Sumário:
I. Considerando que ao tribunal é lícito apenas conhecer as questões expressamente elencadas no art. 734.º, do CPC, se a Executada invoca questões que não estão aí previstas, o tribunal não pode delas conhecer, neste caso, cumprindo escrupulosamente o tribunal esta norma não pode ocorrer a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).
II. A verificação da nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou por ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC) não se basta com a mera invocação desta norma.
III. Não se verifica a nulidade da sentença por falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC) quando se constata que o Mm.º Juiz fundamentou a sua decisão de facto e de direito de modo completo e preciso relativamente a todas as questões suscitadas pelas partes, sem necessidade de ser exaustivo.
IV. A ocorrência de quaisquer irregularidades detetadas na tramitação processual configura um vício que pode influir no exame ou decisão da causa, ou seja, podem repercutir-se, no caso do processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento.
V. E pode ser arguida dentro do prazo geral de 10 dias, contado do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte foi notificada para qualquer termo do processo. E só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
VI. Em face da notificação de 27/12/2023, agindo com a devida diligência, a executada estava em perfeitas condições para saber que era evidente ter sido já determinada a venda, ou seja, a partir desta data estava apta a arguir a falta de notificação da decisão da venda, no entanto, nada requereu, por isso, nesta sequência, quando em 07/05/2024 veio arguir a nulidade, já havia decorrido o prazo geral de 10 dias para a arguição da mesma.
VII. A imediata suspensão da instância em face do falecimento de qualquer das partes só pode ser determinada após o momento processual da junção ao processo do documento comprovativo do falecimento delas, mormente, da certidão do respectivo assento de óbito.
VIII. Considerando que o despacho liminar tem três finalidades essenciais: - Ou indefere o Requerimento executivo; - Ou convida o exequente a aperfeiçoar o mesmo; - Ou determina a citação do executado. E que no caso concreto em apreciação está em causa a terceira finalidade, o meio de defesa do executado é a possibilidade de deduzir embargos de executado contra o Requerimento Executivo e não contra o despacho liminar que é completamente inócuo.
IX. Na data da decisão de extinção da execução por desistência do exequente quanto ao executado que havia falecido nenhum dos outros executados se encontrava citado, razão porque o agente de execução não notificou tal decisão a esses executados, sendo certo que no processo executivo não tem aplicação a previsão do n.º 3 do art.º 569.º, do Código de Processo Civil, como consta da decisão recorrida.
X. Compete ao executado suscitar a eventual falta de acordo de preenchimento em embargos de executado, seja alegando que o documento junto não prova o acordo de preenchimento seja alegando simplesmente que inexiste esse acordo, porque o ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo da livrança impendia precisamente sobre os obrigados cambiários, ora Recorrentes, e não sobre a Exequente, atenta a circunstância de estarmos perante factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito.
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Apelação n.º 978/23.6T8LLE-A.E1
(1.ª Secção Cível)
Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral
2.º Adjunto: Ana Pessoa
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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I. RELATÓRIO
- Acção Executiva
1. As partes:
Recorrentes – Executados:
- AA e
- “CONSTRUÇÕES BB, UNIPESSOAL, LDA.”
Recorrida – Exequente – HEFESTO STC, SA
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2. Objecto do litígio:
A Exequente instaurou a presente Execução Ordinária contra os Executados para pagamento de quantia certa no valor de €2.111.505,61 (Dois Milhões Cento e Onze Mil Quinhentos e Cinco Euros e Sessenta e Um Cêntimos).
Por Requerimento avulso de 07/05/2024 a Executada/Recorrente “Construções BB, Unipessoal, Lda.” veio requerer a extinção da execução, invocando essencialmente a nulidade decorrente da falta de notificação da decisão sobre a modalidade da venda, nulidade insanável por falta de suspensão da instância executiva e nulidade por falta de notificação de decisões judiciais e actos praticados no processo.
Por Requerimento avulso de 20/05/2024 o Executado/Recorrente AA veio requerer a extinção da execução, que as vendas sejam declaradas sem efeito e canceladas as penhoras e a condenação da exequente por “Abuso de Direito e por Litigância de Má Fé”, invocando essencialmente a falta de título executivo, inexigibilidade, ilegitimidade ineptidão do requerimento executivo e preenchimento abusivo das livranças, ilegitimidade activa e inexigibilidade, vicio de forma da cessão de créditos, intransmissibilidade por cessão das garantias hipotecárias prestadas pelo executado, falta de interpelação prévia e inexigibilidade do pagamento, abuso de direito e litigância de má fé.
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3. Objecto do Recurso de Apelação:
Despacho proferido em Primeira Instância datado de 23/11/2024, objecto do recurso de apelação:
3.1. Decisão da Primeira Instância constante do Despacho proferido em 23/11/2024 que incidiu sobre o Requerimento de 07/05/2024 da Executada/Recorrente “Construções BB, Unipessoal, Lda.” em que esta veio requerer a extinção da execução [transcrição]:
«Pelo exposto, decide-se indeferir tudo o requerido pela executada Construções BB, Unipessoal, Lda. no seu requerimento apresentado em 7/5/2024.
Condena-se a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. em custas incidentais, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C.´s.
Notifique.».
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3.2. Decisão da Primeira Instância constante do Despacho proferido em 23/11/2024 que incidiu sobre o Requerimento de 20/05/2024 do Executado/Recorrente AA em que este veio requerer a extinção da execução, que as vendas sejam declaradas sem efeito e canceladas as penhoras e a condenação da exequente por “Abuso de Direito e por Litigância de Má Fé” [transcrição]:
«Pelo exposto, decide-se indeferir tudo o requerido pelo executado AA no seu requerimento apresentado em 20/5/2024.
Condena-se o executado AA em custas incidentais, fixando-se a taxa de justiça em 3 U.C.´s.
Notifique.».
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4. Recurso de apelação dos Executados/Recorrentes:
Os Recorrentes interpuseram recurso de apelação das decisões constantes do despacho proferido em 23/11/2024 que incidiu sobre os Requerimentos de 07/05/2024 e de 20/05/2024, onde pede a revogação das decisões constantes desse despacho, julgando-se procedente a pretensão deduzida pelos Recorrentes, com as seguintes conclusões [transcrição]:
«I – O Tribunal “a quo”, errou na apreciação de facto e direito nas questões fundamentais objeto do presente recurso, devendo tal decisão ser revogada.
II – O Tribunal “a quo”, deu como provado que a recorrente “SOCIEDADE CONSTRUÇÕES BB, UN., Ld.ª” não foi notificada pelo Agente de Execução, da decisão sobre a modalidade da venda (proferida em 24.11.2023).
III – A Sociedade recorrente encontrava-se em situação de revelia e a sua primeira intervenção no processo, foi a apresentação do requerimento de 7.5.2024, arguindo atempadamente a nulidade por tal omissão.
IV – O Sr. A.E. confessou nos autos que não notificou a recorrente, ainda assim prosseguido com a venda e aceite as propostas que lhe foram apresentadas em 11.05.2024.
V – O patrocínio judiciário no âmbito dos presentes autos é obrigatório atendendo ao valor da execução se cifrar em 2.111505,61 €.
VI - o Tribunal a quo, de forma errada entendeu que a recorrente já não podia invocar tal nulidade.
VII - A falta em causa influiu determinantemente no exame ou na decisão da causa (cfr. art.º 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil), acarretando a nulidade, e actos dependentes, como seria o leilão electrónico e concretização da venda, devendo ser anulados os actos praticados.
VIII - O Sr. A. E. em 12.04.2023, após consultar as bases de dados da segurança social, civis, obteve a informação que o executado CC falecera em ........2008.
IX - Ao tomar conhecimento de tal óbito, de um interveniente deveria ter suspendido de imediato a instância executiva nos termos do disposto nos artigos 269.º, Nº1, al. a) e 270.º, Nºs 1, 2 e 5 do C.P.C., MAS NÃO O FEZ.
X – O processo seguiu os seus tramites normais, sem que fosse suspensa a execução tendo sido praticados actos no processo não urgentes em: 11.05.2023, 16.05.2023 e 17.05.2023.
XI - Apenas no dia 17.05.2023, DECORRIDOS 35 dias desde a data do conhecimento do óbito pelo Sr. A.E., é que o mesmo comunicou a decisão de extinção da instância relativa ao executado, por desistência da instância requerida pelo recorrido.
XII - Não obstante ter proferido decisão de extinção da instância executiva, o processo continuou a seguir termos, inclusivamente contra o executado falecido, tendo em 24.11.2023 o mesmo sido notificado da decisão sobre a venda.
XIII – O processo é nulo e em consequência deverão todos os actos praticados após o conhecimento do óbito ser anulados, designadamente a venda executiva dos imóveis objeto de leilão eletrónico.
XIV – A decisão de extinção da execução proferida em 17.05.2023 pelo Sr. A.E. não foi notificada aos recorrentes, ocorrendo Nulidade por falta de notificação de actos processuais fundamentais.
XV – O recorrente AA por requerimento de 20.05.204 requereu a anulação das vendas executivas dos imóveis realizadas por leilão eletrónico no site e-leilões (Ref.ªs: LO1222522024, LO1222532024 e LO1222542024) tendo terminado nos dias 08.05.2024, e 15.05.2024.
XVI – Invocou a “FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO, INEXIGIBILIDADE, ILEGITIMIDADE, INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO, DA INTRANSMISSIBILIDADE POR CESSÃO DAS GARANTIAS HIPOTECÁRIAS PRESTADAS PELO RECORRENTE, DA FALTA DE INTERPELAÇÃO PRÉVIA E INEXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO E EM CONSEQUÊNCIA O PREENCHIMENTO ABUSIVO DAS LIVRANÇAS DADAS NA EXECUÇÃO.”
XVII - O Tribunal “a quo”, ERROU porquanto não apreciou devidamente a pretensão do recorrente, estando a tal obrigado atento o seu conhecimento oficioso, sendo a decisão NULA.
(Artigo 615.º, Nº 1, als. d), c) e b) do C.P.C.)
XVIII - As questões suscitadas correspondem à falta de pressupostos processuais, sendo condições de procedência e admissibilidade da execução, INSANÁVEIS (Arts. 726.º, N.º 2, als. a), b), c) 4 e 5 do C.P.C. ex vi 734.º do C.P.C.)
XIX – Podiam e deviam ser apreciadas pelo Tribunal, ainda que os recorrentes não tenham deduzido oposição à execução por se encontrarem em revelia.
XX – A recorrida (cessionária) invocou no requerimento executivo, a celebração e o incumprimento de 7 contratos de mútuo bancário, celebrados entre o “FINIBANCO S.A., Montepio Investimento e CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL” na qualidade de Mutuante e a sociedade executada/recorrente na qualidade de Mutuária, assim identificados:
“..., ..., ..., ..., ..., ... e ...”.
XXI - Não juntou aos autos nenhum dos citados contratos ou documentos que atestem o financiamento dos valores que diz ter mutuado à mutuária.
XXII - Invocou como títulos executivos, “4 LIVRANÇAS”, que juntou aos autos conforme identificou nos artigos 14º e 15º do requerimento executivo.
XXIII - Resulta do “DOC. Nº 9”, páginas 5,6 e 7, anexo ao requerimento executivo, um pacto de preenchimento relativo a uma pretensa “Livrança Nº ...”, cuja garantia tem um limite máximo de pagamento de 2 milhões e quatrocentos mil euros.
XXIV - Ao analisar-se tal pacto de preenchimento, desde logo se percebe que a subscritora da mesma é a sociedade “CC & FILHO LIMITADA” sendo avalistas, CC e o AA, ora recorrente.
XXV - A exequente não juntou qualquer livrança aos autos com o referido número “...” ou ainda o respetivo contrato de mútuo que a titulasse ou legitimasse tal convenção cartular.
XXVI - Ocorrendo “FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO, INEXIGIBILIDADE e INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO” e preenchimento abusivo das livranças, as quais são Exceções Dilatórias de Conhecimento Oficioso.
XXVII - Tal pacto de preenchimento foi subscrito pela sociedade “CC & FILHO LIMITADA”, e não pela sociedade executada/recorrente “CONSTRUÇÕES BB UNIPESSOAL LDA.”
