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SANÇÃO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
Sumário
Sumário: A transmissão da posição contratual do empregador não interfere com o prazo para proferir decisão no procedimento disciplinar (art. 357.º, n.ºs 1 e 2, do CT).
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
AA instaurou acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as consequências legais.
No formulário próprio o trabalhador mencionou que pretendia deduzir oposição ao despedimento que foi promovido por «SAM- Sociedade de Automóveis da Madeira ( CAM)».
Juntou decisão de despedimento assinada pela “ Sociedade de Automóveis da Madeira, Lda” ( SAM) e pela “Companhia de Autocarros da Madeira, S.A” ( CAM).
Foi citada a “ Sociedade de Automóveis da Madeira, Lda” ( SAM).
Foram juntas aos autos procurações pela “SAM” e pela “CAM”.
A “Companhia de Autocarros da Madeira, S.A” ( CAM) apresentou requerimento, dizendo que era parte legítima, por ter assumido a posição de entidade empregadora.
Para tanto, alegou : « (…) desde o dia 01.07.2024 e em virtude do “Contrato de Concessão de Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros de Âmbito Intermunicipal e Municipal na Área Geográfica dos Municípios de Santana, Machico, Santa Cruz, Funchal e Porto Santo” celebrado entre a Região Autónoma da Madeira e a Companhia de Autocarros da Madeira (CAM), S.A., a posição contratual de Entidade Empregadora de todos os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores afetos até então à Sociedade de Automóveis da Madeira (SAM), Lda., foi globalmente transmitida para a Companhia de Automóveis da Madeira (CAM), S.A».
“Companhia de Autocarros da Madeira, S.A” apresentou articulado motivador do despedimento, pugnando pela licitude do despedimento.
Na contestação apresentada pelo trabalhador foram aceites a legitimidade passiva e a habilitação de “Companhia de Autocarros da Madeira, S.A” para os presentes autos, porque era a sua entidade empregadora aquando do despedimento.
Na contestação, o trabalhador apresentou defesa, por impugnação e por excepção.
Em sede de excepção, invocou a ineficácia e inexistência de procedimento disciplinar por parte da entidade empregadora e a caducidade do direito de aplicar sanção disciplinar.
“Companhia de Autocarros da Madeira, S.A” respondeu, pugnando pela improcedência das referidas excepções.
O trabalhador apresentou requerimento, optando pela reintegração.
Em 25.02.2025 foi proferido o seguinte despacho saneador/sentença:
« (… ) Da Resposta
O Autor na contestação questionou a legitimidade passiva da CAM, visto que a 01.07.2024 é que passou a ser trabalhador da CAM por força de um contrato de concessão, tendo sido despedido a 01.08.2024. E entende que deve substituir-se a SAM pela CAM. Mais suscitou a excepção de ineficácia e inexistência de procedimento disciplinar.
A Ré regularmente notificada apresentou resposta.
Cumpre conhecer da sua admissibilidade.
Na forma especial que seguem os presentes autos, a admissibilidade de resposta encontra-se prevista apenas em caso de dedução de reconvenção, conforme se prevê no artigo 98ºL, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho.
Em todo o caso, admite-se ao abrigo do disposto no artigo 3º, n.º 3, do Código de processo Civil, quando se está perante a dedução de excepção, o que foi o caso.
Assim, em consequência, e à luz do princípio do contraditório, admite-se a resposta apresentada pela Ré empregadora.
* Da legitimidade passiva
O Autor na contestação questionou a legitimidade passiva da CAM, visto que a 01.07.2024 é que passou a ser trabalhador da CAM por força de um contrato de concessão, tendo sido despedido a 01.08.2024. E entende que deve substituir-se a SAM pela CAM.
A Ré respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos resulta que o Autor aquando da apresentação do requerimento inicial indicou a CAM como promotora da decisão de despedimento, ou seja como sua empregadora.
E foi esta que foi citada e interveio nos autos, quer na audiência de partes, quer apresentando articulado motivador.
Nestes termos, nada há a decidir, encontrando-se a instância regular, sendo a Ré parte legítima, o que se declara para os devidos e legais efeitos.
* Da ineficácia e inexistência de procedimento disciplinar
Em contestação o Autor trabalhador afirma que foi trabalhador da SAM e a 01.07.2024 passou a ser trabalhador da Ré empregadora, por força de um contrato de concessão de serviços e foi esta que tomou a decisão de despedimento. Não podia a Ré, actual entidade empregadora ratificar um procedimento disciplinar em 29.07.2024, quando o poder disciplinar da anterior entidade já tinha caducado em 01.07.2024. Assim, entende, em suma, que o poder disciplinar que a SAM tinha sobre si extinguiu-se a 30.06.2024, com a transmissão do estabelecimento, pelo que o seu despedimento foi ilícito.
Em resposta, a Ré impugna o alegado, visto que ocorreu um contrato de concessão através do qual a Ré passou a ser a nova responsável pela execução do serviço.
