INCIDENTE MANIFESTAMENTE INFUNDADO
EXTRAÇÃO DE TRASLADO
TRÂNSITO EM JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

I-Durante o lapso temporal a que se refere o art.670º, nº4, do CPC, nenhuma decisão poderia ser proferida no traslado a que se refere tal normativo legal, enquanto as custas e multas não estivessem pagas.
II-Nos presentes autos a requerente veio sucessivamente arguir nulidades, nulidades de nulidades já apreciadas, em requerimentos sucessivas dando origem a sucessivas decisões de teor repetido, com o fim de obstar ao transito em julgado do Acórdão proferido nos autos.
Veio agora, de novo, formular novo requerimento invocando novas nulidades, protelando e arrastando o andamento do processo.
III-É manifesto o preenchimento do nº1, als. a) e d) do art.542º, do CPC, tanto mais que o Tribunal teve necessidade de recorrer ao disposto no art.670º do CPC, dispositivo legal aplicável em extremo para por termo a comportamento da parte obstativo do transito em julgado e da baixa do processo, como decorre dos autos. Estão assim verificados também os requisitos do art.670º do CPC, justificando-se o recurso a tal mecanismo legal.
O comportamento é doloso, na modalidade de dolo direto.
IV-Estão assim verificados os requisitos para condenar a requerente como litigante de má fé, condenando-a na multa de 20 vinte UCS.

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:
“Nos presentes autos de oposição à execução em que é Requerente GARAGEM VENEZA, LDA, por apenso à acção executiva movida por AA E MELO E BB E CC, foi proferido Acórdão neste TRL, em 2 de Julho de 2020, para cujos termos se remete, a qual confirmou a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a oposição deduzida, determinando o prosseguimento da acção executiva com vista à entrega, às exequentes, da fracção autónoma em causa nos autos, embora com diferente fundamento, alicerçado na excepção do abuso de direito, sendo este, na modalidade de venire contra factum proprium.
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Garagem Veneza inconformada com a decisão recorrida, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com o fundamento de nulidade do acórdão proferido, nos termos dos artigos 615º, nº 1, alínea d), 647º, nº 3, alínea b), 671º, 672º, 674º, nº 1, alínea b) e 675º, todos do CPC, São as seguintes as conclusões do Acórdão, na parte que ora releva:
A-O acórdão proferido é nulo nos termos do artigo 615º, nº 1. alínea d) do CPC.
B-O Tribunal não conheceu cabalmente as questões suscitadas e que deveria apreciar e violou os artigos 9º da NRAU, os artigos 334º, 1031º e 1104º, todos do Código Civil e o artigo 20º da CRP.
C-O acórdão ora recorrido deveria resolver todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação.
D-No que à existência de abuso de direito, refere o acórdão que tal não existe, uma vez que sendo a situação fáctica de 2.12, pré-existente à celebração do trespasse, não pode a recorrente usar-se dela para invocar o abuso de direito por parte da recorrida.
E – Esquecendo o facto 2.13, em clara violação dos artigos 334º e 1031º, alínea b) ambos do Código Civil.
F-A partir do momento em que a recorrida negou a efectivação de obras, impedindo a inquilina de usar o locado conforme os fins do arrendamento e trespasse, iniciou-se uma situação de abuso de direito, em que a abusadora é a recorrida.
G- Enquanto a recorrente permanecer no locado tem direito a exercer, condignamente, todas as actividade objecto do arrendamento. O Tribunal não conheceu que a recorrente quis fazer obras, a expensas suas, e que recorrida negou. Numa atitude de claro abuso de direito.
H- Em relação às comunicações e, quanto à respectiva eficácia, nomeadamente, da comunicação para a denúncia do arrendamento, o Acórdão faz tábua rasa do determinado no artigo 9º, nº 1 e nº 2 da Lei 6/2026 de 27 de Fevereiro.
I-Não lhe interessando o modo de denúncia, o local da sua efectivação e o modo com foi efectuada. Só lhe interessando o conhecimento pela recorrente. E esquecendo a função do artigo 9º, nº 1 e nº 2 da Lei 6/2026 de 27 de Fevereiro.
J- E considerou eficaz uma notificação judicial avulsa que nem sequer foi feita nos termos em que foi requerida.
L- Quanto à carta da confirmação da denúncia, é verdade que a recorrente aceitou que o aviso de recepção foi devolvido devidamente assinado, o que não quer dizer que a carta impugnada tenha sido enviada e recebida pelo responsável da Garagem Veneza, DD.
M- Não foi provado que o destinatário tenha recebido a carta.
N- As recorridas deveriam ter repetido a comunicação.
O- O Acórdão em crise violou o artigo 1104º do Código Civil.
K- O Acórdão proferido pela Relação de Lisboa, que faz parte dos autos, a fls. 168, entende a questão da carta confirmatória, de forma contrária.
E refere no respectivo sumário “---e prevendo a lei que para o efeito de obtenção de título executivo para o despejo, no caso do aviso de recepção ser assinado por pessoa diversa do destinatário deve enviar-se para o locado nova carta com aviso de recepção…”.
P- No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa 15/12/2016, que se junta. Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se, em consequência, o acórdão recorrido,
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BB e AA, vieram responder às alegações, concluindo da forma seguinte: 1. A Executada interpôs recurso de revista do Douto Acórdão proferido pela Relação de Lisboa que julgou improcedente a oposição à execução, porquanto considerou a denúncia do contrato de arrendamento em causa válida e eficaz e improcedente a excepção do abuso de direito.
2. A Recorrente não concretiza quais as questões que, no seu entendimento, não foram conhecidas pelo Tribunal a quo, como era o seu ónus.
3. Contrariamente, é a própria que acaba por “demonstrar”, no ponto 5 das suas alegações, que o Acórdão proferido não incorre em qualquer nulidade por omissão.
4. Nas páginas do 12 a 14 do Acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou as questões relativas às nulidades apontadas pela Recorrente; nas páginas 14 a 17, avaliou e decidiu a impugnação da matéria de facto; nas páginas 17 a 25, pronunciou-se sobre a questão relativa à eficácia da comunicação de denúncia do contrato de arrendamento; e, nas páginas 25 a 26, consta a apreciação da questão relativa ao abuso de direito, pelo que se deve concluir que o Tribunal a quo apreciou e fundamentou a decisão por si adoptada.
5. O Acórdão não evidencia qualquer contradição lógica mas, ao invés, contém as premissas de facto e de direito que justificam a decisão adoptada pelo Tribunal de 2.ª Instância.
6. O Tribunal a quo andou bem ao julgar válidas e eficazes as comunicações de denúncia do contrato de arrendamento em causa nos autos, inexistindo fundamento para revogar essa decisão.
7. O artigo 9.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, visa assegurar o efectivo conhecimento da comunicação e essa finalidade é, sem margem de contestação, mais segura com a notificação judicial avulsa em contraposição com a carta registada com aviso de recepção – esse foi o entendimento do Tribunal de 1.ª Instância que entendeu que “para o caso dos autos, foi excessiva a forma utilizada para a comunicação da denúncia do contrato de arrendamento, mas, porque se mostraram excedidos os pressupostos garantísticos da forma legalmente prescrita, não foi ilegal nem ineficaz.” e do Tribunal da Relação de Lisboa que entendeu que “não se vê que a utilização de notificação judicial avulsa como meio de comunicação em situações, como a destes autos, para as quais a lei prevê meio menos solene, invalide ou de algum modo paralise o efeito tido em vista com a comunicação”.
