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VALIDADE DO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
CONSIDERAÇÃO DE CRC EMITIDO HÁ MAIS DE 3 MESES
REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
PENA DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA SUBORDINADA AO CUMPRIMENTO DE DEVERES E/OU REGRAS DE CONDUTA
PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário
I - Não configura erro notório na apreciação da prova a consideração, na sentença, de certificado de registo criminal emitido há mais de 3 meses, porquanto a eventual desactualização desse CRC só pode ser resolvida por recurso a elementos exteriores à própria sentença. II - A passagem do prazo de 3 meses sobre a emissão do CRC constante do processo não inibe o tribunal de relevar os antecedentes criminais que dele constem. III - Se, devido à desactualização do CRC, o processo fosse reenviado para novo julgamento, a 1.ª instância não podia levar em conta nenhuma nova condenação constante do “novo” CRC entretanto obtido, sob pena de julgar “contra” o arguido. IV - A subordinação da pena de suspensão da execução ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta está sujeita a uma dupla limitação, porque não pode violar os direitos fundamentais do condenado e deve ser adequada e proporcional às finalidades visadas. V - A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade, permitindo-lhe a manutenção das suas ligações familiares, profissionais e económicas, assistindo a esta pena um conteúdo socialmente positivo, porque traduz uma prestação activa do condenado a favor da comunidade, com o seu consentimento.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO
1. A DECISÃO RECORRIDA
No processo …, foi decidido: a) «Condenar o arguido … pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artº 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão e pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artº 353º do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; b) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, decide-se condenar o mesmo na pena única de 12 (doze) meses de prisão, pelos crimes de desobediência e violação de imposições, proibições ou interdições, cuja execução será em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º, nº 1, do Código Penal, pelo período da pena de prisão, ou seja, 12 (doze) meses». 2. O RECURSO
Inconformado, o arguido … recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A. «… B. Numa visão global de conjunto está em causa I) prática dos factos motivada pela falta de auxílio da sua mãe que num momento difícil teve de centrar atenções na sua filha gravemente doente; II) factualidade cometida por um arguido ainda em idade ainda favorável à inversão de percurso ilícito, III) que se mostra inserido do ponto de vista social e familiar (factos provados 12) e 16)], IV) que apresenta razoável inserção laboral [factos provados 13), 15) e 30)]; V) que não foi interveniente em qualquer acidente de viação, não tendo objectivamente causado quaisquer danos a terceiros, VI) que assumiu e confessou os factos, revelando arrependimento (facto provado 32)] e VII) que se mostra a combater o problema de dependência de estupefacientes de que padece (factos provados 21), 22), 23) e 31)]; C. Temos por violados os princípios da (des)igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito prisional, ainda que a cumprir na habitação e sujeita a vigilância electrónica, que assim se verá convocado, para efeitos de execução de uma pena de prisão, quando a danosidade material se mostra in casu diminuta e a “justiça restauradora” uma realidade ao alcance do decurso do tempo e da suspensão da sua execução associada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta/injunções por parte do condenado por forma a poder efectuar o pagamento em termos ressarcitórios à sociedade pois importa não esquecer o princípio basilar que confere consistência à criminalização de comportamentos: o princípio da subsidiariedade do Direito penal prisional, a representar um plus acrescido face à subsidiariedade penal; D. Sempre faltou o Tribunal a quo fundamentar devidamente em que medida o cumprimento efectivo de pena de prisão, ainda que a cumprir na habitação sujeita a vigilância electrónica, se revela a única via possível para salvaguardar as finalidades das penas e importa saber como é que o cumprimento da pena privativa de liberdade se mostrará socialmente mais adequado e minorará tal alarme e/ou indignação pois a não execução de prisão efectiva nunca significaria absolvição ou a dispensa de pena tout court, sendo sabido e notório que a libertação vai para além