Conclui pela transmissão de estabelecimento. E como tal, transmitiu-se da SAM para a CAM a posição de empregadora no contrato de trabalho do Autor. E após a análise integral do procedimento foi proferido despacho a ratificar o processado disciplinar. A Ré empregadora tinha toda a legitimidade para dar continuidade ao procedimento disciplinar e proceder à aplicação de sanção, pois que era a titular do contrato de trabalho.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos presentes autos temos por certo que o Autor trabalhador tinha um contrato de trabalho com a empresa SAM desde 2016 e que em 2024, por força da transmissão do estabelecimento, a ora Ré assumiu esse papel, passando a ser, como tal, empregadora do Autor trabalhador.
O procedimento disciplinar que fundamenta a sanção de despedimento com justa causa do Autor trabalhador teve início em Outubro de 2023, ocasião da abertura do inquérito prévio, e a 08.06.2024 foi proferida nota de culpa, a qual foi notificada ao Autor trabalhador. E consta do mesmo que em 29 de Julho seguinte a ora Ré empregadora declarou no processo disciplinar iniciado ratificar todo o processado, dando continuidade ao procedimento, e que proferiu decisão final em 31.07. 2024.
Nos termos do artigo 98º, do Código do Trabalho, “o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”. O que significa ter o empregador a faculdade de aplicar sanções disciplinares ao trabalhador quando este com o seu comportamento cometa infração disciplinar – ou seja, infrinja os deveres que sobre si impendem decorrentes da lei, dos regulamentos internos da empresa e dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho. Mais latamente, abrange tal poder as condutas extralaborais com reflexos na relação de trabalho e nos interesses do empregador, sempre que o trabalhador se coloque na vigência do contrato e no âmbito da organização em que se insere, numa situação censurável atentatória dos interesses dessa organização (Pinheiro, Paulo Sousa; - Curso de Direito Processual do Trabalho, Almedina Maio 2020, pág. 95).
O poder disciplinar caracteriza-se, assim, por ser um poder subjetivo do empregador, enquanto direito potestativo, traduzindo para o trabalhador uma posição de sujeição face às alterações que o exercício de tal poder implicam na sua esfera jurídica.
É um poder exclusivo do empregador que pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (artigo 329º n.º 4 do Código do Trabalho).
E, com a transmissão da posição jurídica de empregador, como no caso dos nossos autos, transmitiu-se para o adquirente, a ora Ré empregadora, todos os direitos e deveres, incluindo o poder disciplinar da cedente, manifestado no processo disciplinar em curso.
Como tal, a Ré empregadora, investida do poder disciplinar decorrente da transmissão, legitimamente o exerceu concluindo o processo disciplinar em curso e aplicou a sanção disciplinar ao Autor trabalhador.
Nestes termos, por falta de fundamento legal, julgo improcedente a excepção suscitada.
* Da caducidade do direito a aplicar a sanção disicplinar
O Autor na contestação suscita como excepção a caducidade do direito a aplicar a sanção disciplinar, uma vez que o último acto de instrução foi praticado a 08.06.2024, altura em que se juntou ao processo disciplinar diversos documentos, tendo a decisão de despedimento sido tomada apenas em 31.07.2024, ultrapassando o prazo de 30 dias, previsto no artigo 357º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Em resposta, a Ré impugna o alegado, pugnando pela improcedência uma vez que foram juntos ao processo dois documentos datados de 29.07.2024 e 30.07.2024, respectivamente. E não se pode considerar o argumento de que a decisão final deveria necessariamente ter sido proferida em momento anterior à data de transmissão da posição de empregadora para a Ré.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, concretamente o processo disciplinar junto, resulta que:
- A 14.09.2023, por despacho da Ré entidade patronal foi deliberado abrir processo de inquérito prévio ao Autor trabalhador;
- A 20.10.2023, foi determinada a junção de documentos;
- A 08.11.2023, foi determinada a junção de documentos;
- A 13.12.2023, foi determinada a junção de documentos;
- A 03.01.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 07.02.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 08.03.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 13.03.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 20.03.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 29.03.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 08.04.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 23.04.2024, foi determinada a junção de documentos;
- A 14.05.2024 foi proferido, pela instrutora do processo, relatório final do procedimento prévio de inquérito e termo de encerramento;
- A 22.05.2024, pela instrutora, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar;
- A 03.06.2024 foi emitida e remetida nota de culpa ao Autor trabalhador;
- A 07.06.2024 o Autor trabalhador recebeu a nota de culpa;
- A 29.07.2024 foi proferido despacho de ratificação do processado pela Ré empregadora CAM;
- A 30.07.2024 foi notificada ao Autor trabalhador a transmissão da unidade económica da SAM para a Ré CAM;
- Esta comunicação foi recebida pelo Autor trabalhador a 31.07.2024;
- A 31.07.2024 foi proferida e notificada ao Autor trabalhador a decisão final de aplicação da sanção disciplinar de despedimento;
- A 01.08.2024 o Autor trabalhador recebeu a decisão final proferida.
Com relevo prevê o n.º 1, do artigo 357º, do Código do trabalho que “recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito a aplicar a sanção”.
