ARRENDAMENTO
EXPROPRIAÇÃO
REALOJAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1 - A A., em virtude da expropriação do arrendado, podia optar pelo realojamento ou por indemnização satisfeita de uma só vez.
2 - Obtido o realojamento, ainda que com atraso, não pode a A. exigir indemnização equivalente à que teria direito se tivesse optado pela indemnização satisfeita de uma só vez.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que AA move contra Câmara Municipal de Lisboa, aquela interpôs recurso da sentença pela qual foi julgada a ação parcialmente procedente e, em consequência, foi a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 8.100,00 euros por danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação, e a quantia de € 25.000,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da sentença; e foi a R. absolvida do mais peticionado.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja revogada a sentença quanto à indemnização pela demolição do arrendado, condenando-se a R. a pagar à recorrente o montante de € 80.728,33, acrescido de juros desde a data da citação, e mantendo-se a sentença recorrida quanto à indemnização pela perda do recheio do imóvel e a título de danos não patrimoniais.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1ª Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” na parte em que julgou improcedente a indemnização deduzida pela A. a título de danos patrimoniais, impugnando a recorrente a decisão sobre matéria de facto e de direito
2ª Na ação alega a A. que o imóvel de que era arrendatária foi demolido em 1998 quando se encontrava detida e, embora tivesse solicitado realojamento à R. antes e depois da sua detenção a mesma não lhe providenciou habitação ou realojamento a que estava obrigada,
3ª sendo que quando foi libertada em 2004 teve de ficar em casa de terceiros e, em Agosto de 2009 passou a ocupar o imóvel sem autorização da R., sendo que,
4ª dada a sua situação económica, celebrou posteriormente com a recorrida um contrato de arrendamento apoiado, em 2021, na qualidade de arrendatária habitacional.
5ª Não tendo sido realojada, nem tendo obtido indemnização por expropriação reclamou indemnização, nos termos dos artgsº 483 e 562 do C.Civil, recorrendo ao critério do artgº 29 nº 3 do C.Expropriações, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
6ª Vindo, porém a decisão recorrida a considerar que pelo incumprimento do dever de realojamento da R. não pode a A. obter a indemnização prevista no C. Expropriações mas apenas a que for adequada a ressarcir os danos sofridos, tendo limitado essa indemnização ao montante de € 5000 e € 3.100 pelo recheio do imóvel, julgando procedente a indemnização a título de danos não patrimoniais.
7ª Ora, em sede de impugnação da matéria de facto, a recorrente considera incorretamente julgados o artigo 44 da matéria provada e os artigos 1, 3 e 4 da matéria não provada.
8ª Relativamente ao artigo 44 da matéria provada o tribunal considerou que a prova desse artigo resultava do teor do Doc. 8 junto com a contestação, porém as provas que impõem decisão diversa são o Doc. 10 junto com a mesma contestação e o depoimento da testemunha BB na sessão de julgamento do dia 21.01.2025 – passagem de 10.30 a 12.30 – do que resulta que a recorrente recebeu as chaves desse imóvel e devolveu-as em 26 de Junho de 2006,
9ª pelo que a data referida no artgº 44 da matéria deverá passar a ser 26 de Junho de 2006 em vez de 20 de Junho de 2006.
10ª Relativamente ao artgº 1 da matéria não provada, as provas que impõem decisão diversa da recorrida são o Doc. 6 junto com a contestação e relatório pericial na resposta ao quesito 2.1.2 na medida em que aí se apurou que a área do imóvel era de 21 m/2, pelo que deveria ter sido provado que a área do imóvel aí referido era de 21m2.
11ª Relativamente aos artigos 3 e 4 da matéria não provada, a prova que impõe decisão diversa é constituída pelo depoimento da testemunha BB na audiência de 21.01.2025, passagem - 05.30 a 06.10, discriminando as obras levadas a cabo pela A. bem como pelo relatório pericial em resposta ao quesito 2.1.5 A e que estimou em € 3.680,00 essas obras, pelo que,
12ª deveriam as obras ter sido dadas como provadas e o seu valor contabilizado em € 3.680,00.
13ª No que concerne ao direito apurou-se que a expropriação e demolição do imóvel tiveram como base legal o artgº 42 nº 1 do DL 794/76, que apesar da recorrente ter solicitado o realojamento à R. não o obteve, pelo que quando foi libertada em Novembro de 2004 teve de ir viver para casa de terceiros e passou a ocupar sem autorização da R. um imóvel municipal e só em 2021, dada a sua situação económica, celebrou um contrato de arrendamento de renda apoiada com a R. relativamente a esse imóvel.
14ª Sendo que tinha direito a um imóvel com as mesmas características de área e localização do que foi expropriado, pelo que o imóvel que a R. lhe pretendeu atribuir em 2006, a que se alude em 43 da matéria provada, não podia ser considerado, desde logo, por se situar em área completamente diferente do que foi demolido e a A. denunciar falta de condições do mesmo, como se apurou em 45 da matéria provada.
