PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CULPA DO LESADO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Sumário

Sumário:
I. É passível de ser indemnizado, à luz do disposto no art.º 496º, nº1 do Cód. Civil, o lesado que na sequência do embate, ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido, dada a circunstância de o mesmo ter sido provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré e durante o período de férias do Autor no Algarve, que é uma pessoa idosa, dos danos que o seu veículo sofreu em consequência do embate, o transtorno que para a sua vida pessoal isso lhe acarretou, designadamente atendendo a que não lhe foi concedido, sem qualquer dispêndio para si, um veículo de substituição e, bem assim, o largo período de tempo que o veículo esteve na oficina.
II. Não seria de aplicar o disposto no art.º 570º do Cód. Civil que dispõe sobre a culpa do lesado, mesmo que se tivesse provado ter sido ele a escolher a oficina na qual foi feita a morosa reparação do veículo.
III. Para tanto era necessário que se tivesse provado que a morosidade na reparação se deveu a culpa da própria oficina e não à demora no envio das peças necessárias para o efeito.
IV. E tal prova era da Ré/ seguradora (art.º 342º, nº2 do Cód.Civil) já que é sobre o lesante que recai o ónus de alegar os factos modificativos do direito do lesado.

Texto Integral

Processo: 580/23.2T8ABF.E1

ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO


1. AA demandou “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS. S.A” alegando, em síntese, que o veículo automóvel por si titulado, de matrícula RTJH...., foi interveniente num acidente de viação com o veículo de matrícula ..-..-PA, então conduzido por BB, segurado pela Ré, que do correspondente embate resultaram diversos danos, os quais quantifica, concretamente o montante de €539,60, referente às despesas de transporte com táxis, o montante de € 4.950,00 quanto à privação do uso do veículo, o montante de €1.000,00 a título de danos não patrimoniais, o montante de €1.000,00 em virtude da desvalorização do seu veículo automóvel, o montante de €250,00 quanto aos estragos verificados no seu computador, e a quantia de € 80,00 quanto ao valor pago para aquisição do auto de acidente de viação, e que o embate se ficou a dever em exclusivo ao comportamento do condutor do veículo segurado pela Ré, o qual conduzia de conduzia o seu veículo de forma distraída e imprudente, vindo embater no mesmo nessa sequência.


Em consequência, pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia total de €7.819,60 (sete mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acidente, até efetivo e integral pagamento.


2. A Ré contestou, admitindo a ocorrência do acidente de viação, a dinâmica do mesmo e a celebração do contrato de seguro com o condutor do veículo de matrícula ..-..-PA, contrapondo que a Ré apenas é responsável pela privação de uso equivalente aos 6 dias úteis necessários à reparação e que os invocados atrasos na reparação do veículo não são da responsabilidade da Ré, não lhe podendo ser imputados os danos dali decorrentes, tendo impugnado, em suma, a restante factualidade invocada pela contraparte na petição inicial.


3. Realizada audiência final, veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:


Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:


Condena-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS. S.A” a pagar ao Autor AA a quantia de total de €337,50 (trezentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de privação do uso do veículo automóvel sinistrado, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.


Absolve-se a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS. S.A” do demais peticionado.


4. É desta sentença que desaprazido recorre o Autor, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


I. Pretende-se com o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, assim se requerendo a reapreciação da prova documental existente nos autos e da prova gravada e, bem assim, rebater os argumentos de facto e de direito apontados pelo Tribunal a quo que levaram à atribuição ao Autor de um quantum indemnizatório de natureza patrimonial e não patrimonial que o Recorrente não se conforma, nem se poderia conformar, por ser, salvo o devido respeito, totalmente desenquadrado, desde logo com a matéria dada como provada, mas, sobretudo, por advir do facto do Tribunal a quo concluir, sem qualquer base factual ou o resultante das regras da experiência da vida, por uma afetação e daí partir para a conclusão de que os danos decorrentes da paralisação da viatura foram uma consequência direta do facto de ser o Autor a escolher a oficina reparadora do veículo sinistrado;


II. Os concretos pontos de facto que a Recorrente considera que foram incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC 2013), são os constantes, na fundamentação de facto, sob o título:


III. Factos provados: 2.1.1. No dia 09 de agosto de 2021, o Autor deu entrada do seu veículo na oficina “Machado e Costas, S.A.”, em Braga, por si escolhida, a fim de ser sujeito a peritagem, esta levada a cabo pela empresa, “GEP – Gestão de Peritagem, S.A, e de ser reparado.


IV. Ora, salvo o respeito, nada se provou quanto ao facto de ser o Autor a escolher a oficina, pois que a mesma foi escolhida de acordo entre o segurado e a Ré ou pelo menos com a anuência da Ré, e daí ter mandatado a empresa GEP para proceder à avaliação dos danos e ao acompanhamento da reparação do veículo sem qualquer objeção;


V. Dada a importância que o Tribunal viria a dar ao facto da escolha da oficina ser determinante para o atraso da reparação e entrega do veículo devidamente reparado, impõe-se que seja aditado á matéria dada como provada, para além de que a oficina foi escolhida pelo Autor com a anuência da Ré, que a oficina em causa é o concessionário Honda (marca do carro sinistrado), em Braga, ou seja, a oficina com maior capacidade para proceder à reparação.


