MEDIAÇÃO
ACORDO
ACORDO DE MEDIAÇÃO PRÉ-JUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A mediação é a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos.
II. Na mediação rege, entre outros, o princípio da voluntariedade, sendo necessário obter o consentimento esclarecido e informado das partes para a realização da mediação, podendo as mesmas, em qualquer momento, conjunta ou unilateralmente, revogar o seu consentimento para a participação no referido procedimento, e a recusa das partes em iniciar ou prosseguir o procedimento de mediação não consubstancia violação do dever de cooperação nos termos previstos no Código de Processo Civil.
III. Tendo as partes celebrado por escrito acordo de mediação, consistente na submissão do diferendo ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, antes de qualquer procedimento judicial, excepto cautelar, com vista a emitir um parecer sobre o objecto do diferendo ou proposta de resolução amigável, que poderia ou não ser aceite pelas partes, a propositura da acção com inobservância do dito acordo escrito, constitui violação do acordo de mediação pré-judicial, mas não constitui excepção dilatória inominada conducente à absolvição da instância, apenas determinando a suspensão da instância e a remessa do processo para a mediação, se requerido pelo réu até ao articulado de oposição/contestação.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 114088/23.6YIPRT.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA Arquitetos Unipessoal, Lda., apresentou requerimento de injunção, contra Jubilantdomain, Lda., pedindo o pagamento da quantia de € 107.520,51, sendo € 106.235,09 referente a capital, € 832,42 relativos a juros de mora, € 300,00 de outras quantias, e € 153,00 de taxa de justiça.


2. Para tanto, invocou, em síntese, que a R. (Requerida), apesar de diversas vezes interpelada, não procedeu ao pagamento da Factura n.º FT2023/95, emitida em 20/09/2023, com vencimento na mesma data, no valor de € 106.235,09, correspondente aos serviços executados/prestados pela A. (Requerente) até 1 de Fevereiro de 2023, no âmbito do contrato de prestação de serviços de arquitectura e engenharia celebrado entre as partes.


3. A R. deduziu oposição, na qual, além do mais, invocou a excepção da incompetência absoluta do tribunal, por preterição de tribunal arbitral, com fundamento na cláusula 13ª do contrato de prestação de serviços de arquitectura, assinado em 31/10/2019, bem como da cláusula da adenda ao contrato, assinada em 09/09/2021, alegando que, em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas contratuais, as partes acordaram submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, ao qual o arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar.


4. Por despacho de 24/01/2024, atento o valor da causa e o disposto nos artigos 102.º, 104.º, n.ºs 2 e 3, 296.º, nºs 1 e 2, 297.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, e artigo 117.º, n.º 1, al. a), da LOSJ, foi declarada a incompetência relativa do Juízo de Competência Genérica de Sesimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, onde a acção foi distribuída em face da dedução da oposição, e determinada a remessa dos autos à Instância Central Cível de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por ser a competente para tramitar e julgar a acção em causa.


5. Os autos prosseguiram sob a forma de processo comum.


A A. foi notificada para aperfeiçoar o seu requerimento inicial, fazendo menção detalhada ao que foi acordado, quanto à prestação de serviços e seu pagamento, designadamente os tempos do mesmo e interpelações, caso tenham ocorrido, e para juntar documentos (contrato de prestação de serviço e facturas).


Pela R. foi exercido o contraditório.


6. Em 03/05/2024, foi proferido o seguinte despacho (ref.ª 99455134) :

«Passa-se desde já a decidir da questão de incompetência absoluta arguida pela R., por se entender ser necessário para o correcto desenrolar dos autos, sendo que as partes já se pronunciaram devidamente a esse propósito.

*

Da excepção dilatória da incompetência deste tribunal em razão da matéria

Em sede de oposição/contestação, a Ré invocou, no que ao caso interessa, a excepção dilatória de violação de convenção de árbitros, alegando que a cláusula 13 do Contrato de Prestação de Serviços de Arquitectura, celebrado entre as partes, em 31 de Outubro de 2019, bem como da cláusula 12 da Adenda ao mesmo Contrato, assinada em 9 de Setembro de 202, as partes acordaram que, em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas contratuais, submeteriam a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar.

Desta feita, a Requerente não pode lançar mão do presente procedimento de injunção, sem antes ter submetido a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, o que dita a incompetência absoluta deste Tribunal.

A A. respondeu alegando que a cláusula que a A. invoca, não assume a feição de convenção de arbitragem.

