AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Sumário

Deve-se considerar como desenvolvimento ou consequência aquele pedido que esteja contido no âmbito do pedido primitivo, no sentido de que o pedido sempre poderia ter sido deduzido na petição inicial, sem que para tal seja necessário a alegação de factos novos, existindo uma total conexão entre os pedidos, sendo bem distinta da cumulação de pedidos, que se funda em acto ou facto diverso.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 905/24.3T8PVZ-A.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 5

RELAÇÃO N.º 244

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: João Proença

              João Diogo Rodrigues


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


A.: Herança aberta por óbito de AA, representada pela Cabeça-de-casal, BB.

RR.: A..., Ld.ª.

CC, e mulher, DD.

EE e FF.


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Na presente demanda é formulado o seguinte pedido:

Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, por via dela, ser declarada a nulidade do aditamento, ou anulado o aditamento, ao contrato de internamento e todos os atos subsequentes, designadamente a dação em pagamento do imóvel e a venda do imóvel pela 1.ª R. aos 3.ºs RR., condenando-se todos os RR. no reconhecimento e ordenando-se a restituição do imóvel à A., herança aberta por óbito de AA;

ou, assim não se entendendo,

Condenando-se a 1.ª R. ao pagamento à A. do valor de Eur 300.000,00 (trezentos mil euros), acrescidos de juros à taxa legal em vigor, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, tudo nos termos e com as legais consequências.”

Alega em síntese, que AA, enquanto viva e casada com GG, decidiram sair de casa e ir viver para o lar de idosos explorado pela 1.ª R. e gerido pelos 2.ºs RR..

Que aquando da entrada no lar, a 06.07.2017, o casal AA e GG assinaram “um escrito particular, nominado “contrato de internamento e prestação de serviços””, pelo qual se obrigaram a pagar uma jóia de 70.000,00 € e uma mensalidade de 1.000,00 €.

Cerca de um ano depois, 10.08.2028, o casal assinou com a 1.ª R. representada pela 2.ªR. mulher, um aditamento “por via do qual os outorgantes declaram “alterar o valor previsto no n.º 2 da cláusula quarta do contrato de internamento acima aludido, de modo a que da mesma conste o valor da jóia de €134.980 (centro e trinta e quatro mil e novecentos e oitenta euros)”” e que “acordam que a parcela ainda não paga da aludida jóia possa ser cumprida mediante a dação em pagamento do prédio urbano sito na Rua ..., com o número de polícia ..., da freguesia ..., concelho da Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ... – ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... com o valor patrimonial tributário de €64.980, a que atribuem esse mesmo valor”, cujo valor de mercado era de 300.000,00€.

Cerca de um mês depois, 05.09.2028, foi celebrada escritura pública pela qual o casal dá em dação de pagamento à 1.ª R., o dito prédio, reservando o usufruto. Posteriormente a 1.ª R., vendeu o prédio aos 3.ºs RR..

Sustenta a nulidade do aditamento por a AA e GG à data não estarem em condições de entender os seus actos; por tal acto ser contrária à ordem pública e ofensivo dos bens costumes; por se tratar de um negócio usurário.

Em[2] sede de resposta às excepões, veio a Autora ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 265.º de Código de Processo Civil, ampliar o pedido, peticionando a condenação dos 2.ºs RR. a pagar à A., a título indemnizatório, o valor que vier a ser liquidado nos termos do artigo 569.º do Código Civil, realçado nosso, por ser transcrição da pretensão formulada pela A.. Alega a A. que “Os 2.ºs RR. são, na verdade, os “beneficiários efetivos” dos negócios subjacentes aos presentes autos. Os factos que lhes são imputados, a serem julgados provados no âmbito do presente procedimento – como se espera – preenchem todos os legais requisitos para a sua responsabilização pessoal perante a A.. E são geradores de um dano, na esfera patrimonial da herança A., na exata medida do valor do imóvel que lhe foi “subtraído”.