15ª Consequentemente, atenta a falta de realojamento da A. e de qualquer indemnização, na sequência da demolição do imóvel onde residia, assiste-lhe o direito de ser indemnizada, nos termos dos artgsº 483 e 562 do C.Civil, devendo tal indemnização ser equivalente à que teria direito caso tivesse existido processo de expropriação.
16ª Consequentemente e de acordo com a prova pericial levada a cabo pela recorrida e considerando a área do imóvel de 21m2, o valor do fogo atualizado até Janeiro de 2025 ascende a € 38.994,81.
17ª Relativamente ao diferencial de rendas entre Dezembro de 2004 e Agosto de 2009, de acordo com a prova pericial levada a cabo nos autos e artigo 6 da matéria provada e atualizando esse valor até Janeiro de 2025 obtém-se o montante de € 38.053,52.
18ª E, relativamente às obras realizadas pela recorrente no imóvel em questão, também de acordo com a prova pericial e testemunhal, deve a recorrente ser indemnizada pela R. no montante de € 3.680,00.
19ª Tem assim, a sentença recorrida feito incorreta apreciação da matéria de facto atrás referida e incorreta apreciação jurídica quanto à indemnização a que a recorrente tem direito, violando o disposto nos artgsº 483, 562 do C.Civil e 29 nº 3 do C.Expropriações.»
A R. respondeu à alegação, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Os pedidos de atualização do valor do fogo e do diferencial de rendas até janeiro de 2025, bem como estes fundamentos consubstanciam, implicitamente, ampliação do pedido e da causa de pedir sem qualquer correspondência ou conexão com a causa de pedir e pedido deduzido na PI, a título de responsabilidade civil, o que se revela, de novo, abusivo, por exercício ilegítimo e de má fé processual.
2. A aqui, Apelada não aceita a ampliação do pedido e da causa de pedir, pois, o Recurso jurisdicional interposto tem como objeto reexaminar, parcialmente, a Decisão do Tribunal a quo, pelo que não se pode destinar a modificar o pedido inicial ou a causa de pedir que se apresentam estabilizados no processo, desde o momento em que aquela foi prolatada.
3. Nos termos dos artigos 260 e 264º do CPC a alteração do pedido e da causa de pedir, implicitamente, formuladas pela Apelante, mostram-se, assim, incompatíveis com o princípio da estabilidade da instância.
4. Quanto aos fundamentos do recurso, a Apelante, incorre, desde logo, em erro de leitura da Douta Sentença “a quo” e em má-fé processual na análise da mesma quanto aos factos dados por provados e não provados, como, igualmente incorre em erro de direito, ao pretender subsumir os factos provados e não provados ao disposto no artigo 29º, nº 3 do Código da Expropriações, invocando danos patrimoniais, a título de fundamento da peticionada indemnização, desconhecendo que o valor do fogo e o diferencial de rendas são critérios apenas aplicáveis no cálculo de indemnização, enquanto encargo autónomo da expropriação, satisfeita de uma só vez, a arrendatário habitacional que não optou por realojamento.
5. Atentando nos factos dados como provados, nºs 44 e 45 é notório o erro de leitura e análise da Apelante, quer da sentença a quo, quer do teor integral dos documentos identificados na contestação, como Docs. 8 e 10, que fundamentaram a valoração daqueles factos, por comprovação documental. – Cf. Gravação do depoimento da Testemunha CC: 25:20-26:59
6. Quanto aos factos provados nº 44 e 45 vem, na Sentença recorrida claramente enunciado que a decisão se fundou nos factos essenciais alegados pelas Partes, valorando--os porque os considerou comprovados pelos documentos 8 e 10 juntos com a contestação, documentos com força probatória bastante face ao disposto nas normas substantivas aplicáveis.
7. Também quanto aos factos não provados nºs 1, 3 e 4 a Douta Sentença justifica o iter cognoscitivo que pautou a análise crítica e especificada dos factos alegados pela Autora na PI, tanto sobre a área do locado invocada, como tendo 70m2, como sobre as alegadas obras de melhoramento do imóvel, como ainda, sobre o valor dessas obras de €7.500,00 – factos invocados pela Autora na PI, mas que, sendo seu o ónus, não logrou provar, nem por documento, nem por prova testemunhal e, menos, ainda, por prova pericial.
8. Como resulta da fundamentação da Sentença recorrida, a ocupação da habitação municipal, em agosto de 2009, sem autorização, sita no ..., que a Apelante sabia terem os serviços da Apelada solicitado à Gebalis, E.M., SA a sua reserva para lhe atribuir, deu causa ao atraso no cumprimento da obrigação de realojamento, decorrente da expropriação e demolição do imóvel situado no Casal Ventoso, conforme, de resto, resulta dos factos provados nºs 50 a 52, e do teor do Doc. 14 junto com a Contestação e do depoimento da testemunha CC que referiu expressamente que a ocupação do fogo pela Autora embaraçou o processo de atribuição do fogo, por este ainda estar na esfera da Gebalis. – Cf. Gravação: 14:20-19:30 e 28:34-30:08
9. Só com a extinção do procedimento administrativo de desocupação abusiva desencadeado e desenvolvido pela Gebalis, E.M., SA que culminou na legalização dessa ocupação da habitação municipal é que a ora, Apelada ficou habilitada a formalizar o realojamento da expropriada ora, Apelante, mediante a celebração, em 01-05-2021, do contrato de arrendamento, no regime legal de arrendamento apoiado.