VI. Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640.º-1-b), do CPC são todos os meios probatórios que se encontram nos autos, designadamente, o documento n.º 5 junto com a Petição Inicial (relatório da peritagem – GEP): cliente: Fidelidade – Companhia de Seguros SA “oficina”: . e Costas SA e Tipo de Oficina: “concessionário” e depoimento da testemunha CC, perito que acompanhou a peritagem e a reparação do veículo desde a entrada do mesmo na oficina concessionário HONDA até à sua entrega ao Autor devidamente reparado, que se transcreve na íntegra, com a parte mais importante para a matéria em questão a negrito nosso;


VII. Assim, o facto dado como provado em 2.1.1. da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser substituído, nos seguintes termos, por três factos:


VIII. 1. “No dia 09 de agosto de 2021, o Autor deu entrada do seu veículo na oficina “Machado e Costas, S.A.”, concessionário Honda em Braga, escolhida sem qualquer oposição da Ré, onde esta providenciou pela peritagem levada a cabo pela empresa por si mandatada, “GEP – Gestão de Peritagem, S.A, a fim do veículo de ser reparado.


IX. 2. “A GEP acompanhou a peritagem e reparação do veículo desde o seu início até à entrega do mesmo ao Autor devidamente reparado no dia 18 de novembro de 2021; (sendo assim anulado porque repetido o item 2.1.18 da matéria dada com provada)


X. 3. “A atraso da reparação deveu-se à inexistência de uma peça necessária à reparação do veículo.”


XI. Outro concreto ponto de facto que a Recorrente considera que foi incorretamente julgado na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC 2013), são os constantes, na fundamentação de facto, sobre o item:


FACTOS NÃO PROVADOS


XII. 2.2.2 Na sequência do embate referido nos factos provados, o Autor ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido;


XIII. 2.2.7. A despesa referida no ponto 2.1.27 da factualidade dada como provada emerge direta e necessariamente do embate referido nos factos provados.


XIV. A resposta afirmativa de que o Autor, na sequência do embate referido nos factos provados, ficou psicologicamente abatido, sentindo-se triste e abatido resulta, desde logo, dos factos dados como provados, a saber:


XV. 2.1.10. Assim, no dia 09 de agosto de 2021, o Autor deu entrada do seu veículo na oficina “Machado & Costa S.A.”, em Braga, por si escolhida, a fim de ser sujeito a peritagem, esta levada a cabo pela empresa, “GEP – Gestão de Peritagem, S.A.”, e de ser reparado.


XVI. 2.1.11. O tempo previsto pela oficina para a reparação do veículo automóvel do Autor foi de 6 dias úteis.


XVII. 2.1.12. Após o embate, em data não concretamente apurada, o Autor solicitou à Ré um veículo de substituição.


XVIII. 2.1.13. Tal pedido foi acedido pela Ré onze dias após o sinistro, tendo a mesma informado o Autor que podia proceder ao levantamento de um carro de substituição na “Hertz Rent-a Car”, sita em Braga, no dia 11 de agosto de 2021, pelas 11h00m.


XIX. 2.1.14. Sucede que, quando se dirigiu à referida “Rent-a-Car”, o Autor foi informado de que não existia qualquer pedido da Ré para entrega do veículo de substituição.


XX. 2.1.15. Na sequência da informação referida no ponto anterior, o Autor chamou um táxi e foi para sua casa, que dista sensivelmente 30 km’s de Braga.


XXI. 2.1.16. Nesse mesmo dia, a Ré deu novas indicações ao Autor, informando-o de que podia proceder ao levantamento de um veículo na “Europcar” de Braga, nesse mesmo dia, pelas 14h40m.


XXII. 2.1.17. Nessa sequência, o Autor dirigiu-se novamente a Braga, à “Europcar”, tendo-lhe sido aí comunicado que para o levantamento do veículo era necessário o pagamento imediato do montante de €1.500,00, quantia essa que o Autor não acedeu pagar.


XXIII. 2.1.18. O que levou a que o Autor permanecesse sem veículo de substituição.


XXIV. 2.1.19. O veículo automóvel do Autor foi-lhe entregue, já reparado, no dia 18 de novembro de 2021.


XXV. 2.1.20. O referido veículo automóvel do Autor é o único que o mesmo possui em Portugal.


XXVI. 2.1.21. O Autor encontra-se reformado, tendo residência em Portugal e na Alemanha, onde se desloca 2 a 3 vezes por ano, a fim de, além do mais, visitar os filhos.


XXVII. 2.1.22. Algumas dessas viagens eram feitas no veículo sinistrado.


XXVIII. 2.1.23. O veículo do Autor era por si utilizado diariamente, nomeadamente para o Autor e a sua esposa desenvolverem as atividades do seu dia-a-dia, como idas ao supermercado, à farmácia e ao médico, bem como para as deslocações inerentes à realização de atividades em família, como almoços e passeios.


XXIX. 2.1.24. Sem outra alternativa, o Autor passou a socorrer-se de outros meios de transporte, como deslocações através de táxi, e outras vezes pedindo a amigos/familiares para o acompanharem ou lhe emprestarem um automóvel.