E de acordo com o artigo 356º, do mesmo Código o empregador ou o instrutor devem realizar as diligências instrutórias requeridas pelo trabalhador, que não se mostrem dilatórias ou impertinentes e, sendo caso disso apresentar o processo disciplinar à comissão de trabalhadores, com vista à eventual emissão de parecer.
Está em causa então apreciar se, no caso, a Ré entidade patronal ultrapassou o prazo de 30 dias para proferir a decisão final.
“As «diligências probatórias» a que se reporta o art.º 356.º, n.º 1 do Código do Trabalho, são não apenas as requeridas na resposta à nota de culpa, mas também as determinadas oficiosamente pelo instrutor do processo, destinadas a esclarecer os factos imputados na nota de culpa ou invocados na resposta a esta, sejam ou não suscetíveis de atenuar a responsabilidade do trabalhador. Pese embora o princípio da celeridade que, entre outros, informa o procedimento disciplinar, imponha que a fase de instrução decorra tão breve quanto possível, o Código do Trabalho de 2009, não estabelece qualquer prazo ou limite de tempo entre diligências de instrução, mas apenas entre a última diligência ou a receção dos pareceres referidos no nº 5 do art.º 356º ou o decurso do respetivo prazo e a decisão”. (Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 12.01.2017, www.dgsi.pt).
Na mesma linha de pensamento, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 969) sublinha que, deduzida a defesa, “tendo por base a acusação e a defesa, o empregador procede às diligências probatórias para a averiguação dos factos alegados em ambas”, e que “o legislador não estabeleceu qualquer prazo para estas diligências [probatórias], que, contudo, só se poderão prolongar durante um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa fé e ao princípio da celeridade processual”.
E a expressão “concluídas as diligências probatórias”, não pode ser entendida apenas quanto às diligências requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa, pois tal seria esvaziar de conteúdo a finalidade do próprio procedimento e da necessidade de recolha de todos os elementos que se mostrem necessários à boa decisão.
Na verdade, entendimento diverso não encontra nem assento na letra da lei, nem no seu espírito. E, na interpretação, deve presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, conforme prescreve o artigo 9º do Código Civil.
Deste modo, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
Naturalmente que deverão se tratar de actos úteis à decisão e não de diligências meramente dilatórias, pois de outro modo não poderão tais actos ser considerados para os efeitos em causa.
Retomando o caso em apreço e partindo destas premissas fácil é de concluir que foi ultrapassado o prazo de 30 dias, desde logo se considerarmos que após o envio da nota de culpa nada mais foi feito, tendo o acto seguinte sido proferido despacho de ratificação do processado pela Ré empregadora CAM a 29.07.2024 a 30.07.2024 notificado o Autor trabalhador da transmissão da unidade económica da SAM para a Ré CAM.
No presente procedimento disciplinar o Autor trabalhador não apresentou resposta, pelo que não existiu qualquer outro acto de instrução a considerar. Em todo o caso e sendo conferido à empregadora o prazo de 30 dias para proferir a decisão final a contar desde o último acto de instrução, admite-se que este prazo de 30 dias se inicie apenas após o decurso do prazo de reposta conferido ao trabalhador.
Assim, tendo o Autor trabalhador sido notificado da nota de culpa a 07.06.2024 (conforme certificação que se fez juntar aos autos e aí consta de 06.01.2025) o prazo para este contestar, de 10 dias úteis, nos termos do artigo 355º, do Código do Trabalho, terminou a 24.06.2024.
Por conseguinte, o prazo de 30 dias para a Ré empregadora proferir decisão final, nos termos do disposto no artigo 357º, ns.º 1 e 2, do Código do Trabalho iniciou-se a 25.06.2024 e terminou no dia 25.07.2024. E este prazo, diversamente do prazo de resposta do trabalhador é de 30 dias seguidos (artigo 279º, do Código Civil).
A Ré empregadora em 29 e 30 de Julho, conforme alega, ratificou o processado e comunicou ao Autor trabalhador a transmissão operada, mas, para além de ser discutível se estes actos constituem diligências de instrução do procedimento disciplinar em curso, pois que com ele não se relacionam, o certo é que foram praticados para além daquele prazo de 30 dias.
“As diligências de instrução a considerar devem ser exclusivamente as diligências probatórias com relevo para o apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta” (Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 11.02.2010, www.dgsi.pt).
E relembre-se a finalidade do prazo prescrito, sendo que o processo disciplinar é um processo formal.
Ora, os prazos legais previstos quanto ao procedimento disciplinar, concretamente o tendente à aplicação da sanção disciplinar de despedimento sem compensação, são norteados pelos princípios da formalidade e celeridade, o que permite ao visado trabalhador um pleno contraditório, nos termos do direito constitucional consagrado (artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa).
Relembre-se ainda que o procedimento disciplinar é um processo de parte, que está na disponibilidade e sob tutela do empregador e que é por ele, e por sua conta e risco, conduzido, cabendo-lhe decidir da realização, ou não, de diligências probatórias.
Nestes termos, à luz do disposto nos artigos 357º, n.º 1 e 358º, n.º 3, alínea b) e 4, do Código de Trabalho, julgo procedente, por provada, a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção, por decurso do prazo de 30 dias.
