I – O processo especial de convocação de assembleia de sócios regulado no art. 1057.º do CPC insere-se no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, em que, ao demais, é deferida ao juiz a liberdade de investigar livremente os factos, só admitir as provas que considere necessárias e em que, nas providências a adotar, está liberto de critérios de legalidade estrita, podendo decretar a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
II – Assim, neste tipo de processos, não está o juiz obrigado a realizar audiência prévia, proferir despacho saneador, facultar às partes a discussão de facto e de direito antes da decisão, tal como também o não está quanto a abrir ou assegurar uma fase de produção de prova.
III – Estando em causa apenas o juízo decisório consistente na necessidade de convocação da assembleia, e não já o de interferir minimamente na decisão societária a adotar, a falta de abertura de uma fase de produção de prova não desconsidera o direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva assegurado pelo art. 20.º da CRP.
IV – O pedido de convocação judicial da assembleia não exige, nem consente, a apreciação pelo tribunal das razões (fundadas ou infundadas) do sócio requerente, competindo-lhe apenas aferir se formalmente estão verificados os pressupostos constantes do art. 375.º do CSC.
V – A tarefa de ponderação quanto à alegada falta de indicação dos concretos factos justificadores da destituição do gerente, a eventual prescrição dos factos consubstanciadores da destituição ou a verificação de anterior apreciação pela AG, não incumbe ao juiz, encontrando-se confiada aos sócios que, na assembleia, em plena liberdade e sem qualquer juízo prévio por parte do tribunal, irão formar a vontade da sociedade quanto à matéria que consta da ordem de trabalhos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I-Relatório
AA, contribuinte fiscal n.º ...70, residente na Rua ..., ..., ... ...,
intentou a presente ação especial regulada no art. 1057.º do CPC contra
A... LDA., pessoa coletiva n.º ...11, com sede na Rua ..., ..., ... ...,
pedindo “seja determinada pelo Tribunal a realização da Assembleia Geral Extraordinária da sociedade A... LDA., com sede em Rua ..., ..., ... ..., com a ordem de trabalhos constante do Documento 1, convocando-se os sócios identificados no ponto 3º e indicando-se para presidir à Assembleia Geral uma pessoa de reconhecida idoneidade, com todas as consequências e efeitos legais subsequentes”.
Com vista a fundamentar a procedência do pedido alegou, em síntese, ter, na qualidade de sócio, remetido a BB, gerente da Ré, uma carta registada com aviso de receção, solicitando a designação de data para a realização de uma assembleia extraordinária de sócios, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 - Destituição com justa causa de BB das funções de gerência, com base nos seguintes factos:
a. Apropriação de valores monetários pertencentes à sociedade;
b. Deslocalização de equipamentos, máquinas, camiões e geradores, entre outros, da sociedade Ré para a sua propriedade privada, sita em ...;
c. Criação da sociedade B..., LDA., de que é sócio e gerente, e que faz concorrência à sociedade A..., Lda.;
d. Utilização de trabalhadores e meios da sociedade A..., Lda., em benefício da B..., LDA., de que é sócio e gerente;
e. Utilização de maquinaria da sociedade A..., Lda., em benefício da B..., LDA., de que é sócio gerente;
f. Não convocação de assembleia geral de sócios para aprovação das contas dos exercícios de 2021 e de 2022”,
sendo que não foi designada data para a realização da solicitada assembleia de sócios, nem o Requerente obteve qualquer resposta à missiva acima aludida.
