RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA NA FASE DE RECURSO
ARRENDATÁRIO
DESPEJO
FORMA DE PROCESSO APLICÁVEL
ACÇÃO COMUM
Sumário

I- O senhorio não está impedido de instaurar ação declarativa, recorrendo à via judicial, para nela pedir e obter o decretamento do despejo do arrendatário por via da cessação do arrendamento, desde logo porque o art.1047.º do C.C. estabelece que “A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente”, prevendo a possibilidade da resolução do contrato de arrendamento se fazer judicial ou extrajudicialmente.
II- Assim, não há erro na forma de processo por não ter sido usado o procedimento especial de despejo.
III-Sendo admitida a possibilidade do senhorio recorrer à ação comum para fazer operar a resolução do contrato não se pode exigir em simultâneo que proceda a essa resolução extrajudicialmente através das comunicações a que se refere o art.9.º do NRAU, pelo que, em tal caso, não são exigidas tais comunicações, aplicando-se o regime legal da citação para dar a conhecer ao réu a pretensão deduzida em juízo pelo autor.
IV- O incidente de diferimento de desocupação do locado está previsto em sede de ação executiva (art.864.º do CPC) e no âmbito do procedimento especial de despejo, ou seja, para a fase coerciva em que se vai executar o despejo, visando obstar à entrega iminente do arrendado, não tendo lugar na ação declarativa onde tal entrega não opera.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
1-A…, propôs contra B… ação de despejo pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e o réu condenado a despejar o prédio arrendado e a pagar as rendas vencidas e as vincendas até ser entregue o prédio e, ainda, em custas e honorários com a advogada.
Alegou, para o efeito, que arrendou ao réu, em 1.4.2017 a fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “G”, correspondente ao primeiro andar direito do prédio sito na Rua …, Lt. …, 1º Dto., em C…, pelo prazo de 5 anos, pela renda de €300; o réu não pagou as rendas de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021, e de Janeiro de 2022 até à presente data; já reclamou pessoalmente e por cartas registadas, uma em 27 de Abril de 2022, que veio devolvida porque ninguém atendeu e, posteriormente, por não ter sido levantada nos CTT, e outra carta em 30 de Junho de 2022, por correio registado simples, o pagamento das rendas em dívida, sem qualquer sucesso; não obstante o artigo 1084º CC dispor que a resolução se opera de forma extra judicial, a jurisprudência tem entendido que esta norma também não proíbe que a resolução se possa fazer através de interposição de ação declarativa.
 
 2- Citado o réu, veio contestar invocando erro na forma de processo, por entender que o meio processual adequado é o procedimento especial de despejo, e, caso inexista domicílio convencionado pelas partes no contrato – circunstância que em concreto se verifica - a comunicação da resolução do contrato apenas pode ser feita mediante notificação judicial avulsa, nos termos do art.9.º n.º7 als. a) e b) NRAU, o que não ocorreu e, assim, existe uma nulidade do processado; o réu é parte ilegítima; na eventualidade de não ser reconhecido o erro na forma de processo e/ou de não proceder a exceção dilatória de ilegitimidade, deverá improceder a pretensão do autor, com a consequente absolvição do pedido, mais precisamente, deverá ser declarada a nulidade de todos os trâmites anteriores ao processado que serviu de base à ação, com todas as consequências legais, incluindo, a restituição ao Réu de todas as quantias indevidamente recebidas pelo autor; caso proceda a ação, sempre será de aceitar o adiamento da desocupação do imóvel por motivos de força maior.
3 -Após audiência prévia foi proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo (atendendo-se já à retificação ordenada por despacho de 7.5.2025):
“Pelo exposto, e conforme disposições legais acima citadas, decido julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
- julgar extinta por inutilidade superveniente da lide o pedido de condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro a Março de 2022 e quanto o valor de € 100,00 referente ao mês de Abril de 2022;
- declaro cessado o contrato de arrendamento alegado em 1. e 2. dos factos provados, com efeitos a 12 de Abril de 2023;
- condeno o R. a restituir ao A. o imóvel id. em 2. dos factos provados livre de pessoas e bens;
- condeno o R., a pagar ao A.:
- o valor de € 200,00 atinente à renda de Abril de 2022;
- o valor de €2.400,00 atinente às rendas de Maio a Dezembro de 2022;
- o valor de € 1.200,00 atinente às rendas de Janeiro a Abril de 2023.
Custas a cargo do R.”
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5 -É desta sentença que vem interposto o presente recurso pelo réu  que termina com as seguintes conclusões:
a) Declarar a nulidade da douta sentença recorrida, por erro na forma do processo, decorrente da violação das normas imperativas relativas à comunicação da resolução do contrato de arrendamento, previstas no artigo 9.º, n.º 7, do NRAU.
b) Em consequência da declaração de nulidade, ou caso assim não se entenda, julgar totalmente improcedente a ação de despejo, absolvendo-se o Apelante do pedido, porquanto não foram cumpridas as formalidades legais para a válida resolução do contrato de arrendamento.
c) Subsidiariamente, caso não se verifique a nulidade ou a improcedência da ação, requer-se o adiamento da desocupação do imóvel, atendendo aos motivos de força maior relacionados com a grave condição de saúde do Apelante e à sua delicada situação económico-social familiar, conforme detalhadamente exposto nos autos.
d) Por último, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar procedente e, em consequência, revogar a parte da douta sentença que condena o Réu no pagamento das custas processuais, em virtude de ser beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de custas e demais encargos com o processo.
6- Contra-alegou o A/recorrido, concluindo da seguinte forma:
1 - A presente resposta ao recurso do Recorrente tem como objecto toda a matéria ali alegada.
2 – Foi proferida sentença que julgou extinta por inutilidade superveniente da lide o pedido de condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro a Março de 2022 e quanto ao valor de € 100,00 referente ao mês de Abril de 2022; declarou cessado o contrato de subarrendamento alegado em 1. e 2. dos factos provados, com efeitos a 12 de Abril de 2023; condenou o R. a restituir ao A. o imóvel identificado em 2. dos factos provados livre de pessoas e bens e condenou o R. a pagar ao A. o valor de € 200,00 atinente à renda de Abril de 2022, o valor de € 2.400,00 atinente às rendas de Maio a Dezembro de 2022 e o valor de € 1.200,00 atinente às rendas de Janeiro a Abril de 2023 e as posteriores, a título de indemnização pela ocupação indevida do locado após a resolução do contrato de arrendamento.
3 – O Réu/Apelante veio recorrer, por discordar da sentença, recurso que, por não ter o mínimo de cabimento, merece resposta do Autor, ora Recorrido.
4 - Inicia o Recorrente o seu recurso por expor a sentença proferida nos autos supra referenciados, por justificar a admissibilidade do seu recurso e o efeito suspensivo atribuído ao mesmo, o qual decorre da lei e, por isso, escusada será tal dissertação.
5 - Já quanto aos fundamentos do recurso, vem o Recorrente alegar a nulidade da sentença, nos termos do art. 195º, n.º 1, do C.P.C., por erro na forma de processo, por violação das normas imperativas do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), relativas à comunicação da resolução, afirmando que o Meritíssimo Juiz a quo considerou válida a comunicação efectuada por carta registada, determinando, consequentemente, a desocupação do imóvel pelo Apelante.
6 - O Recorrente faz apelo ao art. 9º, n.º 7, do NRAU, para elencar as formas de comunicação da resolução do contrato de arrendamento, que passariam pela notificação judicial avulsa ou contacto pessoal de advogado, comprovado por declaração deste.
7 - Refere o Apelante que o Apelado optou por remeter comunicações via correio registado para uma morada incorrecta, o que impossibilitou a sua recepção pelo Recorrente, equivalendo, por isso, à inexistência de comunicação válida.
8 - Argumenta aquele que, não existindo domicílio convencionado no contrato de arrendamento, a comunicação da sua resolução através de carta registada com aviso de recepção será inaplicável.
9 - E, portanto, considera o Recorrente, a douta sentença ao considerar válida essa forma de comunicação, incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, conduzindo a uma nulidade processual, nos termos do citado art. 195º, n.º 1 do C.P.C., por omissão de formalidade essencial, o que conduz a que a resolução do contrato de arrendamento seja ineficaz, o que obsta à procedência da acção de despejo.
10 - Vem, ainda, o Recorrente afirmar a existência de uma alegada incapacidade permanente da sua parte, condição de saúde, que aliada a motivos de força maior, impossibilitam, absolutamente, a desocupação imediata do imóvel, senda esta a segunda razão que levam à necessidade de revogação da sentença proferida.
11 - Ora, entende o Recorrido que não assiste razão ao Recorrente, não merecendo reparo a decisão proferida, a qual deverá ser mantida nos seus precisos termos, ainda que a mesma deva ser corrigida na parte final da “decisão”, como atempadamente se explanará.
12 - Quanto ao invocado erro na forma de processo, refere a douta sentença que, e acompanhando a jurisprudência dos tribunais superiores, a lei não impõe ao senhorio a cessação extrajudicial do contrato, antes considerando tal possibilidade uma faculdade do senhorio, que não fica inibido de lançar mão da acção de despejo para os mesmos efeitos, considerando, por isso, o tribunal a quo, e bem, que a forma de processo empregue é perfeitamente adequada aos pedidos formulados pelo Autor/Recorrido, o que torna irrelevante a questão levantada quanto ao não recebimento das cartas pelo Réu.
13 - O eventual não recebimento das cartas não inibe o recurso à via judicial através da acção de processo comum, sendo que a resolução poderá operar por via da citação do R., inexistindo qualquer nulidade que invalide o processo.
14 - A questão da ineficácia da comunicação não assume relevância nos autos, porquanto ao propor a acção de despejo, o A. desconsidera a comunicação extrajudicial, pretendendo que a resolução seja declarada por via judicial, à luz do disposto no art. 1047º Código Civil, o que veio a acontecer a 12/04/2023, data da citação do Réu, considerando-se cessado o contrato de arrendamento celebrado.
15 - Efectivamente, no caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento – arts. 1079.º e 1083.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
16 - Esse direito, sendo a causa da resolução o não pagamento das rendas, pode ser exercido judicial ou extrajudicialmente (art. 1047.º do CC), judicialmente, ou seja, com recurso à ação de despejo regulada no art. 14.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, extrajudicialmente, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do art. 1084.º, n.º 2, do CC.