XXX. 2.1.26. Na sequência do embate referido supra, o Autor sofreu transtornos e incómodos.


XXXI. Ou seja, residindo em Vila Nova de Famalicão, o Autor encontrava-se no Algarve; o seu automóvel foi embatido na traseira, sem qualquer culpa do Autor; Ficou impossibilidade de circular; o Autor foi forçado a levar o seu automóvel para o concessionário Honda, em Braga, a fim de ser reparado; o acidente deu-se no dia 31 de julho de 2021, sendo que o automóvel foi entregue devidamente reparado no dia 18 de Novembro de 2021, ou seja, 110 dias depois do acidente; o Autor ficou privado sem o único automóvel que possuía em Agosto/21, Setembro/21, Outubro/21 e 17 dias de Novembro/21; ao Autor foi-lhe recusado um veículo de substituição sem o pagamento de uma caução; o Autor dirigiu-me a companhia de aluguer por incumbência da Ré pelo menos duas vezes; teve necessidade de se deslocar da táxi dados os enganos na Ré; O Autor encontra-se reformado, tendo residência em Portugal e na Alemanha, onde se desloca 2 a 3 vezes por ano, a fim de, além do mais, visitar os filhos; Algumas dessas viagens eram feitas no veículo sinistrado; o veículo do Autor era por si utilizado diariamente, nomeadamente para o Autor e a sua esposa desenvolverem as atividades do seu dia-a-dia, como idas ao supermercado, à farmácia e ao médico, bem como para as deslocações inerentes à realização de atividades em família, como almoços e passeios; Sem outra alternativa, o Autor passou a socorrer-se de outros meios de transporte, como deslocações através de táxi, e outras vezes pedindo a amigos/familiares para o acompanharem ou lhe emprestarem um automóvel.


XXXII. A este propósito, transcreve-se aqui na íntegra o DEPOIMENTO da esposa do Autor DD, com os pontos mais importante a negrito nosso, depoimento esse que o tribunal a quo considerou “apesar de ser esposa do Autor, e nesta sede, apresentou em audiência final inequívoco detalhe e minucia na transmissão dos seus conhecimentos pessoais e diretos, que revelou com espontaneidade, firmeza, minúcia e segurança, (bem patete no seu tom de voz) (…)” vide motivação da matéria de facto da Douta Sentença.


XXXIII. Ora, Meritíssimos Juízes Desembargadores, considerar-se esta factualidade provada apenas como transtornos e incómodos, sem que o Autor se tenha sentido psicologicamente afetado, triste e abatido não é o que decorre de um sentimento de uma pessoa normal, perante os factos provados;


XXXIV. Claro que o Autor, como seria de resto o sentimento de qualquer pessoa normal (provando-se inclusivamente que se encontrava reformado), sentiu-se afetado, triste e abatido.


XXXV. Merecendo essa factualidade a tutela do direito e a obrigação da Ré indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos ao longo de mais de três meses e meio.


XXXVI. Em virtude do que se requer a alteração desse facto não provado, devendo merecer assim a definição de provado que: “Na sequência do embate referido nos factos provados, o Autor ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido”;


XXXVII. O Tribunal a quo entendeu que a despesas decorrente da obtenção do auto de ocorrência da GNR não emerge direta e necessariamente do embate referido nos autos, sendo que, como é consabido, para propor a presente ação o Autor teve necessariamente de se munir do referido auto e, como tal, pagar a importância documentada nos autos – Doc. 25 junto com a PI;


XXXVIII. Em virtude de que, o ponto não provado ínsito em 2.2.7. deve ser alterado e merecer a seguinte apreciação: provado que: A despesa referida no ponto 2.1.27 da factualidade dada como provada emerge direta e necessariamente do embate referido nos factos provados.


XXXIX. Devem também ser aditados factos provados não incluídos na sentença:


XL. Analisado o documento da peritagem (Doc. 5 junto com a PI), elaborado por perito técnico mandatado pela Ré, que confirmou o teor do seu relatório de peritagem em Audiência de Julgamento, deveria ter sido dado como provado, nomeadamente, para a avaliação do custo da paralisação de um veículo idêntico ao sinistrado:


XLI. O automóvel sinistrado é de marca Honda, modelo HRV 1.6- D TEC Executivo, de outubro de 2016, portanto com 5 anos de uso, a gasóleo, com 56.439 kms percorridos.


XLII. E conjugada toda a prova, aliada às regras de experiência comum, junto com o documento n.º 23 junto com a PI, que refere o custo do aluguer de um automóvel idêntico ao sinistrado, requer ainda o aditamento à matéria dada como provada os seguintes factos:


XLIII. O valor diário de aluguer de um veículo de características semelhantes ao do veículo em questão é de não menos de € 45.00.


XLIV. Considerou o Tribunal a quo que se mostram preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, sendo que tal obrigação impende sobre a Ré, dado que, por contrato de seguro à data vigente, havia assumido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros e emergentes da circulação rodoviária do veículo por si segurado.


XLV. O Autor não teve qualquer culpa no acidente.


XLVI. Atenta a matéria de facto dada como provada (e, igualmente a que se pretende ver dada como provada neste Recurso) desde já se refere que o Autor não se conforma com as indemnizações que lhe foram atribuídas, quer no que diz respeito aos danos patrimoniais, quer no que concerne aos danos não patrimoniais.


XLVII. O tribunal a quo decidiu que o período em que a recorrente esteve privado do uso do veículo, e que é merecedor da tutela do direito, foram 6 dias, pois que o mesmo deu entrada, para reparação, em oficina indicada pelo lesado (Autor), no dia 09/08/2021, e que o tempo previsto pela oficina para a reparação do veículo automóvel do Autor foi de 6 dias úteis.


XLVIII. Face à possível reconstituição natural, a lei não impõe ao lesado, qualquer obrigação de reparação, pelo que, será apenas e só no plano de uma conduta abusiva (artigo 334° do Código Civil) ou culposa (art.570a do CC) que se justificará, que a indemnização pela privação do uso não seja atribuída ou que o seja em termos limitados.


XLIX. Para efeitos de redução ou exclusão da indemnização do dano da privação do uso do veículo a lei exige que o responsável demonstre um comportamento censurável do lesado no agravamento do dano, não sendo suficiente, para tanto, o mero decurso de um lapso temporal que, nas circunstâncias concretas, também não revele uma ofensa clamorosa do princípio da boa-fé.” – in Ac. T 252/23.8YRPRT de 07-11-2023


L. O que in casu, não aconteceu.


LI. O sancionamento do aqui recorrente, através do invocado art. 570.º do CC, só poderia ocorrer com base num comportamento culposo da sua parte.