Os Réus vieram opor-se à sua admissibilidade, alegando, em suma, que o pedido ampliado para além de constituir um pedido idêntico ao formulado supletivamente contra a 1.ª Ré não é possivel enquadrar como “desenvolvimento” ou “consequência” do pedido primitivo sendo antes um novo pedido contra sujeitos processuais que não haviam sido visados no pedido subsdiário anterior.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Em sede de audiência prévia, foi proferida DECISÃO, nos seguintes termos:

Admito a ampliação do pedido de indemnização contra os 2ºs RR e, nos termos do art.º 566º do CPC, convida-se o A. a concretizar os danos suscetíveis de indemnização.“.

Para além do decidido, foram proferidas decisões de admissão da reconvenção, admitindo-a, e a excepção de ilegitimidade passiva, dos RR., julgando-a improcedente.

Os 2.ºs RR., interpuseram recurso das decisões quanto à ilegitimidade passiva e da ampliação do pedido.


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DAS ALEGAÇÕES


Os 2.ºs RR., CC, e mulher, DD, vêm desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se o despacho saneador:

- Na parte que decidiu da ampliação do pedido, por violação dos artigos 260.º, 265.º, n.º 2, e 564.º, al. b), todos do CPC, e substituído por decisão que rejeite o requerimento de ampliação do pedido;

- Na parte que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada pelos 2.ºs Réus, aqui Recorrentes, por violação dos artigos 30.º e 577.º, al. e), do mesmo código, e substituído por decisão que julgue procedente a excepção dilatória de ilegitimidade destes sujeitos.“, realçado nosso.


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Os apelantes, 2,ºs RR., CC, e mulher, DD, apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

I. A Autora, aqui Recorrida, propôs a presente acção com o seguinte pedido:

«Termos em que,

Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, por via dela, ser declarada a nulidade do aditamento, ou anulado o aditamento, ao contrato de internamento e todos os atos subsequentes, designadamente a dação em pagamento do imóvel e a venda do imóvel pela 1.ª R. aos 3.ºs RR., condenando-se todos os RR. no reconhecimento e ordenando-se a restituição do imóvel à A., herança aberta por óbito de AA;

ou, assim não se entendendo,

Condenando-se a 1.ª R. ao pagamento à A. do valor de Eur 300.000,00 (trezentos mil euros), acrescidos de juros à taxa legal em vigor, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, tudo nos termos e com as legais consequências.»

II. Depois veio ampliar este pedido, peticionando a condenação dos Recorrentes a pagar à Recorrida, a título indemnizatório, o valor que vier a ser liquidado nos termos do artigo 569.º do Código Civil.

III. O Tribunal a quo admitiu tal ampliação no despacho saneador de que ora se recorre.

IV. A admissão da ampliação do pedido de modo a abranger o pedido indicado em II. viola os artigos 260.º, 265.º, n.º 2, e 564.º, al. b), todos do CPC.

Pois,

V. «A ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais» — conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Maio de 2022, acima já referido.

VI. O pedido de condenação dos legais representantes e sócios da 1.ª Ré numa indemnização não pode considerar-se virtualmente contido no pedido inicial de nulidade ou anulação de negócios jurídicos de que esta foi parte.

VII. O pedido agora apresentado contra os legais representantes e sócios da 1.ª Ré, aqui Recorrentes, não se pode ter como virtualmente contido nos pedidos apresentados contra a sociedade por eles representada e os terceiros adquirentes do imóvel.

VIII. A circunstância de a Recorrida ter deduzido inicialmente um pedido subsidiário de indemnização contra a 1.ª Ré no caso de ser impossível a restituição do prédio transmitido nos aludidos negócios não torna o pedido de indemnização feito agora contra os Recorrentes virtualmente contido no pedido inicial.

IX. A ampliação do pedido não pode redundar num pedido subsidiário, pois que este, sendo subsidiário, «logicamente não se encontra virtualmente contido no pedido anterior, pois que o pedido subsidiário só se aprecia no caso de sucumbência dos pedidos principais» — conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de Maio de 2019, acima já referido.

X. Sendo, in casu, a pretensão indemnizatória necessariamente subsidiária do pedido principal, é inadmissível a ampliação referida em II.