da simples fisicidade, sendo também libertação espiritual de todas as amarras inerentes à privação da liberdade! E. A simples exigência acrescida em termos de censura de revogação e ameaça de efectiva execução da pena de prisão, com o estigma associado, realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mostrando-se o arguido já interiorizado do desvalor da sua conduta e seriamente empenhado em tornar a sociedade contrafacticamente de novo acreditada nos valores da justiça e bens jurídicos violados requerendo-se aos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra o provimento ao presente recurso, devendo a douta decisão ser substituída por outra pois a efectividade da prisão é manifestamente excessiva, desumana e não ética! F. Trata-se de pessoa que goza e beneficia de apoio familiar de suporte, e a quem a cultura privativa de liberdade, além de todo o estigma associado, lhe será prejudicial e a liberdade vinculada ao cumprimento de injunções/regras de conduta decorrentes da suspensão da execução da pena de prisão não fará do arguido necessariamente feliz mas será indiscutivelmente factor de humanização e consagração de ser humano, razão pela qual, sempre a efectividade da prisão tenha de ser ponderada, tendo por base um juízo de culpa do arguido e fazendo um juízo de nefasticidade sobre os efeitos criminógenos associados sobre a evolução futura da pessoalidade do arguido, aquilatando da especial censurabilidade que justifique tal tratamento privativo de um direito consagrado em múltipla legislação nacional e internacional, concluindo-se que quer do ponto de vista jurídico quer sobretudo humanista deverá encontrar-se alternativa de cumprimento da pena, seja pela substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou, no limite, suspensão assente em rigorosíssimo regime de prova; G. A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos condenados, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos, julgando-se adequadas as seguintes: a) Fixar a sua residência naquela morada; b) Manter boa conduta e integração a nível sociofamiliar e dentro dos parâmetros pró-sociais; c) Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social da área da sua residência, cumprindo os deveres inerentes; d) Aceitar a sua referenciação para unidade de saúde para despiste de problemas de dependência de estupefacientes e submissão a tratamento se tal for determinado pelos serviços competentes; e e) abster-se de conduzir veículos a motor veículos; H. …
…».
3. O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, invocando a existência de um erro notório na apreciação da prova pois a sentença usou um CRC emitido há mais de 3 meses, em violação do artigo 15º, nº 3 do DL nº 171/2025, de 25/8.
5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
…
Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.
… Assim são apenas estas as questões a decidir por este Tribunal (recorde-se que que só relevam as questões deduzidas no recurso e já não em qualquer outra peça processual oriunda de um qualquer outro sujeito processual, sem prejuízo das questões oficiosas):
- Medida de cúmulo da pena de prisão a. A pena de prisão aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução, com regime de prova? b. A pena de prisão aplicada deveria ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade?
2. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«1) Por sentença proferida no processo sumário n.º 58/16...., do Juízo Local Criminal 2 da comarca de Coimbra, foi o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 137.º, n.º 1, e de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.
2) A referida sentença transitou em julgado no dia 13/11/2019.
3) O arguido iniciou o cumprimento da pena acessória em 14/07/2022, data em que procedeu à entrega da sua carta de condução à ordem daqueles autos e cujo termo ocorrerá aos 14/03/2025.
4) No dia 24/09/2023, pelas 17h00m, …, em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, …
5) O ora aludido veículo foi apreendido pela GNR, por falta de seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo sido lavrado o auto ….
6) O veículo ficou depositado na Rua …, ..., sendo naquela ocasião o arguido nomeado fiel depositário do veículo e pessoalmente advertido pelo Militar da GNR … que não o podia remover, alterar o estado, utilizar, alienar, destruir, danificar ou inutilizar, sob pena de incorrer na prática, nomeadamente, de um crime de desobediência nos termos do artº 348º do Cód. Penal, tudo conforme resulta do teor de fls. 5, cujo conteúdo ora se dá por integralmente reproduzido.
7) À data da apreensão, o veículo registava 257588 km.