LII. A seguradora aqui recorrida, foi condenada no pagamento da indemnização pelos danos sofridos no veículo da recorrente, em resultado da total improcedência dos argumentos por si aduzidos.


LIII. O Autor encaminhou o veículo para a melhor e mais especializada oficina para proceder à reparação, no caso, o concessionário HONDA em Braga.


LIV. Sempre com o conhecimento e anuência a Ré, aqui recorrida, que aceitou fazer a peritagem através de uma empresa por si contratada - GEP – nessa oficina, sendo que o Senhor perito acompanhou a reparação do veículo desde a sua entrada na oficina até efetiva entrega, tendo perfeito conhecimento da razão do atraso da reparação do veículo – falta em stock na HONDA internacional de uma peça – que este nunca pôs em causa.


LV. Lembre-se a este propósito que, ao no tempo em que decorreu a reparação (julho a novembro de 2021) estávamos em plena crise provocada pela COVID- 19, sendo do conhecimento público que várias peças e componentes faltaram nas marcas de automóveis, principalmente em veículos - como era ocaso do do Autor - de pouca produção (HONDA HR-V).


LVI. Sendo sempre tal do conhecimento da Ré, que nunca foi questionado.


LVII. Não podendo, salvo melhor opinião, o Autor, que foi vítima de um acidente sem qualquer culpa e que impossibilitou o mesmo de circular, durante mais de 3 meses e meio, de arcar com a responsabilidade de inexistir essa peça em stock da própria marca HONDA.


LVIII. Mostra-se, assim, incongruente o raciocínio desenvolvido, e carece em absoluto de fundamento, o período de 6 dias definido pelo Tribunal a quo para efeitos de cálculo da indemnização pela paralisação que se prolongou por 110 dias.


LIX. Acresce que, não resultam provados nos autos factos que demonstrem que o recorrente podia e devia ter procedido à reparação de veículo noutra oficina ou que outra oficina que não o concessionário HONDA tinha a peça para proceder à reparação.


LX. Assim, e mercê da imobilização do veículo sinistrado, tem direito o recorrente a ser indemnizado pela privação do uso desde a data em que cessou a utilização do seu veículo – 31.07.2021 - até à data da sua reparação e entrega - 18.11.2021.


LXI. A medida da indemnização pela privação do uso é encontrada com recurso à equidade, segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto (cfr. art. 566°, n.° 3, do CC)


LXII. Tem sido considerado, pela doutrina e jurisprudência, enquanto elemento objetivo, na fixação do valor da indeminização pela privação do uso, o do custo do aluguer de viatura de idênticas características, por ser o critério que corresponde, no fundo, ao custo da substituição da viatura que devia ter sido proporcionada e não foi.


LXIII. O valor peticionado pelo recorrente - € 45,00/dia - situa-se bem abaixo do valor de mercado de aluguer de um veículo de características semelhantes e, por isso, não se mostra violador dos princípios da equidade e da proporcionalidade.


LXIV. Pelo todo o exposto e em síntese, deve este Tribunal superior revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, decidindo pela procedência do peticionado pelo recorrente, quer quanto ao período de privação do uso para efeitos de calculo da indeminização, quer quanto ao montante diário - €45,00.


LXV. Em razão de que, equitativamente, deve ser atribuído ao Autor, a esse título, uma indemnização não inferior a € 4.950,00 (110 dias x € 45,00).


LXVI. Também deve atribuir ao Autor a indemnização decorrente da obtenção do auto de ocorrência, absolutamente necessário para propor a ação contra a Ré, no montante de € 80.00.


LXVII. No que concerne aos danos de natureza não patrimonial, atenta a matéria da facto dada como provada, acrescida daquela cuja alteração se requer, ao contrário do que o Tribunal a quo refere e conclui, a mesma, por ser grave e importante, merece a tutela do direito.


LXVIII. Não nos parecendo desajustado, salvo melhor e mais respeitado conhecimento de V. Exas, fixar os danos de natureza não patrimonial padecidos pelo Autor em consequência do acidente numa quantia não inferior a € 1.000,00.


LXIX. Há, assim, na sentença sob recurso erro na apreciação dos factos e na interpretação do direito, por isso, erro de julgamento.


LXX. A sentença recorrida interpretou erradamente e violou as normas constantes dos artigos 566 n° 3 e 570. ° do CC, artigo 762. °, n.° 2 do Código Civil e artigo 153. °, n.° 1 da Lei n.° 147/2015, de 9 de setembro e demais disposições legais aplicáveis.


TERMOS EM QUE V. EX.AS, SUFRAGANDO OS ARGUMENTOS AQUI EXPENDIDOS E ALTERANDO A MATÉRIA DE FACTO NOS TERMOS SUPRA REFERIDOS, DEVEM REVOGAR PARCIALMENTE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE ACOLHA OS ARGUMENTOS EXPENDIDOS NESTE RECURSO, DESSA FORMA ATRIBUÍNDO AO AUTOR UMA INDEMNIZAÇÃO NÃO INFERIOR A € 4.950,00 DECORRENTE DOS DANOS REFERENTES À PARALISAÇÃO DO VEÍCULO, € 80,00 EM CONSEQUÊNCIA DA DESPESA TIDA COM O AUTO DE OCORRÊNCIA E NÃO MENOS DE € 1.000,00 PELOS DANOS DE NATUREZA NÃO PATRIMONIAL. ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.