XXVIII - Também se verifica a Exceção Dilatória de “ILEGITIMIDADE PASSIVA INSANÁVEL”, a qual é do conhecimento oficioso.
XXIX - É facto notório que as livranças juntas aos autos com os números “... e ...”, não foram subscritas pela sociedade executada/recorrente.
XXX - Inexistindo relativamente a esta última livrança “...” qualquer pacto de preenchimento ou aval prestado pelo executado/recorrente ou ainda contrato de mútuo junto aos autos subjacente.
XXXI - O executado/recorrente foi demandado na qualidade de avalista da sociedade executada/recorrente e não da sociedade “CC & FILHO LIMITADA”.
XXXII - Deve o processo ser extinto e os recorrentes absolvidos da instância, pela “FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO, ILEGITMIDADE PASSIVA INSANÁVEL, INEPTIDÃO E INEXIGIBIDADE” as quais são Exceções Dilatórias de conhecimento oficioso, padecendo o processo de NULIDADE INSANÁVEL, e consequentemente deverão anular-se todos os atos praticados (arts. 195.º e 196.º do C.P.C.).
XXXIII - A exequente, ao não juntar aos autos quaisquer contratos/escrituras dos 7 mútuos bancários celebrados com o “FINIBANCO S.A., Montepio Investimento e CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL”, torna o requerimento executivo INEPTO, sendouma “Excepção Dilatória de conhecimento oficioso”, gerando a “NULIDADE” do processo.
XXXIV - Conforme decorre da venda/cessão de créditos realizada em 30.12.2016, entre a instituição bancária “FINIBANCO S.A.” e os cessionários, foi estipulado quanto à forma do contrato que devia ser “assinado como documento particular autenticado perante Notário Público devendo todas as suas páginas (incluindo as dos Anexos) ser rubricadas pelas Partes”.
XXXV - A exequente não fez prova de tais formalidades essenciais já que o Doc. N.º 1 “Contrato de Venda de Créditos”, junto aos autos, não se encontra autenticado em notário ou assinado pelas partes.
XXXVI - A cessão é nula e de nenhum efeito, não produzindo efeitos jurídicos, carecendo a recorrida da necessária legitimidade ativa para demandar os executados/recorrentes.
XXXVII - Tratando-se da falta de um pressuposto processual INSANÁVEL, que inviabiliza que o Tribunal, aprecie o mérito da causa.
XXXVIII - O recorrente AA, é o único proprietário do prédio penhorado objeto de venda sito em ““... LOTE 131/132 4 ..., ... ...”.
XXXIX - Tal imóvel constitui casa morada de família e foi objeto de leilão eletrónico terminado no dia 08.05.2024 referência “...” o qual foi licitado pela proposta máxima de 252.423,75 €.
(Cfr. resulta da comunicação efetuada pelo Sr. Agente de Execução de 11.05.2024 Ref. Citius 12469048)
XL- O recorrente AA constituiu 1 hipoteca voluntária a favor da Instituição Bancária “FINIBANCO S.A., Montepio Investimento e CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL”, conforme resulta da escritura junta como “Doc. Nº 10”, pelo exequente no requerimento executivo.
XLI - Trata-se de uma garantia pessoal, sendo o executado terceiro relativamente aos contratos de mútuo celebrados e invocados no requerimento executivo, não assumindo a qualidade de MUTUÁRIO ou devedor nos contratos de mútuo bancário.
XLII - Sendo proprietário do imóvel dado em hipoteca e não devedor das quantias mutuadas, aplica-se desde logo o disposto no artigo 698.º, do CC, que prevê que “Sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador.”.
XLIII – A exequente/cessionária não tem LEGITIMIDADE ACTIVA para executar a referida garantia hipotecária correspondente ao citado imóvel, porquanto a mesma não se lhe transmitiu.
XLIV - O FINIBANCO S.A., “Montepio Investimento e CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL”, na qualidade de Vendedor/Cedente estava legalmente obrigado a NOTIFICAR E OBTER A AUTORIZAÇÃO, consentimento prévio do executado AA para tornar eficaz tais operações de Cessão de Créditos/Cessão e transmissão da posição contratual.
XLV - Em especial das garantias hipotecária pessoais, in casum da hipoteca voluntária do imóvel registada sobre a casa morada de família do executado, O QUE NUNCA SUCEDEU!
XLVI - O que inviabiliza desde logo a penhora e venda executiva do citado imóvel no leilão eletrónico ocorrido em 08.05.2024, devendo o mesmo ser dado de nenhum efeito, por Nulidade e anulado.
XLVII - A garantia hipotecária voluntária pessoal do executado registada no imóvel “casa morada de família” e os créditos emergentes da celebração dos contratos de mútuo não se transmitiram assim para a ora exequente/recorrida, tornando-se ineficaz perante o recorrente, atento o disposto no artigo 727.º do C.C.:
“Artigo 727.º - (Cessão da hipoteca)
1. A hipoteca que não for inseparável da pessoa do devedor pode ser cedida sem o crédito assegurado, para garantia de crédito pertencente a outro credor do mesmo devedor, com observância das regras próprias da cessão de créditos;
se, porém, a coisa ou direito hipotecado pertencer a terceiro, é necessário o consentimento deste.”.
XLVIII - Inexistindo tal autorização prévia, torna a exequente/recorrida parte ilegítima na ação, inepto o requerimento executivo e NULO o presente processo, por verificação de exceções dilatórias insupríveis devendo ser extinta a execução e absolvidos os recorrentes da instância.
XLIX- O Tribunal a quo, errou ao não apreciar devidamente as questões suscitadas, ocorrendo OMISSÃO DE PRONUNCIA.
Deste modo, o douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo” padece de NULIDADE tendo violado o disposto nos artigos:
154.º, n.ºs 1 e 2, 195.º, 196.º, 278.º, 576.º, n.º2, 577.º, Als. b) e e), 578.º, 609.º, n.º 1, 615.º, n.º1, als. b), c), d) e e), 726.º, Nº2 Als. a), b) e c) todos do C.P.C.
E o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.».
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5. Resposta
A Exequente/Recorrida apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
«A) Os executados, ora recorrentes, vieram interpor recurso do despacho de 23 de novembro de 2024 do tribunal de 1ª instância que indeferiu as suas pretensões deduzidas por requerimentos de 07 de maio de 2024 (apresentado pela executada ... Constr. BB, Lda.) e 20 de maio de 2024 (apresentado pelo executado AA), onde, de entre várias coisas, pediram que fosse dada sem efeito e anuladas as vendas executivas em curso e que a execução fosse extinta.
B) Não assiste razão aos executados, como de seguida de demonstrará, tendo o tribunal validado toda a actuação do Sr. Agente de Execução e da exequente, a qual decorreu conforme a lei.
C) Considerando o tamanho das Alegações de Recurso apresentadas, é opção da exequente pronunciar-se de uma forma geral, não contra-alegando “ponto a ponto”.
D) No dia 24 de novembro de 2023 (refª CITIUS 11914065), o Sr. Agente de Execução, após notificação de todas as partes, decidiu promover a venda dos imóveis penhorados nos autos através de leilão electrónico, na plataforma e-leilões, fixando os seguintes valores de venda:
i) Verba 1 (venda em lote de 6 imóveis): valor base de € 117.800,00 (valor mínimo de € 100.130,00);
ii) Verba 2: valor base de € 288.235,29 (valor mínimo de € 250.000,00);
iii) Verba 3: valor base de € 120.000,00 (valor mínimo de € 102.000,00).
E) Cumpre esclarecer que a ora executada empresa não sugeriu qualquer valor base de venda dos imóveis penhorados, nem reclamou da decisão de venda do Sr. Agente de Execução, pese embora tenha sido notificada, respectivamente, a 25 de setembro de 2023 (refª CITIUS 11690660) e a 24 de novembro de 2023 (refª 11914081).
F) De todas as notificações efectuadas pelo Sr. Agente de Execução nestes autos, somente a notificação datada de 24 de novembro de 2023 (refª 11914081) foi dirigida exclusivamente ao sócio gerente da empresa executada, AA, também ele executado nos presentes autos.
G) Gerência essa que a própria executada reconhece ao executado BB na Procuração Forense junta com o requerimento de 07 de maio de 202
H) É verdade que, conforme reconhece o Sr. Agente de Execução na comunicação que juntou aos autos a 07 de maio de 2024, refª CITIUS 12454039, a não notificação da executada empresa deveu-se a um lapso, ao carregar no interveniente CC (já falecido àquela data), ao invés da executada empresa.
I) O que, evidentemente, não pode acarretar a nulidade do acto de venda, visto o representante da executada – entenda-se, o também executado BB – ter sido notificado da decisão em questão do Sr. Agente de Execução, razão pela qual se encontra sanada a nulidade/irregularidade em questão.
J) Para além disso, e conforme bem decidido pelo tribunal da 1ª instância, aquando da apresentação do requerimento de 07 de maio de 2025 – e contrariamente ao alegado pela empresa executada nos artigos 4º a 33º do Recurso – já há muito que se encontrava ultrapassado o prazo para a arguição da invocada nulidade: “Sucede que em data anterior (em 27/12/2023) a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. foi notificada da publicidade do leilão electrónico (abertura e data de encerramento do leilão electrónico), por via da qual ficou a saber que os bens se encontravam em venda, que a venda decorria em leilão electrónico e bem assim o valor base dos bens (que consta na publicidade da venda). Aliás, perante tal notificação, se dúvidas tivesse quanto aos termos em que prosseguia a venda, ao menos, agindo com a devida diligência, a executada poderia inteirar-se junto do presente processo.
No entanto, quer em face da notificação de 27/12/2023, quer em face da notificação de 8/4/2024 (publicidade da venda quanto foi repetido o leilão), a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. nada requereu, conformando-se com tais decisões,”
K) A venda das 3 verbas decorreu até ao dia 31 de janeiro de 2024, conforme publicações juntas em CITIUS pelo Sr. Agente de Execução a 27 de dezembro de 2023 sob as refªs 12012267, 12012271 e 12012275.
L) Considerando negociações extra-judiciais que decorriam entre as partes, e por forma a que as mesmas pudessem ser concluídas, a exequente requereu ao Sr. Agente de Execução, a 29 de janeiro de 2024, que os 3 leilões em curso fossem cancelados, o que ocorreu.
M) As negociações entre as partes frustraram-se, razão pela qual a exequente requereu ao Sr. Agente de Execução que voltasse a promover a venda dos imóveis penhorados a favor destes autos na plataforma e-leilões.
N) Assim, nova venda das verbas 2 e 3 decorreu até 08 de maio de 2024 e da verba 1 até 15 de maio de 2024, conforme publicações juntas em CITIUS pelo Sr. Agente de Execução a 08 de abril de 2024, respectivamente, sob as refªs 12360973, 12360974 e 12360958.
O) As vendas terminaram nos dias designados para o efeito, tendo as melhores propostas apresentadas sido as seguintes:
i) Verba 1 (venda em lote de 6 imóveis): proposta vencedora de € 378.750,00 apresentada por Limpa Canal Soluções Ecológicas, Lda., NIPC ...;
ii) Verba 2: proposta vencedora de € 252.423,75 apresentada por Limitefolgado, Lda., NIPC ...;
iii) Verba 3: proposta vencedora de € 105.020,00 apresentada por DD, NIF ...;
P) Considerando que todas as propostas indicadas no ponto anterior foram superiores ao valor mínimo de venda fixado, o Sr. Agente de Execução proferiu decisão de adjudicação das propostas vencedoras a 11 de maio de 2024 para as verbas 2 e 3, conforme refªs CITIUS 12469047 e 12469048, e a 23 de maio de 2024 para a verba 1, conforma refª CITIUS 12513672.
Q) Reitera-se, dando ênfase ao indicado no ponto 6º supra, que todas as diligências/actos supra elencadas foram notificados aos executados, sem que nunca tivessem sido objecto de qualquer pronúncia ou reclamação.
R) A 07 de maio de 2024, refª CITIUS 12450660, 1 (um) dia antes do termo dos primeiros leilões, o mandatário da executada Construções BB, Unipessoal, Lda. – que naquele dia juntou igualmente Procuração Forense nos autos – juntou requerimento a requerer a anulação das vendas em curso, indicando ainda nulidades insanáveis e excepções dilatórias insupríveis.