8. Quanto à pessoa que a recebeu, resultando da matéria de facto assente que a notificação foi “realizada na morada da executada/opoente, na pessoa de EE, identificado como responsável da sociedade”, deve concluir-se que esta foi regularmente notificada ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 213.º do CPC, na redacção então em vigor.
9. O teor do documento que consta dos autos a fls. 265 a 267 torna patente que a Recorrente (i) recebeu efectivamente a notificação judicial avulsa, (ii) reconheceu que a então senhoria, ao comunicar a intenção de denunciar o contrato de arrendamento, apenas exercia um direito que lhe assistia, e (iii) entendeu os alcances daquela comunicação, propondo uma renegociação do contrato.
9. Só a má fé da Recorrente explica que esta ponha em causa uma comunicação cujo conteúdo conheceu, o que, aliás, reconhece.
10. O Tribunal a quo decidiu correctamente quando considerou a notificação judicial avulsa requerida uma forma válida para proceder à comunicação de denúncia e quando julgou que a mesma foi efectivada de acordo com o disposto no artigo 213.º do Código de Processo Civil, sendo, por isso, válida e eficaz, e, ainda, que a comunicação em causa foi efectivamente recebida e conhecida pela Recorrente.
11. Na oposição à execução, a Recorrente nunca pôs em causa o envio e a correta recepção da carta de confirmação da denúncia, tendo posteriormente mudado de posição, em função do andamento do processo, como se a realidade dos factos não fosse só uma.
12. Não obstante as tentativas da Recorrente de fugir à verdade dos factos, fez-se prova de que a carta em causa foi efectivamente recebida pela Recorrente, pelo que não haveria que repetir a comunicação em causa.
13. Inexiste qualquer fundamento para revogar a decisão do Tribunal a quo de considerar que a então senhoria deu cumprimento ao disposto no artigo 1104.º do Código Civil, confirmando atempadamente a sua decisão de denunciar o contrato de arrendamento.
14. Ao contrário do que a Recorrente quer fazer crer, a Relação de Lisboa, no Acórdão a fls. 168, não adoptou posição contrária à que consta da Sentença e do Acórdão posto em crise.
15. Já no que respeita ao Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/2016, anexo às alegações da Recorrente, importa ter em conta que os factos em cuja decisão aquele Tribunal se baseou são diferentes daqueles que se provaram no caso em apreço, pelo que a fundamentação jurídica do Acórdão de 2016 não é susceptível de ser aplicada aos presentes autos.
16. Os pressupostos invocados pela Recorrente para a alegada excepção de abuso de direito não se verificam, porquanto aquela utiliza o espaço da propriedade das Exequentes - situação que se mantém até à presente data – e não paga qualquer quantia às Recorridas desde ....
17. Desde que adquiriu por trespasse o estabelecimento comercial instalado no locado, a Recorrente tem vindo a utilizar o referido espaço para parquear automóveis e o parqueamento de automóveis era um dos fins do contrato de arrendamento em causa.
18. Tem razão o Tribunal a quo quando entende que vir agora invocar o abuso de direito por falta de realização de obras no locado, por danos pré-existentes à celebração do contrato de arrendamento inicial, traduz uma situação de venire contra factum próprio que obsta à procedência da excepção de abuso de direito.
19. Acresce, sendo válida a denúncia, significa que o contrato de arrendamento cessou os seus efeitos, havendo perda do locado, em face do que a Executada deixou de ser arrendatária e ter os direitos inerentes a essa qualidade, acompanhando-se por isso também o entendimento do Tribunal de 1.ª Instância.
20. Por último, ainda que a Recorrente não utilizasse o espaço por o mesmo carecer de obras, o que não se aceita em face daquela que foi a prova produzida na acção, a verdade é que a denúncia operada não configuraria qualquer abuso de direito por parte das Recorridas, uma vez que a mesma se baseia no decurso do prazo.
21. Só uma extinção do contrato baseada no não uso do locado por parte do arrendatário, ou no incumprimento deste da obrigação de pagamento de rendas, pode configurar o exercício de abuso de direito nos termos que em que alega a Recorrente, porquanto apenas nesses casos pode haver contribuição do Senhorio para o fundamento da extinção do contrato.
Concluem no sentido de que deverá o recurso interposto ser rejeitado, porque não admissível e, caso assim não se entenda, julgado totalmente improcedente, e, em consequência: a) Deverão ser indeferidas as nulidades invocadas pela Recorrente; e b)Deverá manter-se integralmente o Acórdão recorrido que julgou totalmente improcedente a oposição à execução.
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Subidos os autos ao STJ, foi proferido Acórdão em 2 de Março de 2021, que referiu o seguinte: “Quer dizer, sem discutir que efectivamente a fundamentação usada pelo Acórdão da Relação sendo manifestamente diversa da constante da sentença de primeiro grau, seria suficiente para descaracterizar a conformidade decisória obstativa da interposição do recurso de Revista, certo é que a impugnação recursiva tem de preencher todos os requisitos gerais, máxime, os atinentes ao valor, o que aqui, de todo em todo, não acontece, pois o valor da acção é manifestamente inferior ao da alçada da Relação, o que impossibilita o conhecimento do objecto do recurso Acrescenta-se ainda, ex abundanti, que o conhecimento das nulidades imputadas ao Acórdão aqui recorrido, não sendo a impugnação conhecida por este Supremo Tribunal, também não poderão ser apreciadas nesta sede, sem prejuízo de o poderem vir a ser no Tribunal recorrido, nos termos do disposto nos artigos 617º, nº5 e 666, nº1, aplicáveis por força do artigo 679º, este como aqueles do CPCivil Destarte, de harmonia com o preceituado no artigo 652º, nº1, alínea b) do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma, verificando-se uma circunstância obstativa ao conhecimento do objecto da impugnação encetada, julga-se a mesma finda. Custas pela Recorrente. Após trânsito, remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento das nulidades arguidas.
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Os autos foram enviados do STJ, ao Tribunal Constitucional, regressando aquele Tribunal em 2/3/2022. Do STJ foram remetidos a este Tribunal para os termos ordenados no Acórdão de 3/2/2021, em 8/2/2022.