Em consequência, mostra-se forçoso concluir pela ilicitude da sanção disciplinar de despedimento por facto imputável ao trabalhador aplicada pela Ré ao Autor Trabalhador.
Considerando-se ilícito o despedimento, o Autor Trabalhador tem direito a receber a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento - 31 de Julho de 2024 - até ao trânsito da sentença, descontado o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde aquela data até 30 dias antes da data da propositura da acção (artigo 390º, n.º 2, b), do Código do Trabalho).
No caso, não há que proceder ao referido desconto, visto que a presente acção foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento (artigo 390º, n.º 2, al. b) do Código Trabalho).
No cálculo das prestações vencidas e vincendas deve tomar-se em conta os subsídios de férias e de Natal devidos à trabalhadora e vencidos naquele período (neste sentido, Acórdão do Tribunal da relação de Évora, de 03/03/1998, BMJ 475, pág. 793).
Ao montante que vier a ser apurado serão deduzidas as importâncias que o Autor Trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (artigo 390º, n.º 2 alínea a) do Código do Trabalho).
Sobre o referido montante acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4 % ao ano, a contar desde o trânsito em julgado da presente sentença no que respeita ao montante indemnizatório e retribuições posteriores à propositura da acção, sendo, em qualquer dos casos, até integral pagamento (artigos 559º, 804º, 805º e 806º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).
O Autor Trabalhador optou pelo direito à reintegração, nos termos do disposto no artigo 391º, do Código do Trabalho.
Nestes termos, vai a Ré empregadora condenada a reintegrar o Autor Trabalhador na sua categoria e antiguidade.
Aqui chegados e nos termos do disposto no artigo 386º, n.º 4, do Código de Trabalho, importa deixar uma nota acerca dos fundamentos invocados para o despedimento.
Fundamentalmente, estão em causa diversas situações em que o Autor trabalhador terá emitido bilhetes de transbordo indevidamente em incumprimento das instruções da Ré empregadora e lesando a mesma em mais de uma centena de euros. Acresce a circunstância imputada de o Autor trabalhador não ter passado junto a uma escola, tendo deixado três crianças na paragem, tendo sido a escola a assumir o transporte das mesmas.
Esta factualidade encontra suporte em todos os elementos de bilhética juntos, bem como da comunicação da escola junto ao processo disciplinar e da verificação feita junto do gps do veículo.
Importa ter presente, conforme alega a Ré que o Autor é motorista de autocarros, os quais asseguram o serviço em zonas interiores da ilha, sendo a confiança deste serviço fundamental. Assumiria no caso relevo a antiguidade do Autor trabalhador, reportada a 2016, conforme o mesmo alega.
Assim, à luz do artigo 387º, n.º 4 citado, caso ficassem demonstrados os factos alegados, a sanção disciplinar aplicada de despedimento mostrar-se-ia adequada de proporcional.
As custas são devidas pela Ré empregadora, por vencida na acção, nos termos do disposto no artigo 446º, ns.º 1 e 2, do citado Código e Tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
*
Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção procedente por provada, julgo procedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção, por decurso do prazo de 30 dias e, consequentemente,:
a) declaro ilícito o despedimento do Autor AA;
b) condeno a Ré Companhia de Automóveis da Madeira (CAM), S. A. a pagar ao Autor as retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do desconto dos montantes referidos no artigo 390º, n.º 2, do Código do Trabalho,
Quantia a que acrescem juros legais;
c) condeno a Ré empregadora a reintegrar o Autor trabalhador na sua categoria e antiguidade.
Custas pela Ré empregadora.
Valor: 30.000,01€.»
*
“Companhia de Autocarros da Madeira, S.A”11 recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objeto o pedido de reapreciação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, quanto à declaração de caducidade do direito de aplicar a
sanção disciplinar de despedimento ao Recorrido, por alegada violação do prazo imposto no artigo 357.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
II. O que se pretende é que seja proferida nova decisão que confirme e que reconheça que a contagem do prazo de 30 (trinta) dias para prolação da decisão final com aplicação de sanção disciplinar, deve ter em consideração a transmissão da unidade económica ocorrida em 01.07.2024, bem como a necessidade de ratificação do processado pela Recorrente, na qualidade de Entidade Empregadora, o que deve implicar a improcedência da exceção perentória de caducidade invocada.
III. O Tribunal a quo incorreu em erro ao considerar que os atos de ratificação do processado e de comunicação ao trabalhador da transmissão da unidade económica não se relacionam com o processo disciplinar, nem serem actos instrutórios ou indispensáveis a ser realizados no processo disciplinar, dado que tais atos eram juridicamente necessários para conferir legitimidade à Recorrente no exercício do poder disciplinar.
IV. A transmissão da unidade económica ocorrida a 01.07.2024 determinou a sucessão da Recorrente na posição da anterior Entidade Empregadora, nos termos do artigo 285.º do Código do Trabalho, pelo que a Recorrente apenas poderia validamente proferir decisão disciplinar após a assunção formal dessa posição, o que implicava a necessária ratificação do processado, pois a partir dessa data é que se devem contar os 30 dias de caducidade.