17 - Conforme afirma Menezes Leitão in Arrendamento Urbano, 9.ª Edição, Almedina, 2019, pp. 138-139, «O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas é meramente optativo, podendo o senhorio, se entender ser essa a opção que melhor corresponde aos seus interesses, resolver o contrato, com esse fundamento, utilizando para o efeito o meio processual comum, ou seja, a ação despejo, logo que o inquilino incorra em situação de mora relevante».
18 - Conforme refere Elsa Sequeira Campos, in Código Civil Anotado, Volume I (Artigos 1.º a 1250.º) – Coord. Ana Prata –, Almedina, 2017, p. 1326. «(...) a circunstância de o senhorio poder efetuar a resolução por via extrajudicial não o priva da possibilidade de recorrer a uma ação judicial destinada àquela resolução, quer como pedido isolado, quer em cumulação com outros pedidos (p. ex., o pedido de pagamento e rendas em atraso). Este ponto tem sido debatido na doutrina e na jurisprudência, sendo largamente maioritária a posição que seguimos. A tese sai reforçada com a alteração operada pela Lei n.º 31/2012 ao art. 1048, n.º 1, que, em matéria de locação, expressamente prevê a possibilidade de a resolução por falta de pagamento da renda se fazer judicialmente.».
19 - Fernando Gravato de Morais, in Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3.ª Edição, Almedina, 2011, pp. 255-257, afirma que «(...) a posição da admissibilidade da ação de despejo se mostra a mais adequada (...).»
20 - Menezes Leitão, in Arrendamento Urbano, cit., p. 149, refere que «actualmente, a resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente (art. 1047.º). (...). Apenas se a causa de resolução for o não pagamento das rendas, encargos ou despesas (...) é que se admite que o senhorio a faça operar por comunicação ao arrendatário (art. 1084.º, n.º 2) […].».
21 - A este propósito escreve Menezes Cordeiro, in Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 2.ª Edição, (2008), 28 ss.: «A ação de despejo é o meio processual destinado a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento (art. 14.º/1 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto). Será o meio a usar quando a resolução opere invocando o artigo 1083.º, n.º 1.
22 - Em sintonia com a doutrina citada, está hoje a esmagadora maioria, se não mesmo a totalidade da jurisprudência dos nossos Tribunal Superiores, ou seja, no sentido de que no atual regime do arrendamento urbano, os senhorios podem optar livremente pelo meio judicial da ação despejo para obter a resolução do contrato com fundamento em falta de pagamento de renda, designadamente, quando pretenderem cumular fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente ou quando desconhecerem o paradeiro do arrendatário – neste sentido, além da jurisprudência abundantemente citada por Menezes Cordeiro, ob. e loc. cit., notas 3085 e 3086, cfr., por todos, os Acs. da R.P. de 19.05.2020, Proc. n.º 1918/18.0T8PVZ.P1 (Maria Graça Mira), da R.G. de 24.11.2022, Proc. n.º 629/21.3T8CHV.G1 (Joaquim Boavida), da R.L. de 02.072019, Proc. n.º 3707/18.2T8LSB.L1-7 (Micaela Sousa), da R.L. de 29.11.2018, Proc. n.º 19373/17.0T8SNT.L1-8 (Teresa Prazeres Pais).
23 – Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23/01/2024, referente ao Proc. n.º 551/21.3T8MFR.L1-7, refere, seguindo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, “o meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo; o senhorio pode, se assim o entender, resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante, o que, por maioria de razão, se justifica quando, nos termos legalmente previstos, com o pedido resolutivo, cumule outros pedidos”.
24 – No caso em apreço, e resultado do supra exposto, operou a resolução do contrato de arrendamento com a citação do Réu/Recorrente, ocorrida a 12/04/2023, como refere e bem a douta sentença.
25 - Sendo que à data da citação, já haviam decorrido mais de três meses de mora sobre a data de vencimento das rendas vencidas até Abril de 2023, encontrando-se em falta as rendas referentes aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021, Janeiro a Dezembro de 2022 e Janeiro a Abril de 2023, o que conferia ao Autor/Recorrido o direito à resolução do contrato de arrendamento, a concretizar através da citação judicial, sendo esta um meio idóneo para o efeito, de acordo com o art. 1084º, n.º 2, do Código Civil, como correctamente considera o tribunal a quo.
26 - A cessação do contrato de arrendamento conduz à obrigação de restituição do locado pelo arrendatário, à luz do disposto no art. 1038, al. i) do Código Civil, desocupação exigível após o decurso de um mês a contar da resolução, nos termos do disposto no art. 1087º do Código Civil, a qual, por isso, deveria ter ocorrido até ao dia 12 de Maio de 2023 (art. 279º, als. b) e c) do Código Civil).
27 - Alega o Recorrente que os problemas de saúde que, alegadamente, o afectam deverão impedir a imediata desocupação do locado.
28 - Ora considerando que estamos em Abril de 2025 e que o Recorrente deveria ter desocupado o imóvel até ao dia 12 de Maio de 2023, há muito tempo que o Apelante sabe que tem de desocupar o locado, não podendo, nunca, o mesmo falar em desocupar imediatamente o locado, quando está há praticamente 2 (dois) anos para o fazer, falar aqui no termo “imediato” é surreal, é brincar com a justiça e com o tribunal, o que é, de todo, inadmissível.
29 - Comportamento, aliás, adoptado pelo Réu/Recorrente ao longo de todo o processo, e que nos faz estar, volvidos praticamente 3 anos a discutir este processo, quando o mesmo sabe perfeitamente que deixou de pagar as rendas que eram devidas, continuando a ocupar um imóvel, contra a vontade do senhorio e contra a lei, numa clara e inequívoca atitude de má fé.
30 - Atento tudo o supra exposto, o tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito, devendo improceder o recurso interposto pelo Apelante, devendo ser mantida a sentença recorrida, a qual, contudo, deverá ser corrigida, decorrente, seguramente, de um lapso de escrita, como seguidamente se demonstrará.
31 - Proferida a sentença e verificando o conteúdo da mesma, constatamos que a mesma contém o “Relatório”, segue-se a parte relativa ao “Saneamento”, as “Questões a decidir” e a “Fundamentação” de facto e de direito e será esta última parte, e mais precisamente a sua discrepância relativamente à “Decisão” que fundamenta o pedido de rectificação.
32 - Efectivamente, na “Fundamentação” da sentença é decidido pelo Tribunal que a resolução do contrato operou pela comunicação ao R. da vontade de resolver o contrato, comunicação essa que ocorreu por via da citação, diligência que se concretizou em 12/04/2023, tendo-se por cessado o contrato de arrendamento celebrado.
33 - Pode ler-se, ainda, na sentença que, operando a resolução em 12 de Abril de 2023, assiste, ainda, ao A. o direito a haver as rendas vencidas até essa data.
34 - E que, após a resolução, o A, tem direito a haver o valor mensal equivalente ao valor da renda, não enquanto tal, mas ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, valor devido até à data de entrega do mesmo, em montante a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2 do Código Processo Civil (CPC).
35 - Após Abril de 2023 é, assim, devido pelo R. o valor de € 300,00 (Trezentos euros) mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1 do CC.
36 - Assim, refere a sentença, tem o A. o direito a haver para si o valor correspondente às rendas supra identificadas, até Abril de 2023, no valor global de € 3 800,00 (Três mil e oitocentos euros), no mais, são devidos os valores referentes a Maio de 2023 e subsequentes e que se vencerão até à entrega do locado, valor a liquidar em sede de execução de sentença.
37 - Acontece que, ao prosseguirmos na leitura de sentença, verificamos que todo o exposto na “Fundamentação” da mesma, acabado de descrever, não se encontra totalmente transposto para a parte da “Decisão”, onde se refere julgar extinta por inutilidade superveniente da lide o pedido de condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro a Março de 2022 e quanto ao valor de € 100,00 (Cem euros) referente ao mês de Abril de 2022, se declara cessado o contrato de arrendamento (e não subarrendamento, como certamente por lapso ali é referido), celebrado entre A. e R., com efeitos a 12 de Abril de 2023, se condena o R. a restituir ao A. o imóvel em causa, livre de pessoas e bens e se condena o R. a pagar ao A. o valor de € 200,00 (Duzentos euros) referente à renda de Abril de 2022, o valor de € 2 400,00 (Dois mil e quatrocentos euros) respeitante às rendas de Maio a Dezembro de 2022 e o valor de € 1 200,00 (Mil e duzentos euros) atinente às rendas de Janeiro a Abril de 2023.
38 - Contudo, não se vislumbra na “Decisão” a condenação do R. a pagar ao A., após a resolução do contrato, operada em Abril de 2023, o valor de €300,00 (Trezentos euros) mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2, do CPC.
39 - Condenação, como se referiu, a que foi feita referência no “Fundamentação” da sentença, mas não foi transposta para a “Decisão” final daquela, não espelhando esta, assim, tudo quanto ali foi decidido.
40 - Razão pela qual, se requer, muito respeitosamente, seja corrigida tal discrepância, ficando a constar da “Decisão” da sentença, primeiramente que se trata de um contrato de arrendamento, e não contrato de subarrendamento, corrigindo-se tal lapso, e depois seja feita referência à condenação do R. a pagar ao A., após a resolução do contrato, operada em Abril de 2023, o valor de € 300,00 (Trezentos euros) mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2, do CPC.
41 - Atento tudo o supra exposto, o tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito, devendo a sentença ser mantida, com a correcção supra referida e requerida.”

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir: 
-nulidade da sentença por erro na forma de processo;
- erro de julgamento porque não foram cumpridas as formalidades legais para a válida resolução do contrato de arrendamento;
- subsidiariamente, se há lugar ao “adiamento” da desocupação do imóvel;
- revogação da sentença quanto a custas por beneficiar o réu de apoio judiciário.
e
- enquanto questão prévia, saber se deve ser retificada a sentença como requerido pelo recorrido;
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos:
1. Em 1 de Abril de 2017, A…, na qualidade de primeiro contraente, e B…, na qualidade de segundo contraente, subscreverem o escrito junto pelo A., denominado “Contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”.
