SUBSTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
PRESSUPOSTOS
NOMEAÇÃO DE NOVO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Sumário

I – A substituição do administrador da insolvência pode ocorrer a qualquer momento, em assembleia de credores convocada para o efeito, independentemente da existência de justa causa, nos termos do disposto no artº 53º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
II – A indicação, neste contexto, de novo Administrador da Insolvência, tem caráter vinculativo para o Juiz, que só pode recusar a sua nomeação nos casos expressamente previstos no nº 3, do mesmo artº 53º.
III – Contudo, é necessário que a assembleia seja convocada com respeito pelo disposto no artº 75º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Apelação nº 3020/23.3T8VIS-E.C1

Juízo de Comércio de Viseu – Juiz 2

Recorrente                                 AA

Insolvente                                 BB

Administrador da Insolvência       CC

Credor                                      A..., Lda.

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Maria João Areias

José Avelino Gonçalves      

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de insolvência de pessoa singular, que corre termos no Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 1, em que é Insolvente BB, foi proferido despacho, decidindo que:

Pelo exposto, indefere-se a requerida destituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência.

Custas do incidente pelos requerentes AA e DD, cuja taxa de justiça se fixa em duas unidades por cada um.

         O Credor AA interpôs recurso de tal decisão, concluindo, nas suas alegações, que:

         (…).

O Credor A..., Lda. respondeu ao recurso, concluindo, nas suas contra-alegações, que:

(…).

II – Objeto do processo



Dispensados os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim:

Questões a decidir:

1) Da nulidade da decisão recorrida

2) Da (in)tempestividade do pedido e da possibilidade de convocação da assembleia para substituição do Administrador da Insolvência



III – Fundamentação


A) De facto

       Do historial dos presentes autos:

O supra descrito e ainda:

- O Sr. Administrador da Insolvência não reconheceu o crédito reclamado pelo Recorrente, escrevendo, no relatório a que alude o artº 155º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, junto aos autos a 02/12/2024, que:

O valor dos créditos provisoriamente reconhecidos ascende, neste momento, ao montante de 408.233,41 €, uma vez que, os restantes créditos reclamados – e não reconhecidos -, são honorários de dois ilustres Advogados, do ora Insolvente, que em face dos critérios que pautam a fixação de honorários pelos Advogados, a AI considera que os créditos peticionados provenientes dos honorários pelo patrocínio ao Insolvente nos processos relacionados nas reclamações de créditos, se afiguram desajustados e manifestamente elevados, não estando os mesmos acompanhados de laudo sobre honorários do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o que entende dever ser requerido.

- No seu requerimento de 05/12/2024, o Recorrente alegou e requereu:

1. O Requerente reclamou créditos no valor de € 57.195,00 (cinquenta e sete mil, cento e noventa e cinco euros), conforme reclamação endereçada à AJ no dia 25.11.2024.

2. Tomou conhecimento o signatário que o seu crédito não foi reconhecido na lista provisória de credores elaborada nos termos do art. 154.º do CIRE e junta com o Relatório do Administrador (art. 155.º do CIRE), sem que tivesse sido indicado o fundamento subjacente ao seu não reconhecimento ou sequer de tal fosse notificado o titular do crédito reclamado aqui Requerente, motivos pelos quais impugna a mesma, nos termos do art. 130.º do CIRE;

Face ao exposto,

Requer a V. Exa, nos termos do art. 73.º, n.º 4 do CIRE, se digne fixar direito de voto ao Requerente na totalidade do seu crédito reclamado e, em consequência, seja convocada Assembleia Geral de Credores para substituição da AJ nomeada, nos termos do art. 53.º, n.º 1 do CIRE.

- O Recorrente impugnou a lista de créditos não reconhecidos, questão ainda pendente no apenso A.

- O despacho recorrido foi proferido a 18/02/2025, estando fundamentado nos seguintes termos:

Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o juiz pode, a todo o tempo, destituir o Administrador da Insolvência e substitui-lo por outro se, ouvida a Comissão de Credores, quando existir, o devedor e o próprio administrador, entender existir justa causa.

Este normativo não define justa causa para os efeitos aqui pretendidos.

O conceito de justa causa, comum a vários ramos de direito, não faculta uma ideia precisa do seu conteúdo.

(…).

No caso concreto, o conceito de justa causa terá que ser preenchido por recurso à integração das funções previstas para o Administrador da Insolvência, extensamente reguladas e, se necessário, com recurso às demais regras eventualmente aplicáveis – v.g. se ao Administrador da Insolvência estiver confiada a gestão da insolvente, terá todos os deveres de um administrador diligente, integrando-se com os preceitos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o art. 64º do Código das Sociedades Comerciais (sempre com as devidas adaptações).

O que resulta desta linha de raciocínio é que existirá justa causa, se um Administrador da Insolvência não cumprir com as funções que lhe estão legalmente confiadas.