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Decidiu-se no Acórdão de 28 de Abril de 2022: Cumpre conhecer das invocadas nulidades imputadas ao Acórdão proferido neste Tribunal da Relação, nos termos do art.607º, nº5 e 666, nº1, ambos do CPC. A Recorrente vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que: i) O Acórdão é nulo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por não ter conhecido “cabalmente as questões suscitadas e que deveria apreciar” correspondentes aos Pontos 2 a 7 das alegações de recurso e respectivas alíneas C a E das conclusões. Perante o alegado, impõe-se referir que a nulidade por omissão de pronúncia verifica-se nas situações em que a decisão não se pronuncia sobre questões concretas que competia ao tribunal conhecer - Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 53 e ss e 142 e 143, nota 5. A nulidade invocada está diretamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. A omissão de pronúncia como causa de nulidade da decisão reporta-se “à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada” (entre outros, Acórdão do S.T.J. de 04.06.2019, disponível no sítio do IGFEJ, citando Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª ed., pág. 91). Assim, a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando o Tribunal não abordou uma questão que devia ser conhecida. E por “questões” deve entenderse “…as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidas pelas partes no esgrimir das teses em presença” (conforme Acórdãos do S.T.J. de 30.10.2003 e de 01.03.2012, disponíveis no sítio da internet citado). No caso em apreço, a Recorrente não concretiza quais as questões que, no seu entendimento, não foram conhecidas pelo Tribunal a quo, como, aliás, era o seu ónus. Porém, a verdade é que a própria Recorrente acaba por “demonstrar” que o Acórdão proferido, afinal, não incorre em qualquer vício por omissão. É que, no ponto 5 das suas alegações (página 2), a Recorrente identifica as questões concretas que a Relação de Lisboa conheceu e que, nas suas próprias palavras, foram: “- a improcedência da invocação da nulidade da sentença; - A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - A validade da comunicação da denúncia do contrato de arrendamento; -A improcedência da invocação de existência de abuso de direito;”. As duas últimas questões identificadas pela Recorrente são precisamente as que consubstanciam a causa de pedir da oposição apresentada pela Executada. E os mencionados temas integraram o objecto de recurso de apelação daquela. Ora, tendo todas essas questões sido expressamente conhecidas pelo Tribunal de 2.ª Instância – o que até é reconhecido pela Recorrente – deve concluir-se que inexiste qualquer nulidade nos termos do já citado artigo 615.º, nº1, al.d), do CPC. Nas páginas 17 a 25 do citado Acórdão desta Relação, pronunciamo-nos sobre a questão relativa à eficácia da comunicação de denúncia do contrato de arrendamento; e, finalmente, nas páginas 25 e 26 do Acórdão, consta a apreciação da questão relativa ao abuso de direito. Ou seja, o Acórdão, explica, fundamentadamente, as razões que justificam a decisão por si adoptada. Carece, pois, de fundamento a alegação da Recorrente no sentido de que “O tribunal referiuse de forma muito aligeirada e até contraditória às questões que foram colocadas à sua douta apreciação”. Basta ler o Acórdão para concluir que o mesmo não evidencia qualquer contradição lógica mas, ao invés, contém as premissas de facto e de direito que justificam a decisão adoptada pelo Tribunal de 2.ª Instância. Donde entender-se que não existe a apontada nulidade, nos termos da al.d), nº1, do art.615º, do CPC. O que se evidencia é a discordância da Recorrente relativamente à apreciação jurídica feita por este tribunal, relativamente a cada questão suscitada. Mas tal não se reconduz à nulidade da sentença, sendo questão de fundo que este tribunal está impedido de se pronunciar, tendo em consideração a extinção do poder jurisdicional contido no art.613º do CPC. Estão excepcionadas deste principio o suprimento de nulidades, invocadas no art.615º e passiveis de apreciação nos termos do art.617, nºs 1 e 5, do CPC. Porém, como já referimos, não se verificam as nulidades da sentença arguidas pela recorrente. No Acórdão de 28 de Abril de 2022 julgou-se improcedente a arguição de nulidades do Acórdão proferido neste Tribunal da Relação em 2 de Julho de 2020, com custas a cargo da recorrente.
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Por requerimento com a referência 577316, veio a recorrente arguir a nulidade do Acórdão que decidiu não se verificarem as nulidades do Acórdão deste Tribunal da Relação. Diz que, quando se alega que as nulidades não foram apreciadas, é no sentido que a fundamentação do acórdão, continua, no nosso entender, a ser bastante ligeira, não conhecendo cabalmente as questões suscitadas.
- Na questão da forma da denúncia do contrato de arrendamento, a abordagem é de tal forma escassa que esquece a contradição da decisão tomada com acórdão proferidos e identificados no recurso de revista. –Na questão do abuso de direito, a abordagem da questão é também muito ligeira, continuando sem se conhecer se aquela, no caso concreto, tem consequências, se estas podem ser mesmo um prémio a quem se aproveita do decurso de um prazo para se subtrair, escandalosamente, ao cumprimento da sua obrigação contratual - a de assegurar que o locado tem as condições mínimas para o fim a que se destina. - O Acórdão não conheceu estas questões, estando inquinado de nulidade, o que se argui. O recorrente vem no presente requerimento suprir a falta de concretização das questões que integra nas nulidades a apreciar pelo tribunal. Isto porque, foram exactamente as apreciadas no Acórdão de 22 de Abril de 2022, nos moldes que atrás se reproduziram. Apreciar uma questão de modo sucinto, no entender do Recorrente, é diferente de não apreciar a questão. E as questões que o recorrente aborda foram abordadas no Acórdão referido, com reporte ao Acórdão deste Tribunal da Relação de 2 de Julho de 2020. Não existe qualquer nulidade do Acórdão antecedente que careça de ser suprida. Como já referimos, a recorrente não concorda com a decisão e tem esgotado todos os meios, mesmo no Tribunal Constitucional, para protelar o trânsito em julgado da decisão. Nada mais cabe apreciar por parte deste tribunal, porque nenhuma nulidade prevista no art.615º do CPC foi cometida.
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Em 8/9/2022 foi proferido novo Acórdão por este TRL julgando improcedente a arguição de nulidade pela recorrente e ora requerente do Acórdão de 28 de Abril de 2022, que julgou improcedente a arguição de nulidades do Acórdão proferido neste Tribunal da Relação em 2 de Julho de 2020.
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Em 22-9-2022 vem GARAGEM VENEZA, LDA., recorrentes no processo à margem referenciado, notificados do Acórdão de 08/09/2022, no sentido de julgar improcedente a arguição de nulidade do Acórdão de 28 de Abril de 2022, que julgou improcedente a arguição de nulidades do Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de Julho de 2020, vem arguir a nulidade daquele acórdão, nos termos e com os seguintes fundamentos: 1- Os recorrentes entendem que mantêm-se as razões da arguição de nulidade, expostas no seu requerimento de 12/05/2022. 2- A revista foi rejeitada . 3- A questão das nulidades suscitadas no recurso de revista continua a não ser apreciada, nem mesmo no presente acórdão, o que o inquina da nulidade do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC. 4 – O que expressamente se argui. 5 – E quando se alega que as nulidades não foram apreciadas, é no sentido que a fundamentação do acórdão, continua, no nosso entender, a ser bastante ligeira, não conhecendo cabalmente as questões suscitadas. 6 – Mantemos que conhecer uma questão é não só abordá-la, é debater a mesma face das várias soluções possíveis. Referir não é conhecer 7 – E o Tribunal não conheceu as questões suscitadas, na nossa opinião, de grande pertinência. 8- Na questão da forma da denúncia do contrato de arrendamento, a abordagem é de tal do forma escassa que esquece a contradição da decisão tomada com acórdão proferidos e identificados no recurso de revista. 9 –Na questão do abuso de direito, a abordagem da questão é também ligeira, continuando sem se conhecer se aquela, no caso concreto, tem consequências, se estas podem ser mesmo um prémio a quem se aproveita do decurso de um prazo para se subtrair escandalosamente, ao cumprimento da sua obrigação contratual: a de assegurar que o locado tem as condições mínimas para o fim a que se destina. 10- O Acórdão não conheceu estas questões, estando inquinado de nulidade, o que se argui.