8) Todavia, o arguido continuou a conduzir o mencionado veículo, até perfazer 257985 km, em 08/10/2023.
9) Assim, no dia 08/10/2023, pelas 21h40m, na …, em ..., o arguido conduzia o referido veículo ligeiro de passageiros, …, o qual se encontrava ainda apreendido, por falta de seguro automóvel, e estando ainda em curso o período de cumprimento da pena acessória de proibição de condução no âmbito do processo nº 58/16.....
10) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de conduzir o veículo automóvel nas circunstâncias descritas, bem sabendo que aquele veículo se encontrava apreendido por falta de seguro automóvel e que não o podia remover ou utilizar por ter sido nomeado fiel depositário, bem sabendo que assim incorria na prática de um crime de desobediência conforme foi expressamente elucidado e bem sabendo ainda que, naquela data, estava impedido de conduzir veículos automóveis por força de condenação em pena acessória por sentença transitada em julgado.
11) O arguido sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
12) … reside com a mãe em habitação, apartamento tipologia 3, dispõe de razoáveis condições de habitabilidade.
13) … esteve desempregado durante alguns meses, tendo iniciado a 11-11-2024, atividade laboral na empresa A... de fabricação e montagem de estruturas metálicas, com obras em Portugal.
14) Durante o período de desemprego, … teve curtas experiências laborais, sem vinculo contratual, numa oficina auto (cerca de 5 meses), depois na empresa de construção civil “B...” de onde se despediu após 6 meses, por fisicamente não aguentar o esforço de trabalho.
15) No atual trabalho, o arguido recebe um vencimento de 850€ mensais, com direito a almoço e jantar às expensas do patrão, uma vez que trabalha fora da área de residência, regressando ao fim de semana a ....
16) A família, nomeadamente a mãe e irmãos, continuam a ser o suporte do arguido, principalmente no apoio financeiro extra e no acolhimento.
….
19) … apresenta um problema de adição, tendo-se iniciado no consumo de estupefacientes, já em idade adulta, cerca dos 25 anos, em contexto de grupo de pares, primeiramente haxixe e depois heroína e cocaína, tornando-se dependente destas substâncias.
20) A toxicodependência enquadrou um histórico de vários processos judiciais, sendo que o impacto não foi mais negativo na sua vida porque teve sempre suporte e apoio da família, estruturada e inserida.
21) Atualmente, encontra-se com acompanhamento na Equipa Reduz – Cáritas Diocesana de ..., com consulta e plano medicamentoso.
22) A referida entidade faz o controlo da toma da Metadona (antagonista de opiáceos) pelo arguido e intervém no sentido de estabilizar progressivamente a sua vida ao nível pessoal e clinico.
23) O arguido regista indicadores de abstinência e cumprimento do plano terapêutico prescrito.
24) … tem noção de como o seu passado criminal e dependência de substâncias aditivas têm influenciado negativamente o seu modo de vida, nomeadamente pelas dificuldades na procura e manutenção de emprego e autonomização económica.
25) O arguido manifesta preocupação pelo desfecho do processo em curso, por se encontrar com outros processos em curso.
26) No âmbito do processo 14/20.... Juízo Local Criminal de Coimbra – juiz 1 … encontra-se a cumprir, mas com interrupções, 269 horas de trabalho a favor da comunidade em substituição de 9 meses de prisão.
27) Tem pendentes os processos 8/24.... - Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 2, 179/24.... - Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3, 115/23.... Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3, e 366/23.... – Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz 3.
…
30) Conseguiu recentemente ocupação laboral com vinculo contratual, mantendo-se empenhado em consolidar a sua independência económica dos familiares de origem
…
32) O arguido confessou integralmente os factos tal como se provaram e mostra-se arrependido.
33) Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:
… 2.2. Não há factos não provados e é irrelevante a transcrição da motivação de facto pois inexiste qualquer impugnação da matéria factual.