Ora, as razões aduzidas por AA e DD não se subsumem ao conceito de justa causa, tendo em conta que a lei lhes faculta a possibilidade de reagir contra o não reconhecimento dos créditos reclamados mediante a impugnação da lista nos termos previstos no artigo 130.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Dito de outra forma, não constitui justa causa para a destituição de um Administrador de Insolvência alegar que este foi parcial porque não indicou o fundamento subjacente ao não reconhecimento do crédito que reclamou e/ou que não apreciou a reclamação de créditos corretamente.

As razões aventadas não constituem justa causa para a sua destituição, nem tão-pouco causa da sua suspeição.

B) De Direito

Da nulidade da decisão recorrida

Dispõe o nº 1 do artº 615º, do Código de Processo Civil (causas de nulidade da sentença), que:

1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

O Recorrente invocou a nulidade da sentença recorrida por omissão e excesso de pronúncia, uma vez que havia requerido a convocação de assembleia para substituição de Administrador da Insolvência, pedido que não foi conhecido, tendo sido indeferido um suposto pedido de destituição de Administrador da Insolvência, que nunca havia sido formulado.

O Juiz a quo respondeu à invocação de nulidade nos seguintes termos:

Com as respetivas alegações, vem o recorrente AA arguir a nulidade do despacho de 18.02.2025 com fundamento no facto de o Tribunal não ter decidido e apreciado todos os requerimentos por si apresentados e ter ainda apreciado e decidido mais do que aquilo que tinha requerido.

Pois bem, embora se imponha reconhecer que assiste razão ao recorrente na parte em que afirma que o Tribunal não tomou posição expressa quanto a tudo quanto requereu, a realidade é que esses mesmos pedidos se devem considerar prejudicados pelo despacho cuja nulidade ora se arguí, pois que aquilo que o recorrente pretendia era a designação de data para a realização de Assembleia de Credores com vista a decidir sobre a substituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência.

Ora, não colhe, com o devido respeito por opinião contrária, a argumentação expendida pelo recorrente quando refere que o pedido de realização de uma assembleia de credores para apreciar e decidir sobre a substituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência não equivale, na prática, a requerer a sua destituição, pois que a sua substituição implicaria sempre a nomeação de um novo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência e, por conseguinte, a destituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência das funções para as quais foi nomeada.

E pese embora o Tribunal não tenha igualmente apreciado o pedido do recorrente no sentido de lhe fixar direito de voto na totalidade do seu crédito reclamado para participar na requerida assembleia de credores, a realidade é que tal fixação de votos ficou igualmente prejudicada com a decisão recorrida, porquanto se considerou desnecessária a realização de qualquer assembleia de credores para o assinalado efeito (substituição da Exma. Sra. Administradora de Insolvência).

Ora, as partes podem, naturalmente, não concordar com uma determinada decisão e até inclusivamente aduzir outro tipo de argumentação que, na sua perspetiva, poderia levar a outro tipo de decisão.

Todavia, tal situação não consubstancia fundamento de nulidade e, por conseguinte, nulidade da decisão, antes podendo, em tese, consubstanciar erro de julgamento, o que são coisas diferentes.

Tudo, pois, para concluir que uma questão nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 608.º, n.º2 do Código de Processo Civil deve ser entendida como algum problema que se mostre controvertido na lide a ser dirimida pelo tribunal e não como a concreta forma/modo como os sujeitos processuais pretendem que esse mesmo problema seja apreciado e decidido (neste concreto caso, mediante a realização de uma assembleia de credores).

Destarte, e em razão do exposto, entende-se que a decisão sub judice não padece de nenhuma das arguidas nulidades. (sublinhado nosso)

Assim, o juiz a quo, como o mesmo admite, não se pronunciou sobre as questões que lhe foram colocadas porque, segundo afirma, entende que substituição e destituição de Administrador da Insolvência são, na prática, a mesma coisa.

Porém, não o diz na decisão recorrida, onde, sem outra explicação, analisa a noção de justa causa para a destituição do Administrador da Insolvência, concluindo pela sua inexistência e, consequentemente, indeferindo o requerido.

Nada mais tendo dito, não podemos deixar de concluir, que, efetivamente, não se pronunciou sobre as questões que lhe foram colocadas, padecendo a decisão da invocada nulidade.

Não se entendendo o teor das contra-alegações, quando dizem que:

Ora, não se verifica nulidade por omissão de pronuncia, pois que o douto Tribunal recorrido já se pronunciou, quanto ao requerimento do Recorrente de 05/02/2025, por douto despacho de 09/12/2025 referência Citius 96782216, em que decidiu:

Requerimentos de 05.06.2024 e 06.04.2024

Aguarde-se, por ora, o prazo ainda em curso e a que se alude no ponto 11), alínea b) da sentença proferida no passado dia 24.10.2024.