S) Ao requerimento apresentado pelo mandatário da Executada respondeu o Sr. Agente de Execução no próprio dia – refª CITIUS 12454039 – defendendo a exequente sua actuação nos autos que, sublinhe-se, não merece qualquer reparo.
T) Corroborando o teor do requerimento do Sr. Agente de Execução, não é de mais reforçar que a presente execução foi instaurada em 31 de março 2023, tendo sido distribuída no dia 06 de abril de 2023.
U) Em 14 de abril 2023, a ora exequente, após ter tido conhecimento do óbito do executado CC, desistiu da instância em relação a este – refª CITIUS 11194175.
V) Em 16 de maio 2023, foi proferido despacho para citação prévia dos executados BB e empresa executada, determinando este douto tribunal que o Sr. Agente de Execução diligenciasse pela extinção da instância quanto ao falecido CC, conforme requerimento da exequente de 14 de abril 2023 – refª CITIUS 128320916.
W) Decisão essa proferida pelo Agente de Execução a 17 de maio 2023, conforme refª CITIUS 11301696.
X) A propósito do falecimento do executado CC, entende a empresa executada que o Sr. Agente de Execução deverá ter suspendido de imediato a execução, sendo nulos todos os actos praticados desde essa data, cfr. exposto nos artigos 34º a 53º do Recurso.
Y) Entende a exequente que a empresa executada não tem razão, conforme decidido pela 1ª instância, que relembra o teor do artigo 270º do CPCivil: “Assim, nunca foi junto ao processo assento de óbito do executado CC, nem comunicação dos serviços de identificação civil, constando apenas uma menção na base de dados da segurança social.
Como é evidente, não fosse o exequente prontamente ter desistido da instância quanto ao executado CC, oficiosamente seria determinada a junção de documento bastante. Porém, verificando-se que o exequente logo desistiu quanto a esse executado, seria inútil determinar a junção de documento, pelo que apenas se determinou que o agente de execução proferisse decisão quanto à desistência e, naturalmente, nem se ordenou a citação desse executado.”
Z) Na parte final do requerimento da empresa executada de 07 de maio 2024 – correspondente aos artigos 54º a 70º do Recurso – é o douto tribunal a quo visado, tentando a empresa executada colocar em questão a legalidade da sua actuação aquando da extinção da instância relativamente ao executado CC.
AA) Novamente sobre esta matéria se pronunciou o tribunal a quo, expondo: “Acontece que não se verifica qualquer falta da secretaria, pois o despacho liminar nunca será notificado pela secretaria aos executados, mas apenas ao exequente e comunicado ao agente de execução para os fins previstos no n.º 8 do art.º 726º do Código de Processo Civil (realização da citação com os formulários e documentos legalmente previstos) e, por isso, não se verifica a arguida nulidade.”
BB) Não satisfeito com a manobra dilatória exercida a 07 de maio de 2024, veio novamente o mandatário dos executados juntar novo requerimento a 20 de maio de 2024, refª CITIUS 12494463 –desta feita em representação do executado AA – onde suscitou novas nulidades e excepções, num articulado de 67 páginas e 171 artigos – correspondendo, “em resumo”, aos artigos 71º a 136º do Recurso.
CC) Dando-lhe outro nome, o que apresentou o executado BB foram uns verdadeiros embargos de executado, contudo, claramente extemporaneamente.
DD) A isso mesmo se refere o tribunal de 1ª instância quando explana: “Como resulta dos autos, o executado AA foi citado para a execução em 23/5/2023 e não deduziu oposição à execução, pelo que já precludiram os meios de defesa de que se podia servir em oposição por embargos de executado.”
EE) Já quanto aos fundamentos invocados pelos executados de conhecimento oficioso, também sobre os mesmos se pronunciou o tribunal a quo, tendo decidido que não havia razão do executado em nenhuma das questões suscitadas: ineptidão do requerimento executivo, ilegitimidade ou a falta de título de executivo.
FF) Quanto à eventual ineptidão do requerimento executivo, a mesma não se verifica, conforme exposto no despacho do tribunal da 1ª instância de 23 de novembro de 2024: “(…) no requerimento executivo não se alcança qualquer discrepância, tendo em conta que são indicados como titulo executivo os efectivamente apresentados e é feita a exposição sucinta dos “factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, dando cumprimento à exigência prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 724º do Código de Processo Civil.
Assim, a questão que aqui se colocaria seria a da eventual falta de prova do alegado acordo de preenchimento da livrança n.º ..., o que não constituiu matéria de conhecimento oficioso que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento do mesmo.”
GG) O mesmo decidido pelo tribunal a quo, sem necessidade de grandes considerações, quanto ao título executivo e legitimidade: “Do mesmo modo, pelas razões já apontadas e tendo em conta as livranças juntas aos autos, também não se verifica a falta de título executivo.
Assim como não se verifica a ilegitimidade (activa ou passiva), tendo em conta as pessoas que figuram nos títulos executivos e a cessão de créditos junto aos autos.”
HH) Tendo concluído o tribunal a quo, em suma, que: “Aqui chegados e tendo presente as razões invocadas ao longo do requerimento em apreço, entende-se que não se suscitam quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e que imponham a extinção da execução (ou afectem a validade dos actos de penhora ou venda).”».
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6. Admissão do recurso
O tribunal a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades entendendo não se verificar nenhuma delas e admitiu o recurso.
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7. Objecto do recurso – Questões a Decidir:
7.1. Nulidades da sentença;
7.2. Reapreciação jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
8. É o seguinte o teor da decisão de facto constante da sentença, que esta subdividiu para cada temática:
8.1. Relativamente à invocada nulidade por omissão da notificação da decisão de venda [transcrição]:
«Os factos relevantes a considerar são os seguintes:
1º-Por decisão do agente de execução de 24-11-2023 foi determinada:
-a venda dos bens penhorados em 3 lotes, sendo o primeiro constituído pelos 6 prédios rústicos indicados na decisão, o segundo pela fracção autónoma designada pela letra U do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 4098/Quarteira e o terceiro pela fracção autónoma designada pela letra B do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 6778/Quarteira;
-foi fixado o valor base e o valor mínimo a anuncia para a venda para cada um dos acima referidos lotes;
-foi determinada a venda de tosos os bens através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leiloes.pt,
Tudo como costa na decisão de 24-11-2023 que aqui se dá por reproduzido.
2º-Os bens acima referidos foram penhorados à executada Construções BB, Unipessoal, Lda., com excepcão do bem que constitui o acima referido lote/verba 2, o qual foi penhorado ao executado AA cfr. auto de penhora de 21/6/2023.
3º-A decisão do agente de execução de 24/11/2023 não foi notificada à executada Construções BB, Unipessoal, Lda..
4º-Em 27/12/2023 o agente de execução expediu a notificação para a executada Construções BB, Unipessoal, Lda., dando conhecimento de “que se encontram ativos os leilões eletrónicos para venda dos imóveis infra identificados, devendo as propostas ser apresentadas até às 10:00:00 horas do dia 31-01-2024, através da plataforma www.e-leiloes.pt”-cfr. expediente junto aos autos.
5º-Em 8/4/2024 o agente de execução expediu a notificação para a executada Construções BB, Unipessoal, Lda., dando conhecimento de “que se encontram ativos os leilões eletrónicos para venda dos imóveis infra identificados, através da plataforma www.e-leiloes.pt” e que as propostas deverão ser apresentadas até às 11:00:00 horas do dia 08-05-2024 para as verbas 2 e 3 e até às 10:30:00 horas do dia 15-05-2024 para a verba 1- cfr. expediente junto aos autos.
6º-Por decisão do agente de execução de 11/5/2024 foi aceite a proposta apresentada em leilão por DD quanto à verba 3- cfr. expediente junto aos autos.
7º-Por decisão do agente de execução de 11/5/2024 foi aceite a proposta apresentada em leilão por Limitefolgado, Lda. quanto à verba 2- cfr. expediente junto aos autos.
8º-As decisões referidas em 6º e 7º foram notificadas à executada ConstruçõesBB, Unipessoal, Lda.-notificação expedida em 11/5/2024 como consta nos autos.
9º-Por decisão do agente de execução de 23/5/2024 foi aceite a proposta apresentada em leilão por ... quanto à verba 1- cfr. expediente junto aos autos.
10º-A decisão referida em 9º foi notificada à executada Construções BB, Unipessoal, Lda.-notificação expedida em 23/5/2024 como consta nos autos.»
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8.2. Relativamente à invocada omissão da suspensão da instância em face do falecimento do executado CC [transcrição]:
«Os factos relevantes a considerar são os seguintes:
-os presentes autos foram instaurados em 6/4/2023, sendo demandados os executados Construções BB, Unipessoal, Lda., AA e CC;
-nas consultas efectuatas em 12/4/2023 pelo agente de execução na base de dados da segurança social quanto ao executado CC, surge a menção do óbito em 10/6/2008;
-por requerimento apresentado em 14/4/2023 a exequente declarou desistir da instância quanto ao executado CC, atento o óbito do mesmo;
-apresentados os autos a despacho liminar, foi proferido o datado de 16/5/2023, onde foi admitido liminarmente o requerimento executivo, ordenada a citação dos executados Construções BB, Unipessoal, Lda. e AA e relativamente ao executado CC, determinado que o agente de execução proferisse decisão em face do requerido pelo exequente em 14/4/2023;
-por decisão de 17-05-2023, o agente de execução extinguiu a execução quanto ao executado CC, com fundamento na desistência apresentada pelo exequente.».
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8.3. Quanto à invocada omissão da notificação do despacho proferido em 16/5/2023 e omissão da notificação da extinção da execução quanto ao executado CC [transcrição]:
«Como decorre dos autos, a secretaria notificou o despacho liminar ao exequente (em 17/5/2023), mas não fez idêntica notificação aos executados.”.
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8.4. Quanto ao Requerimento de 20/05/2024 do Executado AA [transcrição]:
«Como resulta dos autos, o executado AA foi citado para a execução em 23/5/2023 e não deduziu oposição à execução.
(…)
Examinados o requerimento executivo, verifica-se que no memso consta a alegação de que são apresentados como títulos executivos:
-Livrança: nº ..., que corresponde ao contrato Número ... com o valor de Capital de € 234 148,09 €, juros calculados à taxa contratual no valor de € 60.250,83 € e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 23 de Fevereiro de 2014 até à data de 16 de Janeiro de 2023 que corresponde à data de vencimento da mesma, o que totaliza o valor facial da mesma em 294.398,92€
-Livrança nº ..., que corresponde ao contrato Número ... com o valor de Capital de €302 333,92, juros calculados à taxa contratual no valor de €42 119,06 e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 24 de Agosto de 2013 até à data de 16 de Janeiro de 2023 que corresponde à data de vencimento da mesma, o que totaliza o valor facial da mesma em 344.452,98€
-Livrança: nº ..., que corresponde aos contratos número ... com o valor de Capital de € 125 227,49 €, juros calculados à taxa contratual no valor de €10.194,24, e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 23 de Fevereiro de 2014 até à data de 16 de Janeiro de 2023 que corresponde à data de vencimento da mesma, o que totaliza o valor de 135.421,73€; - ... com o valor de Capital de €7.402,72, juros calculados à taxa contratual no valor de €1 741,22 e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 05 de Janeiro de 2015 até à data de 16 de Janeiro de 2023, o que totaliza o valor em dívida de €9 144,49; ... com o valor de Capital de €227.840,14, juros calculados à taxa contratual no valor de €200 659,10 e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 28 de Outubro de 2013 até à data de 16 de Janeiro de 2023, despesas e comissões no valor de €7.845,51, o que totaliza o valor em dívida de €436 344.75; e contrato ... com o valor de Capital de €99.759,58, juros calculados à taxa contratual no valor de €67 507,01 e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 03 de Setembro de 2013 até à data de 16 de Janeiro de 2023, despesas e comissões no valor de €3.927,16, o que totaliza o valor em dívida de €171 193,75;
-Livrança nº ..., que corresponde ao contrato Número ... com o valor de Capital de €350.000,00, juros calculados à taxa contratual no valor de €342 766,71, despesas e comissões no valor de €7.244,96, e que se reportam desde a data de incumprimento contratual de 01 de Outubro de 2012 até à data de 16 de Janeiro de 2023 que corresponde à data de vencimento da mesma, o que totaliza o valor facial da mesma em €700 011,67.