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Perante este novo requerimento, as Recorridas responderam da forma seguinte BB e AA, Exequentes no processo acima identificado, notificadas do Requerimento apresentado pela Executada com a referência n.º 43340341, vêm dizer que o mesmo configura uma atuação de litigância de má-fé, pelos motivos que em seguida se expõem: 1.O Requerimento apresentado pela Executada reitera, pela terceira vez consecutiva, um pedido de nulidade sobre o qual o Tribunal da Relação já se pronunciou, nomeadamente no Acórdão proferido em 24 de Abril de 2022, no Despacho de 2 de Julho de 2022 e no Acórdão de 08 de Setembro de 2022, indeferindo as nulidades invocadas pela Executada. 2. Em particular, no último Acórdão resulta evidente que inexiste qualquer nulidade no Acórdão que o antecede e que a Executada esgotara todos os meios para protelar o trânsito em julgado da decisão, nada mais cabendo a apreciar pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porque nenhuma nulidade prevista no artigo 615 do CPC foi cometida.
3. Não obstante, a Executada continua a invocar as mesmas nulidades com o evidente propósito de protelar o andamento do processo e a manter o processo nos Tribunais Superiores, numa atuação contrária aos ditames de boa fé processual.
4. Em face do exposto, as Exequentes requerem que o requerimento da Executada seja indeferido e que aquela seja condenada como litigante de má fé, à luz do disposto no n.º 1 e n.º 2, alínea a) e d) do CPC, com as devidas consequências processuais previstas na lei, nomeadamente a aplicação de uma multa.
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Foi então proferido o seguinte despacho em 18 de Outubro de 2022
DECIDINDO: Conforme bem referem os Exequentes, o Requerimento apresentado pela Executada reitera, pela terceira vez consecutiva, um pedido de nulidade sobre o qual o Tribunal da Relação já se pronunciou, nomeadamente no Acórdão proferido em 24 de Abril de 2022, no Despacho de 2 de Julho de 2022 e no Acórdão de 08 de Setembro de 2022, indeferindo as nulidades invocadas pela Executada.
Em particular, no último Acórdão resulta evidente que inexiste qualquer nulidade no Acórdão que o antecede e que a Executada esgotara todos os meios para protelar o trânsito em julgado da decisão, nada mais cabendo a apreciar pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porque nenhuma nulidade prevista no artigo 615º do CPC foi cometida. Com a prolação do Acórdão de 8/9/2022, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à apreciação das nulidades invocadas. Improcede assim a pretensão que deduziu. Indefere-se o requerimento que pede a este tribunal que aprecie as nulidades novamente invocadas. A requerente insiste reiteradamente na mesma posição, que já foi afastada pelo tribunal, não existindo mais nenhum meio processual colocado á sua disposição para continuar a defender a sua tese. É manifesto que o que visa é protelar o trânsito em julgado da decisão, conduta que se situa no limiar da litigância de má fé, prevista no art.542º, in fine do CPC: Na dúvida sobre se a executada agiu com dolo ou negligência grave, exigida pelo nº2, daquele art.542º, apenas esta vez, entendemos que o caso dos autos configura um caso de lide temerária, razão pela qual não se condena a requerente como litigante de má fé. Não deixaremos, porém, de relevar a conduta processual na tributação do incidente que por esta via anómala causou no processo.
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DECISÃO: Nos termos vistos, decido indeferir o requerido pela Requerente/Executada, por se ter esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa.
Custas a cargo da Requerente, com a taxa de justiça que fixo em 2 Ucs, Notifique.
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Em 20-10, em data posterior ao despacho supra, veio GARAGEM VENEZA, LDA., recorrente no processo à margem referenciado, notificada do requerimento da contraparte, no sentido da condenação da ora recorrente como litigante de má-fé, vem dizer e requerer o seguinte:
A recorrente apenas pretende ser esclarecida quanto à questão das nulidades suscitadas. 2- Não utiliza a Lei para qualquer propósito menos correcto, exercendo tão só um direito que lhe assiste. 3- Termos em que deve ser indeferido o requerido pela recorrida. Ficou prejudicada a apreciação, por não se ter condenado a recorrente em litigante de má fé.
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Em 3/11, GARAGEM VENEZA, LDA., recorrente no processo à margem referenciado, notificada do despacho de indeferimento proferido, no sentido de já terem sido apreciadas as nulidades e se encontrar esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa, e sentindose prejudicada com aquela decisão, vem reclamar, solicitando que sobre a matéria seja proferido acórdão, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1 – A recorrente apenas pretende ser esclarecida, cabalmente, quanto à questão das nulidades suscitadas. 2 - E não se sente esclarecida. 3- Entendendo que o Tribunal continua a não apreciar, do modo mais correcto, as nulidades suscitadas no recurso de revista. 4- Não pretendendo de forma alguma protelar o trânsito em julgado dos autos, nem lidando de forma temerária, apenas exercendo um direito que lhe assiste, que é o de obter uma decisão que entenda justa e esclarecedora.
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Em 10/11, foi proferido o seguinte despacho: Requerimento de 3/11: Indefere-se o requerido, por falta de fundamento legal, em face do Acórdão que apreciou as nulidades invocadas pela recorrente e do despacho que julgou extinto o poder jurisdicional. Não existe fundamento legal para manter a pendência destes autos. É manifesto que a requerente quer protelar os presentes autos e obstar à agendada diligência de despejo, como resulta claramente dos requerimentos que juntou nos autos de execução. Este Tribunal não compactua com tal desiderato. Custas do incidente a cargo da executada com a taxa de justiça de 3 UC.
Notifique.
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Em 24-11-2022 veio a recorrente apresentar requerimento, alegando o seguinte: GARAGEM VENEZA, LDA., recorrente no processo à margem referenciado, notificada do despacho de indeferimento proferido em 10-11-2022, no sentido de já terem sido apreciadas as nulidades e se encontrar esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa, e sentindo-se prejudicada com aquela decisão, vem reiterar o teor do seu requerimento de 3 de Novembro de 2022, reclamando e solicitando que sobre a matéria seja proferido acórdão, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1 – A recorrente apenas pretende ser esclarecida, cabalmente, quanto à questão das nulidades suscitadas. 2 - E não se sente esclarecida. 3- Entendendo que o Tribunal continua a não apreciar, do modo mais correcto, as nulidades suscitadas no recurso de revista. 4- Não pretendendo de forma alguma protelar o trânsito em julgado dos autos, nem lidando de forma temerária, não aceitando tal imputação por ser uma inverdade, pois apenas está exercendo um direito que lhe assiste, que é o de obter uma decisão que entenda justa e esclarecedora. 5- Ademais, a entrega do locado nos autos à margem, têm como questão prévia a apreciação de um outro processo, cujo objecto é o mesmo locado, a fim de evitar desfechos finais possivelmente contraditórios e prejudiciais aos executados. O conhecimento de tal execução que corre termos no Juízo de Execução de Lisboa-J..., sob o nº .../18 deve ser prévio a qualquer desfecho final nos autos à margem.