5. Contra-alegou a Ré, defendendo a manutenção do decidido.


6. Sendo certo que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações do apelante (cfr. artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil), as questões cuja apreciação as mesmas convocam são as seguintes:


6.1. Impugnação da matéria de facto: se o facto infra realçado do elenco dos factos provados deve passar a ter a redação sugerida pelo apelante e se os factos, igualmente realçados, integrantes do elenco dos “Não Provados” devem transitar para o dos “Provados”.


6.2. Reapreciação jurídica da causa quanto às indemnizações peticionadas por danos não patrimoniais e privação do uso do veículo.


II. FUNDAMENTAÇÃO


7. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:


“FACTOS PROVADOS


Com relevância para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:


1. No dia 31 de julho de 2021, pelas 19 horas, o veículo ligeiro de passageiros, marca “Honda”, modelo “HR–V”, com a matrícula RTJH...., titulado e conduzido pelo Autor AA, circulava na Estrada 1, no concelho de Faro.


2. No mesmo momento, local e sentido circulava, na retaguarda do veículo supra aludido, o veículo ligeiro de passageiros, marca “Daihatsu”, modelo “Terios”, com a matrícula ..-..-PA, conduzido POR BB.


3. Nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar, ao aproximar-se de uma passagem para peões (vulgo, passadeira), o Autor reduziu a velocidade a que seguia e imobilizou o seu veículo automóvel, a fim de permitir a travessia de peões pela referida passadeira.


4. Por sua vez, o condutor do veículo de matrícula ..-..-PA, que manteve a velocidade a que circulava, distraído em relação ao trânsito que se processava à sua frente e não se apercebendo da redução da velocidade operada pelo Autor, embateu na retaguarda daquele veículo.


5. O local onde se deu o embate configura uma reta e o piso é asfaltado.


6. A passagem para peões (referida em 2.1.3.) estava sinalizada com tinta sobre o pavimento e através de sinalização vertical.


7. No momento em que se deu o embate não estava a chover, pelo que o piso da via se encontrava seco.


8. Em consequência do embate, o veículo do Autor, com a matrícula RTJH...., sofreu estragos na sua retaguarda esquerda, ficando incapacitado de circular.


9. A Ré solicitou uma perícia à viatura e a elaboração do relatório de peritagem, mediante o qual foi orçada a quantia total de €5.509,69 para a reparação do veículo, tendo assumido a responsabilidade pelo pagamento e autorizado a sua reparação.


10. Assim, no dia 09 de agosto de 2021, o Autor deu entrada do seu veículo na oficina “Machado & Costa S.A.”, em Braga, por si escolhida, a fim de ser sujeito a peritagem, esta levada a cabo pela empresa, “GEP – Gestão de Peritagem, S.A.”, e de ser reparado.


11. O tempo previsto pela oficina para a reparação do veículo automóvel do Autor foi de 6 dias úteis.


12. Após o embate, em data não concretamente apurada, o Autor solicitou à Ré um veículo de substituição.


13. Tal pedido foi acedido pela Ré onze dias após o sinistro, tendo a mesma informado o Autor que podia proceder ao levantamento de um carro de substituição na “Hertz Rent-a-Car”, sita em Braga, no dia 11 de agosto de 2021, pelas 11h00m.


14. Sucede que, quando se dirigiu à referida “Rent-a-Car”, o Autor foi informado de que não existia qualquer pedido da Ré para entrega do veículo de substituição.


15. Na sequência da informação referida no ponto anterior, o Autor chamou um táxi e foi para sua casa, que dista sensivelmente 30 km’s de Braga.


16. Nesse mesmo dia, a Ré deu novas indicações ao Autor, informando-o de que podia proceder ao levantamento de um veículo na “Europcar” de Braga, nesse mesmo dia, pelas 14h40m.


17. Nessa sequência, o Autor dirigiu-se novamente a Braga, à “Europcar”, tendo-lhe sido aí comunicado que para o levantamento do veículo era necessário o pagamento imediato do montante de €1.500,00, quantia essa que o Autor não acedeu pagar.


18. O que levou a que o Autor permanecesse sem veículo de substituição.


19. O veículo automóvel do Autor foi-lhe entregue, já reparado, no dia 18 de novembro de 2021.


20. O referido veículo automóvel do Autor é o único que o mesmo possui em Portugal.


21. O Autor encontra-se reformado, tendo residência em Portugal e na Alemanha, onde se desloca 2 a 3 vezes por ano, a fim de, além do mais, visitar os filhos.


22. Algumas dessas viagens eram feitas no veículo sinistrado.


23. O veículo do Autor era por si utilizado diariamente, nomeadamente para o Autor e a sua esposa desenvolverem as atividades do seu dia-a-dia, como idas ao supermercado, à farmácia e ao médico, bem como para as deslocações inerentes à realização de atividades em família, como almoços e passeios.


24. Sem outra alternativa, o Autor passou a socorrer-se de outros meios de transporte, como deslocações através de táxi, e outras vezes pedindo a amigos/familiares para o acompanharem ou lhe emprestarem um automóvel.


25. A título de despesas de transporte tidas pelo Autor na sequência do sinistro rodoviário (mormente decorrentes da utilização dos serviços de táxi), a Ré pagou ao Autor a quantia de €232,50.


26. Na sequência do embate referido supra, o Autor sofreu transtornos e incómodos.


27. Com vista à instauração da presente ação, o Autor solicitou o Auto da Participação do Acidente junto do Subdestacamento Territorial de Albufeira da Guarda Nacional Republicana, tendo pago a quantia de €80,00.