2. Pelo escrito referido em 1., declararam aqueles contraentes que:
“É celebrado o presente contrato de arrendamento urbano para habitação, com prazo certo, sob o regime da renda livre, nos termos das cláusulas seguintes:
Primeira Cláusula
1. O Primeiro Contraente é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma esignada pela letra G, a que corresponde o 1º andar direito, que faz parte do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal sito na Rua…., Lote …, freguesia de …, concelho de …., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de …., sob o n.º 000 daquela freguesia (…)
Segunda Cláusula
Pelo presente contrato o Primeiro Contraente dá de arrendamento e o Segundo recebe a fracção identificada na cláusula primeira.
Terceira Cláusula
1 – Este arrendamento é feito pelo prazo de cinco anos, tendo o seu início no dia 1 de Abril de 2017 e termo em 31 de Março de 2022 e renovar-se-á automaticamente no seu termo (…).
Quarta Cláusula
1. A renda mensal a pagar pelo Segundo Contraente ao Primeiro Contraente é de € 300 (Trezentos Euros).
2. A renda será paga mensalmente pelo Segundo Contraente através de transferência bancária para o IBAN (…), no primeiro dia útil do mês anterior àquele que disser respeito.”
3. O R. deixou de proceder ao pagamento da renda referente aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro a Dezembro de 2022 e subsequentes.
4. O R. procedeu ao pagamento de € 400,00 em cada um dos meses de Abril, Maio, Junho, Agosto e Setembro de 2023.
5. O R. procedeu, ainda, aos seguintes pagamentos: - € 350,00 no mês de Fevereiro de 2024; - € 400,00 no mês de Março de 2024; - € 350 no mês de Abril de 2024; - € 350,00 no mês de Maio de 2024; - € 350,00 no mês de Junho de 2024; - € 350,00 no mês de Julho de 2024; - € 350,00 no mês de Setembro de 2024; - € 400,00 no mês de Novembro de 2024.
Em sede de contestação, e de forma a obstar à pretensão do A., e no sentido de lhe ser concedido o diferimento da desocupação do locado, alega o R. que:
 - encontra-se afectado de incapacidade permanente definitiva desde janeiro de 2020, no valor de global de 0,8000%;
- não tem no imediato outra habitação e o locado é a sua casa de morada de família;
- vivem no imóvel o próprio e a sua companheira que foi submetida igualmente a avaliação da incapacidade, no dia …/04/2023, por se encontrar deveras em estado de saúde complicado;
- o inquilino apenas aufere através do C.N.P. INVALIDEZ cerca de €321,83 (trezentos e vinte e um euros e oitenta e três cêntimos) mensais, para efeitos das suas despesas fixas e mensais, normais de um cidadão comum, mormente água, luz, gás, e alimentação, a despeito de, acrescem as despesas fixas e mensais de fármacos do seu agregado familiar.
*
2.1.2- Na sentença objeto de recurso não constam factos não provados.
*
2.2-Fundamentação de direito:    
· Questão prévia:
O recorrido, nas contra alegações veio dizer o seguinte: “33 - Pode ler-se, ainda, na sentença que, operando a resolução em 12 de Abril de 2023, assiste, ainda, ao A. o direito a haver as rendas vencidas até essa data. 34 - E que, após a resolução, o A, tem direito a haver o valor mensal equivalente ao valor da renda, não enquanto tal, mas ao abrigo do disposto no art.1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, valor devido até à data de entrega do mesmo, em montante a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do disposto no art.609º, n.º 2 do Código Processo Civil (CPC). (…) 37 - Acontece que, ao prosseguirmos na leitura de sentença, verificamos que todo o exposto na “Fundamentação” da mesma, acabado de descrever, não se encontra totalmente transposto para a parte da “Decisão”, onde se refere julgar extinta por inutilidade superveniente da lide o pedido de condenação no pagamento das rendas referentes aos meses de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro a Março de 2022 e quanto ao valor de €100,00 (Cem euros) referente ao mês de Abril de 2022, se declara cessado o contrato de arrendamento (e não subarrendamento, como certamente por lapso ali é referido), celebrado entre A. e R., com efeitos a 12 de Abril de 2023, se condena o R. a restituir ao A. o imóvel em causa, livre de pessoas e bens e se condena o R. a pagar ao A. o valor de € 200,00 (Duzentos euros) referente à renda de Abril de 2022, o valor de € 2 400,00 (Dois mil e quatrocentos euros) respeitante às rendas de Maio a Dezembro de 2022 e o valor de € 1 200,00 (Mil e duzentos euros) atinente às rendas de Janeiro a Abril de 2023. 38 - Contudo, não se vislumbra na “Decisão” a condenação do R. a pagar ao A., após a resolução do contrato, operada em Abril de 2023, o valor de €300,00 (Trezentos euros) mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art.1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2, do CPC. (…) 40 - Razão pela qual, se requer, muito respeitosamente, seja corrigida tal discrepância, ficando a constar da “Decisão” da sentença, primeiramente que se trata de um contrato de arrendamento, e não contrato de subarrendamento, corrigindo-se tal lapso, e depois seja feita referência à condenação do R. a pagar ao A., após a resolução do contrato, operada em Abril de 2023, o valor de € 300,00 (Trezentos euros) mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1 do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2, do CPC.”
Em face disso, por despacho proferido nos autos foi concedida ao recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre a pretendida retificação, nada tendo o mesmo, na sequência, vindo dizer.
Pede, pois, o recorrido que seja corrigida a discrepância que invoca, constante da sentença, apesar de não mencionar a norma legal em que sustenta tal pedido formulado na resposta ao recurso interposto pelo réu. De todo o modo, vindo invocado que a sentença, na sua fundamentação, refere que pelo reu é devido o valor correspondente ao valor da renda até à entrega do locado, mas que, lida a parte relativa à “decisão”, não se encontra aí a condenação correspondente, há que entender que o recorrido invoca lapso ou omissão manifesta, pedindo a sua retificação.
Porém, a questão que assim se suscita, não é de resposta óbvia e linear, no que respeita a ser consentida ao tribunal a quem operar a dita retificação da sentença de 1.ª instancia, no caso de se verificar lapso que se deva enquadrar naqueles previstos no art.614.º do CPC, normativo que seria de convocar em face da pretensão do recorrido.
Diz o art.613.º do CPC no seu n.º1 que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, mas resulta também do n.º2 que é lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
E o art.614.º estabelece:
1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.
Assim, nos limites das omissões previstas no n.º1, o juiz pode proceder à retificação da sentença, esclarecendo o n.º2 que tal retificação deve ter lugar antes do recurso subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito quanto à retificação. O recorrido não requereu na 1.ª instância a pretendida retificação e, naquilo que está agora em causa, tal retificação não operou.
É controvertida, como já se aflorou, a questão de saber se o tribunal de recurso pode proceder à retificação dos lapsos materiais da sentença recorrida que quadrem ao n.º1 do art.614.º, entendendo uma corrente que a retificação da sentença só pode ser feita pelo tribunal que a produziu e não pelos tribunais de 2.ª instância. Para os defensores deste entendimento, o n.º2 do art.614.º, quando prevê que as partes – qualquer delas, portanto – possam alegar em recurso o que entendam de seu direito no tocante à retificação, pressupõe uma retificação prévia feita antes do recurso subir e não que tal retificação possa ser pedida nas alegações ou contra-alegações (no sentido que a retificação de lapsos materiais deve ser efectuada por quem proferiu a decisão e não pelo tribunal de recurso, Ac. TRE de 11.2.2021 (rel. Elisabete Valente, acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/). Para outra corrente, a lei não impede que o tribunal superior possa proceder à retificação quando se verifique situação que se possa subsumir ao n.º1 do art.614.º do CPC e que permite que a sentença seja retificada.  
No Ac. STJ de 28.9.2022 (rel. Ana Resende) 3538/17.7T8AVR.P1.S1, escreveu-se com interesse o seguinte: “O princípio da extinção do poder jurisdicional, constante do art.º 613, n.º1, aplicável aos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, artigos 685,º e 666.º, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa”, significa, de modo simples, que o juiz não pode, por regra, e independentemente do trânsito em julgado, proferir nova decisão, alterando a que proferiu, nem os fundamentos em que a mesma se apoia, passando assim a intangível. Enquanto não transitar em julgado, na medida em que seja admissível o recurso ordinário, poderá ser alterada pelo tribunal de recurso, pois a imodificabilidade é apenas dirigida ao juiz da causa, ficando assim o tribunal vinculado à decisão por o mesmo proferida, carecendo de iniciativa para a revogar ou modificar, sem prejuízo de manter o exercício do poder jurisdicional para resolver os incidentes ou questões que possam surgir, desde que não se repercutam na sentença ou despacho antes proferidos, sendo claramente percetível que ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional estão razões cariz pragmática, na devida ordenação dos atos processuais, assegurando a estabilidade das decisões dos tribunais, dando a necessária segurança jurídica. Este princípio não é, contudo, absoluto, porquanto nos termos do art.º 613, n.º2, pode o juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença/despacho nos termos dos artigos 614 a 616. Assim, conforme o art.º 614, a requerimento das parte ou por iniciativa do juiz, pode este efetuar a correção quando contiver erros de escrita ou cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto. Em causa, estão assim erros cognoscíveis que resultam do próprio contexto da sentença, de modo similar ao previsto no art.º 249, do CCivil, para os negócios jurídicos, não podendo interferir com a substância nem com a fundamentação da decisão, devendo tais erros serem ostensivos, evidentes ou manifestos, resultando de forma clara da simples leitura da decisão ou dos termos que a antecedem. Em conformidade, o erro material manifesto, enquanto erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto do despacho/sentença ou em peças processuais para as quais remetam é passível de retificação assim como a omissão do nome das partes ou de outro elemento essencial, mas não duvidoso[2]. Acolhe-se aqui por elucidativo o entendimento[3] no sentido de “Há que distinguir, cuidadosamente, o erro material do erro do julgamento. O primeiro verifica-se quando o juiz escreveu coisa diversa do queria escrever, quando o teor da decisão não coincide com o que juiz tinha em mente exarar, quando em suma, a vontade real diverge da vontade real. No segundo caso o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra a lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz logo se convença que errou, não pode socorrer-se …(art.º 614), para emendar o erro. Por outras palavras: é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a procederam se se depreende claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria ser escrever; se assim não for, a aplicação do art.º.(614) é ilegal pois importa evitar que à sombra da mencionada disposição o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material (…)”. No caso de nenhuma das partes recorrer, a retificação, em tais termos, pode ter lugar a todo o tempo, e nos termos do art.º 616, n.º 2, suscitando as partes a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do Juiz tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, bem como constem do processo documentos ou outro meio de prova plena, que por si só, impliquem necessariamente decisão diversa, alíneas a) e b)[4]. Quanto ao art.º 615, reporta-se o mesmo às nulidades da sentença enunciadas, conhecidas a solicitação das partes, que como seus vícios intrínsecos, devem ser apreciados em função do texto e discurso lógico neles desenvolvida, não se confundindo com os erros na apreciação da matéria de facto, e possíveis ilações dela retirada, ou com a errada aplicação das normas jurídica aos factos dados como apurados ou tidos em consideração, que constituem erros de julgamento, a sindicar noutro âmbito.” (acessível em www.dgsi.pt). Apenas os erros materiais que se revelem com segurança, isentos de dúvida, do texto da decisão, que se não reconduzam a qualquer erro de julgamento, que se evidenciem manifestamente da sentença, podem ser retificados. Havemos de estar em presença de uma situação em que lida a sentença se retira claramente que há um erro material, porque v.g. a vontade real do juiz que se extrai indubitavelmente da decisão não foi transposta talqualmente no seu texto, configurando-se, neste caso, uma omissão manifesta, ou qualquer outra inexatidão evidente, ou porque se escreveu uma coisa quando se patenteia que se queria escrever outra etc. Conquanto, na interpretação que se faça da decisão, nenhumas dúvidas ressaltem quanto aquilo que se pretendia dizer e não se disse ou quanto aquilo que se escreveu e não devia ter escrito, pois só nesses casos se pode falar em erro ou inexatidão devidos a omissão ou lapso manifestos. Em concordância, não cabe na retificação qualquer omissão do tribunal na apreciação de uma questão, situação que se reconduzirá a eventual nulidade por omissão de pronuncia. A retificação não pode alterar o conteúdo decisório da sentença, posto que tratando-se de um vício formal devido a erro de escrita, erro de cálculo e “quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, o mesmo corrige-se, como a lei permite, por retificação, e esta como resulta desde logo do n.º3 do art.614.º pode ocorrer mesmo quando não há recurso, o que claramente evidencia que os erros materiais passíveis de retificação independem da interposição de qualquer recurso.