*

Com relevo para o conhecimento da excepção em apreço, estão provados os seguintes factos, face ao teor do documento constante de fls. 60 vº a 64 vº, cujo teor não foi impugnado e reproduz documento anteriormente apresentado pela A., com omissão da pág. onde consta a cláusula 13ª.

1. Em 31/10/2019 as partes celebraram o acordo escrito denominado de “CONTRATO DE RESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ARQUITETURA”, junto com a oposição, cuja cláusula 13ª sob a epígrafe “LITÍGIOS” refere:

“Em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas do presente contrato, as partes acordam submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, ao qual o arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar. O Conselho Regional pode emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um procedimento de resolução”.

2. Na presente acção a A. invoca como causa de pedir a celebração do aludido contrato de prestação de serviços e o seu incumprimento por parte da Ré, designadamente no que respeita ao respectivo pagamento.

*

Nos termos do disposto no artº 96º, al. b) do CPC, a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal.

O Professor Raul Ventura [Convenção de Arbitragem, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Setembro de 1986),pg. 380], citado no Ac. do STJ, de 08-02-2018, pº nº 461/14.0TJLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt/ refere que «a convenção de arbitragem produz um efeito negativo, a que também poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do elemento positivo. Uma vez que, com o beneplácito do Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio».

E de acordo com o Ac. do STJ de 12-11-2019, pº nº 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1, em www.dgsi.pt/ “ Estaremos em presença da preterição de tribunal arbitral voluntário quando a acção for instaurada em tribunal estadual quando deveria ser instaurada em tribunal arbitral convencionado pelas partes.”.

Na situação em análise verifica-se que na cláusula referida as partes não estabeleceram a competência do Tribunal Arbitral para a resolução de litígios emergentes do contrato, pelo que não há preterição de Tribunal Arbitral, o que se reconduz à improcedência da excepção em análise.

Ainda assim, verifica-se que por via da mesma cláusula, as partes comprometeram-se a submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, ao qual o arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial.

Não foi invocada a nulidade de tal cláusula.

Por outra via, a mesma não se afigura ilegal (ilícita), porque as partes não se vincularam, sem qualquer restrição, a não recorrer aos tribunais para defender os seus direitos (artº 20º da CRP)

Nestes termos, entendo que a não observância de tal cláusula, pode constituir excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso (artº 578º do CPC), obstativa ao conhecimento do mérito da causa (artº 576º, nº 2, do CPC).

Ouçam-se as partes a esse propósito.»

7. Após pronúncia das partes e decisão de questões incidentais, veio a ser proferida a seguinte decisão (ref.ª 99845137):

«No despacho de 03.03.024 [o despacho é de 03/05/2024], conheceu-se pela negativa a excepção da incompetência deste Tribunal em razão da matéria, invocada pela R. com base na cláusula 13º do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes e que foi reproduzida nos seguintes termos:

“Em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas do presente contrato, as partes acordam submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, ao qual o arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar. O Conselho Regional pode emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um procedimento de resolução”.

Ainda assim, o tribunal entendeu que a não observância do ali estipulado poderia constituir excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, embora a Ré, repara-se agora, tivesse excepcionado a impossibilidade de conhecimento do pedido, em face da respectiva inobservância (artº 17º da oposição) e obstativa ao conhecimento do mérito da causa, convidando as partes a pronunciarem-se a esse propósito.

A Ré fê-lo nos termos que constam do Requerimento de 20.05.2024, onde, a final, entende que o Tribunal deve julgar verificada tal excepção.

Já a A., no requerimento de 21.05.2024, veio, além do mais, alegar que o contrato e a sua adenda, em francês é a única versão que pode e deve ser considerada pelo Tribunal, sendo o seu teor o seguinte:

“13 LITIGES

En cas de différend portant sur le respect des clauses du présent contrat, les parties conviennent de saisir le Conseil Régional de l'Ordre des architectes dont releve l'architecte, avant toute procédure judiciaire, sauf conservatoire. Le Conseil Régional peut, soit émettre un avis sur l'objet du différend, soit organiser une procédure de règlement amiable.”.

Mais referiu que aquela é uma cláusula de resolução de diferendos, prévio ao recurso aos tribunais, apenas no que diz respeito à interpretação das cláusulas deste Contrato de Prestação de Serviços e não perante uma cláusula de atribuição de competência jurisdicional ou vinculativa ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos para decidir do incumprimento no pagamento de uma factura ou até para decidir do incumprimento de qualquer uma das suas cláusulas.