10. Contrariamente ao alegado no Recurso, a Recorrente, expropriada, optou em julho de 1998 – conforme o facto provado nº 38 e Doc. 5 junto com a contestação – pelo realojamento em habitação municipal, sem nunca ter renunciado ao mesmo.
11. Opção de realojamento que estava, de algum modo, implícita para os arrendatários e ocupantes habitacionais dos imóveis abrangidos pela Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística prevista no Decreto Regulamentar nº 21/95 de 25 de julho, e no Programa Urban desenvolvido pelo Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso, nos termos do DL. nº 262/95, de 04 de outubro e artigo 41º da Lei dos Solos, conforme resulta dos factos provados nºs 32 a 37 e do depoimento da testemunha DD, Diretora Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local. – Cf. Gravação: 2:40-4:12 e 5:40:7:00
12. Sob pena de enriquecimento sem causa, porque injustificado, em resultado da expropriação, a Apelante, enquanto arrendatária habitacional de prédio urbano - Parcela 38K - sito no Casal Ventoso, não é interessada, nessa qualidade, no processo expropriativo, pois nunca prescindiu do direito ao realojamento, nos termos do disposto nos artigos 9º, nº 2 e 29º, nº 2 do C. das Expropriações, na versão aplicável, do DL nº 438/91, de 09/11.
13. Não assiste razão à Apelante porquanto o Tribunal a quo fez uma correta análise crítica da prova produzida, enunciando a motivação determinante para a formação do juízo probatório dos factos provados e não provados, cumprindo o dever de fundamentação fáctico--jurídica da Decisão, como igualmente assegurou um julgamento de mérito apreciando todos os pedidos deduzidos pela aqui, Apelante, dando resposta especificada a todas as questões submetidas a julgamento pelas Partes e, subsumiu os factos dados como assentes ao direito aplicável, mediante a devida interpretação e fundamentação.»
As questões a decidir são as seguintes:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e
- da indemnização.
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Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. A A. foi arrendatária do nº 2 do prédio sito no ..., freguesia de Campo de Ourique (anterior Santo Condestável), Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo Condestável, sob o artigo ... (anterior artigo ...), destinado a habitação, com 3 divisões.
2. O referido prédio era composto por 7 lotes ou números de polícia.
3. A Autora pagava, à data de Julho de 1998, de renda mensal a quantia de € 14,96.
4. Na pendência do referido arrendamento, o prédio onde a A. habitava foi abrangido pelo Plano de Reconversão do Casal Ventoso.
5. A pedido da Ré foi levada a cabo uma avaliação do prédio descrito no artigo matricial nº ... (... da extinta freguesia de Santo Condestável), designado por …, com a área total de 798 m2 e área total de construção de 518 m2, tendo-lhe sido atribuído, no ano de 1998, o valor de € 561.162,60.
6. O valor médio de arrendamento no local do imóvel era de 8,15 m2 em dezembro de 2004 e de 9,70 euros m2 em agosto de 2019.
7. A Ré tomou posse administrativa do referido imóvel e demoliu o mesmo com o recheio no seu interior.
8. A posse administrativa em causa e a demolição do imóvel tiveram como base legal o art. 42 nº 1 do DL 794/76.
9. O recheio da casa da Autora era composto por mobiliário para dois quartos com camas, roupeiro, cómodas e mesas de cabeceira, mobiliário de sala de jantar com mesa, cadeiras e estante, cozinha com vários eletrodomésticos e apetrechos de cozinha, roupa de cama e atoalhados de casa de banho.
10. A A. encontrava-se detida à data da posse administrativa do imóvel e demolição do mesmo pela R.
11. permanecendo nessa situação de reclusão até 26.11.2004, data em que foi libertada.
12. Após a sua saída do Estabelecimento prisional a Autora ficou em casa de terceiros que a ajudaram.
13. E veio a interpelar a R. no sentido de obter realojamento.
14. Por carta de 11.03.2005, enviada para o estabelecimento prisional onde a Autora havia estado detida, a Ré declarou que estava assegurado o realojamento da A com a atribuição de casa municipal, comunicando que por Despacho da Vereadora do Pelouro da Habitação, proferido em 15/12/2004,
“(…) foi assegurado o seu realojamento, no âmbito do projeto de desalojamento/realojamento levado a cabo pelo Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso, devendo para o efeito requerer a atribuição de uma casa municipal quando se concretizar a sua saída em liberdade, do Estabelecimento Prisional”.
15. Em Agosto de 2009 a Autora passou a habitar o imóvel onde reside, propriedade da R., sito no ..., tendo então solicitado à R. a atribuição desse imóvel.
16. Desde essa data procedeu mensalmente ao depósito de valor igual ao que os anteriores arrendatários do mesmo imóvel pagavam de renda, em conta da CGD com o nº ....