Isto dito, poder-se-á, tendo sido pedida a retificação, determinar-se a mesma nesta sede? Não se desconhecendo que a resposta não ganha consenso, afigura-se-nos que devemos responder afirmativamente, dando prevalência ao que efetivamente se decidiu na sentença e não à forma que a mesma assumiu, derivada de manifesto erro material.
Admitindo a possibilidade de retificação em sede recurso Ac. TRE de 30.6.2022 (rel. Emília Ramos Costa), com o seguinte sumário: “I – Tendo sido interposto recurso da sentença de verificação e graduação de créditos, cuja retificação se pretende, sem que o pedido de retificação tenha sido formulado até à subida do recurso e sem que, até esse momento, se tenha procedido oficiosamente à mencionada retificação, em face do citado n.º 2 do artigo 614.º, apenas no Tribunal da Relação, e enquanto o recurso se mantiver em curso, poderá tal retificação ser requerida ou oficiosamente efetuada. II – Nada disso tendo ocorrido, a possibilidade de retificação constante do artigo 614.º do Código de Processo Civil fica precludida. III – A norma jurídica ínsita no n.º 2 do artigo 614.º do Código de Processo Civil assenta no pressuposto de que, quando há recurso, compete às partes, independentemente de terem ou não recorrido ou contra-alegado, apreciarem com mais acuidade a sentença ou o despacho objeto de recurso. IV – Além disso, o recurso determina que um tribunal superior igualmente analise a sentença ou o despacho recorrido, pelo que a probabilidade de serem detetados e corrigidos erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto é bastante superior. V – Se, porém, nem mesmo assim tais omissões ou lapsos evidentes não forem detetados, e posteriormente corrigidos, deverá imperar a inalterabilidade do caso julgado, sob pena de, em todas as situações e a todo o tempo, serem postos em causa os princípios da certeza e segurança jurídicas.”. Também o Ac. TRP de 19.12.2023 (rel. Carlos Gil), admite a retificação pelo tribunal superior, como se extrai da parte seguinte do respetivo sumário “I - Não obstante o esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da sentença (artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), esse exaurimento só opera relativamente à matéria da causa, não contendendo com o poder de o juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e de reformar a sentença (artigo 613º, nº 2, do Código de Processo Civil). II - Embora a redação do nº 2 do artigo 614º do Código de Processo Civil não prime pela clareza, parece que a retificação da sentença, em caso de recurso, pode ter lugar antes de ele subir, mas nada obsta a que, nessa eventualidade, a retificação possa ser decidida no tribunal ad quem, pois que as partes podem alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação. III - No entanto, esta alegação das partes quanto ao seu direito à retificação da sentença não é o meio processual próprio de impugnação de uma decisão judicial de retificação que haja sido entretanto proferida.”. E, de igual forma, o recente Ac. TRL de 22.5.2025 (relator João Paulo Raposo), admite a retificação, aí se escrevendo com interesse o seguinte: “(…).Quer isto dizer que a lei, a despeito da supra referida regra de que a retificação deve ser feita, de mão própria, pelo autor da decisão, não afasta a possibilidade de o seu suprimento ser feito em sede de recurso e, portanto, ser conhecido nesta sede. A norma em causa, porém, está estabelecida para os erros materiais da sentença, com uma clara finalidade de garantir o adequado decurso dos autos, sendo uma situação em que a sua aplicação a despachos não determinativos de extinção da instância carece de adaptação. Assim, uma coisa será dizer que, uma vez proferida a decisão final e subindo os autos em recurso, não devem baixar novamente para reformulação do ato decisório ou, colocando a questão numa perspetiva de fases processuais, uma vez que o processo atinja a fase de recurso não deverá retroceder à fase da sentença, outra dizer-se que tal não deve suceder quando os autos seguirão necessariamente em 1.ª instância e, portanto, o juiz que proferiu o despacho cuja retificação é requerida terá sempre oportunidade de o reapreciar (é a situação presente, ante um recurso em separado de um despacho saneador).” (acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt)
No caso concreto, vista a sentença dela consta, no que importa, o seguinte:
No relatório foram identificados os pedidos formulados pelo autor e entre eles consignou-se o seguinte: “- se condene o R. a pagar as rendas em dívida, de Maio, Julho, Novembro e Dezembro de 2020, Abril a Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022 até à data da propositura da acção, e das que se vencerem até à entrega do locado.”, pedido que, de novo, se fez constar na parte “De direito”, relativamente à pretensão do autor, evidenciando-se as questões que cabia ao tribunal apreciar.
Na fundamentação da sentença consta o seguinte “Assim, tendo o contrato cessado por resolução na data em que o R. foi citado para os termos da presente acção, a desocupação do locado e consequente restituição ao A. do mesmo deveria ter lugar até 12 de Maio de 2023, em conformidade com o preceituado no art. 279º, als. b) e c), do CC. É manifesto que tem também de proceder o pedido de condenação na restituição do locado livre de pessoas e bens. Peticiona, ainda, o A. o valor das rendas em falta e das que se vencerem até à entrega do locado. Operando a resolução em 12 de Abril de 2023, por via da comunicação da vontade de resolver o contrato através da citação, assiste, ainda ao A. o direito a haver as rendas vencidas até essa data. Após a resolução, o A. tem direito a haver valor mensal equivalente ao valor da renda, não enquanto tal, mas ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1, do CC, enquanto indemnização pela ocupação do locado, valor devido até à data de entrega do mesmo, em montante a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2, do CPC. (…) Após Abril de 2023 é devido pelo R. o valor de € 300,00 mensais até à entrega efectiva do locado, ao abrigo do disposto no art. 1045º, n.º 1, do CC, no qual se prescreve que “Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.” Nesta medida, tem o A. o direito a haver para si o valor correspondente às rendas supra identificadas, até Abril de 2023, em conformidade com o preceituado no art. 1039º e 1075º do CC, no valor global de € 3.800,00. No mais, são devidos os valores referentes a Maio de 2023 e subsequentes e que se vencerão até à entrega do locado, valor a liquidar em sede de execução de sentença por se desconhecer a data de tal entrega. (…) - no mais, julgar a acção procedente”. Daqui resulta que o tribunal apreciou o pedido do autor ao valor equivalente ao da renda após a cessação do contrato e até à entrega do locado, afirmou o direito do autor a esse valor, afirmando-o sem qualquer reserva e, em conformidade, na parte não extinta por inutilidade da lide julgou a ação procedente. Porém, no dispositivo da sentença omitiu-se a condenação do réu no pagamento do valor equivalente ao da renda até à entrega do locado. Trata-se de uma inexatidão da sentença,  devida a omissão manifesta e que se releva da sua simples leitura, pois que, em sintonia com tudo o que na dita sentença se afirmou, concluindo-se pela respetiva procedência, competia no dispositivo condenar o réu no pagamento do valor igual ao da renda no período posterior a Abril de 2023 e até à entrega do locado. Essa inexatidão devida à dita omissão, quadra  às situações previstas no art.614.º n.º1 do CPC e que podem ser retificadas.
Assim, determina-se a retificação da sentença e no respetivo dispositivo passa a constar, além do que aí já consta, o seguinte:
- condeno o réu a pagar ao autor o valor €300,00 mensais no período posterior a Abril de 2023 até à entrega do locado.
**
As demais questões a conhecer no recurso são aquelas que ressaltam das respetivas conclusões como já acima se disse, questões que ficaram, assim, também acima identificadas.
· Nulidade da sentença:
A primeira questão a apreciar face ao que consta da conclusão A) do recurso é a de saber se a sentença é nula por se verificar erro na forma de processo, erro esse que réu logo tinha invocado na contestação.
Vejamos:
O art.615.º do CPC no seu n.º1 diz que é nula a sentença quando:
a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Resulta de tal normativo as situações que determinam nulidade da sentença, são apenas as previstas e não outras.