3.APRECIAÇÃO DO RECURSO
3.1. Foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artº 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, doravante, CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão e pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artº 353º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas, foi decidido condenar o arguido na pena única de 12 (doze) meses de prisão, cuja execução será em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º, nº 1, do CP, por igual período.
O recurso do arguido abrange somente a opção do tribunal em não suspender a execução da pena em causa e em não aplicar a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade.
…
Olhando para os vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP – não directa e expressamente invocados pela defesa -, e defendendo nós que o seu conhecimento por esta Relação é de conhecimento oficioso, diremos apenas que não vislumbramos sombra de qualquer um deles na estrutura interna do sentenciado.
…
Na verdade, ao contrário do que se sustenta no douto parecer do Exmº PGA, não vislumbramos qualquer vício do artigo 410º, nº 2 do CPP, assente que a questão levantada do CRC «desactualizado» só pode ser resolvida por recurso a elementos exteriores à própria sentença (consulta do CITIUS em causa). Como tal, não o temos por verificado.
Mas sempre se dirá que a passagem do prazo de 3 meses aposto no CRC do arguido não pode significar que o tribunal da condenação não poderia «ler» esses antecedentes criminais aí inscritos, podendo legitimamente retirar deles ilações ao nível da dosimetria da pena a aplicar, assente ainda que, se reenviássemos o processo para novo julgamento, como se aduz no aresto desta Relação, invocado no parecer do Exmº PGA, sempre a 1ª instância não poderia levar em linha de conta eventual nova factualidade resultante desse «novo» CRC, caso houvesse acrescentos ao mesmo cadastro, sob pena de julgar «contra» o arguido.
Mais se diga que, a existir algum vício, sempre seria uma mera irregularidade, já há muito suprida (nunca tal foi invocado pela defesa).
Inexistindo quaisquer vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, passemos ao conhecimento das questões efectivamente controvertidas.
3.2. Foi bem encontrada a pena concreta, no caso, 12 meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação?
Vejamos.
Foi assim que decidiu, em termos de argumentação, o tribunal recorrido:
«…
Em matéria de escolha da pena, rege o princípio geral da preferência pela pena alternativa não privativa da liberdade, a qual deverá ser aplicada sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, se revele adequada e suficiente á realização das finalidades da punição, de acordo com o disposto no art.º 70º do Código Penal.
…
No caso concreto a pena de multa não satisfaz de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente as exigências de reprovação e prevenção do crime, estando, pois, indicada uma pena de prisão. Com efeito, como decorre dos factos assentes, o arguido já tem antecedentes criminais, tendo diversas condenações, num total de 19, pela prática de diversos tipos legais de crime, demonstrando uma personalidade desconforme ao direito, sendo que tem seis condenações pela prática de crimes de desobediência e não tem nenhuma condenação pela prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições.
…
Assim, nos termos do art.º 71º do Cód. Penal, aplica-se ao arguido uma pena de 9 (nove) meses de prisão pelo crime de desobediência e uma pena de 6 (seis) meses de prisão pelo crime de violação de imposições, proibições ou interdições.
Ora, tendo o arguido praticado dois crimes importa fazer referência ao concurso de crimes. Para determinar a medida da pena que caberá ao concurso, em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes do concurso, como se de crimes singulares se tratasse para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da pena. No presente caso encontramos, então, uma pena de 9 (nove) meses de prisão e uma pena de 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes que o arguido praticou.
… Assim, afigura-se-nos adequado e proporcional aplicar ao arguido uma pena de 12 (doze) meses de prisão, resultante do concurso dos crimes de desobediência e violação de imposições, proibições ou interdições.
…
No caso concreto, tendo em atenção e ponderando todos os factores referidos aquando da determinação da medida concreta da pena, nomeadamente o facto de o arguido já ter sido por dezanove vezes condenado pela prática de vários tipos legais de crime, em penas de multa, de prisão suspensa na sua execução e de prisão efectiva, persistindo na actividade criminosa, demonstrando uma personalidade desconforme ao direito, não permite fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de acreditar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar o arguido da prática de novos crimes e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pelo que não se substitui a pena de prisão aplicada por pena de multa ou por prestação de trabalho nem se suspende a pena aplicada ao arguido.