17. Entre Agosto e dezembro de 2012 depositou mensalmente o valor de € 46,80.
18. Entre Janeiro de 2013 e Abril do mesmo ano procedeu ao pagamento de €47,00 mensais.
19. Desde Maio de 2013 até Julho de 2021, ao pagamento de € 50 mensais (Docs. 5 a 124).
20. Habitando esse imóvel com o seu agregado familiar composto pela sua filha maior, EE e o seu neto menor FF.
21. Em 16.10.2009 a R. comunicou à A. que o pedido de atribuição de “fogo” tinha transitado para o Departamento de Gestão Social do Parque Habitacional da CML.
22. Por carta datada de 13/02/2020 foi a Autora notificada para comparecer no dia 18/02/2020 no Gabinete de Bairro Vale de Alcântara para atendimento, por forma a tratar-se da situação habitacional do respectivo agregado familiar.
23. Por carta datada de 26.11.2020, a R. interpelou a A. para, no prazo de cinco dias úteis, enviar os seguintes documentos para regularização da sua situação habitacional: nota de liquidação 2019, da Autora e da filha, declaração do Instituto de Segurança Social a informar se aufere ou não algum subsídio ou pensão; e uma vez que foi cessado o RSI, extracto do Instituto de Segurança Social com os últimos descontos; sob pena de envio do processo aos serviços jurídicos.
24. O imóvel sito no ... foi atribuído à Autora na qualidade de arrendatária a partir de 01/05/2021, pelo período de dez anos, mediante o pagamento da renda mensal de € 43,62.
25. Sendo reclamado da A. a quantia de global de € 684,71 a título de legalização de ocupação do imóvel entre agosto de 2009 e a data referida supra.
26. O facto de não ter obtido realojamento causou enorme angústia, ansiedade, frustração e desespero à Autora.
27. A Autora teve receio de poder perder a casa onde vive com a filha e o neto com 4 anos de idade, sem qualquer alternativa.
28. Tornando-se uma pessoa triste e desiludida com a vida.
29. Tal situação foi agravada pela sua debilidade económica.
30. Padecendo, por doença, de um grau de invalidez permanente definitiva de 60% e tendo 62 anos de idade.
31. Encontra-se desempregada e sem qualquer rendimento.
32. A delimitação da zona como Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística implicou, nos termos dos artigos 42.º e 43.º do DL. n.º 794/76, como efeito direto e imediato, a declaração de utilidade pública de expropriação urgente, com autorização de investidura na posse administrativa dos imóveis abrangidos, como meio destinado à demolição do edificado degradado, com vista à reconversão e recuperação urbanística do Casal Ventoso, eliminando as condições de degradação física e social responsáveis pelos elevados níveis de criminalidade e delinquência ali registados.
33. No âmbito do Programa comunitário “Urban” que abrangeu o Casal Ventoso, o Município de Lisboa e o Estado reconheceram a urgente necessidade pública de promover uma operação integrada de reabilitação urbanística e reconversão social e ambiental daquela zona, que apresentava um adiantado estado de degradação, carecendo de infraestruturas básicas indispensáveis, nomeadamente no domínio do saneamento.
34. Neste contexto, tendo em vista uma intervenção integrada e expedita no local, mediante o Decreto Regulamentar n.º 21/95 de 25 de julho, foi declarada a zona do Casal Ventoso, como “Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística”, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do DL. n.º 794/76, de 5 de novembro, comumente conhecida como a Lei dos Solos (LS).
35. Para operacionalizar esse programa de ação integrada de reconversão e recuperação urbanística e social, mediante o DL n.º 262/95, de 04 de Outubro, foi criado o Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso (O Gabinete), pessoa coletiva pública, de âmbito municipal e interesse nacional, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, ao qual foi legalmente conferido, entre outros, o poder de agir como entidade expropriante dos imóveis necessários à realização desse programa de reconversão e reabilitação, célere, na zona, bem como de promover o reequilíbrio físico e sócio-económico, com vista a favorecer a coesão social naquela área crítica.
36. Entre 1998 e 2002 foram promovidas pelo Gabinete do Casal Ventoso, todas as expropriações necessárias, com o consequente pagamento das indemnizações à maioria dos proprietários e arrendatários que, nos termos do Código das Expropriações, não optaram pelo realojamento.
37. À medida que foram sendo construídas as habitações para realojamento nos Bairros no Vale de Alcântara, entre os quais figura o Bairro Quinta do Cabrinha e o Bairro Ceuta/Norte e Sul, o Gabinete do Casal Ventoso foi tomando posse administrativa para demolição dos imóveis e, em cooperação com a R., foram atribuídas as novas casas municipais para realojamento dos agregados familiares, arrendatários ou meros ocupantes que residiam no Casal Ventoso.
38. A Autora, apesar de se encontrar detida no Estabelecimento Prisional de ..., logo, em julho de 1998, visando acautelar a sua futura situação habitacional, fez comunicar ao Gabinete do Casal Ventoso, entretanto extinto, e aos Serviços da R. uma declaração comprovativa de que se encontrava naquele estabelecimento prisional, desde 07/06/95 e que a mesma se destinava a apresentar na Câmara Municipal de Lisboa para efeito de realojamento.
39. Em 22 de Outubro de 1998 foi comunicado pelo Gabinete aos co-proprietários das parcelas inventariadas que compreendiam a ..., entre as quais a Parcela ... que correspondia ao locado da A. de que iria tomar posse administrativa.