Embora o réu repute a sentença de nula não reconduz tal nulidade a nenhuma das previsões do art.615.º do CPC, extraindo-se das alegações de recurso que se trata da invocação de nulidade que o réu reporta ao art.195.º n.º1 do CPC, ou seja, a uma nulidade processual. Desta feita não nos situamos em sede de nulidade da sentença, mas, eventualmente, em face de uma nulidade processual que, parece ser entendimento do réu, se repercutiria na sentença por afetar todo o processado; a nulidade invocada apesar de referenciada à sentença, teria arrimo no art.193.º do CPC o que, como se verifica, desde logo, da sua inserção sistemática, é atinente à nulidade dos  actos processuais e não à nulidade da sentença.
Como no caso concreto a sentença apreciou a questão do erro na forma do processo, concluindo pela improcedência dessa questão, o que agora vem invocado em recurso prende-se, então, com o mérito da decisão nesse particular e não com a nulidade da sentença, nulidade que, sem necessidade de maiores considerações, se não verifica à luz do art.615.º do CPC.
· Mérito da decisão/erro na forma do processo
Face ao que acima se deixou dito, cumpre então apreciar a questão do erro na forma do processo e que sentença recorrida resolveu dizendo o seguinte:
 “Na sua contestação veio o R. invocar a nulidade decorrente de erro na forma de processo alinhando a seguinte argumentação:
 - o R. não recebeu as cartas alegadas pelo A. na sua petição inicial por terem sido dirigidas para uma morada errada;
- não tendo sido recebidas as cartas não foi cumprido o formalismo exigido para efeitos de procedimento especial de despejo para a resolução do contrato. O A. pronunciou-se sobre tal questão.
Ora, o erro na forma do processo ocorre quando o A. lança mão de uma forma processual inadequada à pretensão manifestada, ou seja, ao pedido formulado na acção. Não há erro na forma de processo quando perante determinada causa de pedir formula pedido desadequado a tal causa de pedir. Ou quando formula pedido distinto do que a contraparte entende adequado.
No caso o A. lançou mão de uma acção declarativa comum (como consta do formulário de apresentação da petição inicial), sendo que inexiste já a forma de processo sumário (após a reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). E formulou os seguintes pedidos: - que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento alegado nos autos; - que seja o R. condenado a despejar o imóvel; - que seja o R. condenado a pagar as rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado.
O art. 14º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), no seu n.º 1, determina que “A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.”
Por seu turno, dispõe o art.15º do NRAU, sobre o procedimento especial de despejo enquanto “um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.”
Se a acção e despejo se destina a operar a cessação do contrato de arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial (casos previstos no art. 1083º, n.º 2, e 1084º, n.º 1, do CC), o procedimento especial de despejo parece dirigir-se às situações em que a cessação do contrato se tenha dado por via extrajudicial, sem que o arrendatário tenha desocupado o locado em consequência de tal resolução.
Ora, a resolução do contrato por mora no pagamento das rendas nos termos preceituados no art. 1083º, n.º 3, do CC, não tem de ser necessariamente operada por via judicial, como deflui do disposto no art.1084º, n.º 2, do CC, sendo suficiente, para o efeito, a comunicação à contraparte. A comunicação de resolução extrajudicial deve ser efectuada nos termos do art. 9º do NRAU, e só a comunicação efectuada em tais moldes autoriza o recurso ao procedimento especial de despejo.
No entanto, e como tem sido reconhecido abundantemente na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a lei não impõe ao senhorio a cessação extrajudicial do contrato, antes considerando tal possibilidade uma faculdade do senhorio, que não fica inibido de lançar mão da acção de despejo para os mesmos efeitos (cfr., a título de exemplo, o Ac. da Reação de Lisboa, de 13/03/2008, processo 1154/2008-6, Ac. da Relação do Porto, de 28/10/2021, processo n.º 257/19.3T8STS.P1, entre outros, disponíveis no site www.dgsi.pt). Tanto para mais, nos casos em que não alcança sucesso na cessação do contrato por via extrajudicial e fica, por isso, impedido de lançar mão do procedimento especial de despejo.
E revertendo para o caso, atentando na petição inicial, o próprio A. parece reconhecer o insucesso na comunicação extrajudicial do contrato, pretendendo que a mesma seja decretada pelo tribunal.
Afigura-se-nos, assim, que a forma de processo empregue – a acção declarativa comum – é perfeitamente adequada aos pedidos formulados pelo A. Daqui se extrai também a irrelevância das questões suscitadas pelo R. quanto ao não recebimento das cartas alegadas pelo A., porquanto não está em causa um procedimento especial de despejo que exija a regularidade de tal comunicação como pressuposto. Ademais, o eventual não recebimento de tais cartas não inibe também o recurso à via judicial através da acção de processo comum, sendo que nada obsta a que a resolução opere por via da citação do R.
Em face do exposto, inexiste qualquer erro na forma de processo, pelo que improcede a excepção invocada.
A questão coloca-se, como fez o tribunal recorrido, em saber se o senhorio, para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução fundada em não pagamento de rendas está adstrito a recorrer ao procedimento especial de despejo ou pode lançar mão da ação comum, como ocorreu no caso. Sendo imperativo o recurso ao procedimento especial de despejo, poder-se-ia admitir, embora se venha reconduzindo também tal questão à figura do interesse em agir em juízo, que se possa convocar a questão do erro na forma do processo, por a lei prever um mecanismo especifico para que o autor faça valer a sua pretensão.
Adiantamos que a nosso ver se concorda com a conclusão da sentença recorrida no sentido de que o autor/senhorio não estava impedido de instaurar ação para nela pedir e obter o decretamento do despejo do réu por via da cessação do arrendamento, face ao incumprimento da obrigação de pagamento da renda.
Nos autos não se discute que entre o autor e o réu se firmou um contrato de arrendamento, para habitação, nem vem também posta em causa a falta de pagamento das rendas.
O art.1047.º do C.C. diz-nos que “A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.”, norma que resulta da redação dada pela Lei 6/2006 de 27.2, e não voltou a sofrer alteração posterior apesar de alterações legais sucessivas em matéria de arrendamento, estas, das quais a mais recente produzida pela Lei 53/2023 de 6.10, já ocorridas quando, em face da instituição legal do procedimento especial de despejo, a questão de saber se se mantinha, em alternativa, a possibilidade do senhorio recorrer a ação judicial, já se discutia. Desta feita o art.1047.º tem deixado em aberto a possibilidade da resolução do contrato de arrendamento se fazer judicial ou extrajudicialmente e não vemos como contornar tal norma legal em termos de se afirmar que, estando previsto um mecanismo, extrajudicial para fazer operar a resolução o senhorio apenas por tal via possa seguir, estando-lhe vedada a via judicial. Aliás, casos há como vem sendo apontado em que a resolução extrajudicial pode ser inviável (v.g. contratos de arrendamento não reduzidos a escrito), ou situações em que a notificação do arrendatário para efetivar a resolução se mostra inviável, difícil ou levanta dúvidas sobre a sua eficácia, tornando compreensível que o locador pretenda enveredar pela via judicial.
Ademais, o art.1048.º do C.C. relativo à falta de pagamento de renda ou aluguer, cuja atual redação resulta da Lei 31/2012 de 14.8, continua a prever, em conformidade com o anterior artigo a que fizemos referência que:
1 - O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º
2 - O locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
3 - O regime previsto nos números anteriores aplica-se ainda à falta de pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário.
4 - Ao direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1084.º
Deste artigo ressalta que a lei prevê e regula a caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda, quer quando tal direito seja exercido judicialmente quer quando o seja extrajudicialmente, pelo que, a nosso ver, não pode colher o entendimento de que a lei não permite que a resolução do contrato seja pedida em ação declarativa comum, ou seja, com recurso à via judicial, antes aponta indubitavelmente no sentido oposto. Aliás, esse recurso à via judicial não está condicionado em tais normas (nem cremos resulte de outras) a certos e determinados requisitos, pelo que, também, em nosso entendimento, não se pode concluir que o direito de recorrer à via judicial para obter a resolução do contrato haja de ser restringido, admitindo-o apenas relativamente a situações fundadas em certos incumprimento por parte do arrendatário e não já relativamente a outros, desde logo, quanto a estes últimos, ao fundamento relativo à falta de pagamento da renda. A lei não distingue, pelo que, não deve o intérprete operar aí qualquer limitação.
É certo que está previsto legalmente o procedimento especial de despejo, arts.15.º e segs. do NRAU, dizendo-se nesse art.15.º n.º1 que “O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.” apenas podendo servir de base ao mesmo, “e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;”. Donde, tal procedimento está traçado para, de forma célere, efetivar a cessação do contrato quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou fixada pelas partes, o que pressupõe por isso a prévia obrigação do arrendatário, já constituída, de entregar o locado. Ou seja, pressupõe-se que a cessação do arrendamento tenha operado por via das comunicações extrajudiciais que são previstas  nos arts.9.º a 11.º do NRAU. Daí que o art.15.º já mencionado estipule relativamente a cada uma das formas de cessação do contrato os documentos necessários para instruir e fundar o procedimento especial de despejo.
E o art.1084.º do C.C. diz-nos que:
1 - A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo.
2 - A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.os 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
3 - A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.
4 - O arrendatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
5 - Fica sem efeito a resolução fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública se, no prazo de 60 dias, cessar essa oposição.
Assim, no caso de resolução do contrato por falta de pagamento de renda (n.º2 do artigo em evidência), diz a lei que a mesma opera por comunicação à contra parte, por contraposição ao previsto no n.º1 em que a resolução tem que ser decretada nos termos da lei do processo, mas, tendo presente quanto se disse sobre a admissibilidade legal da resolução do contrato – sem restrição especifica a certo ou certos fundamentos – poder operar quer por via judicial quer por via extrajudicial, afigura-se—nos que não podemos ver no disposto no art.1084.º n.º2 a imposição, de forma imperativa, que a resolução do contrato por falta de pagamento de renda não possa ser obtida por via judicial e apenas no procedimento especial de despejo. A conjugação das normas leva-nos a admitir que a lei, prevendo embora a resolução extrajudicial, não impede que a resolução se opere por via judicial em conformidade com a previsão geral do art.1047.º do C.C..