Com a entrada em vigor da Lei nº 94/2017, de 23/08, que alterou o Código Penal, é possível a execução de uma pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos através do regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
Estipula o artigo 43º, nº 1, alínea a) do Código Penal que “sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão efectiva não superior a dois anos; (…)”.
Da factualidade provada resulta que o arguido está social e familiarmente integrado e confessou a prática dos factos. Acresce que se encontra a efectuar tratamento ao problema da dependência de produtos estupefacientes de que padece. Considera-se, desta forma, que o cumprimento de tal pena de prisão, em regime de permanência na habitação, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, caso haja parecer favorável nos termos do artº 7º, nº 2 da Lei 33/2010, de 02/09.
Fixa-se como residência ao arguido para cumprimento da pena de prisão, no regime de permanência na habitação, …
O arguido consentiu na aplicação da vigilância electrónica (cfr. acta da leitura de sentença, de acordo com o artigo 4º, nº 2 da Lei 33/2010, de 02.09)».
3.3. O recurso «versa primacialmente sobre a forma de execução da pena única, defendendo-se «forma alternativa sem ser privativa de liberdade».
Já sabemos que não está em causa a escolha da pena de prisão, em detrimento da de multa, na operação do artigo 79º do CP.
E não está em causa o quantum de 12 meses na pena de cúmulo, cuja moldura abstracta vai dos 9 aos 15 meses (não o estando também o quantum das penas parcelares).
Apenas está em discussão a questão da substituição dessa pena de prisão por uma não privativa da liberdade. Pergunta-se, então: será de lançar mão de alguma das penas substitutivas previstas no artigo 50º e 58º do CP (anteriores à do artigo 43º, essa aplicada in casu)? 3.4. Uma palavra sobre a suspensão da execução da pena de prisão
O regime jurídico da pena em causa está previsto nos artigos 50º a 57º do CP e nos artigos 492º a 495º, do CPP.
O artigo 50º, nº 1, do CP – revisto em 2017 - dispõe:
SECÇÃO II
Suspensão da execução da pena de prisão
Artigo 50º
Pressupostos e duração
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
…
A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da última ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».
A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras.
Já as penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal.
Por seu lado, as penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Note-se que agora, e desde 2007 (cfr. Lei nº 59/2007), o período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos.
Esta pena assim aplicada pode revestir:
· a modalidade simples (artigo 50º, do CP),
· a forma de subordinação ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta (artigos 51º e 52º, do CP),
· o acompanhamento de um regime de prova (artigos 53º e 54º, do CP).
No segundo caso, a imposição de deveres e regras de conduta visa a reparação do mal do crime e a ressocialização do condenado, evitando que cometa novos crimes.
Está sujeita a uma dupla limitação, na medida em que não pode violar os direitos fundamentais do condenado e deve ser adequada e proporcional às finalidades visadas.
Em qualquer situação, torna-se imperiosa uma rigorosa selecção de deveres ou regras de conduta, devida e ajustadamente exequíveis, cuja aplicação deve ter em conta a imagem global dos factos e deve adaptar-se às exigências de prevenção geral e especial exigidas pelo caso. …
Recuperamos aqui muito do que decidimos no recente aresto datado de 14 de Maio de 2025, no Pº 179/24.6GDCBR.C1.
Também nós, neste nosso processo presente (mais um), não iremos suspender a execução desta nova pena de prisão [conheceu 5 suspensões, uma das quais em acórdão de cúmulo jurídico – cfr. facto provado nº 33, alíneas e), k), l), m) e p)]. O seu passado não nos dá qualquer garantia de correcção.
O que vai explanado permite concluir que a simples ameaça da prisão não permite realizar de forma adequada as finalidades da punição, tanto mais que o arguido revela uma personalidade desconforme ao direito.