Com o requerimento executivo foram juntos diversos documentos, incluindo o acordo de preenchimentos das livranças.».
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B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
9. Das invocadas nulidades da sentença
Neste domínio, importa distinguir as nulidades da sentença (cfr. art. 615.º, do CPC), das nulidades do processo (cfr. art. 195.º, do CPC) e de outras patologias de que a mesma pode padecer.
Com efeito, como refere Abrantes Geraldes, “Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso” – Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 793.
A sentença é nula nos seguintes casos (art. 615.º, n.º 1, do CPC):
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Destaca-se que nas suas conclusões, o recorrente AA por requerimento de 20.05.204 requereu a anulação das vendas executivas dos imóveis realizadas por leilão eletrónico, onde invocou “falta de título executivo, inexigibilidade, ilegitimidade, ineptidão do requerimento executivo, da intransmissibilidade por cessão das garantias hipotecárias prestadas pelo recorrente, da falta de interpelação prévia e inexigibilidade do pagamento e em consequência o preenchimento abusivo das livranças dadas na execução.” e considera que «O Tribunal “a quo”, ERROU porquanto não apreciou devidamente a pretensão do recorrente, estando a tal obrigado atento o seu conhecimento oficioso, sendo a decisão NULA» e citou os seguintes preceitos: “(Artigo 615.º, Nº 1, als. d), c) e b) do C.P.C.)”, acrescentando ainda que “As questões suscitadas correspondem à falta de pressupostos processuais, sendo condições de procedência e admissibilidade da execução, INSANÁVEIS (Arts. 726.º, N.º 2, als. a), b), c) 4 e 5 do C.P.C. ex vi 734.º do C.P.C.)” e que “Podiam e deviam ser apreciadas pelo Tribunal, ainda que os recorrentes não tenham deduzido oposição à execução por se encontrarem em revelia.
E no corpo das alegações considerou que “76.º - Na verdade, o despacho recorrido é NULO, porquanto não apreciou as questões suscitadas, as quais são do seu conhecimento oficioso”, voltando a citar os seguintes preceitos: “(Artigo 615.º, Nº 1, als. d), c) e b) do C.P.C.)”.
Daqui resulta que nas conclusões alegou que o tribunal a quo “errou” porquanto não apreciou devidamente a pretensão do recorrente, estando a tal obrigado atento o seu conhecimento oficioso, sendo a decisão nula, enquanto que no corpo das alegações invoca algo diferente: que o despacho recorrido é nulo porquanto não apreciou as questões suscitadas, as quais são do seu conhecimento oficioso.
Contudo, julgamos que o Recorrente pretenda invocar a nulidade da sentença precisamente por entender não se ter decidido as questões por si invocadas e elencadas, sem prejuízo da abordagem das demais nulidades.
Importa então apreciar e decidir pela ordem invocada.
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9.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) – cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC:
A alegada omissão de pronúncia deve ser aferida em função das questões colocadas e não pode confundir-se com a discordância dos fundamentos.
«A este respeito, também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).». E ainda «Se é grave a falta de apreciação de alguma questão relevante para o resultado da lide (omissão de pronúncia), não o é menos a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso (excesso de pronúncia). Já a condenação ultra petitum resultará na violação do disposto no art. 609.º, n.º 1.»1.
Como de igual modo se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/20242 (Nuno Gonçalves, proc. n.º 21/21.0YFLSB, www.dgsi.pt): “Constitui jurisprudência pacífica que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.”.
E ainda como se decidiu Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/20243 (Mário Belo Morgado, proc. n.º 4553/21.1T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt):
“Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s), questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
No caso concreto em apreciação, está em causa saber se a decisão recorrida não conheceu das seguintes questões invocadas pelo Recorrente: “falta de título executivo, inexigibilidade, ilegitimidade, ineptidão do requerimento executivo, da intransmissibilidade por cessão das garantias hipotecárias prestadas pelo recorrente, da falta de interpelação prévia e inexigibilidade do pagamento e em consequência o preenchimento abusivo das livranças dadas na execução”.
Vejamos então o teor da decisão recorrida:
“Por requerimento apresentado em 20/5/2024, o executado AA veio requerer a extinção da execução, que as vendas sejam declaradas sem efeito e canceladas as penhoras e a condenação da exequente por “Abuso de Direito e por Litigância de Má Fé”.
Alega para tanto, em síntese, os seguintes fundamentos:
(…)
Apreciando.
Como resulta dos autos, o executado AA foi citado para a execução em 23/5/2023 e não deduziu oposição à execução, pelo que já precludiram os meios de defesa de que se podia servir em oposição por embargos de executado.
A propósito do alegado pelo executado, refira-se que não ficou impedido de se opor à execução por não ter mandatário constituído, pois sempre dispunha da faculdade de constituir mandatário (como depois fez) ou, não dispondo de meios para tanto, requerendo o patrocínio judiciário.
O executado alega que alguns dos fundamentos invocados são de conhecimento oficioso, pelo que, ainda que não tivesse deduzido oposição à execução, sempre poderia suscitá-los e o tribunal deveria apreciá-los, apontando como fundamentos de conhecimento oficioso a falta de titulo executivo, a ilegitimidade passiva, ineptidão do requerimento executivo, a inexigibilidade da obrigação e a falta de forma no contrato de cessão de créditos.
Sobre esta matéria, dispõe o n.º 1 do art.º 734.º do Código de Processo Civil:
«1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.»
Atendendo a que os bens penhorados ainda não foram transmitidos, o tribunal poderá conhecer oficiosamente das questões que se prendem, designadamente, com a ineptidão do requerimento executivo, a ilegitimidade ou a falta de titulo executivo (tendo em conta os concretos fundamentos invocados pelo executado), tudo em face do que foi apresentado no requerimento executivo.
Posto isto, vejamos se assiste razão ao executado.
No que respeita à ineptidão do requerimento executivo, do que se consegue retirar das alegações do executado, estaria em causa a junção como titulo executivo de uma livrança com o n.º ...”, em que no respectivo acordo de preenchimento consta como subscritor a sociedade CC e filho Limitada.
Examinados o requerimento executivo, verifica-se que no memso consta a alegação de que são apresentados como títulos executivos4:
(…)
Com o requerimento executivo foram juntos diversos documentos, incluindo o acordo de preenchimentos das livranças.
Confrontando as livranças dadas à execução com os respectivos acordos de preenchimento, verifica-se que o acordo de preenchimento relativo à livrança nº ... indica respeitar a uma diferente livrança e com um diferente subscritor, tal como alegado pelo executado no requerimento em apreço.
Não obstante, no requerimento executivo não se alcança qualquer discrepância, tendo em conta que são indicados como titulo executivo os efectivamente apresentados e é feita a exposição sucinta dos “factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, dando cumprimento à exigência prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 724º do Código de Processo Civil.
Assim, a questão que aqui se colocaria seria a da eventual falta de prova do alegado acordo de preenchimento da livrança n.º ..., o que não constituiu matéria de conhecimento oficioso que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento do mesmo. Com efeito, admitindo-se que o acordo de preenchimento não está sujeito a forma, podendo mesmo ser tácito (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/9/2020, proc.º n.º 913/19.6T8CVL-A.C1, in www.dgsi/pt), caberá ao executado suscitar a eventual falta de acordo de preenchimento em embargos de executado (seja alegando que o documento junto não prova o acordo de preenchimento seja alegando simplesmente que inexiste esse acordo).
Em conclusão, o tribunal não poderá conhecer oficiosamente da questão suscitada e não se encontra qualquer causa de ineptidão do requerimento executivo.
Do mesmo modo, pelas razões já apontadas e tendo em conta as livranças juntas aos autos, também não se verifica a falta de titulo executivo.
Assim como não se verifica a ilegitimidade (activa ou passiva), tendo em conta as pessoas que figuram nos títulos executivos e a cessão de créditos junto aos autos. Note-se que a legitimidade na execução se afere pelo título executivo, como decorre do art.º 53º do Código de Processo Civil, ou seja, deverá ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, tudo sem prejuízo das excepções previstas no n.º 2 do art.º 53º e nos artigos 54º e 55º.
Refira-se também que eventuais vícios no negócio da cessão de créditos, designadamente a prova documental da cessão quando a mesma é invocada originariamente no requerimento executivo, não é de conhecimento oficioso.
Não se deixará de referir que a cessão de créditos produz efeitos em relação ao devedor pela notificação (art.º 583º, n.º 1 do Código Civil), não sendo requisito a entrega de cópia da cessão ao devedor (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/4/2008, proc.º n.º 2360/2008-6, in www.dgsi.pt/), pelo que, querendo, caberá ao executado impugnar a cessão de créditos ou a eficácia da mesma em embargos de executado.
Aqui chegados e tendo presente as razões invocadas ao longo do requerimento em apreço, entende-se que não se suscitam quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e que imponham a extinção da execução (ou afectem a validade dos actos de penhora ou venda).
Por último, o executado alega que o exequente litiga de má-fé e deverá ser condenado como tal.
Dispõe o art.º 542º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil:
«1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»
Como decorre do dispositivo legal acima citado, a condenação como litigante de má-fé depende da verificação das circunstâncias indicadas no seu n.º 2 e desde que se demonstre que a parte actuou com dolo ou negligência grave.
No caso presente, em face do tudo o alegado pelo executado, é evidente que não resultam apurados quaisquer factos que demonstrem que se verificam as circunstâncias acima aludidas, agindo a exequente com dolo ou negligência grave. Por isso, deverá improceder também esta pretensão do executado”.
Apreciando.
Nesta sequência, constata-se que a decisão recorrida começa logo por que o executado não deduziu oposição à execução vendo assim precludidos os meios de defesa de que podia invocar em embargos de executado.
E elenca as questões de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, portanto, a primeira instância distinguiu desde logo as questões de conhecimento oficioso das demais, cujo conhecimento fica assim vedado ou prejudicado, o que é diferente de não se pronunciar sobre as mesmas.
A decisão recorrida analisou expressamente a ineptidão do requerimento executivo e a falta de título executivo, concluindo pela sua não verificação.
Analisou expressamente a ilegitimidade (activa ou passiva), concluindo pela sua não verificação, com breve referência à cessão de créditos, onde se entendeu que tal problemática não é de conhecimento oficioso, não obstante, a decisão recorrida teve o cuidado de referir ainda o seguinte:
“Não se deixará de referir que a cessão de créditos produz efeitos em relação ao devedor pela notificação (art.º 583º, n.º 1 do Código Civil), não sendo requisito a entrega de cópia da cessão ao devedor (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/4/2008, proc.º n.º 2360/2008-6, in www.dgsi.pt/), pelo que, querendo, caberá ao executado impugnar a cessão de créditos ou a eficácia da mesma em embargos de executado.”.
Na decisão recorrida o Mm.º Juiz ainda teve o cuidado de destacar novamente a diferença entre as questões de conhecimento oficioso das demais.
Não obstante, foi ainda apreciada a invocada litigância de má fé.
Nesta sequência, julgamos que foram decididas todas as questões de que o tribunal a quo podia ter conhecimento, pois quanto às demais estava vedado o seu conhecimento, como teve o cuidado de se destacar na decisão recorrida.
Deste modo, porque as questões colocadas pelo Recorrente de que não estava vedado o seu conhecimento foram todas apreciadas e decididas apenas se excluindo as que estava vedado o seu conhecimento, como o tribunal a quo teve o cuidado de mencionar, não ocorreu nulidade da sentença por omissão de pronúncia, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
*
9.2. Da nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – cfr. art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC:
A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da al. c) ocorre “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente (STJ 8-9-21, 1592/19, STJ 3-3-21, 3157/17, STJ 29-10-20, 1872/18).”5.
A decisão judicial é obscura “quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Em STJ 20-5-21, 69/11 e STJ 8-10-20, 1886/19, decidiu-se que a ambiguidade ou obscuridade prevista na al. c) só releva quando torne a parte decisória ininteligível, o que ocorre quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, no 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.”6.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/05/20247 (Nelson Borges Carneiro, proc. n.º 311/18.9T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt), “A nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso.”.