A respeito da questão que nos ocupa escreve Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 2014, 7.ª edição, pag.188, “É porém questionável se o senhorio poderá antes optar pela ação de despejo. Sustenta Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel Arrendado, Coimbra Editora, 2006, pag.27 que, face ao disposto no art.14.º do NRAU, a acção de despejo destina-se apenas a fazer cessar o arrendamento, quando a lei impõe a via judicial para recorrer a essa acçã, pelo que, nos casos em que a lei admite a cessação do contrato por comunicação ao arrendatário e permite ao senhorio obter titulo executivo por essa via, a acção de despejo não é aplicável, não podendo o senhorio a ela recorrer. A maioria da doutrina entende, no entanto, que o senhorio não está impedido de recorrer à acção de despejo ainda que propugne nesse caso a suportação das custas pelo senhorio, nos termos do art.535.º n.º2 c) CPC. (…). Na jurisprudência tem-se também defendido maioritariamente que a lei não proíbe nesses casos o senhorio de recorrer à acção declarativa. Assim, cfr. Ac.RL 24/5/2007 (…). Em sentido contrário, propugnado a ausência de interesse em agir no recurso à acção declarativa, cfr. Ac.RC15/4/2008 (…). Por nossa parte entendemos hoje que, nos termos do art.15.º n.º1 NRAU, o procedimento especial de despejo é apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa à acção de despejo, pelo que, nada impede de recorrer a essa acção em lugar de instaurar esse procedimento. Neste enquadramento, não há sequer lugar á suportação das custas da acção pelo senhorio, nos termos do art.535.º n.º2 c) CPC, uma vez que o senhorio não dispõe actualmente de qualquer titulo executivo prévio à acção, só o podendo formar por recurso ao BNA.”.
Esta problemática foi também abordada de forma exaustiva no Ac. TRP de 19.5.2020 (rel. Maria Graça Mira) e do qual se extrai o seguinte trecho que contém resenha doutrinal e jurisprudencial sobre a questão, que aí foi colocada na vertente do “interesse em agir”, do qual nos socorremos: “Quanto à primeira questão “é sabido que até à entrada em vigor do NRAU o contrato de locação só podia ser resolvido pelo locador judicialmente (art.º 1047.º do Código Civil: “a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal”; art.º 63.º n.º 2 do RAU – Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10: “a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do arrendatário tem de ser decretada pelo tribunal”).
O NRAU alterou o art.º 1047.º do Código Civil, aí passando a figurar que “a resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.”

No que concerne à resolução do contrato de arrendamento urbano, passou a prever-se uma cláusula geral, que inclui a resolução por iniciativa do senhorio, nos termos da qual “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…)” (art.º 1083.º n.º 2 do Código Civil). Porém, enunciam-se exemplificativamente situações que poderão fundamentar a resolução do contrato pelo senhorio, atinentes à utilização do locado ou à sua cessão ilícita (alíneas a) a e) do n.º 2 do art.º 1083.º do CC). No que concerne, em particular, àquela que constitui a principal obrigação do arrendatário, o pagamento da renda, no n.º 3 do art.º 1083.º do CC passou a estipular-se, na versão inicial do NRAU, que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública (…)”. No que respeita a este último fundamento de resolução do contrato de arrendamento, prescreve-se (na versão inicial do NRAU) no n.º 1 do art.º 1084.º do CC que a resolução pelo senhorio opera “por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.” Essa comunicação deverá ser efetuada mediante notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original (art.º 9.º n.º 7 do NRAU – versão inicial). Se o locado não for desocupado (e o arrendatário não se socorrer da faculdade de fazer abortar a resolução pondo fim à mora no prazo de três meses após a comunicação – n.º 3 do art.º 1084.º do CC – versão inicial do NRAU) o senhorio poderá instaurar execução para entrega de coisa certa, servindo de título executivo o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário da declaração de resolução (alínea e) do n.º 1 do art.º 15.º do NRAU – versão inicial). Quanto aos restantes fundamentos de resolução do contrato de arrendamento urbano, a resolução pelo senhorio será, conforme se enuncia no n.º 2 do art.º 1084.º do CC, “decretada nos termos da lei de processo”, ou seja, através de ação que a lei continua a designar de “acção de despejo” (art.º 14.º do NRAU). Face a este regime discutia-se se o senhorio poderia peticionar a resolução do contrato em acção judicial nos casos de mora do inquilino, no pagamento de renda, superior a três meses, ou seja, em situações em que, em princípio, poderia resolver o contrato pela via extra-judicial. O texto dos citados n.ºs 1 e 2 do artigo 1084.º do CC, conjugado com o disposto no art.º 1080.º do Código Civil – versão original do NRAU (“o disposto nesta subsecção tem natureza imperativa, salvo disposição em contrário”), assim como a redacção do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU (“a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo”) podiam inculcar a ideia de que o senhorio não podia recorrer aos tribunais para obter a declaração judicial da resolução do contrato de arrendamento nos casos ora referidos. Porém, tal interpretação da lei deixaria em sérias dificuldades os senhorios nas situações em que não fosse possível interpelar o arrendatário para lhe comunicar a resolução, nomeadamente por se desconhecer o seu paradeiro, assim como nos casos de contratos de arrendamento não reduzidos a escrito (seja contratos de arrendamento anteriores ao NRAU, seja contratos de arrendamento para fins não habitacionais a que fosse fixado prazo de duração não superior a 6 meses – artigos 1069.º, 1094.º, 1095.º e 1110.º n.º 1 do Código Civil). Por outro lado, o próprio legislador concebia a existência de acções em que o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda era exercido por meio de acção declarativa, conforme decorria desde logo, do disposto no n.º 1 do art.º 1048.º do Código Civil – redacção original do NRAU (“o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa ou para a oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”.). Poderia dizer-se que esta norma, incluída na parte geral do regime da locação, era excluída pelo regime especial previsto pelo arrendamento urbano: ficaria, contudo, por explicar porque razão o senhorio do arrendamento urbano era tratado com desfavor em relação a outros locadores. De resto, mesmo no âmbito de normas atinentes ao arrendamento urbano, o legislador previa e sub-entendia como admissível a propositura de acções de resolução do contrato de arrendamento fundadas na falta de pagamento de renda. Assim, quando o arrendatário procede ao depósito de rendas, estipulava o n.º 2 do art.º 21.º do NRAU (redacção original) que “quando o senhorio pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda, a impugnação [do depósito] deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito ou, estando a acção já pendente, na resposta à contestação ou em articulado específico, apresentado no prazo de 10 dias contados da comunicação em causa, sempre que esta ocorra depois da contestação.” Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, que deu origem ao NRAU (D.A.R. II série-A, n.º 47, de 07.09.2005, pág. 57 e seguintes), escreve-se, a propósito de normas propostas de conteúdo idêntico às que foram aprovadas, que “o regime jurídico mantém a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública. (…) A almejada agilização da actual acção de despejo passa pela separação entre a fase declarativa e executiva, através da alteração de algumas normas do Código de Processo Civil (CPC). (…). Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, por exemplo, nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação. De igual modo, nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a três meses, ou devido a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, se o senhorio proceder à notificação judicial do arrendatário, ou à sua notificação através de contacto pessoal pelo advogado ou solicitador de execução, e o arrendatário mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial.”
Pese embora a almejada preocupação de agilização processual, não se surpreendia na exposição de motivos a intenção de retirar ao senhorio a possibilidade de, facultativamente, buscar junto dos tribunais a extinção do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas. Assim, caberia ao senhorio apreciar qual a via que melhor servia os seus interesses, sendo certo que, para além dos casos gritantes já supra enunciados, o recurso à via judicial seria desde logo mais aconselhável quando se antevisse controvérsia no que concerne à própria caracterização do contrato como sendo de arrendamento, à identificação das respectivas partes, ao montante das rendas devidas, ou quando se pretendesse demandar igualmente o fiador do contrato de arrendamento, prevenindo eventual controvérsia acerca da formação de título executivo contra este (no sentido da necessidade da ação declarativa, vide, v.g., acórdãos da Relação de Lisboa, de 23.10.2007, processo 6397/2007-7 e de 08.11.2007, processo 7685/2007-6; entendendo que o título executivo complexo definido no art.º 15.º n.º 2 do NRAU pode ser utilizado para reclamar rendas também do fiador, v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 12.12.2008, processo 10790/2008-7 e acórdão da Relação de Coimbra, de 21.4.2009, processo 7864/07.5TBLRA-B.C1, todos publicados na internet, dgsi-itij). Acresce ainda, entre outras vantagens do recurso aos tribunais, a possibilidade de por via da citação judicial o senhorio encurtar o prazo então previsto (na redacção original do NRAU) no art.º 1084.º n.º 3 do CC para a purgação da mora (“a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”), uma vez que em sede de acção declarativa as somas devidas e a respectiva indemnização deveriam (e devem) ser prestadas até ao termo do prazo para a contestação (art.º 1048.º n.º 1). Mais relevante ainda, a faculdade da purgação da mora só poder ser exercida uma vez, em fase judicial (n.º 2 do art.º 1048.º), contrariamente ao que, à luz do regime original do NRAU, ocorria em sede extrajudicial.
Por outro lado, nos termos do art.º 930.º-B, n.º 1, al. a), do CPC de 1961, a oposição a execução para entrega de imóvel arrendado que se fundasse em título executivo extrajudicial suspenderia a execução. O texto do n.º 1 do art.º 14.º do NRAU padeceria, ao fim e ao cabo, da circunstância de ser mera reprodução do texto do n.º 1 do art.º 55.º do RAU. A imperatividade proclamada no art.º 1080.º do CC não colidiria com a facultatividade do recurso à via extrajudicial para o senhorio resolver o contrato de arrendamento com base na mora no pagamento da renda superior a três meses: a imperatividade nesta matéria, residiria, por exemplo, na impossibilidade de o senhorio renunciar antecipadamente, nomeadamente por meio de cláusula contratual, à possibilidade de resolver extrajudicialmente o contrato por mora no pagamento de rendas. Assim, o senhorio poderia optar entre o meio extrajudicial e a “ação de despejo” para pôr fim ao contrato de arrendamento, por resolução, aquando de mora do inquilino, superior a três meses, no pagamento da renda.