O Sr. Juiz ordenou a citação da Requerida para se pronunciar, o que esta fez, pugnando pela improcedência do pedido, com os fundamentos que aí deixou enunciados, e que se passam a reproduzir em curta síntese:
- nada do que veio alegado pelo Requerente justifica a necessidade de convocação judicial de uma assembleia de sócios, porquanto apenas são aduzidos factos genéricos e abstratos,
- o direito de requerer a destituição de gerente caduca decorridos 90 dias sobre o conhecimento dos factos que o fundamentam, tal como sucede no presente caso;
- o Requerente, desde que foi destituído das funções de gerente da sociedade Ré, tem vindo a agir em prejuízo desta e da sua normal atividade comercial,
- em ação especial de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais que correu termos por este Juízo de Comércio de Coimbra, foi indeferido o pedido de suspensão de gerência formulado pelo ora Autor contra o gerente da sociedade aqui Ré, tendo aquele desistido da ação de destituição subsequente,
- foi em face do resultado da demanda acima referida que a sociedade Ré não deu resposta à carta do Autor, em que este solicitava a designação de data para a realização de uma assembleia extraordinária de sócios,
- o pedido de convocatória da assembleia de sócios em referência constitui um abuso de direito, uma vez que excede os ditames da boa-fé e dos bons costumes,
- encontra-se pendente ação especial de inquérito judicial, tendo por objeto o apuramento dos factos que fundamentam a pretendida destituição de gerência, aguardando-se pela prolação da decisão que determinará, ou não, a realização de inquérito judicial.
A 10.09.2024 o Sr. Juiz proferiu sentença contendo o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgando procedente o pedido formulado, o Tribunal decide:
A) Convocar judicialmente os sócios da sociedade Ré A... LDA., pessoa coletiva n.º ...11, com sede em Rua ..., ..., ... ..., para reunir em assembleia geral extraordinária, no dia 18 de outubro de 2024, pelas 10h00, a realizar na sua sede social, com a seguinte ordem de trabalhos:
PONTO ÚNICO: Destituição com justa causa de BB das funções de gerência, com fundamento nos seguintes factos:
a) Apropriação de valores monetários pertencentes à sociedade Ré;
b) Deslocalização de equipamentos, máquinas, camiões e geradores, entre outros, da sociedade Ré para a sua propriedade privada, sita em ...;
c) Constituição da sociedade B..., Ld.ª, de que é sócio e gerente, e que faz concorrência à sociedade Ré;
d) Utilização de trabalhadores e meios da sociedade Ré em benefício da B..., Ld.ª;
e) Utilização de maquinaria da sociedade Ré em benefício da B..., Ld.ª;
f) A não convocação de assembleia geral de sócios para aprovação das contas dos exercícios de 2021 e de 2022.
B) Designar, para presidir à assembleia geral referida em a), ao abrigo do disposto nos artigos 1057.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o revisor oficial de contas Dr.º CC, com domicílio profissional na Rua ..., ... ...”.
*
A Requerida interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:
(…).
*
A Requerida respondeu rematando essa peça processual com as seguintes conclusões (com transcrição apenas daquelas que se inscrevem no âmbito do recurso e não já as colocadas a propósito dos efeitos com que o recurso devia ser admitido):
(…).
*
O Sr. Juiz, apesar de ter sido invocada a nulidade da sentença recorrida, omitiu pronúncia para os efeitos previstos no art. 617.º, n.º 1 do CPC, sendo que, apesar disso, por os autos habilitarem à decisão da questão, não se entendeu indispensável mandar descer o processo para a sua apreciação.
*
Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com obtenção dos votos das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas.
*
II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, perante as conclusões apresentadas, as questões a apreciar e decidir, de acordo com a respetiva precedência lógica, são as de saber se:
a) a sentença é nula por não ter sido realizada a audiência prévia, o despacho saneador, a abertura de um período de prova, não ter sido facultado às partes a discussão de facto e de direito antes da decisão e bem assim por ter sido negado às partes a possibilidade de produzirem prova quanto aos factos essenciais contraditados;
b) existe erro de julgamento por não ter sido realizada a audiência prévia, o despacho saneador, a abertura de um período de prova, não ter sido facultado às partes a discussão de facto e de direito antes da decisão e bem assim por ter sido negado às partes a possibilidade de produzirem prova quanto aos factos essenciais contraditados;
c) a decisão não efetuou a ponderação adequada quanto à justificação da necessidade de convocação da assembleia geral porque destinada à destituição com justa causa do gerente
e se
d) o requerente incorreu em abuso de direito ao pretender a marcação de uma assembleia para obter a destituição de gerente com base em factos que já foram apreciados judicialmente e objeto de rejeição e bem assim face ao histórico de decisões judiciais que versaram sobre a conduta do recorrido como sócio e gerente.