Entendendo-se que resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já condenações sucessivas, que inexistem comprovadas circunstâncias que o possam favorecer e que tais circunstâncias impedem um juízo de prognose a si favorável, tanto mais que não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa (tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime), o tribunal recorrido afastou, e bem, a possibilidade de suspender a pena de prisão que aplicou concretamente ao arguido.
Certos de que o que está aqui em causa não é qualquer certeza, mas a esperança (in)fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, entendemos, na linha do sentenciado em 1ª instância, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizam, de forma adequada, as exigências e finalidades da punição.
O juízo de prognose favorável que o percurso criminal do arguido e a persistência que vem demonstrando na prática de crimes, nomeadamente da natureza dos autos, revela-se, à saciedade, irremediavelmente comprometido, revelando ele uma personalidade desconforme ao Direito e autista relativamente à força persuasiva e ressocializadora das penas que já lhe foram aplicadas no passado.
Quem até já esteve preso devia estar emendado, deveria pensar duas vezes antes de resolver prevaricar.
Este arguido já viu durante 5 vezes suspensa a execução de uma pena de prisão – e mesmo assim voltou a prevaricar.
A pena de suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada as finalidades da punição quando o agente, apesar de já ter sido por diversas vezes condenado, volta a praticar infracção de natureza semelhante.
Esta pena suspensa seria ineficaz num caso deste jaez, não se acreditando que a ameaça da pena de prisão fosse suficiente para afastar este homem deste tipo de criminalidade com a qual ainda terá algumas «contas interior a ajustar».
Ligado ao mundo da toxicodependência, sem poiso certo, sem hábitos de trabalho, neste momento, a suspensão de pouco lhe valeria.
Lamentamos ter de assim agir – «haveria de haver» um momento em que o ciclo de reclusão se teria de romper.
Ainda não é chegado o momento, infelizmente.
É certo que o seu passado não tem sempre de marcar a sua esperança de futuro (e uma vida de erros não significa sempre e necessariamente uma vida de erros).
Contudo, no momento em que nos chega às mãos este pedaço da sua vida, ainda nos classificamos de impotentes para mudar o seu curso existencial, empurrados ainda que somos, pela enxurrada de ilicitudes por si cometidas, para o mundo da reclusão, mesmo que em casa (e acreditamos que esta será uma última chance antes de voltarmos à real reclusão intramuros de um EP). 3.5. O mesmo se diga da pena substitutiva do artigo 58º, já aplicada por 5 vezes em 2014, 2016 e 2020 – cfr. facto provado nº 33, alíneas f), g), h), j) e r) - e sem qualquer decisivo e útil efeito na ressocialização deste arguido, não se podendo, assim, afirmar que tal pena substitutiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Já sabemos que a pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (artigo 58º, nº 2 do CP) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 58º, nº1 do CP).
O pressuposto formal desta pena é a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade (artigo 58º, nº 5 do CP).
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.
Por isso, a prestação de trabalho a favor da comunidade é, de per si, uma pena autónoma que visa satisfazer “as finalidades da punição”.
Ora, olhando para o caso vertente, diremos que as mesmas considerações expostas no ponto anterior valem para aqui.
As anteriores penas de prisão substituídas por trabalho comunitário não surtiram qualquer efeito no arguido: após a aplicação dessas penas a executar na comunidade – a sua extinção - logo volta ao crime em 2020 [cfr. facto provado nº 33, alíneas r) e s)].
Como, assim, justificar agora tal pena de trabalho comunitário, assente que as anteriores experiências/condenações não «mexeram» com a consciência do AA?
Daqui se retira a pouca susceptibilidade do arguido em ser influenciado positivamente pelas penas em que foi condenado, não interiorizando, concluímos nós, o desvalor da sua conduta ilícita repetida no tempo.