40. Em 14/10/2024 a Autora solicitou à Ré o envio para o estabelecimento prisional de uma declaração comprovativa do seu direito a ser realojada, para efeitos de avaliação para concessão de liberdade condicional cuja data estava prevista para Novembro do mesmo ano.
41. Após a saída do Estabelecimento Prisional, em liberdade condicional a Autora voltou a contactar os serviços da Ré requerendo a atribuição de fogo municipal.
42. Os serviços da Ré solicitaram à Gebalis E.M., SA, entidade que tinha a seu cargo a gestão e administração das habitações municipais e respetivos Bairros a indicação de um fogo municipal, tipologia T2, para realojamento da A. e sua Filha.
43. Em 31/01/2006 foi cedido pela Gebalis um fogo municipal de tipologia T2, que se encontrava vago, porque nele haviam sido realizadas obras recentes de reabilitação, situado na ... que se encontravam sob gestão e administração da Gebalis, E.M., SA, desde 1996, tendo sido comunicado à Autora por carta de 23/05/2006 que tal fogo lhe havia sido atribuído.
44. Em 20-junho-2006 a A. declarou aceitar o fogo, recebeu as respetivas chaves e comprometeu-se a pagar mensalmente o valor da renda que foi liquidada e aplicada.
45. Em 26-junho-2006, declarou residir na ... e não estar interessada no referido fogo municipal, por motivo de falta de condições e que continuaria em espera de outro fogo, tendo entregue nessa data as respectivas chaves.
46. Em 20-11-2007 os Serviços da R. solicitaram à Gebalis, E.M., SA a reserva de fogo municipal sito na ..., caso o mesmo se encontrasse disponível, para realojamento do Agregado familiar da A.
47. Em 09-maio-2008 a Gebalis, EM.SA remeteu aos Serviços da R. as chaves do fogo T2 sito na ... para futura atribuição.
48. Como este fogo municipal carecia de obras, foi o mesmo incluído na listagem dos fogos a reabilitar foi incluído no contrato programa III.
49. Em 23-julho-2009 os Serviços da R. formulam pedido à Gebalis para reserva do fogo municipal, de tipologia T2, sito no ..., para realojamento do agregado da A.
50. Em 24-08-2009 a A. apresentou exposição à Vereadora com o Pelouro da Habitação, Dra. GG, na qual requeria o seu realojamento no ..., a título precário, informando ter na sua posse a chave do fogo, por alegadamente, a mesma lhe ter sido entregue pelos familiares do anterior ocupante/falecido, relatando que a entrega da chave teria ocorrido com a presença da técnica da Gebalis, Dra. HH que não terá manifestado oposição. - Cf. Doc. 14, adiante junto e que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
51. A partir de agosto de 2009 os Serviços da R. vieram a confirmar telefonicamente com a Técnica da Gebalis, Dra. II, de que a A. e o seu agregado familiar – Filha e Neto -haviam ocupado o fogo, cuja reserva havia sido solicitada à Gebalis, para atribuição/realojamento da Autora.
52. Em sequência, a Gebalis conduziu este processo como ocupação não autorizada.
53. Os depósitos bancários de renda, efetuados na CGD pela A., na qualidade de arrendatária, para crédito na Conta n.º ..., conforme comprovativos subscritos pela A., foram feitos a favor da Gebalis, constando deles a morada da sede da sociedade: Rua Costa Malheiro L.T. B 12 Rua Dr. Alfredo Boa Saúde 1800-412 Lisboa.
54. A Gebalis é uma pessoa coletiva de direito privado, sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com natureza municipal, que goza de personalidade jurídica e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos dos respetivos estatutos (Cf. art.º 1.º), cuja versão em vigor, se encontra publicada no B.M. n.º 1198 de 2 de fevereiro de 2017.
55. Tem esta sociedade anónima – Entidade do Setor Empresarial Local, de Promoção do Desenvolvimento Local - como objeto social, nomeadamente a promoção e gestão de imóveis de habitação social, bem como a gestão de outro património edificado habitacional que o Município decida afetar ao arrendamento da habitação social municipal (Cf. n.º 1, do Art.º 3.º dos Estatutos).
56. Com vista à prossecução do seu objeto social, constituem atribuições da Gebalis (art.º 4.º dos Estatutos), nomeadamente promover, no edificado e Bairros sob sua responsabilidade, a gestão de proximidade do arrendamento da habitação municipal, promover uma adequada administração patrimonial e social, assegurar a conservação e manutenção do parque habitacional, monitorizar com regularidade a ocupação de frações habitacionais e promover a desocupação expedita de frações municipais sob sua responsabilidade, que sejam alvo de ocupações não autorizadas, em articulação com a Polícia Municipal.
57. Os fogos municipais situados no ..., no qual se integra a habitação municipal ocupada e atribuída pela R. à A. situado na ..., encontram-se sob gestão e administração cometida à Gebalis, E.M., SA.»
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Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
«1. O nº 2 do prédio sito no ..., freguesia de Campo de Ourique (anterior Santo Condestável), Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo Condestável, sob o artigo ... (anterior artigo ...), destinado a habitação, com 3 divisões – tinha a área de 70 m2.