*
III-Fundamentação
Para habilitar a decisão das questões a apreciar, passa a transpor-se a factualidade que o tribunal de primeira instância considerou provada:
“1) A sociedade Ré, A..., LDA, com sede na Rua ..., ..., em ..., ..., mostra-se registada na Conservatória do Registo Comercial com o N...11, tendo como objeto comercial o exercício de transportes rodoviários ocasionais de mercadorias e construção civil, eletricidade, metalomecânica, aluguer de máquinas industriais, nomeadamente retroescavadoras, pás carregadoras, gruas telescópicas e betoneiras;
2) O seu capital social de 150.000,00€ encontra-se dividido nas seguintes 4 quotas:
- 28.500,00€, pertencente a DD, ora Autora;
- 22.500,00€, pertencente a AA, ora Autor;
- 22.500,00€, pertencente a BB, ora Réu;
- 76.500,00€, pertencente em comum e sem determinação de parte a todos os sócios acima referidos;
3) BB é, atualmente, o único gerente da sociedade Ré;
4) Em 17.10.2023, o Autor, na qualidade de sócio, remeteu a BB, na qualidade de gerente, uma carta registada com aviso de receção, solicitando a designação de data para a realização de uma assembleia extraordinária de sócios, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 - Destituição com justa causa de BB das funções de gerência, com base nos seguintes factos:
a. Apropriação de valores monetários pertencentes à sociedade;
b. Deslocalização de equipamentos, máquinas, camiões e geradores, entre outros, da sociedade Ré para a sua propriedade privada, sita em ...;
c. Criação da sociedade B..., LDA., de que é sócio e gerente, e que faz concorrência à sociedade A..., Lda.;
d. Utilização de trabalhadores e meios da sociedade A..., Lda., em benefício da B..., LDA., de que é sócio e gerente;
e. Utilização de maquinaria da sociedade A..., Lda., em benefício da B..., LDA., de que é sócio gerente;
f. Não convocação de assembleia geral de sócios para aprovação das contas dos exercícios de 2021 e de 2022.
5) Até ao presente momento, não foi designada data para a realização da solicitada assembleia de sócios, nem o Autor obteve qualquer resposta à missiva acima aludida;
6) As relações pessoais e profissionais entre o ora Autor e o gerente da sociedade Ré encontram-se num ponto de rutura total”.
Denotando indefinição quanto à classificação dogmática e normativa do imputado desacerto cometido pelo tribunal recorrido (ora o apresentando como nulidade da sentença, ora como erro de julgamento), no recurso interposto a recorrente insurge-se quanto à circunstância de a decisão ter sido proferida sem que tivesse sido realizada a audiência prévia, prolatado despacho saneador, aberto um período de prova, não ter sido facultado às partes a discussão de facto e de direito antes da decisão e bem assim por ter sido negada às partes a possibilidade de produzirem prova quanto aos factos essenciais contraditados.
Como é sabido – mas aparenta não ter sido ponderado pela Requerida em todo o argumentário desenvolvido no recurso – o processo especial de convocação de assembleia de sócios regulado no art. 1057.º do CPC insere-se no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, em que, ao demais, é deferida ao juiz a liberdade de investigar livremente os factos, só admitir as provas que considere necessárias e em que, nas providências a tomar, não se encontra submetido a critérios de legalidade estrita, podendo adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. arts. 986.º, n.º 2 e 987.º do CPC).
Neste tipo de processos, contrariamente ao que ocorre na jurisdição contenciosa, o juiz, com vista à obtenção da solução jurídica que salvaguarda o interesse fundamental tutelado pelo direito, guia-se sobretudo por critérios de conveniência e de oportunidade, exercendo uma função não tanto de intérprete e aplicante da lei, mas como verdadeiro gestor de negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial (cfr. Antunes Varela J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Lda., págs. 69 e 70).