Disse ainda que admitir que o Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos tem competência para apreciar o incumprimento do contrato aqui em causa, a única coisa que Conselho da Ordem dos Arquitectos pode fazer é “Emitir parecer sobre o objecto do diferendo ou organizar um processo de resolução amigável.”.

E o parecer não tem efeitos vinculativos que obriguem as partes a cumprir o que quer que seja.

Mais, a organização de um processo de resolução amigável não é nada mais do que uma tentativa de conciliação que pode vir, ou não, a ter sucesso, diligência que também pode ser realizada pelo Juiz.

Assim, não existe qualquer excepção dilatória inominada, pois para esta existir deveria estar consubstanciada na inobservância por parte da A. de obrigações decorrentes da lei quanto ao preenchimento das condições objectivas de procedibilidade, nomeadamente por falta ou omissão dos pressupostos processuais o que, notoriamente, não é o caso da presente acção.

A questão que a Autora submeteu ao tribunal, prende-se exclusivamente, com a factura n.º FT2023/, factura que a Ré não pagou e se recusa a pagar.

Conclui por que se considere como contrato original o Doc. 1 apresentado pela A. constante de 7 páginas, em língua francesa, onde consta a Cláusula 13 e bem assim que esta é uma cláusula de aplicação entre partes e não de imposição ou obrigação imposta por lei, pelo que o seu não cumprimento não representa qualquer vicio de falta de procedibilidade da acção que possa traduzir-se em uma excepção dilatória inominada que obste ao conhecimento do mérito da causa.

*

Convidada, veio a A. juntar aos autos tradução certificada do contrato de prestação de serviços, em cujo âmbito a tradução é a seguinte: “Em caso de diferendo relativamente às cláusulas do presente contrato, as partes comprometem-se a submeter o assunto ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que pertence o arquitecto pertence, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar. O Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um processo de resolução amigável”.

*

Já após a abertura do termo de conclusão e no decurso do prazo do contraditório, veio a R. contestar a tradução apresentada pela R., alegando que a fiel é a seguinte: “Em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas do presente contrato, as partes comprometem-se a submeter o assunto ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que pertence o arquitecto, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar. O Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o objecto do diferendo ou organizar um processo de resolução amigável.”.

*

Ainda assim, de acordo com o tradutor automático do Google, parece que “le respect” pode significar cumprimento ou a respeito.

Por outra via, entendo que ainda que se considere que a tradução correcta é a proposta pela A., a consequência não será distinta daquela que se alcançaria se a opção fosse a indicada pela R., pelo que passarei a conhecer da excepção anteriormente perspectivada, sem necessidade de mandar proceder a nova tradução pelo próprio tribunal.

*

Ainda que esteja em causa o pagamento de uma factura, como a A. refere, a mesma foi emitida por via e no âmbito do contrato de prestação de serviços onde foi inserta a cláusula em referência, além de que, em face da oposição, tornar-se-á necessário apurar se os trabalhos que deram origem à factura cujo pagamento é pretendido, obedeceram à arte da disciplina – arquitectura – designadamente se estão conforme o procedimento habitual e correcto, o que equivale à existência de um diferendo relativo às cláusulas daquele mesmo contrato, em que as partes estabeleceram, além do mais:

“7 – Remuneração do Arquitecto.

Pelos trabalhos que lhe são confiados, o arquitecto é remunerado, exclusivamente pelo dono da obra, sob a forma de honorários que dependem do conteúdo do projecto, programa, âmbito dos trabalhos e complexidade da operação.

O montante da remuneração do arquitecto pelos trabalhos descritos no capitulo 6 é de 125.000 euros, incluindo impostos.

- Calendarização dos pagamentos

Os honorários são pagos de acordo com a progressão dos trabalhos, da seguinte forma:

1· Adjudicação 10%: 12.500 euros, incluindo impostos

2· Estudos preliminares -15%: 18.750 euros, incluindo impostos

3· Estudos pré-projecto - 15%: 18.750 euros, incluindo impostos

4- Dossier Licença de construção (poderá ser dividido em dois, caso seja necessário recorrer a uma licença de loteamento): 75.000 euros, incluindo impostos. i

O dono da obra obriga-se a entregar os montantes devidos ao arquitecto pela execução dos trabalhos no prazo máximo de 21 dias a contar da data da recepção da factura. Passado esse prazo são devidos juros de mora á taxa legal, sem aviso prévio.”.

Assim sendo, o pagamento da factura carecerá da análise de um conjunto de matérias que estão contidas na arte do ofício que lhe subjazeu e à luz do que foi estabelecido nas várias cláusulas do contrato celebrado entre as partes.