2. À data da sua demolição encontrava-se no imóvel todo o vestuário da A. e 2 filhos assim como ferramentas, moldes e utensílios para venda ambulante.
3. A A., por sua iniciativa, procedeu a diversas obras de melhoramento do imóvel como pintura das paredes para eliminar humidade, substituição do soalho da habitação com retirada do cimento e colocação de madeira e substituição de janelas para impedir a entrada de ar frio e água da chuva na casa.
4. O valor do recheio e obras pode ser contabilizado em € 7.500,00.
5. Após a sua saída do Estabelecimento Prisional a A. pretendia dedicar-se à venda ambulante, confecionando e vendendo roupa, atoalhados, capas, oleados, boinas, chapéus, bandeiras, calçado, bem como vender utensílios de cozinha como pratos, copos, talheres, panelas tachos, artigos de peluche, vasos com diversos tipos de flores e brinquedos.
6. Para o desenvolvimento dessa atividade profissional necessitava de um local que iria funcionar como “armazém” para guardar todo o material que comprava em “bruto”, bem como para as máquinas de costura e restante material para fabrico e confeção desses produtos.
7. A Autora tinha a expectativa de obter dessa atividade profissional, pelo menos, o valor líquido correspondente ao salário mínimo nacional geral.
8. Entre Dezembro de 2004 e Agosto de 2009, devido à falta de atribuição de habitação por parte da R., a A. viu-se privada da possibilidade de desenvolver a sua atividade profissional.
9. A Ré procedeu aos depósitos de renda na conta da CGD, com o conhecimento da Ré.»
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Nas conclusões recursivas, a recorrente especificou como incorretamente julgados os pontos 44 da matéria de facto provada e 1, 3 e 4 da matéria de facto não provada.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
“8ª Relativamente ao artigo 44 da matéria provada o tribunal considerou que a prova desse artigo resultava do teor do Doc. 8 junto com a contestação, porém as provas que impõem decisão diversa são o Doc. 10 junto com a mesma contestação e o depoimento da testemunha BB na sessão de julgamento do dia 21.01.2025 – passagem de 10.30 a 12.30 – do que resulta que a recorrente recebeu as chaves desse imóvel e devolveu-as em 26 de Junho de 2006,
9ª pelo que a data referida no artgº 44 da matéria deverá passar a ser 26 de Junho de 2006 em vez de 20 de Junho de 2006.”
O ponto 44 da matéria de facto provada diz respeito ao recebimento das chaves pela A.
À devolução das chaves pela A. se refere o ponto 45 da matéria de facto provada, deste resultando que a A. entregou as chaves a 26 de junho de 2006.
Do documento junto com a contestação denominado “DOC. 8” consta uma declaração subscrita pela A. datada de 20 de junho de 2006, com conferência de assinatura datada também de 20 de junho de 2006, na qual se pode ler:
“Declaro ainda, que recebi o original do presente ofício, bem como a chave do fogo indicado.”
O documento junto com a contestação denominado “DOC. 10” constitui uma declaração subscrita pela A. datada de 26 de junho de 2006, na qual se pode ler:
“… devolvendo por isso as chaves do mesmo, que me foram entregues em 06/06/26.”
A data da entrega que resulta da primeira declaração não coincide com a data da entrega que a A. fez constar da segunda declaração, pelo que, tendo em conta a data da conferência de assinatura constante da primeira declaração, terá de prevalecer o que resulta desta declaração, mantendo-se, assim, o ponto 44 da matéria de facto provada.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
“Relativamente ao artgº 1 da matéria não provada, as provas que impõem decisão diversa da recorrida são o Doc. 6 junto com a contestação e relatório pericial na resposta ao quesito 2.1.2 na medida em que aí se apurou que a área do imóvel era de 21 m/2, pelo que deveria ter sido provado que a área do imóvel aí referido era de 21m2”.
O ponto 1 da matéria de facto não provada é do seguinte teor:
“O nº 2 do prédio sito no ..., freguesia de Campo de Ourique (anterior Santo Condestável), Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo Condestável, sob o artigo ... (anterior artigo ...), destinado a habitação, com 3 divisões – tinha a área de 70 m2.”
A recorrente reconheceu que não se provou a área de 70 m2, mas pretende que se dê como provada uma redação restritiva: a área de 21 m2.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
“Os documentos juntos aos autos não referem que o fogo de que a Autora era arrendatária tivesse a área de 70 m2, nomeadamente não o refere a caderneta predial, resultando do teor do documento 6 junto com a contestação e do relatório pericial (resposta à questão A2) que este poderia ter 21 m2, embora fosse um T2 – por essa razão foi esse facto considerado não provado.”
Do relatório pericial consta o seguinte:
“face aos elementos formais existentes nos documentos do Processo Expropriativo disponibilizados, conclui-se que a habitação da Autora teria uma área bruta privativa de 21 m2.
Não obstante, tendo em conta a sua tipologia (T2) e ocupação (7 a 8 pessoas), se no decurso do processo forem juntos novos elementos que comprovem outra eventual dimensão, os peritos admitem rever a sua posição nesta matéria.”