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As Recorridas responderam ao requerido, nos termos seguintes:
1. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação que indeferiu as nulidades invocadas e que pôs termo ao processo foi notificada às partes no dia 9 de setembro de 2022, tendo a mesma já transitado em julgado
2. O próprio Tribunal da Relação reconheceu expressamente, por Despacho datado de 18 de Outubro de 2022, o esgotamento do poder jurisdicional quanto à matéria em causa, inexistindo por este motivo qualquer arguição de nulidade por apreciar.
3. Não obstante a extinção do poder jurisdicional, a Recorrente veio novamente requerer que sobre a matéria seja proferido acórdão, impedindo desta forma que os autos baixem ao Tribunal Judicial de 1.ª Instância.
4. Ora, a Recorrente insiste reiteradamente na mesma posição que já foi expressamente afastada pelo Tribunal, não existindo mais nenhum meio processual para continuar a defender a sua tese.
5. Tal atuação por parte da Recorrente, tem como único objetivo protelar a diligência de despejo, o que tem vindo a lograr.
6. Pelo exposto, requer-se a V. Exas. que indefiram o pedido da Recorrente e ordenem a imediata descida dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, juízo de execução de Lisboa, juiz 5, para que se efetivem, com a maior brevidade possível, as diligências de despejo do imóvel.
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Em face do exposto no Relatório que antecede, entendeu-se que o Requerente apenas pretende, com o presente requerimento, obstar ao cumprimento do trânsito em julgado das decisões já proferidas no presente processo e à baixa do processo ao tribunal de 1ª instância, razão pela qual nos termos do art.670º do CPC, se apresenta o mesmo à Conferência. Vêm sendo suscitados, sucessivamente, requerimentos manifestamente infundados, visando protelar a baixa do processo à 1ª instância e o cumprimento do julgado, nos termos do nº1, do art.670º, do CPC. O Recorrente não está satisfeito com a apreciação por parte do tribunal e por isso diz que não se sente esclarecido. Tudo o que havia que esclarecer, está esclarecido nas decisões descritas. Não é uma convicção pessoal que tem o poder de eternizar um processo em tribunal, com prejuízo da contraparte Por isso, o legislador previu mecanismos de defesa contra demoras abusivas, através da suscitação de incidentes sucessivos e manifestamente infundados, consagradas no art.670º do CPC. No sentido exposto, cfr: -Ac. do STJ de 17.11.2015, Proc. nº 6272/04, SUMÁRIOS, 2015, pág.629 “A arguição, repetida e manifestamente infundada, de várias nulidades de um Acórdão do STJ-visando a eternização do trânsito em julgado das decisões e as legitimas expectativas da parte vencedora-, determina a autuação em separado, de um incidente, onde tramitará o eventual processado posterior, dessa forma, se remetendo, de imediato os autos ao tribunal de 1ª instância”, -Ac. do STJ de 19.11.2015, Proc. nº 4434/04, SUMÁRIOS, 2015, pág. 645 Apresentando o recorrente sucessivas reclamações, ao acórdão proferido pelo STJ, manifestamente infundadas, obstando dessa forma, ao trânsito em julgado da decisão e à baixa do processo, deve este baixar à 1ª instância, com imediata extracção do traslado, prosseguindo ai os autos os seus termos e sendo proferida decisão no traslado depois de, contadas as custas a final e de o requerente as ter pago, bem como todas as multas as multas e indemnizações que, eventualmente, hajam sido fixadas pelo tribunal – art.720º, nºs 2, 3 e 4, do CPC. -Ac. do STJ de 11.2.2016, Proc. nº 632/04, SUMÁRIOS, Fev./2016, p.23, Sendo manifesto que a parte pretende obstar ao cumprimento do julgado e à baixa do processo ao tribunal competente deve ser determinada a baixa dos autos à 1ª instância com extracção do traslado, sendo a decisão proferida neste após aquela ter pago as custas, multas e indemnizações que hajam sido fixadas. -Ac. do STJ de 9-7-2015, Proc. nº 319/06, Sumários, 2015, pág.437, II-Sendo a reclamação considerada manifestamente infundada, é igualmente de considerar, para todos os efeitos, transitado em julgado o acórdão reclamado, nos termos do nº5 do art.670º do NCPC. -Ainda Ac. nº 424/91 do Trib. Const. de 6/11/1991, BMJ 409-838 e 411º-611 nº 424 e Ac. nº465/00 do TC (Plenário), de 7/11.2000, BMJ, 501º-40, no âmbito do art.700º do CPC, correspondente ao actual 670º do NCPC .
Nos presente autos, impõe-se ordenar o que vem disposto nos nºs 3 e 4 do art.670 do CPC.
Foi decidido por Acórdão de 6 de Dezembro de 2022:
Em face do exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em proceder à imediata extração de traslado contendo a presente decisão, todos os elementos indicados nesta decisão, e ainda todas as decisões sumárias proferidas, entre elas, as que antecederam os Acórdãos proferidos nos autos, neste TRL. Após extração do translado, remeta os autos ao Tribunal de 1ª instância, onde prosseguirá os seus termos, ficando o traslado neste Tribunal. -Cumpra o disposto no nº4 do art.670º do CPC.
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A Garagem Veneza interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, da decisão proferida em 14 de Dezembro de 2022 que não admitiu o recurso para esse Tribunal.
Por Acórdão de 7 de Julho de 2023 (Acórdão 492/2023) foi decidido indeferir a reclamação, condenando a Garagem Veneza em custas do incidente em vinte Unidades de Conta.
Notificado desse Acórdão, veio a Garagem Veneza arguir nulidades, nos termos do art.615º, al.d, do CPC.
Por Acórdão de 12 de Outubro de 2023 (Acórdão 670/2023) foi decidido indeferir a arguição de nulidade arguida pelo reclamante, condenando a Garagem Veneza em custas do incidente em 15 Unidades de Conta.
Na sequência de novo requerimento da reclamante arguindo a nulidade do Acórdão supra referido, nos termos do art.615º, al.d) do CPC, foi proferido o Acórdão de 7 de Dezembro de 2023 (Acórdão 859/2023), que decidiu:
Ordenar a extração de traslado para nele serem processados os termos posteriores da reclamação uma vez contadas e pagas as custas;
Determinar que os autos sejam remetidos ao Tribunal recorrido, considerando-se para todos os efeitos transitado o Acórdão 492/2023 proferido pelo TC em conferência;
Mais se notificou a requerente para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de ser condenada como litigante de má fé, nos termos do art.542º e 545º, do CPC, ex vi art.69º da LTC. (art.3º, nº3 do CPC, ex vi art. 69º da LTC).
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Os autos prosseguiram aguardando que fossem contadas as custas a final e que a requerente as pagasse, o que veio a fazer, em prestações.
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Por requerimento de 7/10/2024, ainda no decurso do prazo para o pagamento das custas, veio a Garagem Veneza Ldª apresentar requerimento no qual alega que os autos devem ser redistribuídos por terem sido proferidos três despachos pela Senhora Desembargadora Adjunta quando a Relatora fora colocada no Tribunal da Relação de Évora, ficando os autos sem existência de colectivo.