E por via da cláusula ali inserta e a que se vem referindo, A e R. visaram obter um parecer de “pares”, logo, com um cunho de especialização na área de arquitectura, ou organização de um processo de resolução amigável, o qual teria a especificidade de ser promovido, mais uma vez, por quem tem o domínio daquela arte.

Embora não seja uma norma legal imperativa, não tendo sido invocada a sua nulidade, é vinculativa entre as partes, por via do disposto no artº 406º, nº 1 do CC.

E sendo uma cláusula que deve ser “obrigatoriamente” observada antes da propositura da acção, naturalmente que condiciona a possibilidade de conhecimento do mérito, já que falta uma condição elegida como necessária à própria instauração da acção, logo, à sua procedibilidade.

Nem se diga que a sua inobservância pode ser perspectivada como causa de suspensão da instância, em ordem a permitir que as partes dêem azo ao ali estipulado.

É que de acordo com o disposto no artº 272º, nº 1, do CPC, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”.

E no caso dos autos o procedimento preterido não assume a qualidade de uma acção judicial, não foi ainda intentado, pelo menos nada é dito a esse propósito, e não se afigura como condição necessária à decisão da presente causa, mas antes, à sua propositura, nos termos acordados pelas próprias partes.

Pelo exposto, concluo nos termos já deixados antever no despacho de 03.03.024, ou seja, julgo que a não observância do estipulado pelas partes na cláusula sobredita, constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, mas que no caso até foi invocada pela R., obstativa ao conhecimento do mérito da causa e conducente à absolvição da R. da instância (artº 576º/2 do CPC), o que se declara.(…)»

8. Inconformada recorreu a A., pedindo a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos, nos termos e com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:

1. Na cláusula 13.ª do contrato celebrado pelas partes foi previsto que “Em caso de diferendo relativamente às cláusulas do presente contrato, as partes comprometem se a submeter o assunto ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que pertence o arquitecto pertence, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar. O Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um processo de resolução amigável”.

2. Na sua Oposição a Ré veio alegar que na cláusula 13.ª do contrato de prestação de serviços se encontrava prevista uma convenção de arbitragem entre as partes e que, portanto, existiria incompetência material do Tribunal a quo.

3. Por despacho proferido em 03.05.2024, veio julgar-se improcedente tal excepção dilatória, concluindo que em tal cláusula não se encontrava prevista uma convenção arbitral. Despacho transitado em julgado e, portanto, ficando assente e constituído caso julgado formal.

4. O Tribunal a quo, após pronúncia das partes, proferiu o despacho, de que se recorre, em 10.07.2024, no qual veio julgar verificada uma “excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso”, por, se bem se alcançou, ter entendido que na aludida cláusula 13.ª do contrato as partes se obrigaram de forma injuntiva a submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos e que essa condição de procedibilidade da acção fora livremente acordada pelas partes e que não fora alegada a sua invalidade.

5. Na referida cláusula encontra-se estabelecido uma convenção de mediação, conforme previsto nos artigos 2.º, e 12.º, n.º 1, da Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril.

6. Pois que, as partes acordaram submeter os litígios que surjam em relação às cláusulas do contrato (e veremos quais os litígios aí compreendidos) à apreciação do Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos para que este actue como mediador entre as partes, seja pela emissão de um parecer sobre a questão seja pela organização de um processo de resolução amigável.

7. A diferença substancial é que o mediador (no caso o Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos) poderá propor uma solução mas não a pode impor, e, salvo melhor opinião, é isso mesmo que resulta tanto da referência à emissão de um mero “parecer” como do facto de não se afastar o recurso aos tribunais judiciais, antes apenas se prevendo que se deve recorrer primeiro ao mediador antes de se avançar para Tribunal.

8. Contudo, o referida convenção de mediação não se aplica aos presentes autos, uma vez que o que se prevê na cláusula em causa é que as partes acordam em submeter à mediação os diferendos que surjam em relação às cláusulas do contrato, no que se entende estar em causa a interpretação do mesmo e aplicação do mesmo, como seja, por exemplo o âmbito das obrigações da Autora e a execução das suas obrigações do ponto de vista técnico e do que se obrigou a executar no contrato.

9. E só assim se justifica que, como se refere na decisão recorrida, se tenha previsto que nesses casos tivesse intervenção em mediação dos “pares” da Autora, pois que tal implicaria conhecimentos técnicos específicos. Não foi, pois, intenção das partes submeterem o mero pedido de pagamento do preço à mediação.