É, pois, de aditar a área de 21 m2 à matéria de facto provada.
Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
“11ª Relativamente aos artigos 3 e 4 da matéria não provada, a prova que impõe decisão diversa é constituída pelo depoimento da testemunha BB na audiência de 21.01.2025, passagem - 05.30 a 06.10, discriminando as obras levadas a cabo pela A. bem como pelo relatório pericial em resposta ao quesito 2.1.5 A e que estimou em € 3.680,00 essas obras, pelo que,
12ª deveriam as obras ter sido dadas como provadas e o seu valor contabilizado em € 3.680,00.”
Os pontos 3 e 4 da matéria de facto não provada são, respetivamente, do seguinte teor:
- “A A., por sua iniciativa, procedeu a diversas obras de melhoramento do imóvel como pintura das paredes para eliminar humidade, substituição do soalho da habitação com retirada do cimento e colocação de madeira e substituição de janelas para impedir a entrada de ar frio e água da chuva na casa.”
- “O valor do recheio e obras pode ser contabilizado em € 7.500,00.”
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
«Apesar da testemunha BB ter referido que a Autora quando foi morar para o local fez obras, tendo referido reboco e pintura, janelas, portas novas, chão novo, não circunstancia tais declarações, não refere em que ano foram feitas as obras, quais os materiais empregues, quem as fez, quem as pagou e como foram pagas, não havendo quaisquer documentos ou quaisquer outros depoimentos que o comprovem. Sendo assim, não foram as declarações da testemunha consideradas suficientes para dar como provado o facto 3 do elenco de factos não provados.
Sendo tão parcos os elementos existentes a propósito das obras e do recheio do imóvel, não poderia o tribunal considerar provado o facto 4 do elenco de factos não provados sobre o respectivo valor. Por outro lado, no relatório pericial é atribuído ao recheio o valor de 3.100,00 euros e às obras o valor de 3.680,00 euros, que não perfaz o valor constante do NP4.»
“… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 7 de setembro de 2017, processo 959/09.2TVLSB.L1.S1).
Ouvida a passagem da gravação do depoimento da testemunha BB indicada na alegação recursiva a propósito do facto vertido no ponto 3 da matéria de facto não provada (passagem gravada de “5.30 a 6.10”), nada encontramos que abale a fundamentação do tribunal recorrido.
É de salientar que a testemunha, depois de afirmar que a A. “evidentemente teve que fazer o mínimo”, referiu porta e janelas novas, o que, desconhecendo-se o estado do imóvel, parece contraditório, tanto mais que a A. era mera arrendatária.
Tal como o tribunal recorrido, não consideramos o depoimento da testemunha BB suficiente para dar como provado o facto vertido no ponto 3 da matéria de facto não provada.
Fica, assim, prejudicada a reapreciação do ponto 4 da matéria de facto não provada quanto ao valor das obras.
Assim, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando a matéria de facto provada a ter a seguinte redação:

58. O nº 2 do prédio identificado no ponto 1 tinha a área de 21 m2.
*
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
«É sabido que a expropriação de imóvel arrendado produz a extinção do contrato de arrendamento, uma vez que a entidade expropriante recebe o imóvel livre para poder dar-lhe o destino que torna necessária a expropriação.
Tendo em conta a cronologia dos acontecimentos em causa nos autos, será aplicável ao caso a versão do Código das Expropriações (CE) resultante do DL n.º 438/91, de 9 de novembro.
Nos termos do art. 29º, nº2 CE, o inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo em consequência da caducidade do arrendamento resultante da expropriação pode optar entre uma habitação cujas características, designadamente de localização e renda, sejam semelhantes às da anterior ou por indemnização satisfeita de uma só vez.
Optando o arrendatário pela indemnização, esta constitui encargo autónomo do processo de expropriação.
Com efeito, resulta do art. 29º, nº1 do CE que o arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, ou para habitação no caso previsto no n.º 2 do artigo 9.º, bem como o arrendamento rural, são considerados encargos autónomos para efeito de indemnização dos arrendatários.
Nos termos do art. 9º, nº2 do mesmo diploma legal, o arrendatário habitacional de prédio urbano só será interessado no processo de expropriação, nessa qualidade, quando prescinda de realojamento equivalente, adequado às suas necessidades e às daqueles que com ele vivam em economia comum à data da declaração de utilidade pública.»
Pode ler-se ainda:
“pelo incumprimento do dever de realojamento não pode a Autora obter a indemnização prevista no Código das Expropriações mas apenas aquela que for adequada a ressarcir os danos sofridos.
Já vimos que só o arrendatário que opte pela indemnização é considerado interessado no processo de expropriação.
Por esse motivo, não pode a Autora alegar que pretendia ser realojada e vir pedir a indemnização pela expropriação.”
No entender da recorrente, “atenta a falta de realojamento da A. e de qualquer indemnização, na sequência da demolição do imóvel onde residia, assiste-lhe o direito de ser indemnizada, nos termos dos artgsº 483 e 562 do C.Civil, devendo tal indemnização ser equivalente à que teria direito caso tivesse existido processo de expropriação”.