Esta foi a posição defendida … no acórdão supracitado e correspondia à análise de parte da doutrina (cfr., v.g., Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3.ª edição, 2009, Quid Juris, pp. 49, 50, 69, nota 4, 409 a 413; Fernando Gravato de Morais, Novo regime do arrendamento comercial, 3.ª edição, 2011, Almedina, pp. 249 a 258 e Cadernos de Direito Privado, n.º 22, Abril/Junho 2008, pág. 64 e seguintes) e da esmagadora maioria da jurisprudência (v.g., STJ, 06.05.2010, processo 438/08.5YXLSB.LS.S1; Relação de Lisboa, 23.10.2007, processo 6397/2007-7; Relação de Lisboa, 08.11.2007, processo 7685/2007-7; Relação de Lisboa, 25.02.2008, processo 469/2008-7; Relação de Lisboa, 13.03.2008, processo 1154/2008-6; Relação de Lisboa, 31.03.2009, processo 2150/08.6 TBBRR; Relação do Porto, 20.4.2009, processo 0837636; Relação de Lisboa, 28.5.2009, processo 3896/07-2; Relação de Lisboa, 15.12.2009, processo 8909/08.7MSNT.L1; Relação de Lisboa, 11.02.2010, processo 3630/08.9 TMSNT.L1-6; Relação do Porto, 02.03.2010, processo 552/08.7TBPRG.P1).
Com entendimento contrário, na doutrina, cfr. Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 31 e seguintes e Cadernos de Direito Privado, nº 24, Outubro/Dezembro 2008, pág. 72 e seguintes; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento urbano, 3.ª edição, 2007, Almedina, pág. 164, nota 168; Fernando Baptista de Oliveira, A resolução do contrato no novo regime do arrendamento urbano (NRAU), Almedina, 2007, pág. 129 e seguintes; na jurisprudência, acórdão da Relação de Coimbra, 15.4.2008, processo 937/07.6TBGRD.C1; Relação de Guimarães, 30.4.2009, processo 5967/08.8TBBRG.G1. Embora se ressalve a admissão, por defensores da tese restritiva, de situações em que o senhorio se poderia ver forçado a recorrer à acção de despejo, por exemplo, no caso de impossibilidade de notificação do arrendatário, ou de verificação simultânea de outro fundamento resolutivo, nos termos do n.º 2 do art.º 1084.º (cfr. Maria Olinda Garcia, in Cadernos de Direito Privado, n.º 24, cit., pp. 73 e 74).
Se o senhorio resolvesse extrajudicialmente o contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e, em lugar de instaurar as competentes execuções para entrega de imóvel arrendado e pagamento das rendas e indemnização, instaurasse acção de despejo, ou, afinal, acção de apreciação da cessação do contrato de arrendamento por resolução justificada, eventualmente cumulada com o pedido de condenação do arrendatário no pagamento das rendas em dívida e indemnização e na entrega do locado, poderia, na falta de apresentação de justificação para tal por parte do autor e de contestação pelo arrendatário, ser condenado em custas, nos termos do art.º 449.º, n.º 2,al. c) do CPC de 1961 (neste sentido, Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1099; Laurinda Gemas e outros, ob. cit., p. 49, nota 3).

A Lei n.º 31/2012, de 14.8, que reviu o NRAU, não interferiu nesta polémica (como reconhecem os defensores da tese restritiva - cfr. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano anotado, regime substantivo e processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 2013, 2.ª edição, p. 188; Elizabeth Fernandez, “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional)”, in Julgar, n.º 19, Jan.-Abril 2013, Coimbra Editora, p. 71).
Mas haverá que registar que, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 ao NRAU, desapareceram algumas das diferenças -entre os meios de operar a resolução do contrato - que favoreciam o recurso à acção de despejo: com a nova redação do art.º 1084.º, foi encurtado para um mês o prazo de purga da mora no caso de comunicação de resolução do contrato por comunicação extrajudicial (n.º 3 do art.º 1084.º) e o arrendatário passou a poder utilizar essa faculdade uma única vez, também nos casos de resolução extrajudicial do arrendamento (n.º 4 do art.º 1084.º e n.º 4 do art.º 1048.º). Por outro lado, a natureza extrajudicial da resolução do arrendamento deixou de conferir efeito suspensivo à oposição à execução para entrega de imóvel arrendado (pois a al. a) do n.º 1 do art.º 930-B do CPC foi revogada). Acresce que, relativamente à comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento, criaram-se novos mecanismos de notificação, que possibilitaram a sua concretização (ainda que presumida), mesmo nos casos de desconhecimento do paradeiro do arrendatário (vide nova redação dos artigos 9.º e 10.º do NRAU).
Porém, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, que esteve na origem da Lei n.º 31/2012, não se anunciou nenhum propósito restritivo dos direitos do senhorio nesta matéria, nem se expressou especial motivação no sentido do interesse público de poupança de recursos e de retirada dos litígios de arrendamento para fora dos tribunais.
Veja-se o que ali se contém: “A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal.”(…) “No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato, assim tornando o mercado de arrendamento e o investimento na reabilitação urbana para colocação no mercado de arrendamento uma verdadeira opção para os proprietários e, mais relevantemente ainda, uma opção segura. Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários.
Até à presente data, o senhorio tinha de recorrer a um processo de despejo apresentado junto de um tribunal. Mesmo dispondo de um título executivo nos termos previstos na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, verificou-se que o tempo médio de duração da correspondente acção executiva é ainda de dezasseis meses. Tal longa espera, muitas vezes acompanhada pelo não recebimento das rendas, revelou ser um motivo de desincentivo para a colocação de imóveis no mercado do arrendamento pelos proprietários, ou ainda para a elevação do valor da renda como forma de controlo do risco.
Para tornar o arrendamento num contrato mais seguro e com mecanismos que permitam reagir com eficácia ao incumprimento, é criado um novo procedimento extrajudicial que permite que a desocupação do imóvel seja realizada de forma célere e eficaz, num prazo médio estimado de três meses, no caso de incumprimento do contrato por parte do arrendatário. Promove-se, por esta via, a confiança do senhorio no funcionamento ágil do mercado de arrendamento e o investimento neste sector da economia.”
Concentrando-nos na resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, constata-se que na sequência da revisão do NRAU a lei deixou de atribuir à comunicação da resolução do contrato força de título executivo. A comunicação de resolução do contrato, que passou a admitir, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, a notificação por carta registada com aviso de receção (al. d) do n.º 7 do art. 9.º) passará a instruir o procedimento especial de despejo, instituído pelo NRAU (revisto) no art.º 15.º. Esse documento, acompanhado do contrato de arrendamento (alínea e) do art.º 15.º do NRAU revisto) será apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, juntamente com o requerimento de despejo (n.º 1 do art.º 15.º-B), no qual poderá incluir-se o pedido de pagamento das quantias em dívida (alínea g) do n.º 2 do art.º 15.º-B). O Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) é uma secretaria judicial com competência exclusiva para a tramitação do procedimento especial de despejo em todo o território nacional (art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 07.01). O BNA procederá à notificação do arrendatário, para desocupar o locado, pagar a quantia que tiver sido pedida, deduzir oposição e ou requerer o diferimento da desocupação do locado (art.º 15.º-D n.º 1 do locado). No caso de não ser deduzida oposição nos termos legais ou de não serem pagas as rendas devidas, na pendência do procedimento especial de despejo, o BNA converterá o requerimento de despejo em título para desocupação do locado (art.º 15.º-E, n.º 1 do RNAU), o qual passará a fundar a realização imediata da diligência de desocupação do locado (n.º 3 do art.º 15.º-E e art.º 15.º-J), com eventual necessidade de prévia autorização judicial, nos casos previstos no art.º 15.º-L.
Se o arrendatário deduzir validamente oposição ao procedimento especial de despejo, os autos serão remetidos à distribuição pelo tribunal competente (n.º 1 do art.º 15.º-H).
Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais ou apresentarem novo articulado sempre que tal seja necessário para garantir o contraditório (n.º 2 do art.º 15.º-H). Se o juiz não julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou não decida logo do mérito da causa, ordenará a notificação das partes da audiência de julgamento (n.º 3 do art.º 15.º-H). Na audiência de julgamento, se se frustar a tentativa de conciliação das partes, produzir-se-ão as provas que ao caso couberem (n.º 4 do art.º 15.º-I), provas essas que serão oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas (n.º 6 do art.º 15.º-I), e devendo a prova pericial ser sempre realizada por um só perito (n.º 7 do art.º 15.º-I). A sentença, que deverá ser logo ditada para a ata (n.º 10 do art.º 15.º-I), no caso de julgar a oposição improcedente, constituirá determinação de desocupação do locado (n.º 1 do art.º 15.º-J).

O procedimento especial de despejo é pois, conforme o define o art.º 15.º n.º 1 do NRAU, um “meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Trata-se, seguindo a terminologia de Rui Pinto (obra citada, páginas 1160 e 1169), de um “processo especial sincrético”, isto é, declarativo e executivo, que se inicia com uma fase injuntória a que poderá seguir-se uma fase contenciosa, tendo em vista a formação de um título executivo, prosseguindo, se for o caso, com uma fase executiva, destinada à realização coactiva do direito à entrega do locado.

Deduzida válida oposição ao requerimento de despejo, segue-se a fase contenciosa, que é “uma fase declarativa pura perante um juiz” (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191) e que constitui, pois, um processo declarativo especial, a que se aplicarão, nos termos do art.º 549.º n.º 1 do CPC, no que não estiver especialmente regulado, as regras gerais e comuns do Código do Processo Civil e, se for o caso, as regras do processo comum (Rui Pinto, obra citada, pág. 1191).
Como se vê, o novo regime não acarreta ou visa, propriamente, poupança de recursos económicos, nem o afastamento dos tribunais: cria novas estruturas, que tenderão a servir com especial eficácia os legítimos interesses dos senhorios, mas sem se prescindir, se for necessário, da intervenção dos tribunais para dirimirem os litígios emergentes do legítimo acautelamento dos interesses dos arrendatários.
Note-se que, apesar de instalada a aludida polémica, o art.º 1048.º manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer (mencionando este aspeto, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões controversas do novo regime processual de cessação do contrato de arrendamento”, in Revista do CEJ, 2013 – II, p. 32, e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento”, in Julgar, n.º 19, pp 59 e 60).