No caso concreto em apreciação, apesar do Recorrente invocar expressamente o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, não alega claramente qualquer circunstância de onde possa resultar essa nulidade, não obstante, analisada a fundamentação de facto e a fundamentação de direito em contraponto com a decisão não conseguimos vislumbrar qualquer contradição dos fundamentos com a decisão, ou alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Deste modo, porque os fundamentos estão em consonância com a decisão e a decisão é perfeitamente inteligível, não se verifica a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.
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9.3. Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC):
«Para além da falta de assinatura do juiz (suprível oficiosamente em qualquer altura), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação ininteligível ou impercetível, cf. RP 8-9-20, 15756/17), previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11).»8 (sublinhado nosso).
No caso concreto em apreciação, apesar do Recorrente invocar expressamente o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, não alega claramente qualquer circunstância de onde possa resultar essa nulidade, não obstante, analisada a mesma não se vislumbra a existência do apontado vício.
Com efeito, resulta da análise da decisão recorrida que o Mm.º Juiz fundamentou a sua decisão de facto e de direito de modo completo e preciso relativamente a todas as questões suscitadas pelas partes, elencando todos os factos provados e não provados, explicitou a sua motivação de facto e a fundamentação de direito, localizando-se assim nos antípodas da ausência absoluta de fundamentação.
Além disso, o dever de fundamentação não tem de ser “exaustivo” pois cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito revelando o que a justifica, como se decidiu a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/20249 (Isoleta de Almeida Costa, proc. n.º 1804/03.7TBPVZ-B.P1, www.dgsi.pt):
I - A nulidade da sentença prevista no 615º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil (aplicável aos despachos por força do artigo 613º, nº 3,) prende-se com o disposto no artigo 154º, do mesmo diploma, que fixa o dever do juiz fundamentar a decisão e concretiza o comando constitucional contido no n.º 1 do artigo 205.º da CRP ao estabelecer que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
II - Acolhe-se em razões de ordem substancial, demonstração do raciocínio lógico do juiz na interpretação da norma geral e abstrata aplicada ao caso concreto e de ordem prática, dar a conhecer às partes os motivos da decisão, em particular à parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respetivo fundamento.
III - Este dever de fundamentação da decisão judicial, no entanto não tem de ser exaustivo e cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, permite ao destinatário a perceção do iter cognoscitivo e valorativo de facto e de direito, revelando o que a justifica.
IV - Só se pode falar em sentença nula por falta de fundamentação, se, se verifica a ausência absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, não bastando a fundamentação deficiente e incompleta [sublinhado nosso].
Acresce ainda que foram cumpridos os direitos que impõem o dever de fundamentação da decisões, constitucionalmente protegidos, para efeitos do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º, da Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, porque foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não ocorreu a invocada nulidade da sentença, para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
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10. Reapreciação jurídica da causa:
10.1. Relativamente à invocada nulidade por omissão da notificação da decisão de venda:
A decisão que julgou improcedente a pretensão da Executada Construções BB, Unipessoal, Lda., teve em conta os factos elencados supra no ponto 8.1. e tem a seguinte fundamentação:
“Perante a exposta factualidade, verifica-se que o agente de execução proferiu a decisão a que alude o art.º 812º do Código de Processo Civil, determinando a formação de lotes, a modalidade de venda e o valor base da venda, a qual sempre deveria ser notificada à executada como imposto pelo n.º 6 do referido art.º 812º.
Sucede que a decisão proferida pelo agente de execução não foi notificada à executada Construções BB, Unipessoal, Lda., justificando o agente de execução essa omissão com a verificação de um lapso (como alegado no seu requerimento de resposta em 7/5/2024).
Assinale-se que contrariamente ao sustentado pelo agente de execução no seu requerimento de 7/5/2024 não é suprida com a notificação à executada Construções BB, Unipessoal, Lda. da publicidade do leilão electrónico em 27/12/2023 ou do novo leilão em 8/4/2024, pois ai apenas se trata da publicidade do leilão já determinado por anterior decisão (a decisão a que alude o art.º 812º do Código de Processo Civil).
Posto isto, é evidente que foi omitida a notificação da decisão a que alude o art.º 812º do Código de Processo Civil e por via da qual, se iniciaria o prazo para a executada, querendo, manifestar a sua discordância como previsto no n.º 7 do referido art.º 812º.
A falta em causa produzirá a nulidade se influir no exame ou na decisão da causa (cfr. art.º 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil), caso em que acarretará a nulidade dos actos dependentes, como seria o leilão electrónico (cfr, n.º 2 do referido art.º 195º).
Assim, a questão que se colocará, desde logo, é a de saber se a executada está em tempo para arguir a nulidade (no seu requerimento de resposta em 7/5/2024 o agente de execução sustenta que a nulidade ficou sanada por via das posteriores notificações que lhe foram dirigidas.
Nesta matéria, dispõe o n.º 1 do art.º 199º do Código de Processo Civil, donde resulta que a nulidade em causa deverá ser arguida em prazo contado da sua intervenção no processo ou da sua notificação para qualquer termo do processo, neste caso se for de presumir que com essa notificação tomou conhecimento da nulidade ou da mesma podia conhecer, agindo com a devida diligência.
Não existem dúvidas que após a nulidade, a primeira intervenção da executada Construções BB, Unipessoal, Lda. foi a apresentação do requerimento de 7/5/2024, ora em apreciação, e ai arguiu a nulidade.
Sucede que em data anterior (em 27/12/2023) a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. foi notificada da publicidade do leilão electrónico (abertura e data de encerramento do leilão electrónico), por via da qual ficou a saber que os bens se encontravam em venda, que a venda decorria em leilão electrónico e bem assim o valor base dos bens (que consta na publicidade da venda). Aliás, perante tal notificação, se dúvidas tivesse quanto aos termos em que prosseguia a venda, ao menos, agindo com a devida diligência, a executada poderia inteirar-se junto do presente processo.
No entanto, quer em face da notificação de 27/12/2023, quer em face da notificação de 8/4/2024 (publicidade da venda quanto foi repetido o leilão), a executada ConstruçõesBB, Unipessoal, Lda. nada requereu, conformando-se com tais decisões,
Nessa medida, quando em 7/5/2024 veio arguir a nulidade, já havia decorrido o prazo para a arguição
Por conseguinte, improcederá a pretensão da executada.”.
A Recorrente CONSTRUÇÕES BB, UNIPESSOAL, LDA., discorda desta decisão porquanto entende, essencialmente, que o Tribunal “a quo” deu como provado que a ora Recorrente não foi notificada pelo Agente de Execução da decisão sobre a modalidade da venda (proferida em 24.11.2023); que esta encontrava-se em situação de revelia e a sua primeira intervenção no processo foi a apresentação do requerimento de 7.5.2024, arguindo atempadamente a nulidade por tal omissão; o Sr. A.E. confessou nos autos que não notificou a recorrente, ainda assim prosseguido com a venda e aceite as propostas que lhe foram apresentadas em 11.05.2024; que o patrocínio judiciário no âmbito dos presentes autos é obrigatório atendendo ao valor da execução se cifrar em €2.111.505,61; que a falta em causa influiu determinantemente no exame ou na decisão da causa (cfr. art.º 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil), acarretando a nulidade, e actos dependentes, como seria o leilão electrónico e concretização da venda, devendo ser anulados os actos praticados.
Apreciando.
No âmbito da venda executiva, o art. 812.º, n.º 6, do CPC, dispõe que a decisão que determina a modalidade de venda e o valor base dos bens é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos.
E o art. 839.º elenca os casos em que a venda fica sem efeito, destacando-se o previsto no seu n.º 1, al. c), que dispõe que a venda só fica sem efeito se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º.
E o acima mencionado art. 195.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos”, dispõe que:
“1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.”.
Nesta sequência, com relevância para o caso concreto, de entre todas as possibilidades previstas para a venda ficar sem efeito, uma delas é a anulação do acto de venda em resulta da verificação da nulidade prevista no art. 195.º, do CPC (cfr. 839.º, n.º 1, al. c), do CPC).
Então, como refere EE está em causa uma nulidade secundária, inominada ou atípica, tratando-se de quaisquer irregularidades detetadas na tramitação processual que só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 4a ed., p. 401).
E quanto ao prazo para a sua arguição, como resulta do disposto no art. 199.º, do CPC, conjugado com o prazo geral previsto no art. 149.º, do CPC:
– se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar;
– se não estiver presente:
1.º caso: o prazo (de 10 dias) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo;
2.º caso - o prazo (de 10 dias) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte foi notificada para qualquer termo praticado no processo, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Considerando que no caso concreto está em análise o segundo caso ali referido, para saber se deveria ocorreu a invocada nulidade, necessário se torna apurar o seguinte:
a. Ocorrência de quaisquer irregularidades detetadas na tramitação processual;
b. O vício possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento.
E, ainda, saber se foi tempestivamente arguida:
c. Dentro do prazo (de 10 dias) contado do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte foi notificada para qualquer termo do processo,
d. Só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
A este propósito, tal como salienta Lebre de Freitas11, «embora lhe esteja subjacente a ideia de que, à data da intervenção, a parte pode ter tomado conhecimento da nulidade, a lei não atende a qualquer circunstância da qual possa resultar que esse conhecimento não deverá ter tido lugar; parte antes do princípio de que uma intervenção cuidadosa da parte implicará sempre o exame do processo e a verificação de que alguma nulidade foi cometida. No segundo caso, há que atender às circunstâncias concretas, maxime à existência duma relação de precedência entre os dois atos, para ajuizar se é razoável presumir que o conhecimento teve lugar ou se a ele levaria uma atuação normalmente diligente.».
Analisando o caso concreto, não existe qualquer dúvida que o Agente de Execução ao proferir a decisão a que alude o art.º 812.º, do CPC (em que determina a formação de lotes, a modalidade de venda e o valor base da venda), omitiu a notificação da executada, como imposto pelo n.º 6 do referido art.º 812.º, do CPC, portanto, omitiu uma formalidade legalmente prevista, mas que a lei não qualifica expressamente como uma nulidade.
Resta saber se tal vício pode influir no exame ou decisão da causa, ou seja, existe alguma repercussão, por se tratar de processo executivo, na realização da venda, para só assim se poder qualificar como nulidade.
Posto isto, parece-nos evidente que a notificação da decisão a que alude o art.º 812.º, do Código de Processo Civil, por via da qual se iniciaria o prazo para a executada, querendo, manifestar a sua discordância como previsto no n.º 7 do referido art.º 812.º, conduz necessariamente a que se considere tal vício como susceptível de influir na realização da venda e nos actos dependentes como seria o leilão electrónico (cfr. art. 195.º, n.º 2, do CPC).
No entanto, apesar daquela omissão de notificação, cumpre salientar que está demonstrado que em 27/12/2023 a executada “Construções BB Unipessoal, Lda.” foi notificada da publicidade do leilão electrónico (abertura e data de encerramento do leilão electrónico), por via da qual ficou necessariamente a saber que os bens se encontravam em venda, que a venda decorria em leilão electrónico, bem como, qual o valor base dos bens (que consta na publicidade da venda).
Aliás, em face da notificação de 27/12/2023, agindo com a devida diligência, a executada estava em perfeitas condições para saber que era evidente ter sido já determinada a venda, ou seja, a partir desta data estava apta a arguir a falta de notificação da decisão da venda.
No entanto, como bem referido na decisão recorrida, quer em face da notificação de 27/12/2023, quer ainda em face da notificação de 08/04/2024 (publicidade da venda quando foi repetido o leilão), a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. nada requereu, conformando-se com tais decisões.
Nesta sequência, quando em 07/05/2024 veio arguir a nulidade, já havia decorrido o prazo geral de 10 dias para a arguição da mesma.
Importa ainda referir que a Recorrente argumenta ainda que estamos perante uma causa de constituição obrigatória de advogado, que o processo estava a decorrer à revelia, que por isso, não tendo conhecimentos jurídicos não poderia assim presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou que pudesse dela conhecer, agindo com a devida diligência.