10. Assim, a interpretação da cláusula 13.ª feita pela Tribunal a quo é contrária ao previsto legalmente para a interpretação dos negócios jurídicos, pois que, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil, não tem qualquer correspondência no texto da mesma. Mas, mesmo que existisse dúvida sobre tal questão, sempre se deveria, então, atender ao previsto no artigo 237.º do Código Civil, devendo prevalecer a interpretação de que não se pretendeu incluir o mero pagamento do preço por tal ser o que gera mais equilíbrio entre as prestações das partes.

11. Pelo que, existiu erro de julgamento do Tribunal a quo ao considerar que o objecto da presente acção se encontrava compreendido dentro da cláusula 13.ª do contrato.

12. Mas mesmo que se entendesse que o objecto da presente acção se encontrava compreendido dentro da cláusula 13.ª do contrato, no que não se concede, e que, portanto, existia convenção prévia de mediação aplicável, a consequência da sua inobservância nunca seria a existência de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.

13. Porque, um dos princípios basilares da mediação, ao invés, por exemplo, da arbitragem, é a voluntariedade, não podendo, portanto, qualquer umas das partes ser forçada a realizar mediação, mesmo que antes tenha concordado com tal, o que, de resto, se encontra expressamente previsto nos artigos 4.º da Lei n.º 29/2013 e no artigo 273.º, n.º 1, do CPC.

14. Ademais, mesmo a considerar-se que o objecto do presente litígio se encontrava compreendido na convenção de mediação da cláusula 13.ª, a Autora não estava obrigada a recorrer à mesma, configurando antes o recurso directo do mesmo aos tribunais judiciais uma revogação tácita do seu consentimento à realização da mediação, nos termos do previsto no artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 29/2013 e no artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que o recurso directo da Autora aos tribunais judiciais revela que, com toda a probabilidade, a mesma já não consentia na sua realização.

15. Acresce ainda que, quando o Tribunal a quo proferiu a decisão de que ora se recorre, já a questão da mediação se encontrava processualmente ultrapassada, já que, de acordo com o exigido no artigo 12.º, n.º 4, da Lei n.º 29/2013, a Ré na sua Oposição/Contestação não requereu expressamente a remessa do processo para mediação, pelo que a questão ficou sanada e, em consequência, não podia o Tribunal a quo tomar conhecimento da questão da mediação e muito menos decretar a absolvição da instância da Ré.

16. Por último, mesmo que se entendesse que a Ré tinha validamente dado cumprimento ao previsto no artigo 12.º, n.º 4, da Lei n.º 29/2013 e que a Autora não se podia a tal opor em decorrência do princípio do voluntariedade da mediação, o que não se concede, então o Tribunal a quo não só podia, como devia, ter remetido o processo para a mediação prevista na cláusula 13.ª do contrato e suspendido a instância.

17. Posto que tal é o expressamente imposto pelo mencionado artigo 12.º, n.º 4, da Lei n.º 29/2013 e, ademais, o artigo 273.º, n.º 1, do CPC dá ao Tribunal uma larga margem para determinar a remessa do processo para mediação e suspender a instância.

18. Assim, também pelas razões acima referidas existiu erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo na sua decisão violado, nomeadamente, o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 6.º, n.º 2, e 273.º, n.º 1, do CPC e nos artigos 4.º e 12.º, n.º 4, da Lei n.º 29/2013.


9. Contra-alegou a R., pugnando pela confirmação da decisão recorrida, invocando, no essencial, que o objecto do litígio cai manifestamente dentro do âmbito de aplicação da cláusula 13.ª, na qual as partes acordaram submeter qualquer questão relativa ao cumprimento das cláusulas do contrato ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos competente, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar, cláusula esta a que a A. não deu prévio cumprimento.


10. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar a decidir.


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II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, a questão essencial a decidir consiste em saber se a A. para obter o pagamento da factura pelos serviços prestados à R. no âmbito do contrato de prestação de serviços de arquitectura e engenharia celebrado entre as partes, estava obrigada a recorrer à mediação pré-judicial, por via da cláusula 13ª do respectivo contrato e 12º da adenda ao mesmo, sob pena de verificação de excepção dilatória inominada, conducente à absolvição da instância.


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III – Fundamentação


A) - Os Factos


Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais resultantes do relato dos autos.