Após, conclua novamente os autos.

Na verdade, este despacho nada decidiu, apenas tendo diferido no tempo o momento da decisão.

Voltando à distinção entre substituição e destituição de Administrador da Insolvência, verificamos que são figuras distintas, que têm pressupostos diferentes, estando a segunda prevista no artº 56º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se diz:

1 - O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa. (sublinhado nosso)

Já a primeira encontra-se regulada no artº 53º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o qual dispõe que:

1 - Sob condição de que previamente à votação se junte aos autos a aceitação do proposto, os credores, reunidos em assembleia de credores, podem, após a designação do administrador da insolvência, eleger para exercer o cargo outra pessoa, inscrita ou não na lista oficial, e prover sobre a remuneração respetiva, por deliberação que obtenha a aprovação da maioria dos votantes e dos votos emitidos, não sendo consideradas as abstenções.

A este propósito, dizem-nos Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, "Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado", 3ª edição, Quid Juris, pág. 319:

6. Na versão inicial do preceito, o momento apropriado para os credores procederem à escolha era a primeira reunião da assembleia, que, normalmente, é a marcada na sentença declaratória [vd. art. 36.0, al. n), e 156.º; cfr., porém, art. 73.º, n.º 1, al. a), e 224.º, n.º 3].

Se passasse esta oportunidade, os credores deixavam de dispor da possibilidade de eleger o administrador, que só poderia ser então substituído na decorrência de destituição, sendo o caso, de renúncia ou impedimento.

(…)

O legislador de 2012 entendeu, porém, alterar este estado de coisas, passando a permitir que a substituição se verifique em qualquer reunião da assembleia de credores, sem limitação de prazo, desde que, é claro, se reúnam os requisitos da substituição e o juiz não a rejeite por se verificar alguma das circunstâncias referidas no n.º 3. (sublinhado nosso)

Assim, entendemos que daqui decorre que a substituição do administrador da insolvência pode ocorrer a qualquer momento, em assembleia de credores convocada para o efeito, independentemente da existência de justa causa.

Neste sentido, decidiu já este Tribunal da Relação de Coimbra por acórdão de 26 de Janeiro de 2016, proferido no processo nº 662/14.1TJCBR-G.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:

1. Nos termos do n.º 1 do art.º 53º, do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, e independentemente de justa causa, os credores podem substituir o administrador da insolvência em assembleia de credores que não seja a primeira assembleia realizada após a designação.

Por seu turno, diz-nos Luís Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 9ª edição, Almedina, pág. 120:

Uma vez realizada a eleição, o juiz é obrigado a nomear a pessoa eleita como administrador da insolvência em substituição do anteriormente designado, apenas podendo recusar essa nomeação se considerar que essa pessoa não tem idoneidade ou aptidão para o cargo, se a retribuição aprovada pelos credores for manifestamente excessiva, ou se estes tiverem eleito pessoa não inscrita nas listas, fora das situações em que a lei o admite (art. 53º, nº 3).

Isto é, a indicação, neste contexto, de novo Administrador da Insolvência pelos Credores, tem caráter vinculativo para o Juiz, que só pode recusar a sua nomeação nos casos expressamente previstos nos nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Pode questionar-se a possibilidade de uma decisão judicial ser modificada por uma assembleia de credores.

 Contudo, como diz o autor do Anteprojecto (Carlos Osório de Castro, em intervenção no Colóquio sobre o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, realizado pelo Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, na
Faculdade de Direito de Coimbra, em 30 de Abril de 2004), upud Catarina Serra, “O Regime Português da Insolvência”, 5ª Edição, Almedida, pág. 49:

…trata-se, simplesmente, de atribuir à assembleia de credores um poder idêntico ao poder da assembleia geral de sócios de uma sociedade anónima quanto à eleição dos respectivos administradores - poder que ninguém contesta.

Encontramos aqui mais uma manifestação do princípio do respeito pela vontade dos credores.

Contudo, há que ter em conta que dispõe o artº 75º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que:

1 - A assembleia de credores é convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido do administrador da insolvência, da comissão de credores, ou de um credor ou grupo de credores cujos créditos representem, na estimativa do juiz, pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados.

No caso em apreço, o credor Apelante, não reunindo 1/5 dos créditos não subordinados (ainda que o seu crédito fosse reconhecido) não tem legitimidade para, sozinho, requerer a convocação de uma assembleia de credores, só para o efeito de substituição do Sr. Administrador da Insolvência.

Deste modo, cumpre confirmar a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.

Da (in)tempestividade do pedido e da possibilidade de convocação da assembleia para substituição do Administrador da Insolvência

A questão encontra-se prejudicada pelo decidido supra.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

                                                          

Custas pelo Recorrente – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 24 de Junho de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Maria João Areias

         José Avelino Gonçalves