Salvo o devido respeito, esta nuance introduzida pela Recorrente não altera as anteriores considerações, antes pelo contrário, agrava-as, porque, tendo em conta precisamente o valor da causa e a publicidade da venda em leilão electrónico, configuraria de igual modo falta de diligência a Recorrente quedar-se inerte e não constituir mandatário, como seria exigível em qualquer processo judicial, sem necessidade de outras considerações.
Consequentemente, revela-se intempestiva a arguição de nulidade por falta de notificação do despacho do Agente de Execução sobre a venda, não se vislumbrando, pois, razão válida para divergir do sentido decisório acolhido na decisão recorrida.
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10.2. Relativamente à invocada omissão da suspensão da instância em face do falecimento do executado CC:
Com base nos factos supra elencados no ponto 8.2, a decisão recorrida foi fundamentada do seguinte modo:
“Ora, entende a a executada Construções BB, Unipessoal, Lda. que em face do alegado conhecimento do óbito do executado CC por consulta das bases de dados, haveria que suspender de imediato a execução, sendo nulos todos os actos praticados desde essa data, nos termos previstos no art.º 270º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Aqui, importa ter presente o disposto no art.º 270º do Código de Processo Civil:
«1 - Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
2 - A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo.
3 - São nulos os atos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.
4 - A nulidade prevista no número anterior fica, porém, suprida se os atos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida ou extinta.
5 - A informação relativa ao falecimento ou à extinção de qualquer das partes pode igualmente ser transmitida ao processo, de forma automática e eletrónica, pelas bases de dados dos registos civil e comercial.».
Assim, nunca foi junto ao processo assento de óbito do executado CC, nem comunicação dos serviços de identificação civil, constando apenas uma menção na base de dados da segurança social.
Como é evidente, não fosse o exequente prontamente ter desistido da instância quanto ao executado CC, oficiosamente seria determinada a junção de documento bastante. Porém, verificando-se que o exequente logo desistiu quanto a esse executado, seria inútil determinar a junção de documento, pelo que apenas se determinou que o agente de execução proferisse decisão quanto à desistência e, naturalmente, nem se ordenou a citação desse executado.
Refira-se também que em qualquer caso, que a cominação da nulidade prevista no n.º 3 do art.º 270º do Código de Processo Civil, apenas respeita aos actos em que fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu (sobre esta matéria, entre outros, veja-se ainda o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 25/5/2021, proc. n.º 5642/14.4T8ALM-A.L1-7, in www.dgsi.pt/) e, no caso, nenhum acto foi praticado quanto ao executado CC (a execução foi instaurada em 6/4/2023 e logo em 14/4/2023, sem que ainda tivesse sido proferido despacho liminar na execução, o exequente veio logo desistir quanto a esse executado, tendo o agente de execução proferido a respectiva decisão de extinção).
Em conclusão, não se verifica a apontada nulidade, devendo improceder a pretensão da executada.”
O Recorrente entende que o processo é nulo e em consequência deverão todos os actos praticados após o conhecimento do óbito ser anulados, designadamente a venda executiva dos imóveis objeto de leilão eletrónico, porquanto, o Sr. A. E. em 12.04.2023, após consultar as bases de dados da segurança social, civis, obteve a informação que o executado CC falecera em 10.06.2008, deveria ter suspendido de imediato a instância executiva nos termos do disposto nos artigos 269.º, Nº1, al. a) e 270.º, Nºs 1, 2 e 5 do C.P.C, mas não o fez, o processo seguiu os seus tramites normais, sem que fosse suspensa a execução tendo sido praticados actos no processo não urgentes em: 11.05.2023, 16.05.2023 e 17.05.2023; que apenas no dia 17.05.2023, decorridos 35 dias desde a data do conhecimento do óbito pelo Sr. A.E., é que o mesmo comunicou a decisão de extinção da instância relativa ao executado, por desistência da instância requerida pelo recorrido; Não obstante ter proferido decisão de extinção da instância executiva, o processo continuou a seguir termos, inclusivamente contra o executado falecido, tendo em 24.11.2023 o mesmo sido notificado da decisão sobre a venda.
Apreciando.
Nos termos do disposto no art. 270.º, do CPC, sob a epígrafe “Suspensão por falecimento ou extinção da parte”, o seguinte:
“1 - Junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
2 - A parte deve tornar conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprovativo.
3 - São nulos os atos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.
4 - A nulidade prevista no número anterior fica, porém, suprida se os atos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida ou extinta.
5 - A informação relativa ao falecimento ou à extinção de qualquer das partes pode igualmente ser transmitida ao processo, de forma automática e eletrónica, pelas bases de dados dos registos civil e comercial.”
Daqui resulta desde logo, com relevância para o caso concreto, que é necessário atentar que a imediata suspensão da instância só pode ser determinada após o momento processual da junção ao processo do documento comprovativo do falecimento de qualquer das partes, mormente, da certidão do respectivo assento de óbito.
Com efeito, como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/01/201612 (António Santos, proc. n.º 2821/03.3TBGMR-C,G1, www.dgsi.pt), «O juiz só pode/deve proferir despacho a declarar a suspensão de instância, nos termos do artº 270º, nº 1 do CPC, quando esteja junto aos autos o documento comprovativo do óbito da parte».
E no caso concreto em apreciação, nunca foi junto ao processo o assento de óbito do executado CC, nem comunicação dos serviços de identificação civil, constando apenas uma menção na base de dados da segurança social.
Nesta sequência, como referido na decisão recorrida, poderia ser oficiosamente determinada a junção de documento bastante comprovativo do óbito, porém, verificando-se que o exequente veio logo desistir quanto a esse executado, seria inútil determinar a junção de documento, pelo que apenas se determinou que o agente de execução proferisse decisão quanto à desistência e, naturalmente, nem se ordenou a citação desse executado.
Por outro lado, seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/05/202113 (Micaela Sousa, proc. n.º 5642/14.4T8ALM-A.L1-7, www.dgsi.pt), importa salientar que o art.º 270º, n.º 3 do CPC estatui que “São nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu.”
Por isso, “a nulidade não abrange todos os actos que se pratiquem a partir do momento do falecimento ou da extinção: salvando-se aqueles que não devessem ter lugar em contraditoriedade (maxime, as decisões judiciais), só os actos em que a parte falecida ou extinta pudesse ter intervenção, por si ou através do mandatário constituído, é que são abrangidos pela nulidade. Mesmo assim, o n.º 4 admite, quanto aos actos abrangidos pela nulidade, que esta seja suprida mediante ratificação pelos sucessores da parte falecida ou extinta” – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pp. 532-533, citados no aludido Acórdão.
A ideia base subjacente ao instituto da suspensão da instância por ocorrência do óbito de uma das partes é aversão da lei à circunstância de que um processo possa prosseguir quando uma das partes que nele intervém faleceu, tutelando os interesses de quem vai suceder na esfera patrimonial do falecido – cf. Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, pp. 240-241; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-2009, relatora Graça Araújo, processo n.º 5478/2008-6, citados no aludido Acórdão.
Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/200914 (Santos Bernardino, processo n.º 296/2002.S1):
“É patente que não se trata de uma nulidade determinada pelo interesse público, como claramente se infere não só da limitação acabada de enunciar (a nulidade não atinge todos os actos processuais) mas ainda do facto de os sucessores da parte falecida posteriormente habilitados poderem ratificar os actos viciados, suprindo a nulidade (n.º 4 do mesmo preceito). Temos, pois, por irrecusável que a nulidade cominada naquele n.º 3 é apenas estabelecida a favor dos representantes do falecido que não estão no processo como partes, pois só estes podem ser prejudicados por actos processuais praticados em tempo que lhes não permitia qualquer interferência nesses actos – em tempo ou ocasião em que, portanto, não podiam defender os direitos em litígio que lhes tivessem sido transmitidos pela parte falecida.”
Daqui resulta que apenas os actos que contendem directamente com a tramitação processual com repercussão na apreciação do objecto do litígio poderão ser cominados com o vício da nulidade se praticados no decurso do período da suspensão, pois que a lei pretende que todos aqueles que devam ter lugar com observância do princípio do contraditório sejam praticados quando as partes estejam em condições de sobre eles se pronunciarem.
Ora, no caso concreto, nenhum acto foi praticado quanto ao executado CC (a execução foi instaurada em 06/04/2023 e logo em 14/04/2023, sem que ainda tivesse sido proferido despacho liminar na execução, o exequente veio logo desistir quanto a esse executado, tendo o agente de execução proferido a respectiva decisão de extinção).
De todo o modo, lateralmente, importa dar nota que «Em RL 22-10-20, 26302/02, entendeu-se que, na execução para pagamento de quantia certa, o falecimento de um dos devedores solidários apenas determina a suspensão parcial da instância executiva quanto a esse executado falecido e não a suspensão da totalidade da instância.»15.
Importa ainda destacar que a circunstância de o executado AA poder ser filho16 do falecido co-executado não altera as anteriores considerações, pois para se poder considerar a eventual possibilidade dos herdeiros exercerem algum direito daquele apenas seria admissível após decisão em sede de incidente de habilitação de herdeiros (cfr. art. 351.º, do CPC), sendo certo que tal incidente nunca foi deduzido.
Deste modo, em suma, não ocorreu a invocada nulidade, mantendo-se a decisão recorrida.
*
10.3. Quanto à invocada omissão da notificação do despacho proferido em 16/5/2023 e omissão da notificação da extinção da execução quanto ao executado CC:
A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação:
“O invocado despacho de 16/5/2023 corresponde ao despacho liminar, onde foi admitido o requerimento executivo e ordenada a citação dos executados.
A executada alega que o referido despacho liminar não foi noticiado aos executados, ao invés do que sucedeu com o exequente em que a notificação foi efectuada em 17/5/2023.
Como decorre dos autos, a secretaria notificou o despacho liminar ao exequente (em 17/5/2023), mas não fez idêntica notificação aos executados.
Acontece que não se verifica qualquer falta da secretaria, pois o despacho liminar nunca será notificado pela secretaria aos executados, mas apenas ao exequente e comunicado ao agente de execução para os fins previstos no n.º 8 do art.º 726º do Código de Civil (realização da citação com os formulários e documentos legalmente previstos) e, por isso, não se verifica a arguida nulidade.
A executada alega ainda que não foi notificada da decisão de extinção da execução quanto ao executado CC.
Ora, na data da decisão de extinção da execução quanto ao executado CC nenhum dos outros executados se encontrava citado, razão porque o agente de execução não notificou tal decisão a esses executados, sendo certo que no processo executivo não tem aplicação a previsão do n.º 3 do art.º 569º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, também aqui improcederá a pretensão da executada.”.
O Recorrente entende essencialmente que a decisão do Agente de Execução de 17/05/2023 que considerou extinta a execução quanto ao executado CC por desistência da exequente, deveria ter sido notificada aos outros dois executados, os oras Recorrentes, não tendo o Sr. A.E. procedido a tal notificação; a Recorrente encontrando-se em revelia, na sua primeira intervenção nos autos em 07.05.2024 arguiu desde logo tal nulidade; entendeu o Tribunal a quo, que estava justificada a falta de notificação de tal decisão, pelo facto de nenhum dos outros executados se encontrar citado considerando que no processo executivo não tem aplicação a previsão do n.º 3 do art.º 569º do Código de Processo Civil; a decisão foi proferida no dia 17.05.2023; as cartas de citação foram enviadas pelo Sr. A.E. para os dois Recorrentes no dia 17.05.2023; os ora Recorrentes foram citados no dia 23.05.2023, seis dias após a decisão do Sr. A.E. de extinção da execução; o outro executado/recorrente AA, é filho do co executado falecido CC, não sendo irrelevante a notificação do recorrente de tal decisão, exercendo os direitos que lhe coubessem, que assim ficaram inviabilizados.
Apreciando.
Nos termos do disposto no art. 726.º, do CPC,
1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;
d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.
3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.
6 - Quando o processo deva prosseguir, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução.
7 - Se o exequente tiver alegado no requerimento executivo a comunicabilidade da dívida constante de título diverso de sentença, o juiz profere despacho de citação do cônjuge do executado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 741.º.
8 - Quando deva ter lugar a citação do executado, a secretaria remete ao agente de execução, por via eletrónica, o requerimento executivo e os documentos que o acompanhem, notificando aquele de que deve proceder à citação.