V. A ratificação do processado foi um passo essencial para garantir a legitimidade da Recorrente na condução do procedimento disciplinar, de modo a assegurar a continuidade e validade dos atos já praticados; a contrario, a sua ausência comprometeria a legalidade da decisão final, pelo que não pode ser desconsiderada na contagem do prazo para a prática de tal ato e para fins de aplicação da sanção disciplinar, sob pena de ser proferida uma decisão judicial manifestamente injusta e desconforme com a realidade dos autos.
VI. Por tal motivo, a correta contagem do prazo para efeitos de tomada de decisão final do procedimento disciplinar deve ter em consideração a data da transmissão da unidade económica e os atos necessários para assegurar a legitimidade da nova Entidade Empregadora, sob pena de comprometer-se a regularidade do processo disciplinar.
VII. A interpretação excessivamente formalista do Tribunal a quo, ao ignorar a relevância jurídica da transmissão da unidade económica e dos atos subsequentes, conduziu a uma errónea aplicação do artigo 357.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a qual gerou um obstáculo indevido ao exercício legítimo do poder disciplinar.
VIII. A decisão recorrida, ao declarar a ilicitude do despedimento sem uma ponderação aprofundada dos factos e circunstâncias do caso, criou um incentivo à litigância oportunista por parte do trabalhador e permitiu que infrações disciplinares graves fiquem sem a devida resposta jurídica.
IX. O contrato de concessão celebrado ao dia 01.07.2024 foi o ato jurídico determinante para a transmissão da unidade económica que influencia todo o fluxo do processo disciplinar imputado ao trabalhador, pelo que esta deve ser a data de início da contagem do prazo de 30 (trinta) dias para proferir a decisão final do procedimento disciplinar, uma vez que somente a partir dessa data, a Recorrente assumiu plenamente a relação laboral, adquiriu legitimidade para intervir no procedimento disciplinar e exerceu o respetivo poder disciplinar.
X. Por todo o exposto e com douto suprimento de V. Exa., deverá decidir-se
conforme supra se enuncia, com a respetiva alteração da sentença, que deverá ser revogada e substituída por outra que reconheça a licitude e regularidade do despedimento do Recorrido, em virtude de aplicação de tal sanção disciplinar, por meio de decisão final justa, legítima e, essencialmente, tempestiva.
Terminou, pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por Acórdão que declare a regularidade e licitude do despedimento do A..
*
O recorrido contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
1. Vem a recorrente insurgir-se contra a douta sentença do tribunal a quo, na parte em que julgou verificada e procedente a exceção de caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento por justa causa ao recorrido, por ter sido ultrapassado o prazo de 30 dias, previsto no art.º 357º, nº1 do CT, julgando ilícito tal despedimento, com todas as consequências legais.
2. Entende a recorrente que a Mmª Juiz interpretou erradamente tal artigo, por desconsideração de 2 aspetos relevantes do caso, consubstanciados no facto, primeiro, de ter havido a transmissão da unidade económica em que se inseria o recorrido, da Sociedade de Automóveis, Lda. para a mesma, em 01/07/2024, que a institui em todos os direitos e obrigações que cabiam àquela, nomeadamente, no poder disciplinar e no direito de fazer seu o procedimento disciplinar que ainda se encontrava aberto contra o recorrido ao tempo da transmissão, e segundo, de ter procedido à ratificação de tal procedimento em 29/07/2024.
3. Considera, a recorrente, que tais factos deveriam ter sido considerados pelo douto tribunal à quo, e que, ao contrário do sufragado pelo mesmo, o prazo previsto legalmente para a tomada da decisão de despedimento do recorrido, deveria ter começado a correr a partir da data da transmissão da unidade económica, ou seja, 01/07/2024, e não a partir do termo do prazo que o recorrido tinha para apresentar a resposta a nota de culpa, ou seja, de 25/06/2024.
4. Sendo que, se assim tivesse acontecido, e tendo, a recorrente, tomado a decisão em 31/07/2024, bem deveria ter concluído, o tribunal a quo, que ainda estava em tempo de o fazer, decidindo pela não verificação ou improcedência da exceção invocada pelo recorrido, e pela licitude do despedimento encetado.
5. Tal alegação não deve colher, como se verá.
6. Porém, há uma outra questão que deve ser analisada e decidida pelo Venerando Tribunal, e que diz respeito a outras exceções perentórias, invocadas pelo recorrido na sua contestação ao seu despedimento, sendo a de inexistência de procedimento disciplinar prévio e/ou da ineficácia desse procedimento contra o recorrido, as quais foram julgadas improcedentes pela Mmª Juiz.
7. E deverá sê-lo, s.m.o, antes mesmo da questão deduzida pela recorrente, uma vez que uma eventual resposta positiva, poderá inquinar ou prejudicar a análise e decisão desta.
8. O que é legitimo ao recorrido requerer a V. Exas., no âmbito da ampliação de recurso, prevista no art.º 636º, nº1 do CPC, estando preenchidos, como se entendem estar, os respectivos requisitos.