Compreensivelmente, e especificamente quanto à convocação da assembleia de sócios, no artigo 1057.º do CPC é dada ampla liberdade ao juiz em termos adjetivos, conferindo-lhe a possibilidade de proceder às averiguações que considere necessárias para a decisão, de entre elas – mas apenas se o considerar conveniente - a audição da administração da sociedade.
Assim, contrariamente ao defendido pela recorrente, não estava o juiz obrigado, no caso, a realizar audiência prévia, proferir despacho saneador, facultar às partes a discussão de facto e de direito antes da decisão – rituais processuais não exigidos nem pretendidos pelo legislador nesta espécie de processo –, tal como também o não estava quanto a abrir ou assegurar uma fase de produção de prova (que na realidade até foi tendo lugar ao longo do processo), recordando-se que era até (processualmente) lícito ao juiz decidir sem ao menos ouvir o que a Ré sociedade tinha a dizer quanto à pretendida convocação da Assembleia Geral Extraordinária.
Por outro lado, também não merece agasalho a invocação na situação presente da desconsideração do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva assegurado pelo art. 20.º da CRP.
Com efeito, sendo indubitável que o direito de acesso à justiça comporta o direito à produção de prova, tal “não significa, porém, que o direito subjetivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova“ (Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, 1995, pág. 228), sendo o próprio Tribunal Constitucional a reconhecer que nem toda a restrição ao princípio do contraditório/produção de prova implica necessariamente uma violação do artigo 20.º da Constituição (por todos, Ac. n.º 759/2013, de 18 de Novembro, in D.R. n.º 223, Série I).
Ora, na ação em presença, estando em causa apenas o juízo decisório consistente na necessidade de convocação da assembleia, e não já o de interferir minimamente na decisão societária a adotar, afigura-se-nos que ao editar a norma em apreço, conferindo ao juiz os poderes de limitação da capacidade probatória das partes, o legislador respeitou, de forma racional e proporcional, aquele direito, não restringindo em termos relevantes o direito da sociedade à defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.
Assinale-se, ainda assim, até para se ter ainda por mais firme a rejeição quanto ao proclamado inconformismo da recorrente, que a única prova requerida que o tribunal não produziu foi a respeitante à arrolada testemunha EE (cfr. oposição deduzida pela Requerida) que, a seguir-se a indicação da respetiva residência profissional, se tratará de um trabalhador/prestador de serviços da sociedade demandada.
Ora, atenta a natureza da divergência substancial aposta pela Requerida quanto à convocação da AGE (1. falta de indicação concreta pelo Requerente dos motivos tendentes a demonstrar a destituição do gerente a que a AGE se destina e 2. abuso do direito quanto ao pedido da convocação da AGE), não se vê em que medida tal testemunho pudesse ser útil à decisão.
De resto, e isso mostra-se substancialmente relevante, em momento algum do recurso a Requerida indicou quais os factos de que se viu impedida de fazer prova, o que torna vazia de objeto esta insatisfação ante a dita limitação cometida ao seu direito à prova.
Face ao exposto, improcede nesta parte o recurso interposto, não se julgando verificada a nulidade da sentença ou erro de decisão pelos fundamentos esgrimidos.
C – Da invocada exigibilidade relativamente à marcação da Assembleia Geral Extraordinária para destituição do gerente.
No entender da Requerida a decisão recorrida não efetuou a ponderação adequada quanto à justificação da necessidade de convocação da assembleia geral porque destinada à destituição com justa causa do gerente.
É que, segundo alegou, existindo, para efeito de efetivar a destituição com justa causa de gerente, o prazo de prescrição de 90 dias após o conhecimento dos factos, o Requerente estava obrigado a indicar os concretos factos e datas em que ocorreram essas justas causas e data em que delas teve conhecimento, sob pena de estar a ser submetido à consideração dos sócios um assunto que é inepto a tal consideração, e verificar-se a circunstância de os assuntos indicados já terem sido objeto de apreciação judicial por diversas vezes e, mais recentemente, em sentença proferida em 13.10.2023.
Vejamos:
Estatui-se no art. 1057.º, n.º 1 do CPC que “Se a convocação de assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requererá ao juiz a sua convocação”.
Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, “Este processo abarca casos em que a lei comercial prevê expressamente a convocatória da assembleia geral, nomeadamente para suprir a inércia dos órgãos societários a quem cabe tal convocação, ou situações em que a a assembleia geral, apesar de convocada, foi ilicitamente impedida de funcionar” (Código Processo Civil, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 503).
De acordo com o art. 375.º, n.º 6 do CSC (aplicável às sociedades por quotas por força do artigo 248.º, n.º 1), a convocação judicial da assembleia geral depende da verificação dos seguintes requisitos:
i) ter sido apresentado pedido (por escrito) ao presidente da mesa geral (nas sociedades por quotas leia-se “qualquer gerente” – art. 248.º, n.º 3 do CSC) por sócio, ou conjunto de sócios, detentor(es) de, pelo menos, 5% do capital social, solicitando a convocação de uma assembleia geral;
ii) a indicação nesse requerimento, com precisão, os assuntos a incluir na ordem do dia e justificado a necessidade da reunião da assembleia
e
iii) não ter o presidente da mesa geral/gerente promovido a publicação da convocatória da assembleia geral nos 15 dias seguintes à receção do requerimento ou ter indeferido, sem justificação pertinente, a pretendida convocatória.
No caso dos autos todos estes requisitos estão verificados – legitimidade do requerente (sócio com capital social de valor superior a 5%), existência de pedido efetuado por escrito ao sócio gerente, necessidade da assembleia (a destituição da gerência pode ser objeto de deliberação – art. 257.º, n.º 1 do CSC[2]), a indicação concretizada dos assuntos a submeter à apreciação na Assembleia e a não convocação ou falta de comunicação fundamentada do indeferimento –, pelo que se impunha o deferimento da pretensão.
Contrariamente ao sustentado em sede de recurso, o pedido de convocação judicial da assembleia não exige, nem consente, a apreciação pelo tribunal das razões (fundadas ou infundadas) do sócio requerente, competindo-lhe apenas aferir se formalmente estão verificados os pressupostos constantes do art. 375.º do CSC (neste sentido Ac. do STJ de 19.10.2004[3], proferido no processo 04B3095, e do TRP de 09.10.2012[4], no processo 1012/11.4TYVNG.P1 e de 07.02.2023[5], no processo 778/22.0T8AMT.P1).
Assim, estando no âmbito deste processo especial vedado ao tribunal sindicar a substância das razões do Requerente, tao só o dever de verificar da existência (ou não) dos requisitos objetivos que determinem o suprir da falta de decisão por parte do sócio gerente da Requerente quanto à marcação da Assembleia Geral que lhe havia sido pedida, não se impunha que na decisão recorrida fosse ponderada a alegada falta de indicação dos concretos factos justificadores da destituição do gerente (embora, pelo menos no essencial, eles resultem indicados na ordem de trabalhos proposta), as datas em que ocorreram as razões para a destituição do gerente e datas em que delas o Requerente teve conhecimento (de resto, a prova da prescrição sempre competiria ao gerente destituído e não ao Requerente), tal como também não o de saber se os assuntos indicados como justificadores da destituição do gerente já foram ou não objeto de apreciação judicial por diversas vezes.
Essa tarefa, pelo menos em primeira linha, encontra-se confiada aos sócios que, na assembleia, em plena liberdade e sem qualquer juízo prévio por parte do tribunal, irão formar a vontade da sociedade quanto à matéria que consta da ordem de trabalhos.
Assim, também aqui, inexiste fundamento para alterar o decidido.
D – Do abuso do direito
Divergindo do decidido, a recorrente continua a sustentar (conclusões 8 a 11) que,
i) tendo os factos invocados pelo Requerente para fundamentar a destituição com justa causa sido anteriormente apreciados judicialmente e terem sido rejeitados,
ii) face ao histórico de decisões judiciais que versaram sobre a conduta do recorrido enquanto sócio e gerente da recorrente até ser destituído,
ocorre abuso do direito na pretensão de requerer a marcação da AGE com a finalidade de destituir o atual gerente.