28. À data do embate, a responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo com a matrícula ..-..-PA encontrava-se transferida para a Ré “Fidelidade – Companhia De Seguros. S.A”, mediante a apólice de seguro n.º ....


FACTOS NÃO PROVADOS


Com relevância para os presentes autos, ficaram por demonstrar os seguintes factos:


1. Aquando do embate descrito na factualidade dada como provada, o Autor AA encontrava-se a passar férias no Algarve, sendo forçado, em virtude do mesmo, a interrompê-las e regressar a casa.


2. Na sequência do embate referido nos factos provados, o Autor ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido.


3. Em momento anterior ao embate referido nos factos dados como provados, o veículo automóvel do Autor, a diesel, estava em condições idênticas a novo, tinha apenas 58000 km’s percorridos, com um valor comercial de €18.000,00.


4. Na sequência do embate, o veículo automóvel do Autor teve necessidade de ser reparado na sua parte traseira, sendo que a Ré não aceitou que fosse colocado um pára-choques novo, sendo soldado o já existente.


5. A circunstância referida no ponto anterior fez com que o veículo automóvel do Autor sofresse uma diminuição do seu valor venal, no montante de €1.000,00.


6. Como consequência direta do embate referido na factualidade dada como provada, o computador do Autor, que se encontrava no porta-malas do seu veículo automóvel, pelo qual pagou o preço de €361,99 e que à data do embate valia €250,00, ficou partido.


7. A despesa referida no ponto 2.1.27. da factualidade dada como provada emerge direta e necessariamente do embate referido nos factos provados.


8. Do mérito do recurso


8.1. Impugnação da matéria de facto


O apelante começa por se insurgir contra a versão que foi dada ao facto inserto supra no ponto 10 dos factos provados (Assim, no dia 09 de agosto de 2021, o Autor deu entrada do seu veículo na oficina “Machado & Costa S.A.”, em Braga, por si escolhida, a fim de ser sujeito a peritagem, esta levada a cabo pela empresa, “GEP – Gestão de Peritagem, S.A.”, e de ser reparado ) pretendendo que lhe seja conferida outra redacção.


Vejamos então.


Na verdade, a Ré alegou que a escolha da oficina foi do Autor (art.º 9º da contestação) mas a verdade é que tal afirmação não se mostra corroborada por qualquer meio de prova, maxime testemunhal.


Com efeito, do depoimento de CC, perito contratado da seguradora, não se extrai quem escolheu a oficina.


Por isso, nada mais resta do que suprimir no facto em apreço a menção à escolha da oficina.


Relativamente ao motivo da morosidade da reparação que o apelante pretende ver incluído no facto, o certo é que não foi alegado por qualquer das partes e por isso não pode ser aditado, ainda que a testemunha o tenha mencionado.


Relativamente ao facto que o Tribunal deu como não provado, atinente ao estado do Autor após o embate ( Na sequência do embate referido nos factos provados, o Autor ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido) cremos que a justificação dada pelo Tribunal para assim o considerar , desprezou, como bem se salienta nas alegações, não só o depoimento da sua esposa, que o confirmou, mas também os demais factos dados como provados, designadamente, a circunstância de o embate ter sido provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré e durante o período de férias do Autor no Algarve, que é uma pessoa idosa, dos danos que o seu veículo sofreu em consequência do embate, o transtorno que para a sua vida pessoal isso lhe acarretou, designadamente atendendo a que não lhe foi concedido, sem qualquer dispêndio para si, um veículo de substituição e, bem assim, o largo período de tempo que o veículo esteve na oficina.


Assim, todos estes factos revelam, à luz dos dados da experiência comum e da normalidade social, ser crível o depoimento da esposa do Autor quando afirmou que o Autor andou nervoso, ficou afetado e triste.


Vai assim deferida a pretensão do apelante de ver tal facto transitado para o elenco dos “Provados”.


Relativamente à despesa já demonstrada (certidão da GNR) que o apelante quer ver como imputável ao acidente ocorrido, não podemos deixar de acompanhar a decisão da 1ªinstância pois é óbvio que tal despesa ocorre por causa do acidente mas não em consequência do acidente (que é o que releva, como se sabe, à luz do disposto no art.563º do Cód. Civil).


Sem embargo, a mesma é passível de ser reembolsada como encargos (art.º 16º, nº1, d) do RCP) o que aqui não há que cuidar.


8.2. Reapreciação jurídica da causa quanto às indemnizações peticionadas por danos não patrimoniais e privação do uso do veículo.


8.2.1. O Tribunal “a quo” desatendeu a pretensão do Autor de ser indemnizado no valor de 1000 euros por danos não patrimoniais por considerar não terem resultado provados factos que os evidenciassem.


Porém, aqui ficou demonstrado que na sequência do embate, o Autor ficou psicologicamente afetado, sentindo-se triste e abatido.


É certo que se não pode valorar tal dano do Autor de modo idêntico ao que justificaria um dano sofrido na integridade física, com o inerente sofrimento físico e psíquico, ou um dano traduzido em ofensa à honra, ao bom nome, ou à reputação, ou correspondente à dor pela perda de um ente querido ou à angústia por ter de viver com uma deformidade - que são o paradigma dos danos não patrimoniais.


Todavia, entendemos, ainda assim, que pode e deve ser indemnizado tendo em conta o circunstancialismo por nós apontado na decisão atinente à impugnação deste facto.