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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. Como resulta do relato dos autos, a A. apresentou requerimento de injunção para pagamento da factura n.º FT2023/95, emitida em 20/09/2023, com vencimento na mesma data, no valor de € 106.235,09, correspondente aos serviços executados/prestados pela A. (Requerente) até 1 de Fevereiro de 2023, no âmbito do contrato de prestação de serviços de arquitectura e engenharia celebrado entre as partes. Alegando ter cumprido todas as fases necessárias, nomeadamente, especialidades, desenhos e projectos de engenharia, conforme previsto.


A R. deduziu oposição, na qual, entre outras questões, veio alegar, em síntese, que as partes acordaram, “em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas contratuais, submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem do Advogados, ao qual o Arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial, excepto a título cautelar”, como consta da cláusula 13ª do contrato, invocando a existência de uma convenção de arbitragem, concluindo pela verificação da excepção de incompetência absoluta do tribunal a quo, nos termos da alínea b) do artigo 99º do Código de Processo Civil, conducente à absolvição da instância.


O tribunal a quo veio a decidir, por despacho de 03/05/2024 que, “na situação em análise verifica-se que na cláusula referida as partes não estabeleceram a competência do Tribunal Arbitral para a resolução de litígios emergentes do contrato, pelo que não há preterição de Tribunal Arbitral, o que se reconduz à improcedência da excepção em análise.”


Mas entendeu que, por via da mesma cláusula, as partes comprometeram-se a submeter a questão ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, ao qual o arquitecto pertence, antes de qualquer processo judicial, pelo que, considerando que não foi invocada a nulidade de tal cláusula, e não se lhe afigurando ser a mesma ilícita, a não observância da cláusula podia constituir excepção inominada, de conhecimento oficioso (cfr. artº 578º do CPC), obstativa ao conhecimento do mérito da causa (cfr. artigos 578º e 576º, nº 2, do Código de Processo Civil), e determinou a audição das partes.


Nesta sequência, e cumprido que foi o contraditório, veio o tribunal a quo a proferir a decisão agora sob recurso, na qual decidiu que a não observância do estipulado pelas partes na cláusula sobredita, constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, mas que no caso até foi invocada pela R., obstativa ao conhecimento do mérito da causa e conducente à absolvição da R. da instância (cfr. artigo 576º, n.º 2 do Código de Processo Civil), o que declarou.


2. Em face das decisões proferidas, tem-se por assente que o despacho de 03/05/2024, na parte em que apreciou a competência absoluta do tribunal, julgando improcedente a excepção de incompetência absoluta, transitou em julgado, pois, o mesmo era recorrível autonomamente, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil), e não foi interposto recurso.


Deste modo, o recurso é restrito à decisão que julgou verificada a dita excepção inominada de preterição de convenção de mediação, que fundamentou a absolvição da R. da instância.


3. Antes de passarmos à apreciação da questão de saber se a cláusula em apreço constitui, efectivamente, uma excepção dilatória inominada, obstativa ao conhecimento do mérito, conducente à imediata absolvição da instância, importar proceder à interpretação da mesma, tendo em conta a divergência das partes quanto ao seu sentido e alcance, desde logo, devido às divergências de tradução que suscitam.


Na sua versão original a cláusula é do seguinte teor:


“13 LITIGES


En cas de différend portant sur le respect des clauses du présent contrat, les parties conviennent de saisir le Conseil Régional de l'Ordre des architectes dont releve l'architecte, avant toute procédure judiciaire, sauf conservatoire. Le Conseil Régional peut, soit émettre un avis sur l'objet du différend, soit organiser une procédure de règlement amiable.”.


Convidada, veio a A. juntar aos autos tradução certificada do contrato de prestação de serviços, em cujo âmbito a tradução é a seguinte: Em caso de diferendo relativamente às cláusulas do presente contrato, as partes comprometem-se a submeter o assunto ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que pertence o arquitecto pertence, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar. O Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um processo de resolução amigável”. (sublinhado nosso)


A R. contestou a tradução apresentada pela A., referindo que a tradução fiel é a seguinte (correspondente às traduções certificadas que juntou com a oposição): Em caso de litígio relativo ao cumprimento das cláusulas do presente contrato, as partes comprometem-se a submeter o assunto ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que pertence o arquitecto, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar. O Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o objecto do diferendo ou organizar um processo de resolução amigável.” (sublinhado nosso)


Como se vê pela comparação do trecho traduzidos, no que poderia relevar, enquanto da tradução da A. se fala em diferendo relativamente “às cláusulas”, na tradução oferecida pela R. refere-se o litígio relativo “ao cumprimento das cláusulas”.