Daqui resulta que o despacho liminar tem três finalidades essenciais:
- Ou indefere o Requerimento executivo;
- Ou convida o exequente a aperfeiçoar o mesmo;
- Ou determina a citação do executado.
No caso concreto em apreciação está em causa a terceira finalidade e o meio de defesa do executado é a possibilidade de deduzir embargos de executado contra o Requerimento Executivo e não contra o despacho liminar que é completamente inócuo.
Por isso, é de igual modo inócuo notificar o despacho liminar aos executados, mas apenas ao exequente e comunicado ao agente de execução para os fins previstos no n.º 8 do art.º 726º do Código de Civil (realização da citação com os formulários e documentos legalmente previstos) e, por isso, não se verifica a arguida nulidade.
E tal consideração não é afectada pelo facto de também aí se ter determinado que o Agente de Execução se pronuncie sobre a desistência relativa ao executado falecido.
A executada alega ainda que não foi notificada da decisão de extinção da execução quanto ao executado CC.
Ora, na data da decisão de extinção da execução quanto ao executado CC nenhum dos outros executados se encontrava citado, razão porque o agente de execução não notificou tal decisão a esses executados, sendo certo que no processo executivo não tem aplicação a previsão do n.º 3 do art.º 569.º, do Código de Processo Civil, como consta da decisão recorrida.
Importa ainda repetir que a circunstância de o executado AA poder ser filho17 do falecido co-executado não altera as anteriores considerações, pois para se poder considerar a eventual possibilidade dos herdeiros exercerem algum direito daquele apenas seria admissível após decisão em sede de incidente de habilitação de herdeiros (cfr. art. 351.º, do CPC), sendo certo que tal incidente nunca foi deduzido.
Além disso, à data do despacho em crise não constava dos autos qualquer documento comprovativo daquela relação de parentesco.
Deste modo, improcede a invocada nulidade, confirmando-se a decisão recorrida.
*
10.4. Quanto ao Requerimento de 20/05/2024 do Executado AA:
O Recorrente alegou que por requerimento de 20.05.204 requereu a anulação das vendas executivas dos imóveis realizadas por leilão eletrónico e que ali invocou a “falta de título executivo, inexigibilidade, ilegitimidade, ineptidão do requerimento executivo, da intransmissibilidade por cessão das garantias hipotecárias prestadas pelo recorrente geradora de nulidade, da falta de interpelação prévia e inexigibilidade do pagamento e em consequência o preenchimento abusivo das livranças dadas na execução.”, mas entende que o tribunal “a quo”, errou porquanto não apreciou devidamente a pretensão do recorrente, estando a tal obrigado por se tratarem de Exceções Dilatórias de Conhecimento Oficioso.
Apreciando.
Nos termos do disposto no art. 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.”.
E o art. 726.º, do CPC, dispõe o seguinte:
“1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;
d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.
3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.
6 - Quando o processo deva prosseguir, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução.
7 - Se o exequente tiver alegado no requerimento executivo a comunicabilidade da dívida constante de título diverso de sentença, o juiz profere despacho de citação do cônjuge do executado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 741.º.
8 - Quando deva ter lugar a citação do executado, a secretaria remete ao agente de execução, por via eletrónica, o requerimento executivo e os documentos que o acompanhem, notificando aquele de que deve proceder à citação.”.
Daqui resulta então, com relevância para o caso concreto, que no âmbito da execução, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o juiz pode conhecer oficiosamente das seguintes questões:
- manifesta a falta ou insuficiência do título;
- Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
O art. 576.º, n.º 2, do CPC, dá-nos a noção de excepções dilatórias:
“As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”.
Em contraponto, “As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor” (cfr. art. 576.º, n.º 3, do CPC).
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/07/202418 (Maria João Matos, proc. n.º 126/15.6T8VCT-F.G1, www.dgsi.pt), «I. A manifesta falta de título executivo pode ser apreciada oficiosamente, nos termos do art.º 734.º do CPC; e essa apreciação pode resultar dos poderes de gestão do Tribunal ou ser impulsionada pelo executado. II. O executado pode suscitar, por simples requerimento dirigido aos autos de execução, a apreciação de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726.º do CPC, o indeferimento liminar do requerimento executivo (nomeadamente, a falta de título executivo); e fazê-lo ainda que não tenha deduzido oposição à execução (por meio de embargos de executado).».
Contudo, é necessário atentar ainda nos seguintes aspectos bem observados e analisados no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/03/202519 (Carla Cristina Figueira Matos, proc. n.º 297/21.2T8ACB-C.L1-8, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:
«I. O artigo 734º do CPC permite que nas ações executivas seja feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o controlo jurisdicional das questões suscetíveis de motivar o indeferimento liminar do requerimento executivo.
II. O mero despacho liminar que determina a citação do executado, por não produzir caso julgado formal, não inviabiliza o conhecimento a posteriori (com o limite temporal do 1º ato de transmissão dos bens penhorados) das questões que poderiam ter dado azo ao indeferimento liminar do requerimento executivo ou ao seu aperfeiçoamento.
III. E nada impede que esse conhecimento possa ocorrer na sequência de um simples requerimento onde o executado argua tais questões, apesar de não ter deduzido oposição à execução.
IV. Ponto assente é que, tal como o faria em sede de despacho liminar, o Tribunal se baseie nos elementos que já constem no processo, não, podendo, pois, atender a elementos probatórios que o executado venha trazer aos autos com o requerimento onde argui as referidas questões de conhecimento oficioso.» (sublinhado nosso).
Ora, no caso concreto em apreciação, os Executados/Recorrentes vieram efectivamente invocar algumas questões de conhecimento oficioso, no entanto, a reboque destas, aproveitaram este mecanismo previsto no art. 734.º, do CPC, para suscitar ainda inúmeras outras questões que não são de conhecimento oficioso e apenas poderiam ter sido invocadas em oposição à execução mediante embargos de executado, o que não sucedeu, por isso, quanto a estas últimas está vedada a sua apreciação, o que, aliás, foi bem notado e referido na decisão recorrida.
A decisão recorrida começa logo por referir que o executado não deduziu oposição à execução vendo assim precludidos os meios de defesa de que podia invocar em embargos de executado, como segue:
“Como resulta dos autos, o executado AA foi citado para a execução em 23/5/2023 e não deduziu oposição à execução, pelo que já precludiram os meios de defesa de que se podia servir em oposição por embargos de executado.
A propósito do alegado pelo executado, refira-se que não ficou impedido de se opor à execução por não ter mandatário constituído, pois sempre dispunha da faculdade de constituir mandatário (como depois fez) ou, não dispondo de meios para tanto, requerendo o patrocínio judiciário.
O executado alega que alguns dos fundamentos invocados são de conhecimento oficioso, pelo que, ainda que não tivesse deduzido oposição à execução, sempre poderia suscitá-los e o tribunal deveria apreciá-los, apontando como fundamentos de conhecimento oficioso a falta de titulo executivo, a ilegitimidade passiva, ineptidão do requerimento executivo, a inexigibilidade da obrigação e a falta de forma no contrato de cessão de créditos.”.
E, elenca as questões de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, prosseguindo do seguinte modo:
“Atendendo a que os bens penhorados ainda não foram transmitidos, o tribunal poderá conhecer oficiosamente das questões que se prendem, designadamente, com a ineptidão do requerimento executivo, a ilegitimidade ou a falta de titulo executivo (tendo em conta os concretos fundamentos invocados pelo executado), tudo em face do que foi apresentado no requerimento executivo.”.
Daqui resulta que a primeira instância distinguiu desde logo as questões de conhecimento oficioso das demais, o que demonstra ter apreendido bem a problemática em causa.
No que respeita à invocada ineptidão do requerimento executivo, é de conhecimento oficioso porque configura uma excepção dilatória (cfr. art. 186.º e 577.º, al. b), do CPC) a decisão recorrida analisou o Requerimento Executivo onde consta a alegação de diversos títulos executivos20 e fundamentou-a do seguinte modo:
“No que respeita à ineptidão do requerimento executivo, do que se consegue retirar das alegações do executado, estaria em causa a junção como titulo executivo de uma livrança com o n.º ...”, em que no respectivo acordo de preenchimento consta como subscritor a sociedade CC e filho Limitada.
Examinados o requerimento executivo, verifica-se que no memso consta a alegação de que são apresentados como títulos executivos21:
(…)
Com o requerimento executivo foram juntos diversos documentos, incluindo o acordo de preenchimentos das livranças.
Confrontando as livranças dadas à execução com os respectivos acordos de preenchimento, verifica-se que o acordo de preenchimento relativo à livrança nº ... indica respeitar a uma diferente livrança e com um diferente subscritor, tal como alegado pelo executado no requerimento em apreço.
Não obstante, no requerimento executivo não se alcança qualquer discrepância, tendo em conta que são indicados como titulo executivo os efectivamente apresentados e é feita a exposição sucinta dos “factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, dando cumprimento à exigência prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 724º do Código de Processo Civil.
Assim, a questão que aqui se colocaria seria a da eventual falta de prova do alegado acordo de preenchimento da livrança n.º ..., o que não constituiu matéria de conhecimento oficioso que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento do mesmo. Com efeito, admitindo-se que o acordo de preenchimento não está sujeito a forma, podendo mesmo ser tácito (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/9/2020, proc.º n.º 913/19.6T8CVL-A.C1, in www.dgsi/pt), caberá ao executado suscitar a eventual falta de acordo de preenchimento em embargos de executado (seja alegando que o documento junto não prova o acordo de preenchimento seja alegando simplesmente que inexiste esse acordo).
Em conclusão, o tribunal não poderá conhecer oficiosamente da questão suscitada e não se encontra qualquer causa de ineptidão do requerimento executivo.”
Concordamos com os apontados fundamentos, essencialmente porque, apesar de se verificar que o acordo de preenchimento relativo à livrança nº ... respeitar a uma diferente livrança e com um diferente subscritor, tal como alegado pelo executado no requerimento em apreço, da análise do requerimento executivo não se alcança qualquer discrepância, tendo em conta que são indicados como titulo executivo os efectivamente apresentados e é feita a exposição sucinta dos “factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, dando cumprimento à exigência prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 724º do Código de Processo Civil.
De igual modo, a questão em causa será mais atinente a uma eventual falta de prova do alegado acordo de preenchimento da livrança n.º ... – o que não constituiu matéria de conhecimento oficioso que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento do mesmo, precisamente porque compete ao executado suscitar a eventual falta de acordo de preenchimento em embargos de executado, seja alegando que o documento junto não prova o acordo de preenchimento seja alegando simplesmente que inexiste esse acordo, tal como referido na fundamentação da decisão recorrida.
Com efeito, a este propósito, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/06/202222 (Francisco Xavier, proc. n.º 67/21.8T8ELV.E1, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:
«I. No âmbito do processo executivo, a livrança, como título de crédito, tendo em consideração os princípios ínsitos da abstracção e da incorporação, dispensa o exequente de expor e densificar a relação jurídica causal, fundamental ou subjacente à sua emissão, como decorre do artigo 703º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
II. Tal ónus de alegação apenas se exige no caso da apresentação dos ditos documentos como quirógrafos, cumprindo, então, ao exequente invocar no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente.
III. Dada à execução a livrança como título de crédito, incumbe ao executado, no âmbito das relações imediatas, o ónus de alegação e prova dos factos reais, concretos e objectivos capazes de colocar em crise a validade, existência, manutenção, subsistência ou eficácia daquela relação fundamental que subjaz à livrança.
IV. Assim, o ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo da livrança impende sobre o obrigado cambiário/executado, atenta a circunstância de estarmos perante um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito.».
Então, o ónus alegacional e probatório do preenchimento abusivo da livrança impendia precisamente sobre os obrigados cambiários, ora Recorrentes, e não sobre a Exequente, atenta a circunstância de estarmos perante factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito.
Em situação semelhante se decidiu no mesmo sentido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/01/202223 (Micaela Sousa, proc. n.º 7503/10.7YYLSB-A.L1-7, www.dgsi.pt), onde se sumariou o seguinte:
«3–O negócio cambiário tem por base uma causa, mas que é separada daquele, decorrendo não dele próprio, mas de uma convenção subjacente, extracartular, sendo que os vícios de que esta padeça apenas poderão ser opostos ao portador imediato.