Ora, na tradução quantitativa dos danos de natureza não patrimonial , ponderando num juízo equitativo à luz do que dispõe os artºs 496º nº3 e 494º do C.C. , aqueles vários factores, dentre os quais se destaca a exclusiva culpa do segurado da Ré entende este Tribunal conceder ao Autor a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes do acidente de viação, a peticionada quantia de € 1000,00.


8.2.2. Insurge-se igualmente o apelante contra o valor que lhe foi atribuído pela1ª instância em consequência da privação do uso do veículo: € 570,00 ao invés dos € 4.950,00 por si peticionados.


Para justificar o valor indemnizatório alcançado afirmou-se na sentença o seguinte:


“Sopesando a utilização da viatura sinistrada, a qual poderia ter lugar em qualquer dia-da-semana, e à míngua de quaisquer outros elementos, dos quais não foi feita prova, seria ajustada, ponderados os factos acima enunciados e as regras da experiência humana, a atribuição de um valor indemnizatório de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros), o qual corresponde a um valor diário de €15,00 (quinze euros) pela privação do uso do veículo [no sentido da fixação por equidade do valor diário de dez euros, em veículos ligeiros como o que se encontra em causa (por nós atualizado para quinze euros, considerando, além do mais, a inflação dos preços verificada em momento posterior às decisões de seguida indicadas), a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2010, processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1, e de 5 de julho de 2007, processo n.º 07B1849, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de setembro de 2017, processo n.º 252/08.8TBVLN.G1, e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 8 de maio de 2019, processo n.º 43/18.8T8TBU.C1, de 2 de dezembro 2014, processo n.º 324/10.9TBCVL.C1, de 10 de setembro 2013, processo n.º 438/11.8TBTND.C1, e de 6 de março de 2012, processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, todos consultados em www.dgsi.pt], de acordo com os 110 dias de indisponibilidade demonstrados.


Todavia, no caso dos autos resultou ainda demonstrado que o veículo automóvel do Autor deu entrada, para reparação, em oficina indicada pelo lesado (Autor), no dia 09/08/2021, e que o tempo previsto pela oficina para a reparação do veículo automóvel do Autor foi de 6 dias úteis (terminando tal prazo, assim, em 17/08/2021) – cfr. factos provados sob os números 2.1.10. e 2.1.11.. A respeito de tal factualidade dita o n.º 6 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que “[s]empre que a reparação seja efectuada em oficina indicada pelo lesado, a empresa de seguros disponibiliza o veículo de substituição pelo período estritamente necessário à reparação, tal como indicado no relatório da peritagem”.


À luz desta norma e tendo em conta os factos provados, a Ré só seria obrigada a indemnizar o Autor quanto ao dano de privação de uso nos 6 dias úteis necessários para a reparação (in casu um total de 8 dias), nos termos que constam da peritagem efetuada.


Permitimo-nos, a este respeito, com relevância para o caso dos autos, concretamente por referência à aplicação do sobredito preceito legal, recuperar as palavras do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/11/2019, processo n.º 22799/18.8T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, em situação claramente análoga e cuja referência para o litígio dos autos, como tal, se justifica. Preconizando-se, nessa sede, que:


“Á luz desta norma e tendo em conta os factos provados a seguradora só seria obrigada, a indemnizar o dano de privação de uso durante os 3 dias que constam da peritagem efectuada.


Mas o sentido literal deste número 6 deve, ser interpretado nos termos gerais, por forma a que o facto que deu causa à mora possa ou não ser imputável ao lesado. Ou seja, é necessário determinar caso a caso quem deu causa ao atraso na reparação do veículo.


Isto, porque, como salienta Laurinda Gemas[2], “Também aqui a lei carece de adequada interpretação, pois é indiscutível que ao lesado assiste o direito de efectuar a reparação em oficina por si escolhida, não podendo ficar prejudicado por uma estimativa demasiado “optimista” feita em sede de peritagem. Assim, embora a seguradora não esteja obrigada a disponibilizar veículo de substituição durante lapso de tempo superior ao estimado para a reparação do veículo sinistrado, não poderá deixar de arcar com a obrigação de indemnizar, quando o tempo estimado para a realização da reparação tenha sido ultrapassado sem que isso se deva a facto culposo do lesado ou da própria oficina que escolheu.”


Nos termos gerais é sobre a seguradora, lesante que impende o ónus de reparar o dano causado. Mas, o lesado está também obrigado a atuar com boa fé e diligência adequada, não devendo fazer exigências que não sejam razoáveis sob pena de se poder considerar que contribuiu para o agravamento dos danos que advieram da paralisação. Tudo isto sob pena de existir fundamento para uma eventual redução da indemnização nos termos do art.º 570.º do CC.


Isto porque as relações obrigacionais tuteladas pelo direito impõem deveres de correcção recíprocas seja por parte da seguradora, seja por parte do lesado que está obrigado a um comportamento ajustado, sob o prisma de um cidadão médio, visando na medida do possível debelar o dano e não aumentá-lo.


Esta exigência é habitual na nossa jurisprudência. (…)


Mas qual o montante dessa redução?


Inexistindo factos alegados sobre essa matéria o tribunal terá de utilizar a equidade tendo como certo que, por um lado os 3 dias que constam da peritagem seriam insuficientes para a aquisição e envio de peças usadas no estrangeiro.


Assim considera-se suficiente, adequado e proporcional fixar esse valor em 21 dias (15 dias aquisição e tempo desde o sinistro + 3 dias envio peças + 3 dias reparação)”.


Volvendo ao caso sub judice, inexistindo no caso dos autos factos alegados quanto ao motivo da maior delonga na reparação do veículo automóvel (mais de dois meses), entende este Tribunal ser de realizar a sobredita redução do tempo de privação do uso com base em critérios de equidade.