Os seusantecedentes criminais são reveladores de uma certa personalidade, essa sim, única, mas que projecta as suas consequências na culpa que concorre para a formação dessa personalidade e que se reflecte inevitavelmente na medida da pena e que vai bulir também nas exigências de prevenção.
Assim, os antecedentes criminais projectam a sua importância, sem que haja lugar a quaisquer duplicações, quer na medida da pena quer na culpa, quer nas exigências de prevenção.
E estamos a falar de alguém que já cumpriu penas efectivas de prisão (facto provado nº 33, alíneas q) e s)], sendo já de assinalar esta benevolência do JLC Coimbra ao aplicar-lhe, de novo, e pela 3ª vez, uma pena do artigo 43º [cfr. facto provado nº 33, alíneas n) e o)]. Razões de prevenção geral e especial impõem, assim, o afastamento também desta pena substitutiva. De nada lhe vale o alegado no recurso, a saber:
· «I) prática dos factos motivada pela falta de auxílio da sua mãe que num momento difícil teve de centrar atenções na sua filha gravemente doente» - nada disto consta dos factos provados, não tendo aqui havido qualquer impugnação da matéria dada como provada:
· «II) factualidade cometida por um arguido ainda em idade ainda favorável à inversão de percurso ilícito» - pelas razões acima explanadas, foram vezes de mais a prevaricar e muitas hipóteses já dadas para esse «arrepiar de caminho», nunca aproveitadas;
· «III) que se mostra inserido do ponto de vista social e familiar» – não pode a boa integração familiar justificar desajustada benevolência para quem tão repetidamente transgride a lei;
· «IV) que apresenta inserção laboral» - não pode a boa integração profissional justificar desajustada benevolência para quem tão repetidamente transgride a lei;
· «V) que não foi interveniente em qualquer acidente de viação, não tendo objectivamente causado quaisquer danos a terceiros» - absolutamente irrelevante no nosso caso pois a ilicitude existe mesmo sem a produção de acidentes de viação na via pública, não sendo esta a 1ª vez que desobedece em crimes rodoviários;
· «VI) que assumiu e confessou os factos, revelando arrependimento» - tal já foi ponderado na determinação da exacta medida da pena, não revestindo esta confissão grande relevo atenta a intercepção policial da qual tinha ele pouca forma de escapar, adiantando-se ainda que o arrependimento demonstrado pouca relevância – e até sinceridade - terá face ao seu passado criminal (note-se que o tribunal apenas apurou que o arguido se mostrou arrependido e não que estivesse verdadeiramente arrependido);
· e «VII) que se mostra a combater o problema de dependência de estupefacientes de que padece» - não é essa circunstância que poderá beneficiá-lo neste caso, assente que os crimes dos autos nada têm a ver com a sua toxicodependência mas apenas com a sua insistência em conduzir fora das condições legais para o efeito em veículos que não se mostram habilitados a ser tripulados na via pública. 3.6. Como tal, não reconhecemos no panorama do CP, em termos de penas, qualquer outro «fármaco alternativo», usando a imagem do recorrente, que seja capaz de fazer expiar a culpa deste homem, useiro e vezeiros em ilicitudes várias (conduções em estado de embriaguez, desobediências, furtos, falsificações e um homicídio negligente/omissão de auxílio). Em suma, vai ser considerado improcedente este recurso, não se tendo por violados quaisquer preceitos do Código Penal, do Código de Processo Penal, do Código Civil ou da própria Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os invocados na conclusão H), validando-se, assim, a pena aplicada por total proporcionalidade e adequação. III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em:
· NEGAR provimento ao recurso intentado pelo arguido …, mantendo-se, na íntegra, a condenação gizada pela 1ª instância.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa].
Coimbra, 8 de Julho de 2025 (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturaselectrónicasapostasna1.ªpágina,nostermosdoartº19ºdaPortarianº280/2013,de26-08,revistapelaPortarianº267/2018,de20/09)
Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Alcina da Costa Ribeiro
Adjunto: Sara Reis Marques