9. Assim fazendo, porque considera que, nessa parte, a Mmª Juiz à quo, com todo o respeito, interpretou e aplicou incorretamente os artigos 98º, e 285º, n.º1, ambos do CT, ao entender que, tendo havido transmissão da unidade económica no caso, em 01/07/2024, transmitiu-se a posição da entidade empregadora da Sociedade de Automóveis da Madeira, Lda., com a qual o trabalhador manteve uma relação contratual desde 2016, para a recorrente, e, bem assim, os direitos e deveres que assistiam à cedente, nomeadamente, o poder disciplinar e o direito ao seu exercício, manifestado no procedimento disciplinar que estava em curso, tendo a adquirente decidido legitimamente sobre o despedimento que encetou.
10. Sendo que, apesar da Mmª Juiz à quo fazer referência à ratificação do procedimento disciplinar pela recorrida, em 29/07/2024, acaba por não lhe dar qualquer relevância jurídica, sendo bastante, para a mesma, que tenha havido a transmissão da unidade económica, para a recorrente ter o direito de avocar o procedimento disciplinar do recorrido e de decidir sobre o seu despedimento.
11. É com tal entendimento e decisão do tribunal à quo, que o recorrido não concorda, nem se conforme, entendendo o mesmo que a Mmª Juiz, nessa parte, levou a cabo uma interpretação que não é consentida por tais normativos, sendo contrária à sua letra, e, sobretudo, ao seu espírito e função, e violadora dos artigos 53º da CRP e dos artigos 1.º e 3.º da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho Europeu.
12. Por um lado, vista a letra dos normativos em causa, bem se vê que, aí, não se encontram expressamente previstas as vicissitudes em crise, ou seja, a transmissão do poder disciplinar de um empregador para outro, em caso de transmissão da unidade económica, e a transmissão dos procedimentos disciplinares que se encontram abertos e não decididos nessa ocasião.
13. Nessas normas apenas se lê que o poder disciplinar pertence ao empregador que tem um trabalhador ao seu serviço, e que em caso de transmissão da unidade económica, a adquirente assume a posição de empregadora do trabalhador ali inserido, no respectivo contrato de trabalho.
14. Por outro lado, sendo o poder disciplinar exclusivo de um concreto empregador, só pode ser exercido no âmbito da relação com o seu trabalhador, e enquanto a mantiver, não se transmitindo para terceiros em caso nenhum, como bem tem entendido a jurisprudência e doutrina, e resulta, à contrário, do próprio art.º 98º do CT.
15. Tal poder não se transmite, nem se partilha, nem mesmo, consequentemente, entre um empregador e outro, que sucedem nessa posição, no contrato de trabalho do trabalhador, pode decorrência da transmissão de uma unidade económica.
16. Ademais, estando os efeitos de tal transmissão previsto no art.º 285º, bem se vê, no nº1, que a única coisa que daí decorre para o adquirente, são obrigações, como seja a de, efetivamente, assumir a posição de empregador do trabalhador, e no nº 4, de respeitar os direitos do mesmo, quer provenham do contrato de trabalho, quer da relação que mantinha com a cedente.
17. Não decorre desse normativo o direito de a adquirente fazer seu o poder
disciplinar da cedente, e muito menos, os procedimentos disciplinares encetados e instruídos por esta, mas não decididos ao tempo da transmissão.
18. Tal normativo, como bem defende a doutrina e jurisprudência, designadamente, no douto Ac. dessa Relação, Ac. dessa Relação, de 09- 02-2022, proc. 9443/19.5T8LRS.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, visa apenas visa proteger o trabalhador, o seu emprego e posto de trabalho, e, bem assim, a segurança no trabalho, constitucional e para constitucionalmente garantidas pelo art.º 53 da CRP, e pelos artigos 1.º e 3.º da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho Europeu, respetivamente.
19. Com efeito, não se transmitindo tal poder disciplinar, nem procedimentos disciplinares, os mesmos caducam no momento da transmissão da unidade económica, não podendo ser exercidos ou aproveitados depois disso, nem pela cedente, nem pela adquirente, designadamente através da uma eventual ratificação, conforme se extrai do suprarreferido Acórdão, mas também de um outro, do TRP, de 16-04-2012, proc. 434/08.2TTSTS.P2, disponível em www.dgsi.pt.
20. Sendo que, ainda na senda desses doutos arestos jurisprudenciais, se tal acontecer, do lado da cedente, e a mesma, vier a despedir o trabalhador, tal é ilegal, e, de todo o modo inútil, e ineficaz perante o trabalhador, pois que com ele já não tem qualquer relação contratual.
21. Se, por outro lado, for a adquirente a despedir o trabalhador, tal também
é ilícito, mas ao contrário da anterior, considera-se que o fez sem qualquer procedimento disciplinar prévio, o que acarreta, como se sabe, a obrigação de reintegrar o trabalhador, e de lhe pagar, a título de indemnização, os salários que o mesmo deixou de receber em função da decisão tomada.