XI. «Ora, a ampliação do pedido, prevista no já referido art. 265º nº 2 do CPC, não serve para introduzir em juízo pedidos subsidiários que, desde logo (estando alegada a factualidade subjacente), poderiam ter sido deduzidos na petição inicial. Assim, a ampliação do pedido deduzida nos autos é inadmissível, nos termos do n.º 2 do art.º 265.º do Código de Processo Civil.» — conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Abril de 2024.

XII. Tal pedido subsidiário (de condenação dos Recorrentes ao pagamento de indemnização pela impossibilidade de restituição do prédio transmitido à herança) podia ter sido deduzido na petição inicial, pelo que a excepção do artigo 265.º, n.º 2, do CPC não serve para a Recorrida o vir acrescentar à acção após a citação e contestação dos Recorrentes.

XIII. A alteração introduzida pelo novo CPC nesta matéria, deixando de prever a alteração, redução ou ampliação do pedido, mas mantendo apenas a possibilidade de redução ou ampliação (no artigo 265.º, n.º 2) pretendeu restringir esta excepção à estabilidade da instância aos casos de alterações quantitativas do pedido (ampliação ou redução) e não qualitativas (alteração).

XIV. O pedido de nulidade ou anulação de negócio(s) jurídico(s) e o pedido de indemnização que se veio acrescentar são qualitativamente diferentes e, como tal, tal alteração é de rejeitar.

Por outro lado,

XV. Rejeitada a ampliação do pedido — sem prejuízo de, na realidade, o Tribunal a quo ter julgado a questão da legitimidade antes de admitir a ampliação —, não têm os Recorrentes qualquer interesse em contradizer a acção proposta pela Recorrida.

XVI. A simples referências às pessoas dos Recorrentes no âmbito da descrição factual contida na petição inicial não faz emergir qualquer interesse destes sujeitos em contradizer a Recorrida, nem sustenta qualquer prejuízo para os mesmos no caso de procedência da acção.

XVII.Aos Recorrentes, enquanto legais representantes e sócios da 1.ª Ré, não advém qualquer prejuízo de uma eventual invalidade daqueles negócios ou da possibilidade desta Ré ter de indemnizar a Recorrida no caso de, sendo inválidos aqueles negócios, se revelar impossível a restituição do prédio transmitido por força daqueles negócios.

XVIII.Como tal, a decisão que considerou os 2.ºs Réus como parte legítima da acção é violadora dos artigos 30.º e 577.º, al. e), ambos do CPC.“.


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A A. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.

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Por decisão de 07.05.2025, foi proferida decisão de não admissão do recurso quanto à decisão de improcedência da ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR..

Desta decisão os apelantes não reagiram.

Só foi admitido o recurso dos 2.ºs RR. quanto à decisão de admissão da ampliação do pedido.


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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, diz respeito à verificação dos requisitos legais da ampliação do pedido formulado pela A..


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OS FACTOS


Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.

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DE DIREITO.


Dispõe o artigo 265.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo, o seguinte:

1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.

4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.

5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”

A decisão objecto de censura, por parte dos 2.ºs RR., na sua fundamentação pode-se ler:

Ora, como já referimos, a Autora procedeu à ampliação do pedido sendo que esta não assenta numa causa de pedir ex novo nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir” pois a Autora na causa de pedir inicial, designadamente nos já citados artigos 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 52º, 54º, 93º, 95º, 96ºº, 97º, 100º e 107º da petição inicial já refere uma responsabilização pessoal dos 2ºs Réus, ou seja, a Autora deixou entreaberta a probabilidade de surgimento de novos elementos circunstanciais que reforçam, qualitativamente a inicial causa de pedir e a formulação de pedido em consonância.

Desde já afirmamos, que estamos perante uma ampliação do pedido que é o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

Vejamos o que nos diz a jurisprudência.

Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum.

Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência [4 Cfr., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 29, ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347; acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019, processo nº 38/18.1T8VRL-A.E1 e de 23.03.2017, processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1, acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, processo nº 427/07.7TCSNT.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 6.02.2020, processo nº 992/18.3T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.], ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos [5 Quando a ampliação derive da alegação de novos factos, a mesma só é processualmente admissível se tais factos forem supervenientes; nessa hipótese, o autor, ou o reconvinte, deve introduzir os novos factos, nos quais sustenta a ampliação do pedido, através de articulado superveniente, de acordo com o disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil, instrumento processual adequado, nestas circunstâncias, para requerer a ampliação do pedido: cfr. LEBRE DE FREITAS (Introdução ao Processo Civil, págs. 163-164.]. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais. (…)

O acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.2018, depois de referência a jurisprudência vária a admitir a ampliação do pedido, sustenta: “Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.

Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.

A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»”.

E, mais adiante, acrescenta o mesmo acórdão: “...como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objetiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa ação de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante.

Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância».

Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir”.

No domínio do Código de Processo Civil actualmente em vigor, João de Castro Mendes e Teixeira de Sousa[8 Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL, Lisboa 2022, páginas 462 e 463.] esclarecem que a ampliação do pedido como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo comporta as seguintes hipóteses: a) os casos em que o pedido primitivo se altera em termos quantitativos e que constitui um desenvolvimento do pedido inicial; b) os casos em que o novo pedido é qualitativamente distinto do pedido inicial, situação em que é uma consequência do primitivo pedido, precisando que o “que é necessário é que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”

Neste caso, admitem implicitamente os referidos autores que a ampliação possa respeitar a circunstâncias já existentes à data da propositura da acção.“, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 1139/19.4T8FLG-A.P1, de 10.07.2024, relatado pela Des JUDITE PIRES.

Tendo este mesmo entendimento, deve-se considerar como desenvolvimento ou consequência aquele pedido que esteja contido no âmbito do pedido primitivo, no sentido de que o pedido sempre poderia ter sido deduzido na petição inicial, sem que para tal seja necessário a alegação de factos novos, existindo uma total conexão entre os pedidos, sendo bem distinta da cumulação de pedidos, que se funda em acto ou facto diverso, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 3055/19.0T8BCL-A.G1, de 10.07.2023, relatado pelo Des ALCIDES RODRIGUES, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 477/20.8T8ACD-A.P1, de 13.01.2025, relatado pelo Des MIGUEL BALDAIA DE MORAIS, Acórdão Tribunal da Relação de Évora 1755/22.7T8STB-A.E1, de 12.10.2023, relatado pela Des ALBERTINA PEDROSO, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 5/24.6YQSTR-A.L1-PICRS, de 12.03.2025, relatado pelo Des ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA.

Ora, no caso vertente, tal como refere a M.ma Juíza, o pedido em causa não tem como fundamento uma causa de pedir distinta, não foram alegados factos distintos, pela qual se possa concluir por uma imputação indemnizatória aos 2.ºs RR..

A acção proposta pela Autora funda-se na responsabilidade civil por actos ilícitos dos demandados, aqui 2.ºs RR., que serve de suporte aos pedidos formulados, aqui incluindo o indemnizatório.

A pretendida ampliação (independentemente de saber se, sob um ponto de vista substantivo, se apelada ou se apelantes têm, ou não, direito aos montantes que estes reclamam no aludido requerimento) constitui consequência do que a autora já alegara na petição inicial, pois, como se afirmou, não foi alegada factualidade nova. É facto que os danos cuja reparação é agora reclamada já poderiam ter sido peticionados logo na petição inicial.

Por fim, alegam os apelantes que apenas relativamente ao pedido principal é possível a ampliação do pedido. Nos presentes autos, não é introduzido um novo pedido, ainda que subsidiário, pois ele já permanece nos autos, aquele formulado contra os 3.ºs RR.. Razão pela qual, tal como atrás ficou afirmado, não estamos perante uma nova causa de pedir.

Não se vê como tal seja assim, pois que aquilo que o legislador não descartou, não pode o aplicador fazê-lo. A lei processual, não dita que apenas o pedido principal é susceptível de ser ampliado, estando vedada tal realidade processual aos pedidos subsidiários.

Pelo exposto, improcede a pretensão


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 10 de Julho de 2025
Alberto Taveira
João Proença
João Diogo Rodrigues
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pela Exma. Senhora Juíza.