Em primeiro lugar, não podemos deixar de referir que a tradução certificada junta pela R. com a oposição não foi expressamente impugnada pela A. na “réplica”, embora nesta peça refira tradução idêntica à que posteriormente juntou por determinação do tribunal.


De todo o modo, e é o que de importante releva, não se nos afigura que tal divergência de tradução, no contexto do contrato e do diferendo em causa, influencie o âmbito e alcance da cláusula em apreço, porquanto, a referencia à existência de diferendo relativamente às cláusulas do contrato, constitui uma designação genérica que abarca não só interpretação das cláusulas como o seu cumprimento, sendo que a referência a litígio relativo “ao cumprimento das cláusulas”, que consta da tradução oferecida pela R., também terá que passar necessariamente pela interpretação das cláusulas em questão.


Por isso concordamos com a decisão recorrida, no sentido de que não é pela divergência da tradução que o caso em apreço não está submetido ao âmbito de aplicação da dita cláusula.


De facto, ainda que esteja em causa o pagamento de uma factura, como a A. refere, a mesma foi emitida por via e no âmbito do contrato de prestação de serviços onde foi inserida a cláusula em referência, além de que, em face da oposição, tornar-se-á necessário apurar se os trabalhos que deram origem à factura cujo pagamento é pretendido, obedeceram à arte da disciplina – arquitectura – designadamente se estão conforme o procedimento habitual e correcto, o que equivale à existência de um diferendo relativo às cláusulas daquele mesmo contrato, em que as partes estabeleceram, além do mais, os trabalhos e fases do projecto, a remuneração do arquitecto e prazos de cumprimento, a justificar a apreciação pré-judicial do diferendo pelo órgão com competência técnica especializada para emitir parecer no âmbito do cumprimento das tarefas a que se reporta o contrato, como previsto na cláusula em apreço.


4. Mas será que a preterição da dita mediação pré-judicial, pois é disso mesmo que se trata, constitui excepção dilatória inominada, conducente à absolvição da instância?


Como resulta do disposto no artigo 576º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “[a]s excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”, sendo as tipificadas as que constam das alíneas 577º do mesmo código, se não forem ou não puderem ser sanadas no âmbito da aplicação dos artigos 278º e 6º do Código de Processo Civil.


Como resulta da alínea a) do artigo 2º da Lei 29/2013, de 19 de Abril (diploma que estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação civil e comercial), a mediação é a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos.


A cláusula em apreciação, na medida em que revela o compromisso das partes em submeter o diferendo ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos a que o arquitecto pertence, antes de qualquer procedimento judicial, salvo a título cautelar, situação em que o Conselho Regional poderá emitir um parecer sobre o assunto do litígio ou organizar um processo de resolução amigável, constitui um acordo de mediação [cfr., em sentido idêntico, o decidido nos acórdãos do TRL, de 18/10/20211 (proc. 1398/10.8TBMTJ-A.L1-7), disponível como os demais citados, em www.dgsi.pt, onde se concluiu que: “Prevendo as partes que as divergências que surjam na interpretação ou execução do contrato serão objecto de uma tentativa de conciliação, a submeter a uma comissão de conciliação que emitirá um parecer, ao qual as partes podem aderir ou não, encontrar-nos-emos perante um mero acordo de mediação”; e do Tribunal da Relação do Porto, de 25/03/2021 (proc. n.º 26292/19.1T8PRT.P1), onde se entendeu que: “A convenção de mediação constitui um acordo entre as partes, mediante o qual as mesmas conferem a um terceiro (o mediador) a função de auxiliar a resolução de um conflito emergente dessa relação contratual, prevalecendo esse meio de intermediação autocompositivo relativamente aos demais meios de resolução heterocompositivos, sejam os arbitrais, sejam os estaduais.”]


E a mesma está de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 19/2013, onde se estipula que, “[a]s partes podem prever, no âmbito de um contrato, que os litígios eventuais emergentes dessa relação jurídica contratual sejam submetidos a mediação”, decorrendo do n.º 2 e 3 do mesmo artigo, que a convenção referida no número anterior deve adoptar a forma escrita, “considerando-se esta exigência satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios electrónicos de comunicação”, sob pena de nulidade da convenção.


E no artigo 13º da mesma lei prevê-se a mediação pré-judicial e suspensão de prazos, estipulando-se que:


“1 - As partes podem, previamente à apresentação de qualquer litígio em tribunal, recorrer à mediação para a resolução desses litígios.