4–Nessas circunstâncias, recai sobre o executado o ónus de alegar e de provar factos concretos e objectivos que sejam susceptíveis de colocar em crise a validade, eficácia ou existência da relação fundamental subjacente à livrança.
5–Para tanto, não basta ao executado invocar um desconhecimento genérico quanto aos créditos subjacentes à emissão das livranças, uma sucessão de letras de reforma, sem qualquer descrição ou concretização, a inexistência de pacto de preenchimento e, simultaneamente, a sua violação, num arrazoado destituído de factos concretos e objectivos passíveis de serem sujeitos a produção de prova, pelo que tal alegação é insuficiente para afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento das livranças exequendas.».
Portanto, a questão acima referida – abuso de preenchimento – não constituiu matéria de conhecimento oficioso que pudesse determinar a rejeição do requerimento executivo ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento do mesmo.
E quanto à invocada falta de título executivo consta o seguinte na decisão recorrida:
“Do mesmo modo, pelas razões já apontadas e tendo em conta as livranças juntas aos autos, também não se verifica a falta de titulo executivo.”.
Concordamos com aquela decisão de que não se verifica falta de título precisamente pelas mesmas razões analisadas a propósito da anterior questão e para as quais se remete.
Com efeito, como resulta do artigo 10.º, n.º 5 e 6, do actual CPC, que consignou regime idêntico ao anteriormente previsto no artigo 45.º, n.º 1 do pretérito CPC, o título executivo é “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla exsecutio sine titulo”24.
Segundo Lebre de Freitas25, o título “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade, activa e passiva”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/200726 (Salvador da Costa, proc. n.º 07B683, www.dgsi.pt), disponível, como os demais citados sem outra referência em www.dgsi.pt, que: “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva. O fundamento substantivo da acção executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”.
Como já ensinava Alberto dos Reis27, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “[o] segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
Em suma, a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos, não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos.
Como resulta dos autos, os títulos dados em execução configuram livranças.
A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga e a assinatura de quem a passa (cf. artigo 75.º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
Nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC, podem servir de base à execução: “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Neste preceito distinguem-se duas realidades, os títulos de crédito, com as características da literalidade, da abstracção e da autonomia, e os quirógrafos de títulos de crédito, ou seja, documentos autógrafos de reconhecimento de dívida, como aqueles que, tendo valido como títulos de crédito, deixaram de ter essa qualificação por via de vicissitudes decorrentes dos regimes constantes da LULL e da LUCh..
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 24: «A relação cartular, em qualquer das suas modalidades, tem subjacente, em regra, outra relação jurídica que une cada um dos sujeitos: v.g. contrato de compra e venda, mútuo, empreitada, contrato-promessa, etc. Consoante a tipologia de cada título, a natureza dos negócios cambiários ou a qualidade dos intervenientes, os direitos e obrigações resultantes do saque, do aceite, da subscrição, do endosso ou do aval dispensam a alusão a qualquer relação causal, bastando-se a lei com a demonstração da qualidade de credor emergente do contexto literal do documento. Por seu lado, para se eximir à responsabilidade, fora das relações imediatas entre si e outro interveniente no negócio jurídico cambiário), o obrigado cambiário está, em regra, impedido de invocar quaisquer factos que não encontrem apoio no texto do documento em que se materializa o título de crédito. Mesmo no âmbito das relações imediatas, a iniciativa da ampliação da discussão para além de outros factos não inscritos no documento deve pertencer ao demandado nos embargos à acção executiva. Nisto se traduz a autonomia e a abstracção da relação cambiária, sobrevivendo por si só, ainda que possa estar agregada a uma outra relação coberta pelo véu da relação cartular. Quanto à literalidade, ela acaba por se assemelhar a idêntica característica que se aponta ao título executivo. Em princípio, é pelo conteúdo do documento (e apenas por essa via) que se afere o direito de crédito e a respectiva titularidade (sem prejuízo, quanto a esta, do disposto nos artigos 53.º, n.º 2 e 54.º).
Ora, no caso concreto em apreciação, não subsistem dúvidas de que os títulos dados à execução constituem títulos de crédito (livranças), a que é conferida força executiva, por via do artigo 703.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.
Então, constituindo a livrança título executivo, pode o legítimo portador do título de crédito intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título. O título de crédito vale, assim, pelo que dele consta, é independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva (cf. artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
Deste modo, não se verifica falta de título executivo.
E quanto à ilegitimidade (activa ou passiva), configura uma excepção dilatória (cfr. art. 577.º, a. e), do CPC), escreveu-se o seguinte na fundamentação da decisão recorrida:
“Assim como não se verifica a ilegitimidade (activa ou passiva), tendo em conta as pessoas que figuram nos títulos executivos e a cessão de créditos junto aos autos. Note-se que a legitimidade na execução se afere pelo título executivo, como decorre do art.º 53º do Código de Processo Civil, ou seja, deverá ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, tudo sem prejuízo das excepções previstas no n.º 2 do art.º 53º e nos artigos 54º e 55º.”.
Aderimos de igual modo à fundamentação referida porquanto na acção executiva a legitimidade (activa ou passiva) tem representação formal precisamente no título executivo e afere-se em função dele – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/11/202228 (Cristina Lourenço, proc. n.º 19480/21.4T8SNT.L1-8, www.dgsi.pt).
Então, daqui decorre que o Exequente tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação constante do título executivo e o executado tem a obrigação de cumprir a obrigação constante deste, excepto no caso de sucessão mortis causa ou de cessão de créditos ou outros modos de modificação subjectiva legalmente admissíveis em que é o cessionário que tem a legitimidade como sucede no caso concreto, precisamente porque consta do título de transmissão, tratando-se neste caso de um “título executivo complexo” porque composto por vários elementos (livrança e contrato de cessão) – em sentido idêntico: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/06/202429 (José Moreira Dias, proc. n.º 15358/23.5T8PRT-A.G1, www.dgsi.pt).
Então, para efeitos de legitimidade activa o que é relevante é saber se a Exequente consta do aludido título complexo (livrança e contrato cessão), que é o que sucede no caso concreto e por isso esta é parte legítima – questão de conhecimento oficioso por se tratar de excepção dilatória, como já referido.
Questão diversa desta é saber se o invocado contrato de cessão de créditos é nulo, mas então neste caso já não é de conhecimento oficioso porque esta não configura uma excepção dilatória.
Como está em causa precisamente uma cessão de créditos, a decisão recorrida teve o cuidado de referir expressamente o seguinte:
“Refira-se também que eventuais vícios no negócio da cessão de créditos, designadamente a prova documental da cessão quando a mesma é invocada originariamente no requerimento executivo, não é de conhecimento oficioso.”.
Com efeito, todas as questões alegadas pelo Recorrente atinentes a eventuais nulidades da cessão de créditos – desde a invocada falta de forma à invocada intransmissibilidade por cessão das garantias hipotecárias prestadas pelo executado – não configuram excepções dilatórias (mas antes peremptórias), por isso, não são de conhecimento oficioso no âmbito da presente execução, para efeitos do disposto no art. 726.º, n.º 2, al. b), ex vi art. 734.º, n.º 1, do CPC.
Não obstante, a decisão recorrida teve o cuidado de referir ainda o seguinte:
“Não se deixará de referir que a cessão de créditos produz efeitos em relação ao devedor pela notificação (art.º 583º, n.º 1 do Código Civil), não sendo requisito a entrega de cópia da cessão ao devedor (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/4/2008, proc.º n.º 2360/2008-6, in www.dgsi.pt/), pelo que, querendo, caberá ao executado impugnar a cessão de créditos ou a eficácia da mesma em embargos de executado.”.
Na decisão recorrida o Mm.º Juiz ainda teve o cuidado de destacar novamente a diferença entre as questões de conhecimento oficioso das demais:
“Aqui chegados e tendo presente as razões invocadas ao longo do requerimento em apreço, entende-se que não se suscitam quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e que imponham a extinção da execução (ou afectem a validade dos actos de penhora ou venda).”.
Significando isto que as demais questões invocadas pelo Recorrente não são de conhecimento oficioso (cfr. art. 734.º, do CPC) e por isso não podem ser analisadas nesta sede, destacando-se novamente que não foi deduzida oposição à execução mediante embargos de executado, mecanismo que estava ao dispor do Recorrente e que este voluntariamente optou por não deduzir.
Finalmente, não obstante, foi ainda apreciada a invocada litigância de má fé:
“Por último, o executado alega que o exequente litiga de má-fé e deverá ser condenado como tal.
Dispõe o art.º 542º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil:
«1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»
Como decorre do dispositivo legal acima citado, a condenação como litigante de má-fé depende da verificação das circunstâncias indicadas no seu n.º 2 e desde que se demonstre que a parte actuou com dolo ou negligência grave.
No caso presente, em face do tudo o alegado pelo executado, é evidente que não resultam apurados quaisquer factos que demonstrem que se verificam as circunstâncias acima aludidas, agindo a exequente com dolo ou negligência grave. Por isso, deverá improceder também esta pretensão do executado”.
Do exposto resulta que relativamente aos fundamentos invocados pelos Executados de conhecimento oficioso, o tribunal a quo decidiu que estes não tinham razão em qualquer das questões suscitadas, bem como, nas demais questões, estas não são de conhecimento oficioso e por isso delas não poderia apreciar e decidir - o que está correcto.
Nesta sequência e em suma, improcede a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
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11. Responsabilidade tributária:
As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade dos Recorrentes.
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III. DISPOSITIVO
Nos termos e fundamentos expostos,
1. Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes e, em consequência confirmar a Sentença da Primeira Instância.
2. As custas do recurso de Apelação são da responsabilidade dos Recorrentes.
3. Registe e notifique.
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Évora, data e assinaturas certificadas
Relator: Filipe César Osório
1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral
2.º Adjunto: Ana Pessoa
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1. – Geraldes, António, A. et al. Código de Processo Civil Anotado Vol. I - Parte Geral e Ação Declarativa. Disponível em: Grupo Almedina, (3rd Edição). Grupo Almedina, 2022, pág. 794.↩︎
2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4147f7504c91d0880258aa0003bc7ab?OpenDocument↩︎
3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6aeec6e660d904980258ad9003e5976?OpenDocument↩︎
4. Livranças já elencadas nos factos provados sob ponto 8.4.↩︎
5. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 793-794.↩︎
6. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 793-794.↩︎
7. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f4c369730e08ba8680258b17002e112a?OpenDocument↩︎
8. - Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 793.↩︎
9. https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9e31989ba631ed0580258b49004b2768?OpenDocument↩︎
10. Geraldes, António, ob. cit., pág. 260.↩︎
11. Lebre de Freitas, A. et al., Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 390.↩︎
12. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/0A29EA31D9370F8880257F77005B8B1D↩︎
13. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7e5aa0b0792634b9802586f6004986a0↩︎
14. https://jurisprudencia.pt/acordao/133178/↩︎
15. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 348.↩︎
16. Tratando-se de facto pessoal apenas poderia provar-se por documento bastante que não se mostra junto para se poder considerar.↩︎
17. Tratando-se de facto pessoal apenas poderia provar-se por documento bastante que não se mostra junto para se poder considerar.↩︎
18. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/f3fb73aa1639068280258b6400334cce?OpenDocument↩︎
19. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/61d8d56d4ee4588580258c6500501f2d?OpenDocument↩︎
20. Livranças elencadas nos factos provados sob ponto 8.4.↩︎
21. Livranças elencadas nos factos provados sob ponto 8.4.↩︎
22. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/dbf553618c1eb256802588b1002ee558?OpenDocument↩︎
23. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a68644e7fc81599a802587d1002fab37?OpenDocument↩︎
24. (Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda).↩︎
25. Lebre de Freitas (A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, pág. 43).↩︎
26. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/819febdf5053130f802572a000329c3e?OpenDocument↩︎
27. Alberto dos Reis (Processo de Execução, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147)↩︎
28. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f42be4a763aa6b7b80258903004e513c?OpenDocument↩︎
29. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/24de58cab0c9a0d280258b5c003a455a?OpenDocument↩︎