22. Com todo o respeito pela Mmª Juiz à quo, era este o entendimento e raciocínio que também deveria ter seguido no caso concreto, concluindo, então, que, após o dia 01/07/2024, quando se deu a transmissão da unidade económica da SAM para a recorrente, nem aquela poderia participar na ratificação do procedimento disciplinar, como veio a fazer, em 29/07/2024 (sendo estranho, até, que tenha ratificado um processo que já era seu), nem na decisão de despedimento tomada em 31/07/2024, pois que nessa altura tanto o seu poder disciplinar, como o procedimento disciplinar do recorrido já tinham caducado.
23. Nem esta (a recorrida) poderia proceder, também, e, em conjunto, à referida ratificação ou despedimento do recorrido, tendo-o feito de forma ilícita, isto é, sem legitimidade e competência, e, em todo o caso, sem qualquer procedimento disciplinar prévio, já que, como se viu, o que havia estava caducado.
24. Caso tivesse concluído assim, consequentemente, teria considerado procedentes as exceções invocadas pelo recorrente, julgando o despedimento ilícito, com todas as consequências legais, mas sem necessidade de analisar e decidir sobre a execução seguinte e a que vem posta em causa pela recorrente (caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar), pois que ficaria tal conhecimento prejudicado.
25. Não tendo sido assim, crê-se, mais uma vez com o devido respeito, que a Mmª juiz à quo interpretou e aplicou incorretamente, quer o art.º 98º, quer o 285º, ambos do CT, violando os mesmos, e bem, assim, o art.º 53.º da CRP, e os artigos 1.º e 3.º da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho Europeu.
26. Cabendo a V. Exas. corrigir tal situação, admitindo a ampliação do recurso, e substituindo a decisão da Mmª Juiz a quo por outra, que julgando procedente a exceção de inexistência de procedimento disciplinar e/ou ineficácia desse procedimento, perante o recorrido, declare igualmente a ilicitude do despedimento, com todas as consequências legais.
27. Caso V. Exas, assim não entendam, o que não se concede, sempre se dirá, em relação às alegações recursivas da recorrente, que, mesmo assim, não lhe assiste razão, não tendo a Mmª Juiz a quo, errado na interpretação ou aplicação dos artigos 356º, nº 5, e 357º, nº 1, ambos do CT.
28. Alega a recorrente que a Mmª Juiz a quo, no computo do prazo de 30 dias, previsto no art.º 357º, nº 1, do CT, deveria ter considerado o facto de ter ocorrido a transmissão da unidade económica em 01/07/2024, e o facto de ter procedido à ratificação do procedimento disciplinar do recorrido, em 29/07/2024, devendo contar-se tal prazo a partir do dia seguinte à primeira data.
29. Alega que deve ser assim por questões de boa-fé, e porque foi nessas datas que teve conhecimento do procedimento disciplinar e adquiriu legitimidade para decidir sobre o despedimento do recorrido.
30. Acontece que tal interpretação não encontra qualquer correspondência, nem com a letra, nem com a espírito ou função de tais normas e prazos.
31. Da letra, porque são claras ao determinar que tal prazo se conta a partir do última diligência instrutória, ou do termo do prazo para o recorrido apresentar defesa contra a nota de culpa, neste caso, como doutrinal e jurisprudencialmente defendido, designadamente no douto no douto Ac. do TRP, de 23-02-2015, proc. 996/13.2TTMTS.P1, disponível em https://www.dgsi.pt, e acolhido na douta sentença recorrida.
32. Sendo certo que a transmissão da unidade económica e a ratificação do procedimento disciplinar a que houve lugar, não configuram qualquer diligência probatória, porque não se destinaram a confirmar a veracidade dos factos ilícitos que vinham imputados ao recorrido na nota de culpa.
33. E como tal, não podem, nos termos legais, ser considerados no computado do referido prazo.
34. Da função e espirito, porque se tem entendido, tal como se consignou no douto Ac. do TRP, de 23-02-2015, proc. 996/13.2TTMTS.P1, disponível em https://www.dgsi.pt, que, tal prazo, por um lado, salvaguarda a celeridade com que legislador pretende que o procedimento disciplinar com vista ao despedimento deve ser decidido, e que considera razoável, e, por outro lado, protege o trabalhador contra abusos do empregador, e contra a constante ameaça de despedimento a que pode estar sujeito, com graves impactos, nomeadamente, no âmbito laboral.
35. Sendo que, segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, tal princípio da celeridade e prazo, pode, ainda, ser justificado pelo interesse em fazer cessar rapidamente o vínculo laboral, nos casos de justa causa para despedimento (sob pena de o requisito da impossibilidade imediata de continuação do vínculo, previsto no artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho para configurar a justa causa não se verificar)”
36. Sendo, por isso, também, que esse prazo deve ser contado de forma corrida, não estando sujeito a qualquer suspensão ou interrupção.
37. Ora, se, porventura, se considerasse como válida e procedente a alegação da recorrente, estar-se-ia, aí sim, a interpretar e aplicar incorretamente os artigos postos em causa pela mesma, violando-se quer a sua letra, quer o seu espírito e função.
38. Mas tal não poderá acontecer, devendo entender-se que a decisão da Mmª Juiz à quo, nessa parte, não merece qualquer censura, mantendo-se.