Permanece, pois, aberta a via para os senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, optarem pelo meio judicial de prossecução da defesa da sua situação jurídica, mesmo no caso de incumprimento da obrigação de pagamento de renda. Desde logo, quando se pretenda a apreciação de cumulativos fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente (neste sentido, cfr. Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 35 e Albertina Maria Gomes Pedroso, “A resolução do contrato de arrendamento…” cit., p. 61). Ou quando se desconheça o paradeiro do arrendatário, gerando-se a perspetiva de, se o inquilino for pessoa singular e não tiver havido, entre as partes, convenção de domicílio para o efeito das notificações respeitantes ao contrato, não se lograr, segundo um determinado entendimento, a notificação do arrendatário nos termos aparentemente previstos no seio do procedimento especial de despejo (cfr. art.º 15.º-D n.º 3 do NRAU; no sentido de, neste caso, ocorrer um “bloqueio” para o funcionamento do PED, que imporia o recurso ao meio comum da acção de despejo, cfr. Rui Pinto, ob. cit., p. 1182; defendendo que o texto legal contém uma remissão genérica para o regime da convenção de domicílio, pretendida pelo legislador, que determina que esse regime será aplicável mesmo nos casos em que não tenha havido convenção de domicílio – aligeiramento esse justificado pelo facto de que o inquilino já teria conhecimento da cessação do contrato por via da comunicação a que se referem as diferentes alíneas do n.º 2 do art.º 15.º - solução legal que, porém, segundo a autora, poderá suscitar dúvidas quanto à sua constitucionalidade, por eventual ofensa ao princípio da proibição da indefesa, enquanto acepção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, vide Laurinda Gemas, “Algumas questões…”, cit., p. 21).
Defendendo, actualmente, que o procedimento especial de despejo “é apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa à acção de despejo, pelo que nada o impede de recorrer a essa acção em lugar de instaurar esse procedimento”, não havendo até, nesse enquadramento, lugar à suportação das custas pelo senhorio, nos termos do art. 535.º, n.º 2 c) do CPC, uma vez que o senhorio não dispõe actualmente de qualquer título executivo prévio à acção, só o podendo formar por recurso ao BNA, vide Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª edição, Almedina, p. 206, nota 212.
Dando relevância e operatividade ao interesse processual nesta temática, mas reconhecendo a necessidade de se atender às especificidades de cada caso em concreto, e considerando que é sempre admissível uma acção de despejo fundamentada na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, devendo o demandante pagar as respectivas custas se já houver título executivo para esse pagamento e o arrendatário não deduzir oposição, vide Miguel Teixeira de Sousa, in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, coordenação de António Menezes Cordeiro, pp. 396 a 399.” (cfr. Ac. da RL de 11-12-2018, proferido no proc. 10901/17.1T8LSB.L1-2, cujo entendimento sufragamos na íntegra. Vejam-se, ainda, os Acs. – da RL de 28-05-2013, proc. 317/12.1T2MFR.L1-1, da RG de 14-05-2015, proc. 406/13.5TBPTL.G1;”
Em conformidade consta do sumário de tal acórdão “No actual regime do arrendamento urbano, os senhorios podem optar livremente pelo meio judicial da acção despejo para obter a resolução do contrato com fundamento em falta de pagamento de renda, designadamente quando pretenderem cumular fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente ou quando desconhecerem o paradeiro do arrendatário.”, entendimento que subscrevemos, não se detetando na lei um impedimento legal a que o senhorio possa lançar mão da ação declarativa para resolver o contrato, só o podendo fazer através do procedimento especial de despejo.
Por isso, vindo esta questão equacionada, em face da defesa do réu, relativamente ao erro na forma do processo, impõe-se concluir que não se verifica tal erro, nem em sua decorrência nulidade de processado que dela procedesse, improcedendo o que vem dito na conclusão A) do recurso, posto que, sendo admitida a possibilidade do senhorio recorrer à ação comum, ou seja, à via judicial, para fazer operar a resolução do contrato não se pode exigir em simultâneo que proceda a essa resolução extrajudicialmente através das comunicações a que se refere o art.9.º do NRAU, pelo que, não são exigidas tais comunicações, aplicando-se o regime legal da citação para dar a conhecer ao réu a pretensão deduzida em juízo pelo autor. E soçobra de igual forma o que vem dito na conclusão B) do recurso, já que, pelo dito anteriormente, não há lugar, na via judicial, ao cumprimento das ditas formalidades próprias da resolução do contrato extrajudicialmente. Note-se que, contrariamente ao que vem dito no ponto 19 das alegações de recurso, o tribunal a quo não considerou válida qualquer comunicação extrajudicial, o que se patenteia dos seguintes segmentos da sentença “E revertendo para o caso, atentando na petição inicial, o próprio A. parece reconhecer o insucesso na comunicação extrajudicial do contrato, pretendendo que a mesma seja decretada pelo tribunal”, e “Daqui se extrai também a irrelevância das questões suscitadas pelo R. quanto ao não recebimento das cartas alegadas pelo A., porquanto não está em causa um procedimento especial de despejo que exija a regularidade de tal comunicação como pressuposto”. Deve pois ser mantida a sentença que julgou procedente a ação.
Na conclusão C) diz o réu que, subsidiariamente, requer o adiamento da desocupação do locado.
O réu havia feito tal pedido na contestação.
O tribunal a quo decidiu essa questão da seguinte forma:
“No que concerne ao pretendido diferimento da desocupação do locado, cumpre ter em consideração o disposto no art.864º, n.º 1, do CPC, que remete para o processo executivo a ponderação dos factos que permitem sustentar aquele diferimento. Dispõe, assim, aquele normativo que: “No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.” Afigura-se-nos, assim, que o momento próprio para requerer tal diferimento da desocupação do locado é o processo executivo, pelo que, nessa sede, deve ser requerido.”
Na conclusão c) do recurso o recorrente diz requer-se o adiamento da desocupação do imóvel, atendendo aos motivos de força maior relacionados com a grave condição de saúde do Apelante e à sua delicada situação económico-social familiar, conforme detalhadamente exposto nos autos, nada aduzindo relativamente à argumentação do tribunal a quo que o levou a entender que tal pedido devia ser deduzido em sede de execução de sentença. Ou seja, nessa conclusão o recorrente limita-se a requerer de igual forma ao que tinha feito anteriormente nos autos e não a rebater a sentença quando conclui que é na execução que o pedido de diferimento deve ser formulado. E nas alegações de recurso, aqui atendidas apenas para saber se delas se logra extrai outro sentido aquela conclusão, o recorrente limita-se a dizer: “conforme já alegado em sede de Contestação e reiterado, o Apelante enfrenta uma situação de incapacidade permanente, devidamente comprovada pelos documentos médicos junto aos autos e que aqui se deixa reproduzido para todos os efeitos e termos legais. 24. Esta condição de saúde, aliada a motivos de força maior detalhadamente expostos na Contestação, impossibilita, de forma absoluta, a desocupação imediata do imóvel. 25. A douta sentença recorrida, ao não ponderar devidamente estas circunstâncias relevantes, designadamente a nulidade da comunicação e a situação de particular vulnerabilidade do Apelante, merece ser revogada.”, do que não sobressai, também, devidamente consubstanciada a razão pela qual o recorrente entende que o decidido na sentença recorrida está errado, que é coisa diferente da insistência na sua pretensão. Ou seja, o recorrente nada aduz no recurso que sustente que o diferimento da desocupação devia ter sido decidido nesta ação e já não, como entendeu o tribunal recorrido, em sede de execução, onde está legalmente previsto tal incidente, limitando-se a dizer que o tribunal não atendeu a sua pretensão mas olvidando que foi dito na sentença a razão pela qual a pretensão não era atendida. Admitindo, contudo, que resulte ainda do recurso, apesar da sua formulação neste segmento, uma discordância quanto ao assim decidido, e nenhuma outra questão específica sendo colocada a este respeito, dir-se-á que não há razão para discordar do juízo feito pelo tribunal recorrido. O incidente de diferimento de desocupação do locado está previsto em sede de ação executiva, no art.864.º do CPC, e no âmbito do procedimento especial de despejo, não estando previsto como incidente a deduzir noutra sede, desde logo na ação declarativa que vise o decretamento do despejo. E os dois casos em que tal incidente está previsto são próprios das situações em que se vai executar o despejo e não já declarar que há lugar a ele. Assim, tal incidente visa obstar à entrega iminente do arrendado nas situações em que se vai, numa fase coerciva, executar a entrega do locado e não na ação declarativa, onde tal entrega não tem lugar. Havendo razão para tal diferimento, haverá de ser na ação executiva que o réu as pode invocar, através do incidente aí previsto e não no âmbito desta ação (nesse sentido Ac. TRE 7.4.2022 (rel. Vítor Sequinho dos Santos). Donde, improcede também nessa parte o recurso.
Resta apreciar a questão relativa à revogação da sentença na parte em que condenou o réu nas custas, invocando o recorrente que tem apoio judiciário. Mas também aqui não assinte razão ao recorrente, a nosso ver. O facto da sentença o ter condenado nas custas, não lhe retira o beneficio do apoio judiciário. E a condenação feita nesses termos não é quanto a nós incorreta, é aquela que se impõe legalmente. É porque foi condenado no pedido que a sua responsabilidade por custas se define e, nada se interpondo, as teria que pagar; e é porque, embora afirmada a sua responsabilidade pelas custas, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento, que fica dispensado de cumprir tal obrigação. Ora nos termos do art.527.º do CPC “1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”, por outro lado, determina o art.607.º n.º6 que: No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade. Em conformidade impunha-se na sentença recorrida que o tribunal condenasse a parte responsável pelas custas, o que é prévio e independe da questão de saber se tal parte as vai pagar ou beneficia de dispensa nesse pagamento. Uma coisa é a afirmação da responsabilidade pelas custas, ou seja, qual das partes e/ou em que medida cada uma das partes é responsável pela custas, outra, distinta, é saber se a parte responsável está dispensada de fazer esse pagamento. Por isso, a sentença recorrida deve manter-se também nesse particular.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível em julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 10.7.2025
Fátima Viegas
Amélia Puna Loupo
Marília dos Reis Leal Fontes