É de assinalar, como nota prévia e decisiva, que a decisão a proferir por este tribunal tem necessariamente que assentar na factualidade que foi considerada provada, que, de resto, o recorrente não impugnou.
Dessa factualidade não emerge que anteriormente tenha existido qualquer ação judicial para apreciação da destituição da justa causa do gerente atual da Requerida ou um “histórico” de decisões judiciais apreciando a conduta do Requerente como sócio e como gerente.
De onde, desde logo por esta circunstância, não é possível obter a conclusão quanto à efetiva verificação do invocado abuso do direito.
*
Sumário[6]
(…).
IV - DECISÃO.
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, e consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).
*
Coimbra, 24 de junho de 2025
(Paulo Correia)
______________________
(Maria João Areias)
____________________
(Anabela Marques Ferreira)
[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Maria João Areias e Anabela Marques Ferreira
[2] - Quanto ao requisito da “necessidade” da convocação da assembleia para destituição do gerente com justa causa, pode discutir-se, face ao estatuído no art. 257.º, n.º 4 do CSC (possibilidade de, independentemente de deliberação, ser intentada ação judicial com essa finalidade) se o mesmo está presente. É que, sendo pacífico que a destituição com justa causa pode ser efetuada por deliberação dos sócios, pode também ter lugar em ação judicial, apresentando-se legítima a dúvida de saber se efetivamente o sócio necessita da assembleia com vista a atingir o resultado pretendido.
Sucede que, a esse propósito, a recorrente ao não submeter qualquer crítica ao decidido, aceitou a decisão, não podendo este tribunal, por não ser de conhecimento oficioso, apreciar essa questão em sede de recurso.
Na verdade, no âmbito do recurso quanto a esse requisito, a Requerida centrou o recurso na invocação de que se impunha ao Requerente “indicar os concretos factos e datas em que ocorreram essas “justas causas” e data em que delas tiveram conhecimento” (isto para poder ser verificada uma eventual prescrição dos factos) e por “os assuntos indicados pelo recorrido já terem sido objeto de apreciação judicial por diversas vezes” (conclusões 5, 6 e 7) e não já o que ressalta da referida dúvida.
[3] “I - O pedido de convocação judicial de assembleia de sociedade comercial (previsto no art.375º, nº6º, CSC e regulado no art.1486º CPC) não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não, legítima à luz do disposto no art.375º CSC, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos nºs 2º e 3º desse artigo - valendo, relativamente às sociedades por quotas, a previsão e provisão dos nºs 1º e 2º do art.248º CSC”.
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[4] I - O pedido de convocação judicial de assembleia de sociedade comercial (previsto no art.375º, nº6º, CSC e regulado no art.1486º CPC) não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não, legítima à luz do disposto no art.375º CSC, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos nºs 2º e 3º desse artigo - valendo, relativamente às sociedades por quotas, a previsão e provisão dos nºs 1º e 2º do art.248º CSC “I - O pedido de convocação judicial de assembleia geral de sociedade comercial, a que se referem os arts. 375°, n° 6 do Cód. das Sociedades Comerciais e 1486° do Cód. do Proc. Civil, não exige a apreciação pelo tribunal das razões do sócio requerente, competindo-lhe apenas verificar se a recusa foi, ou não legítima, à luz do preceituado no art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, isto é, se, formalmente, se verificam ou não os pressupostos constantes dos n°s 2 e 3 deste artigo. II – O exercício do direito de convocar uma assembleia geral, conforme o que se estatui no n° 3 do art. 375° do Cód. das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas por força do disposto no art. 248°, n° 1 do mesmo diploma, está condicionado: i) à indicação precisa e concreta dos assuntos a incluir na ordem do dia; ii) à justificação da necessidade de reunião dessa assembleia”.
[5] “II – Dada finalidade do processo e a sua natureza de jurisdição voluntária (art. 1057.º e ss. do CPCivil), não cabe ao tribunal, ao sindicar o preenchimento do requisito da necessidade da assembleia geral, a indagação da substância dessa necessidade, bastando-se com sua verificação em termos meramente formais”
[6] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).