2 - O recurso à mediação suspende os prazos de caducidade e prescrição a partir da data em que for assinado o protocolo de mediação ou, no caso de mediação realizada nos sistemas públicos de mediação, em que todas as partes tenham concordado com a realização da mediação.


(…)”


No caso concreto, em face do teor da cláusula contratual e do disposto no artigo 13º, n.º 1, da citada Lei, é manifesto que a partes estipularam a submissão do diferendo à mediação pré-judicial, ou seja, antes de recorrerem ao tribunal, salvo a título cautelar, com vista à emissão de parecer sobre o objecto do diferendo ou a organizar um processo de resolução amigável.


E, como se prevê no n.º 1 do artigo 14º, “[n]os casos em que a lei não determina a sua obrigação, as partes têm a faculdade de requerer a homologação judicial do acordo obtido em mediação pré-judicial”.


Deste modo, tendo as partes celebrado por escrito acordo de mediação pré-judicial, consistente na prévia submissão do diferendo ao Conselho Regional da Ordem dos Arquitectos, que emitirá um parecer sobre o objecto do diferendo ou proposta de resolução amigável, que pode ou não ser aceite pelas partes, a propositura da acção em preterição da submissão do diferendo à mediação pré-judicial acordada por escrito no contrato, constitui uma violação do acordo de mediação prévio, mas não constitui excepção dilatória inominada que obste à apreciação de mérito, por não decorrer da lei tal qualificação.


Basta atentar que na mediação rege, entre outros, o princípio da voluntariedade, pois, como se prevê-se no n.º 1 do artigo 4º deste diploma, “[o] procedimento de mediação é voluntário, sendo necessário obter o consentimento esclarecido e informado das partes para a realização da mediação, cabendo-lhes a responsabilidade pelas decisões tomadas no decurso do procedimento”, acrescentando-se, no n.º 2, que, “[d]urante o procedimento de mediação, as partes podem, em qualquer momento, conjunta ou unilateralmente, revogar o seu consentimento para a participação no referido procedimento”, sendo que “[a] recusa das partes em iniciar ou prosseguir o procedimento de mediação não consubstancia violação do dever de cooperação nos termos previstos no Código de Processo Civil”, como se prescreve no n.º 3 deste preceito.


Por outro lado, como resulta do disposto no nº 4 do artigo 12º da citada lei, onde se prescreve que “[o] tribunal no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de mediação deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, suspender a instância e remeter o processo para mediação”, a consequência da interposição da acção relativa a questão abrangida pela convenção de mediação, como é o caso, não implica a absolvição da instância, mas tão só a suspensão da instância e a remessa do processo para a mediação, se tal for requerido pelo réu até à oposição, o que no caso também não ocorreu.


Ora, se a preterição da convenção constituísse excepção dilatória inominada, a consequência seria a absolvição da instância em todos os casos, e não a mera suspensão do processo, independentemente da posição assumida pelo réu. Note-se que mesmo no caso de na pendência da acção as partes optarem por resolver o litígio por mediação, a consequência não é a extinção imediata da acção, mas a suspensão da instância, como decorre dos n.ºs 2 e 3 do artigo 273º do Código de Processo Civil, só se extinguindo a acção, por via da mediação, se for alcançado acordo que venha a ser homologado, nos termos definidos na lei para a homologação dos acordos de mediação (cfr. artigo 273º, n.º 4 do Código de Processo Civil, e 14º da Lei n.º 19/2013).


5. Deste modo, conclui-se que a inobservância da convenção de mediação pré-judicial não constitui excepção dilatória inominada conducente à absolvição da instância, apenas determinando a suspensão da instância e a remessa do processo para a mediação, se requerido pelo réu até ao articulado de oposição/contestação, o que não sucedeu nos autos.


Resta referir que não cabe no âmbito desta decisão ponderar se há, ou não, conveniência na remessa dos autos para a mediação, com suspensão da instância na presente acção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 273º do Código de Processo Civil, posto que tal questão não foi objecto da decisão recorrida, sendo questão nova, mas tal não obsta a que, em face da decisão aqui proferida, que revoga a decisão de absolvição da instância, possa vir a ser equacionada/adoptada pelo tribunal recorrido, se não houver expressa oposição das partes a tal remessa.


6. Assim, procede apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida, prosseguindo os autos os seus regulares termos.


Vencida, suportará a apelada as custas (cfr. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]

(…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.


Custas a cargo da Apelada.


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Évora, 10 de Julho de 2025


Francisco Xavier


José António Moita


Ana Pessoa


(documento com assinatura electrónica)