando afirma que os factos julgados provados não demonstram a probabilidade da existência do crédito cuja satisfação os recorridos pretendem acautelar por via do arresto solicitado. Dito de outro modo, os requerentes / apelados não lograram provar, ainda que indiciariamente, a aparência do direito de crédito em que baseiam o seu pedido.
Tanto basta para se concluir que a providência decretada não pode subsistir, por não estar verificado o primeiro dos respectivos pressupostos legais.
Por conseguinte, impõe-se julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão
Pelo exposto, na procedência da apelação, os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto revogam a decisão recorrida e julgam improcedente o procedimento cautelar de arresto.
Custas pelos recorridos (cfr. artigo 527.º do CPC).
Registe e notifique.
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Porto, 10 de Julho de 2025
Artur Dionísio Oliveira
Lina Baptista
Anabela Andrade