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Foi então proferido despacho, apenas após pagamento das custas, em 8/5/2025, indeferindo o requerido.
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Desse despacho veio agora a Garagem Veneza Ldº arguir a nulidade nos termos do art.615º, nº, al.d), do CPC, com os fundamentos seguintes:
1-O acórdão proferido é nulo por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC- não conhecendo cabalmente a questão suscitada no requerimento da recorrente.
2- Durante bastante tempo foi admitida uma situação de prolação de decisões, com o Colectivo incompleto.
3- Sendo que a natureza das decisões proferidas deve cumprir o princípio da legalidade,
nomeadamente, a legitimidade de quem a profere, não serve de justificação para omissão
de tal, a suposta não interferência das decisões com a decisão final.
4-O Tribunal partiu de uma premissa que pode estar errada, que só hipoteticamente será
considerada uma fórmula verdadeira.
5. O tribunal decidiu mal, com precipitação e inquinou a decisão de nulidade. O que se argui.
Termos em que reitera a arguição de nulidade da decisão proferida.
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DECIDINDO:
Conforme consta dos autos, o presente traslado foi despachado pela signatária, então titular do processo, em 4/7/2023, nos termos que dele constam e que se dão por reproduzidos. Entretanto, a signatária foi colocada no Tribunal da Relação de Évora, onde tomou posse em 5 de Setembro de 2023. O presente processo não foi à distribuição, sendo despachado pela Senhora Desembargadora que figurara como 1ª Adjunta. Foram proferidos os despachos de 21-12-2023, 11-1-2024 e 14-3-2024, tendo este último o seguinte conteúdo: “Aguarde que sejam contadas as custas a final e que a requerente as pague. Informe as partes em conformidade. Decorridos 90 dias, solicite ao tribunal recorrido nova informação sobre a elaboração da conta e o pagamento das custas”. A signatária exerceu funções no Tribunal da Relação de Évora, até à publicação do movimento no DR, II série nº168, de 30 de Agosto de 2024, no qual foi de novo colocada como Juiz Desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa. Tomou posse no Tribunal da Relação de Lisboa, em 5/9/2024, passando a exercer funções de Desembargadora, de novo, na 8ª Secção.
Regressada a signatária a esta mesma 8ª Secção, entendeu-se aceitar o processo, já que, atendendo ao princípio do juiz natural previsto no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, é compatível com a situação dos autos a manutenção do mesmo Relator.
Como se refere no Ac. de 19-12-2023, Proc. Nº 482/18.4T9BRG. G1, Relatora ANABELA VARIZO MARTINS, publicado in www.dgsi.pt: “I- A inobservância das regras legais que regulam a redistribuição de processos, designadamente o disposto nos artºs 4º e 5º do Regulamento nº 269/2021, de 22 de Março, do Conselho Superior da Magistratura (DR nº 56/2021, Série II de 2021-03-22), porque não legalmente prevista como tal, não constitui causa de nulidade do acórdão.
II- Atento o disposto no art.º 203º do Código de Processo Civil, a finalidade primacial da distribuição é a repartição com igualdade do serviço judicial.
III- Especificamente no que concerne aos tribunais superiores a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro e deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo colectivo (cfr. al. a) e b) do nº 3 do art.º 213º do C. P. Civil).
No período entre Setembro de 2023 e Agosto de 2024 em que a ora Relatora esteve colocada no Tribunal da Relação de Évora, os autos de traslado seguiram as regras da substituição, sendo o colectivo formado pelas duas Adjuntas iniciais e por uma terceira/o Adjunto segunda a ordem de antiguidade. Assim se constituiria o colectivo na sua completude, segundo a regra definida pelo art.661º do CPC.
Durante esse lapso temporal nenhuma outra decisão poderia ser proferida, atendendo ao disposto no art.670º, nº4, do CPC, já que as custas não estavam pagas, como a requerente bem sabe.
Do exposto resulta que inexiste qualquer vicio da decisão nos termos do art.615º, nº1, al.d) do CPC.
Indefere-se a arguição de nulidade da decisão proferida.
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Uma vez que se mostram pagas as custas e demais multas fixadas pelo tribunal, nos termos do art.670º, nº4, do CPC, cabe proferir despacho a que se refere tal normativo legal, a incidir sobre o requerimento de 24-11-2022, que deu azo à prolacção do Acórdão de 6/12/2022.
Sobre tal requerimento e a arguição de nulidade ai reiteradamente arguida dir-se-à o que já foi repetidamente dito:
O Requerimento apresentado pela Executada reitera, consecutivamente, um pedido de nulidade sobre o qual o Tribunal da Relação já se pronunciou, nomeadamente no Acórdão proferido em 24 de Abril de 2022, no Despacho de 2 de Julho de 2022 e no Acórdão de 08 de Setembro de 2022, no despacho de 10-11-22, indeferindo as nulidades invocadas pela Executada.
Em particular, naquele último Acórdão resulta evidente que inexiste qualquer nulidade no Acórdão que o antecede e que a Executada esgotara todos os meios para protelar o trânsito em julgado da decisão, nada mais cabendo a apreciar pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porque nenhuma nulidade prevista no artigo 615º do CPC foi cometida. Com a prolação do Acórdão de 8/9/2022, esgotou-se o poder jurisdicional quanto à apreciação das nulidades invocadas. Improcede assim a pretensão que deduziu. Indefere-se o requerimento que pede a este tribunal que aprecie as nulidades novamente invocadas. A requerente insiste reiteradamente na mesma posição, que já foi afastada pelo tribunal, não existindo mais nenhum meio processual colocado á sua disposição para continuar a defender a sua tese. É manifesto que o que visa é protelar o trânsito em julgado da decisão, conduta que se situa já no cerne da litigância de má fé, prevista no art.542º, in fine do CPC, como veremos de seguida.
Improcede a arguição de nulidade arguida a 24-11-2022, mantendo-se as decisões singulares de 18-10-2022 e 10-11-22
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-Da litigância de má fé:
As recorridas AA E MELO E BB E CC vieram apresentar requerimento datado de 12-2-2024, pedindo a condenação da GARAGEM VENEZA, LDA como litigante de má fé, nos termos que amplamente e sem conclusões constam desse requerimento.
A Recorrente respondeu defendendo que não litigou de má fé, nem a sua mandatária, apenas usando os mecanismos legais que a lei concede para sua defesa.
Prima facie cabe salientar que não está em causa nestes autos de traslado a matéria alusiva ao processo nº .../18, do 2º Juízo de Execução de Lisboa, pelo que não cabe aqui apreciar qualquer comportamento processual das partes relativa a tal processo.
A delimitação processual nestes autos de traslado é bem clara e prende-se apenas com o teor dos requerimentos apresentados e que foram alvo de decisão, nos termos que constam da certidão que deu origem a estes autos de traslado e que constam de Folha a 13-12-2022.
No mais, cabe apreciar a conduta da parte no decurso destes autos, até ao momento.
É este o objecto ou tema a decidir no âmbito da litigância de má fé.
Nesse enquadramento, não há que produzir prova porque todos os elementos necessários se encontram nos autos, como prova documental.