Face a todo o exposto, quanto ao tempo de privação de uso de veículo a considerar, entende-se suficiente, adequado e proporcional fixar valor num total de 38 dias [15 dias entre a data de ocorrência do sinistro e a data da entrega do veículo em oficina para reparação (tendo-se aqui em consideração a distância entre o local da ocorrência do sinistro rodoviário e a oficina escolhida, um eventual excesso de trabalho por parte dos funcionários da oficina e o tempo 6de afetação com as peritagens iniciais) + 15 dias para eventual atraso na entrega de peças necessárias + 8 dias para reparação].


Pelo exposto, e considerando-se aqui o enunciado valor diário de €15,00, entende o Tribunal como ajustada, ponderados os factos acima enunciados e as regras da experiência humana, a atribuição de um valor indemnizatório de €570,00 (quinhentos e setenta euros) pela privação do uso do veículo, de acordo com os 38 dias de indisponibilidade demonstrados.


Montante ao qual terá, ainda, de ser descontado o valor já pago pela Ré ao Autor a título de despesas com veículos de transporte alternativos (concretamente um total de €232,50 – cfr. facto provado n.º 2.1.25.), sob pena de enriquecimento sem causa do Autor e duplicação de pagamentos pela Ré, estando a Ré em falta com a quantia de €337,50 (trezentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), valor relativamente ao qual, nos termos expostos, o Tribunal considera que o Autor tem direito a ser ressarcido.”.


Portanto, o valor indemnizatório alcançado teve em consideração que a oficina onde foi efectuada a reparação havia sido escolhida pelo autor (facto aqui eliminado) e o valor diário de € 15 para o aluguer de um veículo ligeiro ao invés de € 45 propugnados pelo apelante.


Entendeu, outrossim, ser aplicável ao caso o disposto no art.º 570º do Cód. Civil que dispõe sobre a culpa do lesado, uma vez que foi o autor que escolheu a oficina na qual foi feita a reparação tão morosa.


Conquanto não se tenha provado que tal escolha tenha sido do Autor, ainda assim cremos que, caso o tivesse sido, nem por isso se poderia afirmar ocorrer “culpa do lesado” por ter escolhido a oficina em causa (culpa in elegendo ?).


É que para tanto era necessário que se tivesse provado (e não provou) que a morosidade na reparação se deveu a culpa da própria oficina.


E tal prova era da Ré (art.º 342º, nº2 do Cód.Civil) já que é sobre o lesante que recai o ónus de alegar os factos modificativos do direito do lesado.


Não pode, pois, deixar de ser computada a integralidade dos dias em que o Autor esteve privado do uso do seu veículo (entre 31 de Julho e 18 de Novembro de 2021).


Assim, não havendo dúvida quanto à ressarcibilidade da privação do uso do veículo que afectou o A. – que a sentença recorrida justifica circunstanciadamente - resta tão-só determinar o quantum ajustado ao ressarcimento de tal dano.


Para esse efeito ter-se-á de fazer uso da equidade (art.º 566º, nº3 do Cód. Civil).


“O julgamento segundo a equidade pressupõe uma atitude ética e um modo de decisão diferentes do julgamento segundo a lei; assim, enquanto este, por força da generalidade e abstracção típicas da norma jurídica, se caracteriza por uma postura de indiferença às particularidades concretas do caso a decidir e susceptíveis de lhe conferir uma especial configuração merecedora de consideração normativa, o julgamento baseado na equidade, ao invés, atende aos aspectos particulares do caso que o diferenciam e individualizam perante outros.


Por isso, o julgamento segundo a equidade, valorizando as particularidades do caso concreto, é eminentemente subjectivo e emocional.


E quando o juiz valora equitativamente o dano, fá-lo no uso de um arbítrio discricionário, fixando discricionariamente a medida justa ressarcível; a equidade dirige e enforma essa discricionariedade. Para cumprir esta função, o juiz deve partir de todos os elementos que a prova lhe disponibilizou e de outros que seja possível deduzir da prova e suprir a lacuna da prova da certeza do quantum indemnizatório, estabelecendo ex bono et aequo a medida exacta do dano que o responsável deve satisfazer para o ressarcir (cfr, A. Cupis, El daño, p. 551)”1.


Ponderando o valor aventado pela 1ªinstância (€ 15 /dia) para o aluguer de veículo idêntico, que a nosso ver deve ser aumentado para € 20/dia2 e tendo em consideração o período de privação do uso do veículo evidenciado pelo autor ( 110 dias) entendemos adequado, de acordo com um juízo de equidade, fixar no valor de €2200 a indemnização a atribuir-lhe a este título, à qual se terá de abater o valor de € 232,50 que a Ré lhe pagou com veículos de transporte alternativo, sob pena de uma injustificada duplicação de indemnizações.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando a Ré “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS. S.A” a pagar ao Autor AA:

a. A quantia de total de €1967.50 (mil novecentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) a título de privação do uso do veículo automóvel sinistrado, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação da sentença em 1ª instância e até efectivo e integral pagamento;

b. A quantia de €1000 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da prolação do presente acórdão e até efectivo e integral pagamento.


Custas por apelante e apelado na proporção do decaimento.


Évora, 10 de Julho de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Filipe Aveiro Marques


António Fernando Marques da Silva

_________________________________________

1. Assim, Ac. STJ de 11.12.2012 ( Fernando Bento) consultável na Base de Dados do IGFEJ.↩︎

2. Valor considerado no Acórdão do TRP de 25.11.2024 ( Eugénia Cunha) numa situação idêntica à dos autos.↩︎