39. Caso assim não suceda, em caso algum se poderá decidir como peticionado pela recorrente, isto é, que se julgue licito o despedimento que encetou, pois que não foi realizado qualquer julgamento, não estando provados os factos imputados ao trabalhador no procedimento disciplinar.
Termos em que, e nos melhores de direito, que V. Exas. proficientemente suprirão, deve:
a) Admitir-se a requerida ampliação do âmbito do recurso, à decisão do tribunal a quo que indeferiu as exceções de inexistência de procedimento disciplinar prévio e ou ineficácia desse procedimento perante o recorrido, substituindo tal decisão por outra que as julgue procedentes, por provadas, com a consequente declaração de ilicitude do despedimento e condenação nas consequências legais.
Caso assim não se entenda, o que não se concede,
a) Julgar-se recurso apresentado pela recorrente totalmente improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Ou, no caso de o recurso proceder,
b) Ordenar-se a baixa dos autos à 1ª instância, para realização de julgamento.
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da requerida ampliação.
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II- São as seguintes as questões a solucionar:
- Da caducidade do direito a aplicar sanção disciplinar;
- Da ampliação do objecto do recurso.
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III- Apreciação
Em primeiro lugar, cumpre referir que foi condenada a “CAM”.
Referiu, de forma expressa, o Tribunal a quo que esta empresa era parte legítima ( conforme acima citámos), pelo que dever-se-á considerar a mesma habilitada para os termos da demanda.
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Vejamos se ocorre caducidade do direito a aplicar sanção disciplinar.
Os factos, com relevo, são os acima indicados na decisão recorrida.
A última data de junção de documentos ao inquérito prévio foi 08.05.2024. Tal facto não assume, contudo, relevo para a questão em apreço.
Conforme resulta do disposto no art. 357º, nº1 do CT o empregador dispõe de um prazo de 30 dias para proferir decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar sanção. De acordo com o nº2 deste preceito legal, quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o referido prazo de 30 dias conta-se a partir da data de conclusão da última diligência de instrução.
Para efeitos do preceito em análise, consideramos relevante a data da decisão disciplinar e não a data da sua recepção pelo trabalhador. Conforme refere Pedro Furtado Martins in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição, págs. 232 e 233 : « A letra da lei é inequívoca : a decisão final tem de ser proferida no prazo de 30 dias ( nº1 do artigo 357). É a solução congruente com a teleologia da norma, pois a excessiva demora do empregador em tomar e proferir uma decisão é indicador de inexistência de justa causa. Assim, é necessário que o empregador formule e exteriorize a decisão no devido prazo, não relevando, para o efeito, o momento em que o trabalhador toma conhecimento da decisão ou em que esta chega ao seu poder».
Os actos de ratificação do processado e de comunicação ao trabalhador da transmissão da unidade económica não podem ser considerados diligências de instrução.
Assim e tendo em atenção os factos coligidos pelo Tribunal a quo, concordamos com a contagem efectuada na decisão em apreço.
Com efeito, o prazo para a resposta à nota de culpa terminou em 24.05.2024, pelo que o prazo de 30 dias para proferir decisão teve o seu início em 25.06.2024. À data da decisão ( 31.07.2024) já tinha decorrido o referido prazo de 30 dias.
A transmissão da posição contratual para a ora recorrente não pode interferir no prazo para proferir decisão. A “CAM” assumiu, tal como lhe foi transmitida, a posição contratual da “SAM”, com as respectivas obrigações.
No caso subjudice a decisão recorrida foi ajustada e proporcional à situação concreta e está de acordo com as regras da boa fé.
Conforme refere Pedro Furtado Martins ( op. cit., pág. 237) : « (…) a disposição que estabelece os vícios determinantes da invalidade do procedimento do despedimento por facto imputável ao trabalhador não prevê que o incumprimento do prazo de 30 dias para emitir a decisão de despedimento gere a invalidade do ato extintivo. Parece-nos, porém, que essa é a consequência inevitável da consagração do que no nº1 do artigo 357º se designou por “caducidade do direito de aplicar sanção”».
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
Ocorre, contudo, manifesto lapso na decisão. Onde consta : “condeno a Ré Companhia de Automóveis da Madeira (CAM), S. A”. dever-se-á ler : “condeno a Ré Companhia de Autocarros da Madeira (CAM), S. A”.
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Uma vez que não foram acolhidos os argumentos invocados pela recorrente, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto de recurso.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
-Julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
- Não conhecer da requerida ampliação do objecto do recurso.
Corrige-se, contudo, o manifesto lapso na decisão. Onde consta : “condeno a Ré Companhia de Automóveis da Madeira (CAM), S. A”. dever-se-á ler : “condeno a Ré Companhia de Autocarros da Madeira (CAM), S. A”.
Rectifique-se na capa o nome da recorrente (“Companhia de Autocarros da Madeira, S.A.”).
Custas do recurso pela recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Francisca Mendes
Susana Silveira
Maria José Costa Pinto
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1. Consta, por manifesto lapso, nas alegações “Companhia de Automóveis da Madeira”.