A litigância de má fé vem definida no art. 542º do CPC, nos termos seguintes:
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
O Ac. TC n.º 604/2022, de 22-09: Condena a reclamante como litigante de má-fé, por a sua conduta processual consubstanciar a dedução de pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e ter feito, repetidamente, um uso manifestamente reprovável dos incidentes processuais.
O conceito de Litigância de má-fé resulta do art.8º do CPC. Ai se refere que
as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior – art. 8.º, do CPCivil.
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – als. a) a d), do n.º 2, do art. 542.º, do CPCivil.
Como refere o Ac. da RL de 16-12-2021, Proc. nº 12367/19.2T8LSB.L2-2, Relator Nelson Borges Carneiro, publicado in www.dgsi.pt,
O processo não pode mais ser encarado como um «campo de batalha» em que às partes seja permitido lutar entre si com recurso a quaisquer meios, pelo contrário, o processo moderno é essencialmente um processo cooperativo no qual todos os intervenientes devem funcionar como uma “comunidade de trabalho”, em prol da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio.(Cfr.MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, Algumas reflexões em matéria de litigância de má-fé, Coimbra, 2014, p. 19. )
É, pois, necessário que a parte tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso, não apenas reprovável, mas manifestamente reprovável. Supomos que a lei pretende acentuar que a conduta da parte apenas merece censura se o modo como exerce as diversas faculdades processuais for inequívoca ou claramente reprovável.( Cfr. PAULA COSTA E SILVA, A Litigância de Má Fé, p. 411.)
A lide deixa de ser justa e legítima quando alguma das partes, deixe de agir dentro das regras da boa fé, colocando ao tribunal pretensões ou alegações de factos ou de normas jurídicas sabendo ou devendo saber que a razão não está do seu lado. (ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., p. 340)
O princípio da boa-fé processual impõe aos litigantes um dever de verdade (ou, talvez melhor, a “proibição de falsas alegações”) e ainda o dever de alegação dos factos cuja omissão seja, por si só, capaz de falsear toda a ação ou toda a defesa, deixando-lhe, no entanto, margem para optar por expor ou silenciar todos os restantes.( MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob.cit, p. 24).
Quando nos referimos ao abuso processual devemos distinguir o “abuso macroscópico” do “abuso microscópico”, ou seja, a circunstância em que se abusa do processo globalmente considerado, em que a própria propositura da ação ou a defesa se encontram ab initio viciadas, dos casos em que se abusa de instrumentos processuais específicos (como incidentes processuais ou recursos) . ( MARTA ALEXANDRA FRIAS, BORGES, ob. Cit, pag. 31).
Ao aludirmos ao abuso macroscópico do processo, ocorre-nos de imediato o abuso do direito de ação, isto é, aqueles casos em que o sujeito propõe a ação funcionalizando-a a interesses ou escopos distintos daqueles que justificaram a concessão do direito. Como casos mais flagrantes podemos destacar aqueles em que o autor intenta a ação com o único propósito de “perturbar” a contraparte (lesando-lhe o crédito ou o bom nome e causando-lhe danos não patrimoniais), prejudicar terceiros mediante a simulação da existência de um litígio, ou ainda defraudar a lei para a alcançar de um objetivo ilegal (art. 612º).(Idem, pag.31
É corrente distinguir má fé material e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má fé.(Cfr. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 2.º vol., pág. 196).
De acordo com a enumeração efetuada pelo nº 2, do art. 542º, podemos integrar a má-fé processual numa de duas modalidades: substancial ou instrumental, consoante respeite ao próprio fundo da causa, ou apenas ao comportamento processual especificamente assumido pelo litigante. Assim, estaremos perante má-fé substancial sempre que a parte formule pedido ou oposição manifestamente infundados, ou ainda quando infrinja o dever de verdade (art. 542º, nº 2, al. a e b). Por sua vez, atuará com má-fé instrumental o litigante que transgrida o dever de cooperação ou que faça um uso manifestamente reprovável do processo (art. 542º, nº 2, al. c e d) .(Cfr. MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, Algumas reflexões em matéria de litigância de má-fé, Coimbra, 2014, p. 46/7. )
A má fé substancial verifica-se quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-20, Relatora: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO, http://www.dgsi.pt/jstj.)
Enquanto que as alíneas a) e b) no nº 2 do art. 542º do CPC se reportam à chamada má fé material/substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas do normativo se reportam a situações que têm a ver com a designada má fé processual/instrumental das partes litigantes – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2019-05-28, Relator: ISAÍAS PÁDUA, http://www.dgsi.pt/jtrc.
Não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2010-03-02, Relatora: MARIA JOSÉ SIMÓES, http://www.dgsi.pt/jtrl.
Dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deve ignorar
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar – al. a), do n.º 2, do art. 542.º, do CPCivil.
Preencherá o ilícito típico da al. a), do art. 542º, nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquela que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos.
Atuará de má-fé não apenas o sujeito que, tendo consciência da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, a deduziu em juízo, mas também aquele que, não tendo intenção de propor ação ou deduzir oposição infundada, o fez por não haver indagado, com culpa grave, os fundamentos de facto e de direito da mesma. Em ambos os casos acabar-se-á por funcionalizar o direito de ação ou de defesa a interesses diversos daqueles que fundamentaram a sua atribuição e, por conseguinte, praticar abuso de processo. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob. Cit, pag.49)
De facto, com a reforma de 95/96 deixou de se exigir do sujeito processual apenas a “suposição” quanto ao fundamento da sua pretensão, para se passar a exigir uma suposição desculpável (isto é, apoiada no cumprimento dos mais elementares deveres de cuidado e de prudência) quanto à razão da mesma, pelo que só nestes casos, ainda que a pretensão venha a ser considerada infundada e venha o sujeito a decair na causa, não será este sancionado por má-fé. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob. Cit, pag.49)
Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido objetivo, litigará de má fé se, não obstante conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse. (PAULA COSTA E SILVA, A Litigância de Má Fé, p. 393).
A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável.(Cfr. PAULA COSTA E SILVA, ob.cit, pag.394)
A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constituiu realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar particamente o funcionamento da regra”. (Cfr. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 616.)
Alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa – al. b), do n.º 2, do art. 542.º, do CPCivil.
Desta feita, atualmente poderá ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo. Com efeito, se uma certa incerteza é característica do próprio processo, essa incerteza não poderá ser tal que resulte apenas de uma atuação gravemente negligente na recolha do material fáctico da causa. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob.cit., pág.51).
No caso da al. b, o corpo do art. 456/2 tem função qualificadora das condutas. A má fé consubstancia-se na alteração ou na omissão intencional de factos e ainda numa representação errada ou incompleta da realidade fundada numa grosseira indagação dessa mesma realidade. (PAULA COSTA E SILVA, A Litigância de Má Fé, p. 408).
Uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – al. d), do n.º 2, do art. 542.º, do CPCivil.
O tipo da alínea d) não convive com a sua comissão com negligência, mesmo que esta seja grave. Esta conclusão impõe-se porque “(a) negligência não depende da finalidade, mas da violação de deveres de cuidado e é, portanto, um elemento inteiramente normativo”. Se o tipo do art. 456/2/d pressupõe a finalidade do agente, dirigida à obtenção de um concreto resultado, por referência ao qual é dirigido o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, a descrição típica é inconciliável com uma atuação negligente. (PAULA COSTA E SILVA, A Litigância de Má Fé, p. 416.)