Em apoio da sua posição, invocou o acórdão proferido pelo STJ a 26 de novembro de 2015, no processo 1205/12.7TVLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt.
No citado acórdão, pode ler-se:
«Concluindo:
I - ...
II - Constatando-se, já no decurso da causa, que não existe processo expropriativo, nem vistoria ad perpetuam rei memoriam e que há muito foi demolido o imóvel expropriado, não é já viável a constituição e funcionamento da arbitragem, corra esta ou não perante o juiz, não podendo a requerente, arrendatária que foi desse imóvel, obter, nestas condições, qualquer utilidade na constituição e funcionamento da arbitragem, considerando que tal pretensão pressupõe a existência e pendência de procedimento expropriativo como resulta dos termos do artigo 42.º/2, alínea b), 3 e 4 do Código das Expropriações de 1999.
III - ...
IV - Nestas circunstâncias, o interessado tem de socorrer-se do processo comum para exigir a indemnização que lhe é devida pela expropriação do imóvel de que era arrendatário (artigo 30.º do Código das Expropriações de 1999 e artigo 1051.º, alínea f) do Código Civil)».
O caso em análise no acórdão citado não é semelhante ao caso dos autos.
Conforme resulta do ponto 36 da matéria de facto provada, “entre 1998 e 2002 foram promovidas pelo Gabinete do Casal Ventoso, todas as expropriações necessárias, com o consequente pagamento das indemnizações à maioria dos proprietários e arrendatários que, nos termos do Código das Expropriações, não optaram pelo realojamento”.
Resulta ainda dos pontos 38 e 41 da matéria de facto provada que “a Autora, apesar de se encontrar detida no Estabelecimento Prisional ..., logo, em julho de 1998, visando acautelar a sua futura situação habitacional, fez comunicar ao Gabinete do Casal Ventoso, entretanto extinto, e aos Serviços da R. uma declaração comprovativa de que se encontrava naquele estabelecimento prisional, desde 07/06/95 e que a mesma se destinava a apresentar na Câmara Municipal de Lisboa para efeito de realojamento”; e que, “após a saída do Estabelecimento Prisional, em liberdade condicional a Autora voltou a contactar os serviços da Ré requerendo a atribuição de fogo municipal”.
Enquanto que, no caso em análise no acórdão citado, em causa estava a opção pela “indemnização satisfeita de uma só vez”, no caso dos autos, em causa está a opção pelo realojamento.
É de salientar que, apesar da demora no realojamento, a A. manteve-se fiel à sua opção.
Na verdade, resulta dos pontos 15 e 50 da matéria de facto provada que “em Agosto de 2009 a Autora passou a habitar o imóvel onde reside, propriedade da R., sito no ..., tendo então solicitado à R. a atribuição desse imóvel”; e que “em 24-08-2009 a A. apresentou exposição à Vereadora com o Pelouro da Habitação, …, na qual requeria o seu realojamento no ..., a título precário, informando ter na sua posse a chave do fogo, por alegadamente, a mesma lhe ter sido entregue pelos familiares do anterior ocupante/falecido, relatando que a entrega da chave teria ocorrido com a presença da técnica da Gebalis, … que não terá manifestado oposição”.
Dos pontos 24 e 25 da matéria de facto provada resulta que foi atribuído à A. o imóvel “na qualidade de arrendatária a partir de 01/05/2021, pelo período de dez anos, mediante o pagamento da renda mensal de € 43,62”, “sendo reclamado da A. a quantia global de € 684,71 a título de legalização de ocupação do imóvel entre agosto de 2009 e a data referida supra”.
Na alegação recursiva, a recorrente afirmou que “ocupou o andar onde atualmente reside em 2009 sem autorização da R. e só em 2021, dada a sua situação económica, celebrou um contrato de arrendamento com renda apoiada, artgsº 22, 23 e 24 da matéria provada, o que nada tem a ver com realojamento”.
Tem a ver com realojamento. É o que resulta dos pontos 42, 49 e 51 da matéria de facto provada, nos quais se pode ler, respetivamente:
- “Os serviços da Ré solicitaram à Gebalis E.M., SA, entidade que tinha a seu cargo a gestão e administração das habitações municipais e respetivos Bairros a indicação de um fogo municipal, tipologia T2, para realojamento da A. e sua Filha.”
- “Em 23-julho-2009 os Serviços da R. formulam pedido à Gebalis para reserva do fogo municipal, de tipologia T2, sito no ..., para realojamento do agregado da A.”
- “A partir de agosto de 2009 os Serviços da R. vieram a confirmar telefonicamente com a Técnica da Gebalis, …, de que a A. e o seu agregado familiar – Filha e Neto - haviam ocupado o fogo, cuja reserva havia sido solicitada à Gebalis, para atribuição/realojamento da Autora.”
Obtido o realojamento, ainda que com atraso, não pode a A. exigir indemnização equivalente à que teria direito se tivesse optado pela “indemnização satisfeita de uma só vez”.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário a esta concedido.

Lisboa, 10 de julho de 2025
Maria do Céu Silva
Maria Teresa Lopes Catrola
Rui Oliveira