À semelhança do que sucede nos restantes tipos de ilícito descritos nas alíneas precedentes, também a alínea d) pressupõe a ocorrência de um determinado elemento subjetivo para que se verifique o tipo de ilícito nela descrito, o que se justifica pelo facto de a litigância de má-fé se não limitar a vedar a conduta abusiva, impondo antes multa e a obrigação de ressarcimento dos danos causados. Este elemento subjetivo sofre aqui, porém, uma agravação significativa, na medida em que a letra da lei se refere a uma atuação dirigida a um determinado fim específico, dando a entender a necessidade de uma verdadeira conduta intencional e, portanto, dolosa, não se bastando com a mera inobservância dos deveres de cuidado com negligência grosseira.
Culpa
O instituto da litigância de má-fé visa, efetivamente, sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual embora exija que tais comportamentos sejam acompanhados por um específico animus da parte do agente. Ou seja, teremos litigância de má-fé apenas quando ao elemento objetivo traduzido nas diversas alíneas do art. 542º, nº 2, que concretizam um dever de honeste procedere, acresça um elemento de ordem subjetiva. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES,, ob. Cit, pag.53/39/40).
A presença do elemento subjetivo será então considerada não apenas ao nível da culpa, mas também em sede de tipicidade. Só quando o comportamento descrito nas diversas alíneas tenha sido praticado com dolo ou negligência grave, se poderá considerar que o sujeito processual praticou um ilícito típico. Se tal elemento subjetivo se ausentar, a conduta não poderá sequer ser considerada ilícita e o sujeito não poderá ser considerado como litigante de má-fé. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES,, ob. Cit, pag.42)
Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta merecer a reprovação ou censura do direito. (...) E a conduta é reprovável, quando se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo. (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 562.)
É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou a mera culpa.( ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pp. 566/67).
O dolo, para efeitos de responsabilidade civil corresponde à intenção do agente de praticar o facto. (MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 4.ª ed., p. 298.)
Relativamente ao dolo civil, não é essencial a intenção de causar um dano a outrem (animus nocendi), bastando a consciência do prejuízo, do carácter danoso do facto (o dolo genérico). (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 572).
Ora, também ao nível processual se não afigura necessária a intenção de prejudicar a contraparte, bastando-se o dolo processual com a consciência da falta de fundamento da sua pretensão ou do caráter dilatório dos atos processuais que pratica. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, Algumas reflexões em matéria de litigância de má-fé, Coimbra, 2014, p. 77).
A mera culpa ou negligência consiste na omissão da diligência exigível do agente. (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 573.)
No âmbito da mera culpa cabem os casos em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação (negligência consciente), e casos em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verifica, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida (negligência inconsciente). (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 573.)
Deste modo, também ao nível da responsabilidade processual, o grau de diligência exigível ao litigante deverá partir da diligência do bom pai de família, ou seja, da diligência que um homem medianamente prudente e cuidadoso teria empregado previamente à propositura de uma ação judicial. Deverá, porém, atender-se ainda às particularidades do caso concreto, designadamente às qualidades e qualificações do agente e às circunstâncias em que se encontrava, desde logo porque a diligência exigida a um profissional qualificado na sua atividade, não poderá ser a mesma que se exige a um cidadão não qualificado na matéria . /MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, Algumas reflexões em matéria de litigância de má-fé, Coimbra, 2014, pp. 79/80).
O parâmetro de aferição do dever de diligência consubstancia-se assim: “a generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte” .( PAULA COSTA E SILVA Apud ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 616, nota (4).Litigância de Má Fé, p. 416).
Definido o padrão por que se deverá medir o grau de diligência exigível ao litigante, cumpre referir que o seu grau de culpabilidade será tanto maior quanto mais intenso o dever de ter agido de outro modo, podendo, em consequência,
a negligência com que atua ser considerada simples ou grave . (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob. Cit, pag. 81).
Assim, teremos negligência simples sempre que o sujeito processual omita a diligência do bonus pater famílias. Por seu turno, atuará com negligência grave aquele que não obedeça às mais elementares regras de prudência, omitindo o mínimo de diligência que lhe teria permitido aperceber-se da falta de fundamento da sua pretensão ou da reprovabilidade do uso que faz do processo e dos meios processuais. (MARTA ALEXANDRA FRIAS BORGES, ob. Cit, pag. 81).
A negligência grave é entendida como uma “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um”. (MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acão E Culpa “In Agendo”, p. 26).
Ligada ao elemento subjetivo, o legislador deixou ainda clara a desnecessidade quanto à prova da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade acerca do eventual desconhecimento da falta de fundamento da atuação processual ou dos meios negativos que é passível de provocar na tarefa de realização da justiça. (ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., p. 341).
Sendo as partes normalmente representadas por técnico forense, pareceu desnecessário exigir o dolo quanto à natureza infundada da ação ou da pretensão, bastando que seja censurável o seu eventual desconhecimento, o que se compreende perfeitamente tendo em conta as habilitações exigidas para o exercício do mandato judicial. (ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 3.ª ed., 2.º vol., pp. 341/342).
Vejamos o caso dos autos, isto é, se a conduta processual do apelante/executado é subsumível ao conceito de litigância de má-fé.
Nos presentes autos a requerente veio sucessivamente arguir nulidades, nulidades de nulidades já apreciadas, em requerimentos sucessivas dando origem a sucessivas decisões de teor repetido, com o fim de obstar ao transito em julgado do Acórdão proferido nos autos.
Veio agora, de novo, formular novo requerimento invocando novas nulidades, protelando e arrastando o andamento do processo.
É manifesto o preenchimento do nº1, als. a) e d) do art.542º, do CPC, tanto mais que o Tribunal teve necessidade de recorrer ao disposto no art.670º do CPC, dispositivo legal aplicável em extremo para por termo a comportamento da parte obstativo do transito em julgado e da baixa do processo, como decorre dos autos. Estão assim verificados também os requisitos do art.670º do CPC, justificando-se o recurso a tal mecanismo legal.
O comportamento é doloso, na modalidade de dolo direto.
Estão assim verificados os requisitos para condenar a Garagem Veneza como litigante de má fé o que se decide, condenando-a na multa de 20 vinte UCS.
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Em relação à conduta da Mandatária da Garagem Veneza consideramos que não existe autonomia em relação à actuação processual daquela, não se vislumbrando matéria factual para a sua condenação como requerido pelas exequentes/recorridas.
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DECISÃO:
Nos termos vistos, acordam as juízes da 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes a arguição de nulidade constante do requerimento de 27-5-2025, mantendo a decisão proferida a 8-5-2025.
Julga-se improcedente a arguição de nulidade constante do requerimento de 24-11-2022, mantendo-se as decisões singulares de 18-10-2022 e 10-11-22.
Condena-se a Garagem, Veneza Lda na multa de vinte UCS, como litigante de má fé.
Custas a cargo da Requerente Garagem Veneza.

Lx, 10 de Julho de 2025
Amélia Ameixoeira
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães