RECURSO PENAL
ABUSO DE PODER
JUÍZ DESEMBARGADOR
PRESIDENTE
JUIZ DE COMARCA
INSTRUÇÃO
INDÍCIOS SUFICIENTES
DECISÃO INSTRUTÓRIA
NÃO PRONÚNCIA
VÍCIOS
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
BENEFÍCIO ILEGÍTIMO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I – Só se mostra justificável sujeitar alguém a julgamento sempre e quando os vestígios colhidos durante um inquérito (e também na instrução), vistos numa perspetiva isenta / equidistante / desapaixonada indiquem que a serem aqueles confirmados em juízo, o arguido estará mais perto de uma condenação do que da absolvição.
II - Nesse seguimento, não cabem decisões de pronúncia arriscadas, sem suficiente base de apoio, alimentadas pela ideia de que “talvez em julgamento” e com “uma boa dose de sorte”, e/ou “com um juiz castigador”, obterão reforço de prova que levem à condenação.
III - Os vícios denunciados no artigo 410º, nº 2 do CPPenal consubstanciam falhas da decisão de facto que é proferida no âmbito de uma sentença / acórdão, não sendo aplicáveis ao despacho de pronúncia ou de não pronúncia porquanto a apreciação factual efetuada nesse âmbito respeita, meramente, a factos indiciados ou não indiciados.
IV - O crime de abuso de poder, destinando-se a proteger a integridade do exercício das funções públicas por parte de funcionário, assume-se como um crime de função e, nessa medida, um crime próprio, em que o funcionário que detém determinados poderes funcionais usa-os para um fim diverso daquele para que a lei os concede, mostrando-se integrado no primeiro limite do perímetro da tipicidade pelo mau uso ou uso desviante dos poderes funcionais, sendo que para se denunciar este mau uso, é necessário que o funcionário seja determinado / orientado por uma específica intenção.
V – Enquadram-se no abuso de poderes e / ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário, todas aquelas situações de instrumentalização / utilização dos poderes próprios de determinada função para fins estranhos / contrários / não cabíveis no que é permitido pelo direito administrativo.
VI – Face a tal, um estar no exercício de funções, menos prudente, simplista, facilitador e até precipitado, não tendo sido sequer considerado uma falha disciplinar, não acarreta bagagem bastante e robusta, configuradora de um ilícito criminal, mormente o crime de abuso de poderes.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. Os presentes autos – processo nº 4/19.0YGLSB – que correram termos nos Serviços do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, tiveram origem em memorando apresentado pelo Senhor Magistrado do Ministério Público, Coordenador da Comarca de Lisboa, junto do então Exmo. Senhor Conselheiro Vice-Procurador Geral da República, enunciando factos passíveis de integrar, a prática pela arguida AA (Juíza Desembargadora), entre outros, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 382º e 386º, nº 1, alínea d), ambos do CPenal.

2. Findo o inquérito, o Digno Magistrado do Mº Pº proferiu acusação imputando à arguida AA (doravante arguida) a prática em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso de poder, p. e p. nos termos do artigo 382°, com referência à alínea d) do n° 1 do artigo 386°, ambos do Código Penal1.

3. Inconformada com esta decisão, a arguida veio requerer a abertura da instrução, o que fez por requerimento de 24 de setembro de 20242, alegando, em síntese, que os elementos probatórios existentes e carreados aos autos, não revelam indícios suficientes que permitam imputar àquela o crime narrado na peça acusatória.

4. Por despacho proferido em 18 de outubro de 2024, foi declarada aberta a instrução3, e efetuadas as diligências instrutórias que foram admitidas4, foi realizado o Debate Instrutório, a 18 de fevereiro 20255, sendo que culminou esta fase instrutória com a prolação de Decisão Instrutória de não pronúncia da arguida6.

5. Inconformado com tal despacho de não pronúncia, o Digno Mº Pº dele recorreu, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões que se enunciam: (transcrição)

1. O Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum perante a Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça, em que é arguida AA, Juiz Desembargadora, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de poder, p. e p. no artigo 382º, com referência à alínea d) do nº1 do artigo 386º, ambos do Código Penal;

2. Inconformada com a acusação contra si deduzida requereu a arguida a abertura de instrução ao abrigo do artigo 287º, nº1, alínea a), do Código de Processo Penal, expondo as razões da sua discordância e requerendo que fosse proferido despacho de não pronúncia, nos termos do artigo 307º, nº1 e 308º, ambos do Código de Processo Penal.

3. A 6 de março de 2025, foi proferido o despacho de não pronúncia, aqui recorrido, decisão que violou as previsões contidas nos artigos 308º, n1 e 283º, nº2, ambos do Código de Processo Penal, por desconsiderar o quadro legal previsto Decreto-Lei nº 164/2012, de 31 de julho, na Portaria nº 391/2012, de 29 de novembro, no artigo 94º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, regulamentado pelo Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de março, a conjugar com o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público (DL nº 280/2007 de 7 de agosto) e por afrontar de forma manifesta e inequívoca as regras que conformam a livre apreciação da prova (artigos 127º e 410º, nº1, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal).

4. Por entender que não se mostravam suficientemente indiciados, a decisão de não pronúncia excluiu os artigos descritos na acusação referentes à - falta de - competência da arguida e respetivo enquadramento legal; eliminou todas as expressões referentes a contrapartidas, como se tais expressões tivessem sido usadas como um sinalagma corruptivo, esquecendo que é a própria arguida que assim se refere aos bens ofertados, como assim se lhe referem várias testemunhas, e eliminou algumas expressões que referem a transmissão a outrem, pela arguida, de decisões relativas aos bens ofertados, pese embora mesmo nessas ocasiões se tenha mantido a indiciação sobre o facto de ter sido a própria arguida a escolher e a ordenar as aquisições de bens efetuadas.

5. Por fim, o despacho recorrido, eliminou da indiciação o articulado que descreve o dolo.

6. “A matéria de facto não indiciada respeita, no essencial, à consciência e intencionalidade da arguida, relativamente às autorizações concedidas–e aos poderes para tal – bem como relativamente à determinação e finalidade das contrapartidas entregues pelas diferentes empresas de filmagem.”

7. Com interesse para a decisão, o despacho recorrido acolheu a tese invocada no requerimento de abertura de instrução sobre a inexistência de uma regulamentação específica sobre a matéria. Que, a 4 de dezembro de 2019, o Conselho de Gestão da Comarca de ..., presidido pela arguida AA, aprovou uma proposta de Regulamento de Cedência de Espaços de Utilização do Tribunal Judicial da Comarca de ..., proposta essa elaborada pela mesma (arguida) e que foi remetida ao IGFEJ. Como também que, por despacho nº 3863/2021, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº74, parte C, de 16 de abril de 2021, foi aprovado o Regulamento de Cedência de Utilização de Curta Duração de Espaços Afetos à Área da Justiça.

8. A toda a fundamentação presidiu aquele que foi considerado o circunstancialismo em que ocorreram os factos num quadro de inexistência ou de omissão de regulamentação sobre esta matéria.

9. E, quanto às contrapartidas “se justifica no seguimento de algumas empresas, livremente e da sua iniciativa, manifestarem a vontade, sem qualquer solicitação ou imposição da arguida ou de outrem, nem a título de obrigação imposta no momento ou como condição da autorização para utilização dos espaços nos tribunais, de “ofertarem” alguns bens ou cartões/cheques presentes, como se dirá mais adiante.”

10. Porém, como se refere na própria decisão recorrida, ressalvam-se algumas exceções. “Relativamente a essa orientação genérica, ressalvam-se, apenas algumas exceções, nomeadamente as referentes ao fato e camisa para o motorista (factos n.os 89 e 126) bem como certas compras para o tribunal (factos n.os 95 e 126, relativamente a diversos bens, facto 125.º [frigorífico] e 134 [máquina de café]), que a própria arguida, nas declarações que prestou em sede de instrução, explicou que se trataram de artigos sugeridos (ou comprados, no caso da máquina de café) por si - como já supra referenciado/explicado sobre os motivos quanto a estes factos e bens indiciados, da acusação.”

11. Do mesmo modo, quanto às vantagens auferidas pelos senhores funcionários que acompanharam as filmagens, foi entendido que inexistiam elementos de prova indiciadores de que a arguida os teria querido beneficiar.

12. Assim se concluindo – em manifesta afronta aos depoimentos citados na decisão – “que tanto as ofertas para o tribunal, como a compensação económica atribuída ao funcionário foram feitas de livre iniciativa pelas empresas, não tendo sido instadas para o efeito”.

13. A douta decisão aqui recorrida contém na sua fundamentação, erros e contradições na apreciação da prova os quais afrontam de forma manifesta as regras de experiência comum que presidem à sua apreciação.

14. Vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que impossibilitam uma tomada de decisão correta, conforme à lei, apreensíveis nas correlações internas entre factos e até entre o mesmo agrupamento de factos provocando incongruências e descontinuidades evidentes, facilmente apreensíveis, pois que tão depressa se afirma ou coisa como o seu contrário ou se cita prova que infirma aquilo que se pretende comprovar.

15. Quanto à competência, do seu abuso ou desvio – elemento objetivo do tipo de crime abuso de poder, o enquadramento legal a apreciação desta factualidade não poderá deixar de ter como referentes dois eixos enquadradores:- A competência para a disposição dos espaços e edifícios dos tribunais, e as competências de um Juiz Presidente de Comarca.

16. Os presentes autos indiciam, suficientemente, que pela então senhora Juíza Presidente da Comarca de ... foi autorizada e cedida a utilização das instalações do Palácio da Justiça de ..., do Tribunal de ..., do Tribunal do ... e do Tribunal do ..., em inúmeras ocasiões, no decurso de cerca de quatro anos, a diversas entidades privadas para ali realizarem filmagens.

17. A arguida assumiu a competência para a cedência precária de edifícios de tribunais e assumiu a competência, que delegou – e só se delega uma competência que se possui – para a definição de “contrapartidas” – expressão da própria – e para a sua aceitação.

18. Tal cessão da utilização de um bem imóvel do património do Estado foi realizada à revelia da regra legal de que os bens do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado – Regime Jurídico do Património Imobiliário Público (DL nº 280/2007, de 7 de agosto).

19. O Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho, que aprovou a orgânica do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ), atribuiu a este Instituto a gestão do património afeto à área da Justiça.

20. Constituem, assim, atribuições do IGFEJ naquele âmbito, conforme artigo 3º, nº 2 da citada Lei Orgânica: «i) Promover a realização de estudos relativos ao património imobiliário e às instalações do MJ, nomeadamente dirigidos à previsão das necessidades e à rentabilização do património existente, bem como planear, em articulação com os serviços e organismos do MJ, as necessidades no domínio das instalações; j) Assegurar, de forma racional e eficiente, a gestão e a administração dos imóveis que constituam o património imobiliário afeto ao MJ, organizando e atualizando o respetivo cadastro e inventário, realizando avaliações, elaborando e executando planos de aquisição, arrendamento e alienação e procedendo à afetação de imóveis para instalação de órgãos, serviços e organismos».

21. Integram as receitas do IGFEJ, de entre outros (artigo 9º, nº1 e 2, alíneas e) e i)) o produto de alienação e cedência de imobilizações corpóreas e donativos, heranças ou legados.

22. O Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho, definiu a missão e as atribuições do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P..

23. Ao Departamento de Gestão Patrimonial do IGFEJ compete, conforme previsto no artigo 5º dos Estatutos do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. - artigo 5º alíneas c) e g) - Administrar e estabelecer critérios de gestão do património imobiliário próprio IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ; Apresentar propostas para a rentabilização do património do MJ, incluindo o arrendamento de prédios, funções autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente e concessão de espaços para fins comerciais e publicitários, nos termos da lei;

24. O artigo 94º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), Lei nº62/2013 de 23.8, com as alterações decorrentes da Lei 40-A/2016 de 22.12, que estabelece as competências do Juiz Presidente do Tribunal de comarca não prevê e não lhe confere poderes de gestão dos edifícios nem de gestão e de execução orçamental e financeira.

25. O Despacho nº 3863/2021, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 74, parte C, de 16 de abril de 2021, pretendeu assegurar uma correta execução de competências pré determinadas por diploma legal. São concretizados o momento de pagamento de contrapartidas, a sua forma e valor.

26. Trata-se de um despacho normativo ou regulamento administrativo, o qual encontra previsão na alínea d), do nº3, do artigo 138º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

27. O seu conteúdo geral e abstrato confere-lhe eficácia externa, à luz do disposto no artigo135.º do CPA, caraterísticas que o diferenciam da figura do “despacho” não normativo, que consiste num ato administrativo.

28. Contrariamente ao invocado na decisão recorrida, tal despacho não integra um instrumento legislativo atribuidor ou definidor de competências capaz de suprir uma omissão legislativa sobre tal matéria.

29. A lei não confere à Juiz Presidente de Comarca qualquer legitimidade seja para solicitar, seja para aceitar bens ou vouchers ofertados ao Tribunal e com eles fazer compras ou determinar que outros o fizessem. Não lhe era, pois, lícito aceitar vantagens, quer se designem ou não por contrapartidas.

30. Estão assim em causa condutas conformadoras da utilização abusiva de competências assim como da violação dos deveres inerentes às suas funções.

31. Também sobre esta matéria foram desconsiderados depoimentos prestados na fase de inquérito, nomeadamente, o depoimento do Assessor do Departamento de Gestão Patrimonial do IGFEJ, BB e do Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ, CC.

32. Os elementos de prova recolhidos no inquérito, sustentados em documentos e nas declarações prestadas por testemunhas sustentam, de modo suficiente, a factualidade descrita na acusação incorrendo o despacho recorrido em manifesto erro na sua apreciação.

33. A tanto conduzem as comunicações eletrónicas trocadas entre a arguida e a senhora Secretária DD e as declarações que demonstram as diversas ocasiões em que foi a própria arguida que escolheu os objetos, sejam candeeiros, aquecedores, aparelhos de ar condicionado, fato e camisa para o senhor motorista, disco externo, consumíveis, pratos e copos, toalhas, que foram ofertados ou adquiridos por sua expressa determinação. Num dos casos, foi a própria arguida que se deslocou à FNAC onde adquiriu com um cartão presente uma máquina de café.

34. Tais depoimentos prestados no inquérito foram desconsiderados, nomeadamente os depoimentos de EE e FF, que exerceram as funções de Administrador judicial no período envolvido, DD secretária em substituição, GG, estes, a toda a matéria da acusação, nomeadamente quanto ao facto da arguida ter tomado todas as decisões relativas aos objetos, vouchers e aquisições de bens ou produtos adquiridos como contrapartidas, expressão que era utilizada pela própria arguida.

35. Assim como os depoimentos dos representantes das empresas envolvidas.

36. Elementos de prova que manifestamente conduziam à indiciação de que os bens e valores ofertados, no valor global de 12.883,54 €, eram por todos considerados uma contrapartida pela utilização dos espaços dos tribunais e pelo acompanhamento das filmagens, expressão utilizada pela própria arguida.

37. O princípio da livre apreciação da prova conduz a que o juiz, na ponderação a efetuar, se paute por regras lógicas e de racionalidade, traduzida em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e da máxima da experiência comum.

38. A contradição insanável da fundamentação ocorre quando, analisando-se a matéria de facto dada como provada e não provada se chega a conclusões contraditórias, insanáveis; e, o erro notório na apreciação da prova existe quando sendo usado um processo racional ou lógico se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou violadora das regras de experiência comum.

39. Atentando nos factos base, claramente indiciados, impunha-se reconhecer que nas descritas situações se mostra indiciado que a arguida tinha pleno conhecimento sobre as contrapartidas, sobre os valores e bens entregues pela cedência de utilização das instalações dos Tribunais, chegando a escolher e até, numa ocasião, a comprar bens com vouchers ofertados pelas empresas que realizaram as filmagens.

40. Tais factos base e de índole objetiva impunham que, de acordo com as regras de experiência comum, fosse mantida a factualidade que não foi dada por indiciada no despacho aqui recorrido, nomeadamente, todos os factos que se mostram descritos nos artigos 144º a 150º, de índole subjetiva, pois que os primeiros permitem e impõem concluir pela sua verificação.

41. No exercício das suas funções a arguida contrariou normas jurídicas com as quais se devia conformar e respeitar, violando, do mesmo modo, o seu dever de zelo na dimensão consistente em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares - no caso as normas legais que definem o âmbito das respetivas competências em matéria de gestão do Tribunal e as normas legais que atribuem a um concreto organismo do Ministério da Justiça a competência para gerir e administrar os espaços e edifícios dos tribunais, designadamente em sede da sua utilização, não previamente autorizada pelas entidades competentes, para fins diversos daqueles aos quais aquelas instalações se encontravam afetas, e que respeitavam ao funcionamento daquele Tribunal para a efetivação das suas funções jurisdicionais e competência atribuídas pela Lei 62/2013 de 23.08; o dever de isenção e o dever de integridade atentas as vantagens patrimoniais indevidas que resultaram da sua atuação.

42. A formulação típica do crime de abuso de poder exige que o agente atue com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. Não se exige que o benefício/vantagem que se pretende alcançar tenha caráter patrimonial sendo apenas exigível que seja ilegítimo.

43. No caso dos autos, cremos poder afirmar-se que a factualidade revela estar verificada aquela ilegitimidade porquanto as contrapartidas recebidas não eram devidas aos seus destinatários, nem resultam de qualquer concreto instrumento legal ou regulamentar delimitador, emitido pelas entidades competentes.

44. A tanto nos conduzem todos os elementos de prova indicados no libelo acusatório que não foram infirmados pelas diligências produzidas em sede de instrução.

6. Notificada a arguida, do despacho de admissibilidade do recurso e deste, veio aquela responder, enunciando as seguintes conclusões: (transcrição)

1.º É objeto da presente resposta o recurso interposto pelo Ministério Público da douta decisão instrutória, ref.ª 13087586, de 06/03/2025, que determinou a não pronúncia da arguida pela prática do crime de Abuso de Poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.

2.º O Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida imputando-lhe um crime de abuso de poder baseado numa interpretação errónea e infundada dos elementos típicos objetivos e subjetivos exigidos pela norma penal.

3.º A arguida requereu instrução, visando a apreciação judicial da suficiência indiciária da acusação, tendo o Juiz de Instrução decidido corretamente pela inexistência de indícios mínimos do crime imputado e, consequentemente, pela não pronúncia e arquivamento do processo.

4.º Em sede recursória, o Ministério Público invoca que a decisão instrutória padece

a. Erro de Direito na definição das competências funcionais da Arguida (alegando exclusividade do IGFEJ), com referência a diplomas como DL 164/2012, DL 280/2007, Portaria 391/2012, LOSJ (art. 94.º) e DL 49/2014,

b. Erro na Valoração da Prova, alegando que o Juiz de Instrução não valorou devidamente declarações, documentos e contradições que evidenciariam o dolo e os benefícios, violando o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e regras de experiência;

c. Irrelevância da inexistência de regulamentação específica, sustentando que a atuação da Arguida era ilegal face à estrutura normativa existente e que a criação posterior de proposta de regulamento admite a falta de base legal anterior;

d. Dolo Específico e Benefício Ilegítimo, alegando que as autorizações estavam ligadas a "contrapartidas" sem enquadramento legal e que bastava a intenção de obter qualquer vantagem ilegítima (mesmo que não pessoal);

e. Prejuízo ao IGFEJ como "outra pessoa", sustentando que a atuação causou prejuízo ao IGFEJ (privação de competência/receitas) e que o tipo legal do art. 382.º CP abrange interesses de entidades públicas;

5.º Tal insistência acusatória, manifestamente desconforme aos factos e ao Direito apurados, não traduz verdadeira busca da Justiça nem da verdade material, representando antes uma tentativa infundada e desproporcional de sustentar artificialmente uma tese criminal já claramente rejeitada pelo Juiz de Instrução, com consequências graves e desnecessárias para a dignidade funcional e reputação pessoal da arguida.

6.º O crime de abuso de poder previsto no artigo 382.º do Código Penal exige, cumulativamente, três pressupostos essenciais:

a. um elemento objetivo – abuso de poderes ou violação dos deveres funcionais por parte do agente na qualidade de funcionário;

b. um elemento subjetivo específico – intenção dolosa de obter benefício ilegítimo para si ou terceiro ou de causar prejuízo a outra pessoa;

c. um nexo de ilicitude concreta – lesão da imparcialidade, eficácia e credibilidade da Administração Pública.

d. O abuso de poderes traduz-se numa instrumentalização das competências funcionais para fins alheios ou contrários àqueles legitimamente previstos pelo Direito Administrativo, não bastando a mera desconformidade procedimental.

7.º O tipo subjetivo do ilícito exige dolo específico, não bastando uma atuação negligente ou inadvertida. O agente tem de atuar conscientemente com a finalidade de beneficiar ilegitimamente terceiro ou causar prejuízo concreto, não sendo suficiente qualquer presunção ou inferência abstrata desse elemento. A prova do dolo específico sempre deverá ser robusta e inequívoca, não bastando meras conjecturas, suposições ou inferências superficiais sobre as intenções do agente.

8.º É imprescindível a ocorrência de um resultado externo e concreto decorrente da conduta abusiva, manifestado objetivamente em vantagem ilegítima ou prejuízo real a terceiro.

9.º A decisão instrutória impugnada concluiu, corretamente, pela inexistência de quaisquer destes pressupostos essenciais, dado que:

a. Em face do vazio regulamentar vigente, as autorizações dadas pela arguida eram legítimas e enquadráveis nas suas competências funcionais;

b. Não se apurou qualquer benefício ilegítimo nem prejuízo efetivo a terceiros;

c. Não foram encontrados quaisquer indícios de dolo específico ou consciência da ilicitude na atuação da arguida.

10.º Assim, sem abuso objetivo demonstrado, sem prova de dolo específico e sem resultado externo relevante, o crime de abuso de poder é manifestamente inexistente, sendo correta e juridicamente irrepreensível a decisão instrutória que determinou a não pronúncia da arguida.

Vejamos,

11.º O recurso do Ministério Público assenta num equívoco dogmático ao pretender que a competência para autorizar o uso pontual de espaços judiciais seria exclusiva do IGFEJ, invocando normas como o Decreto-Lei n.º 164/2012 (art.º 3.º, n.º 2, al. j) que se referem à gestão patrimonial permanente (cadastro, arrendamento, alienação ou obras), não abrangendo utilizações transitórias como filmagens ou ensaios fotográficos.

12.º Nos termos claros da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), artigo 94.º, n.º 2, alínea a), o Juiz-Presidente detém poder de direção e representação que inclui, necessariamente, decisões sobre a utilização pontual e transitória dos espaços judiciais, especialmente na ausência de regulamentação específica à época dos factos.

13.º À data dos factos (2014-2021), existia um reconhecido vazio regulamentar quanto ao "uso extraordinário" dos edifícios judiciais, facto admitido pelo próprio Ministério Público em anterior arquivamento e confirmado pela decisão instrutória, sendo que o regulamento posterior de 2021 (Despacho 3863/2021) estabelece um modelo de decisão partilhada onde o IGFEJ decide após parecer obrigatório do Juiz-Presidente, reconhecendo a sua autoridade nesta matéria.

14.º A decisão da Arguida de autorizar filmagens, perante este vazio normativo e no exercício dos seus poderes de direção e representação que lhe assistiam legalmente, constituiu um exercício legítimo de competências, pautado pela discricionariedade prudencial inerente à função, e não um abuso ou usurpação funcional.

15.º Esta prática era, aliás, do conhecimento e mereceu o beneplácito de diversas estruturas superiores do Ministério da Justiça, incluindo a Secretaria de Estado Adjunta e da Justiça, a DGAJ e o próprio IGFEJ, que encaminhavam pedidos para a Arguida como a pessoa competente para autorizar este tipo de pedidos, demonstrando a inexistência de atuação oculta ou ilegítima.

16.º A autorização pontual de filmagens configura um "uso comum extraordinário" de bem do domínio público judiciário (art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 280/2007), que, por natureza, é transitório e em princípio gratuito, distinto da "cedência de utilização" onerosa prevista para afetações mais duradouras (art.º 53.º e segs. do mesmo diploma), institutos que o Ministério Público confunde no seu recurso ao tentar enquadrar a situação como uma cedência dominial onerosa.

17.º A arguida nunca efetuou qualquer cedência dominial, arrendamento ou concessão económica dos espaços judiciais, mas apenas autorizações pontuais gratuitas, não configurando tais atos qualquer violação do Decreto-Lei n.º 280/2007, cuja aplicação indevida pelo Ministério Público reflete, nesta fase, um equívoco grave e insustentável.

18.º Para que fique claro, a Arguida limitou-se a proferir despachos administrativos de natureza permissiva para um uso pontual e controlado dos espaços, sem subtrair o bem ao serviço público, agindo dentro da lógica de gestão dos Tribunais como órgãos de soberania sob direção do Juiz-Presidente afectos a este Órgão de Soberania, e não como património afecto à exploração económica pelo IGFEJ para este fim específico, conforme a arquitetura legal vigente.

19.º Pretender que tais decisões administrativas legítimas e transparentes constituem abuso de poder representa um desconhecimento flagrante da distinção fundamental entre atos administrativos pontuais e permissivos de uso pontual ou extraordinário, com cedências ou concessões patrimoniais ou actos de disposição ou oneração dos imóveis.

20.º A tese recursória do Ministério Público ignora a prática administrativa consolidada noutras comarcas, a hierarquia normativa e a evidência do exercício regular de poderes pela Arguida, configurando uma leitura fragmentária e descontextualizada do ordenamento jurídico e dos factos em presença.

21.º A ausência de incompetência funcional ou desvio de poderes inerentes à função significa que falta o elemento objetivo essencial do tipo legal do crime de Abuso de Poder (art.º 382.º do Código Penal).

22.º A decisão instrutória ora atacada, que reconheceu corretamente o quadro legal aplicável, o vazio regulamentar à data dos factos e a legitimidade funcional da arguida, deve por isso manter-se, rejeitando-se integralmente a tese acusatória do Ministério Público, manifestamente infundada e incoerente com a realidade jurídica e administrativa existente.

23.º Mesmo admitindo-se academicamente, por mera hipótese, qualquer divergência quanto à competência funcional da arguida (o que se rejeita), faltaria sempre o elemento subjetivo essencial para o crime de abuso de poder previsto no artigo 382.º do Código Penal: o dolo, tanto genérico quanto o dolo específico.

24.º O dolo específico exigido pelo artigo 382.º do CP implica que o funcionário atue conscientemente e deliberadamente com a finalidade concreta e inequívoca de obter benefício ilegítimo para si ou terceiro, ou causar prejuízo efetivo a outrem, não bastando meras inferências, conjecturas ou presunções.

25.º Como acertadamente decidiu o Tribunal na instrução, não existem quaisquer indícios de vantagem pessoal para a arguida; ao contrário, a prova produzida demonstra que a arguida atuou convicta e legitimamente no exercício das suas funções, com pleno apoio institucional e em conformidade com a prática administrativa conhecida e aceite.

26.º A arguida nunca solicitou, exigiu, condicionou ou negociou contrapartidas para autorizar filmagens, sendo as ofertas recebidas, em casos pontuais, exclusivamente destinadas ao suprimento de necessidades materiais urgentes dos tribunais (toners, papel, mobiliário básico, etc.), sempre afetas ao serviço público e documentadas com total transparência.

27.º O Ministério Público incorre num grave equívoco jurídico-semântico ao confundir os conceitos de "oferta" e "contrapartida". Oferta é um acto espontâneo, voluntário e não condicionado, enquanto contrapartida pressupõe obrigatoriedade e reciprocidade sinalagmática, o que manifestamente não ocorreu nos factos em apreço.

28.º A utilização reiterada pelo Ministério Público do termo “contrapartida” como etiqueta sem conteúdo real, procurando artificialmente criminalizar atos lícitos e transparentes, constitui uma distorção abusiva, que não encontra sustentação nos elementos fáticos dos autos, nem respaldo no Direito Penal.

29.º É manifestamente absurda e destituída de qualquer razoabilidade ou apoio probatório a sugestão de que a arguida teria autorizado filmagens com a intenção específica de beneficiar indevidamente funcionários do tribunal, através de bens de reduzido valor material, todos eles afetos ao serviço público e não aos funcionários pessoalmente considerados enquanto particulares.

30.º A atuação da arguida traduziu-se numa gestão pragmática, transparente e institucional em contexto de escassez e necessidade, com o propósito exclusivo de garantir condições mínimas de decoro e operacionalidade das instalações públicas, sem qualquer intuito ou consciência dolosa.

31.º Não existe nos autos qualquer prova ou indício sério e credível do elemento subjetivo (dolo específico) essencial ao crime imputado, nem tampouco se demonstrou qualquer vantagem ilegítima pessoal ou prejuízo efetivo para qualquer terceiro relevante à luz do artigo 382.º do Código Penal.

32.º Mesmo que, hipoteticamente, pudesse admitir-se algum prejuízo (o que se nega categoricamente), o mesmo jamais preencheria o requisito típico do "prejuízo a outra pessoa", previsto no artigo 382.º CP, conceito esse que, segundo a melhor doutrina (Paula Ribeiro de Faria), abrange apenas terceiros particulares e não entidades públicas integradas na estrutura orgânica do Estado, como o IGFEJ.

33.º Neste ponto, aliás, o entendimento vertido na decisão instrutória, ao considerar que o Estado (IGFEJ) poderia ser o sujeito prejudicado ("outra pessoa"), representa o único desvio interpretativo quanto à correta interpretação normativa e doutrinária, sendo certo que o legislador, inequivocamente, distingue os conceitos de Estado e particulares ao longo de todo o Código Penal.

34.º A tese do Ministério Público, que sustenta um prejuízo ao IGFEJ, é, além de doutrinariamente errada, uma construção artificial e destituída de lógica jurídica, dado que à data dos factos não havia base legal que atribuísse ao IGFEJ competência exclusiva para autorizar filmagens, muito menos legislação a prever o recebimento obrigatório de taxas ou quaisquer contrapartidas.

35.º Sendo certo que não havia à data dos factos qualquer previsão legal expressa ou regulamentação específica que determinasse a obrigatoriedade do pagamento de contrapartidas ou taxas pela utilização pontual dos espaços judiciais, nunca poderia haver qualquer prejuízo para o IGFEJ, dado que inexistia um ganho legalmente que pudesse ter sido frustrado.

36.º Novamente, as autorizações concedidas pela Arguida foram, assim, legítimas decisões discricionárias e gratuitas, tomadas no âmbito das competências de direção que lhe assistiam enquanto Juiz Presidente, pelo que jamais configurariam prejuízo efetivo ao IGFEJ, cuja alegada competência nem sequer existia à época dos factos.

37.º Curiosamente, os testemunhos invocados pelo próprio Ministério Público (BB, corroborado por CC) revelam, esses sim, uma situação preocupante – não atribuível à Arguida – mas relacionada com a atuação irregular do próprio IGFEJ que arbitrariamente fixava e cobrava valores (entre 1.000 e 2.000 euros) para autorizar filmagens nos tribunais entre 2014 e 2018, sem qualquer base legal ou regulamentar.

38.º Esta prática do IGFEJ de fixação arbitrária e cobrança direta, comprovadamente sem fundamento normativo à data dos factos, não apenas enfraquece profundamente a tese acusatória como levanta sérias dúvidas sobre a legalidade administrativa da atuação do próprio IGFEJ, podendo inclusive configurar eventuais ilícitos criminais (como a concussão), caso se apurasse a existência do necessário elemento subjetivo (dolo), algo que ao contrário do que entende o Ministério Público, nós aqui não presumimos a partir só desse actos objectivos.

39.º Não cabe, todavia, à Arguida ou a esta defesa imputar ou avaliar tais actos, bastando aqui sublinhar que, se alguém atuou à margem da legalidade administrativa, foi precisamente o IGFEJ e não a Arguida, esta última cuja conduta se pautou por autorizações gratuitas e devidamente registadas, em conformidade com a prática administrativa reiterada, pública e transparente.

40.º Neste contexto, torna-se ainda mais grave e incompreensível a inversão acusatória, em que se tenta penalizar criminalmente uma magistrada por um prejuízo inexistente ao IGFEJ, enquanto se ignoram totalmente as graves reservas legais decorrentes da própria conduta assumida por essa entidade pública, admitida expressamente pelos seus representantes.

41.º A Portaria n.º 391/2012, especificamente o seu artigo 5.º, limita-se a definir a estrutura interna e áreas de atuação do IGFEJ, não conferindo qualquer competência regulamentar, muito menos legitimando o Instituto para fixar ou cobrar taxas pela utilização pontual de espaços judiciais.

42.º A atuação descrita pelo Ministério Público, revelada pelos próprios representantes do IGFEJ, configura precisamente uma prática contrária aos princípios da legalidade administrativa, violando expressamente o artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 07 de Agosto, bem como uma clara usurpação das competências reservadas constitucionalmente à Assembleia da República em matéria de fixação de taxas ou contrapartidas pelo uso pontual de bens públicos.

43.º O que o Ministério Público, na realidade, parece censurar é que a Arguida tenha impedido um alegado "prejuízo" do IGFEJ decorrente da sua prática ilegal e abusiva de cobrança arbitrária de valores, sem qualquer suporte legislativo ou regulamentar válido, as particulares.

44.º Pretender, como faz o Ministério Público, que uma norma interna e orgânica possa justificar a atribuição ao IGFEJ de competências materiais de fixação e cobrança de contrapartidas ou taxas obrigatórias seria não apenas juridicamente errado como manifestamente inconstitucional face ao disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, representando uma tentativa de conferir ao IGFEJ poderes superiores aos da própria tutela (o governo).

45.º Deste modo, o alegado prejuízo invocado pelo Ministério Público é, por tudo isto, uma construção artificial, insustentável juridicamente, no limite, baseada num "prejuízo hipotético", conceitos desconhecidos e inadmissíveis em Direito Penal, revelando uma inadmissível confusão entre a legalidade administrativa e os requisitos típicos essenciais do crime imputado.

46.º A tese acusatória configura-se, portanto, como puro voluntarismo punitivo, desprovido de fundamento normativo, factual e doutrinal, em clara violação dos princípios constitucionais da legalidade, reserva de lei e justiça material, devendo ser categoricamente rejeitada por ausência absoluta dos pressupostos essenciais do crime de abuso de poder imputado.

47.º Assim, a Arguida não sacrificou o interesse público para interesses particulares; atuou, na verdade, com o propósito de beneficiar o Órgão de Soberania (o Tribunal).

48.º Confundir o benefício legítimo para o funcionamento do Tribunal com a alegação de benefícios e interesses particulares carece de qualquer fundamento.

49.º A tese acusatória ignora a prática administrativa consolidada na Comarca de ... e noutra Comarcas, assim como, o conhecimento e beneplácito de estruturas superiores do Ministério da Justiça, e a atuação transparente da Arguida.

50.º Neste âmbito, é incontornável que a arguida atuou em plena convicção da legalidade dos seus atos, num quadro de vazio regulamentar e legítima incerteza interpretativa, não existindo dolo genérico ou específico, nem resultado ilícito típico, o que exclui integralmente a prática do crime previsto no artigo 382.º do Código Penal.

51.º Falha, de forma incontornável, o elemento subjetivo (dolo específico) e o resultado típico (benefício ilegítimo / prejuízo a outra pessoa) do tipo legal do artigo 382.º do Código Penal, pelo que o recurso do Ministério Público, ao insistir na tese incriminatória, ignora o quadro legal e probatório, reiterando uma tese abstrata e descontextualizada que já foi afastada pela decisão instrutória e que deve ser, novamente, rejeitada

52.º Por conseguinte, o recurso apresentado pelo Ministério Público carece de total fundamento jurídico e probatório, devendo ser integralmente rejeitado e mantida a decisão instrutória de não pronúncia, por manifesta ausência de dolo, benefício ilegítimo ou prejuízo real a terceiros.

53.º De outra parte, o Ministério Público sustenta, igualmente, no seu recurso, que a Arguida terá praticado atos que configuram abuso do cargo de Juiz Presidente da Comarca, alegando que não só que actuou à margem das suas competências, como também violou os deveres funcionais que sobre si impendiam, tese que, mais uma vez, assenta numa manifesta deturpação dos factos apurados.

54.º A decisão instrutória não se limitou a concluir pela inexistência de dolo, mas também pela inexistência de qualquer desvio de funções, atuação ilegítima ou infração ao núcleo essencial dos deveres do cargo de Juiz Presidente.

55.º Mesmo que se admitisse, por hipótese académica, alguma dúvida sobre a titularidade da competência (o que não se concede), seria sempre necessário provar que, no exercício desses poderes, a Arguida violou os seus deveres funcionais.

56.º Os autos demonstram o contrário: a Arguida cumpriu os seus deveres com diligência e zelo, agindo com transparência, envolvimento institucional e constante preocupação com a legalidade e o bom funcionamento da justiça.

57.º Refira-se, a este propósito, que o próprio Conselho Superior da Magistratura não verificou a existência de qualquer infração disciplinar ou violação dos deveres funcionais da Arguida.

58.º As autorizações pontuais para filmagens não resultaram de actos arbitrários, secretos ou orientados por interesses particulares, foram emitidas por despacho, registadas, precedidas de comunicações comos responsáveis e coma funcionária judicial, e sempre com conhecimento do Conselho de Gestão, do Administrador Judiciário e do Ministério Público.

59.º Como bem verificou o Tribunal, não houve apropriação para uso pessoal, distribuição ilícita ou ocultação; todos os objetos referidos (toners, papel, ventiladores, etc.) foram utilizados nos espaços dos tribunais e constavam do inventário da Comarca, tendo sido sempre afetos ao funcionamento dos serviços.

60.º Esta atuação só pode ser vista como de elementar boa gestão, em resposta às carências materiais dos serviços, num contexto de reconhecida escassez de meios.

61.º A partilha dos espaços dos tribunais com a comunidade para atividades culturais como cinema e televisão é enquadrada como parte de uma lógica de Justiça aberta, comunicação como cidadão e uso racional e adequado dos edifícios, conforme comando legal e constitucional.

62.º Todavia, reafirma-se que o "mau uso dos poderes" exige uma intenção específica e não resulta de mero erro ou mau conhecimento dos deveres da função, a mera prática de um ato, mesmo em infração a regras procedimentais, não se reconduz automaticamente a um comportamento criminoso ao abrigo do artigo 382.º do Código Penal.

63.º A ideia do Ministério Públio de que qualquer violação de competência se traduz em abuso de poderes é uma caricatura burocrática do Estado que levaria à paralisação da Administração Pública ou à verificação de crimes diários por parte dos funcionários públicos.

64.º Novamente, a Arguida atuou sempre no interesse público e não o preteriu em nome de fins particulares, pelo que, não atingiu o bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder (autoridade e credibilidade da administração do Estado).

65.º Assim, sob esta perspetiva, o tipo legal falha: não houve desvio de fim, não houve violação de dever, não houve abuso, houve, sim, um exercício prudente, documentado e transparente de competências próprias da função judicial de direcção da Arguida enquanto Juiz Presidente.

66.º Por fim, recordemos que o Ministério Público invoca que a decisão instrutória padece de erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação, vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

67.º Crê-se jurisprudência unânime que os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do CPP são vícios relativos à sentença (resultado de julgamento) e não têm aplicação à decisão instrutória (que reveste a forma de despacho), vide, entre outros, vide Acórdão do Tribunal da Relação de ..., proferido no proc. n.º 3106/18.6T9LSB.L1-9, de 03/04/2019, Relação do Porto de 15/02/2012, Proc. nº 918/10.2TAPVZ.P1 e de 18/04/2012, Proc. nº 4454/10.9TAVNG.P1; Ac. R. de Évora de 03/07/2012, Proc. nº 4016/08.0TDLSB.E1. Aliás, a consequência destes vícios, seria o reenvio do processo para novo julgamento, o que, naturalmente, pressupõe um julgamento anterior, não diligências de instrução ou inquérito como é o caso.

68.º Mesmo que se admitisse, por hipótese, a aplicação destes vícios à decisão instrutória (o que se nega), ainda assim os argumentos aduzidos pelo Ministério Público carecem de qualquer fundamento, sendo que, a bem dizer, o recurso nem sequer especifica qual seria o erro notório ou a contradição insanável.

69.º No que respeita à valoração da prova, sublinhamos que a finalidade da instrução, nos termos do artigo 286.º do CPP, é a comprovação judicial da existência de indícios suficientes de que o arguido cometeu um crime, sendo o juízo do Juiz de Instrução fundado na prova.

70.º A decisão instrutória cumpriu precisamente este requisito, analisando a prova testemunhal e documental, produzida quer no Inquérito quer na Instrução, com profundidade e concluindo pela inexistência de indícios suficientes para a pronúncia. A apreciação da prova foi exaustiva, fundamentada e logicamente encadeada.

71.º O Juiz de Instrução valorou corretamente elementos como os relatórios de gestão que mencionavam as filmagens, a ausência de oposição do IGFEJ, DGAJ e MP durante anos, a falta de ocultação e, crucialmente, a ausência de dolo específico.

72.º Do mesmo modo, o Ministério Público invoca a violação do artigo 127.º do CPP (livre apreciação da prova) e as regras da experiência comum para argumentar que factos objetivos (como a Arguida saber da entrega de bens) deviam levar à conclusão de que agiu com dolo, contudo essa alegação é claramente refutada pelo Tribunal que analisou os "factos base" e concluiu que a Arguida nunca impôs, exigiu ou negociou contrapartidas.

73.º Concluiu, também que os bens recebidos foram ofertas voluntárias e gratuitas, afetas ao uso institucional da Comarca, que mesmo que ligados à autorização, serviram uma finalidade pública e não constituíram um benefício ilegítimo.

74.º O Ministério Público, ao usar factos materiais neutros (existência de bens e autorização) para inferir um propósito doloso sem base factual idónea, inverte a lógica da prova de forma abusiva e contraditada pela evidência.

75.º A decisão instrutória não incorre em irracionalidade, arbitrariedade ou insustentabilidade, mostrando uma valoração crítica, prudente, racional e conforme ao Direito.

76.º Não existe qualquer contradição entre os factos indiciados e os não indiciados. A decisão provou existência das autorizações e a existência de bens, mas concluiu corretamente que estes não bastavam para o dolo específico, benefício ilegítimo ou prejuízo.

77.º Não há contradição insanável nem erro notório de "julgamento" – vícios que, de qualquer modo, não se aplicam à decisão instrutória.

78.º Por tudo quanto exposto, a mera discordância do Ministério Público com a valoração da prova não é motivo suficiente para verificar de uma qualquer violação ao princípio da livre apreciação da prova e, consequentemente, para alterar ou revogar a decisão de não pronúncia, sendo a decisão instrutória é legalmente correta e justa, pelo que deverá ser mantida.

7. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, apôs visto.

8. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19957, bem como a doutrina dominante8, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir9.

Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo Digno Mº Pº, importa apreciar e decidir das seguintes questões:

- verificação de vícios como contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova;

- erro na valoração da prova;

- suficiência de indícios que permitam pronunciar a arguida pelos factos constantes do libelo acusatório e, sequentemente, imputar-lhe o crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º, do CPenal, pelo qual foi acusada.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição10)

(…)

1. Dos elementos recolhidos durante o inquérito e na fase de instrução, consideram-se indiciados com relevância para a decisão, os seguintes factos:

1.1. Da acusação11:

1. Por deliberação do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura n.º ..07/2014, de 27 de Maio e publicada a 4 de Junho do mesmo ano, a arguida, Juíza de Direito Dra. AA (doravante, AA) foi nomeada, em comissão de serviço, pelo período de três anos, como Juíza Presidente da Comarca de ....

2. Por deliberação do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura n.º .98/2017, de 4 de Abril e publicada a 18 de Maio do mesmo ano, foi-lhe renovada a comissão de serviço, por igual período de três anos.

9. A partir de data não apurada, mas seguramente a partir de Dezembro de 2014, várias empresas/produtoras de conteúdos televisivos e publicitários, dirigiram à ora arguida, AA, na qualidade de Presidente do Tribunal da Comarca de ..., mensagens de correio electrónico (doravante e-mails), nas quais solicitavam autorização para, com cedência e utilização de salas de diversos tribunais, aí realizarem telenovelas, filmes e anúncios publicitários.

10. Pedidos de cedência e utilização que visaram, nomeadamente, o Palácio da Justiça de ..., o Tribunal de ..., o Tribunal do ... e o Tribunal do ..., e que a ora arguida, pela mesma via, autorizou.

11. No âmbito de tais pedidos e autorizações, a arguida AA, quer verbalmente, quer através de mensagens de correio electrónico que lhe dirigiu, delegou na Senhora Funcionária, DD, à data, a exercer as funções de secretária, em substituição, sobre os bens ou equipamentos que a mesma deveria solicitar àquelas empresas e/ou "vouchers", como contrapartida pela cedência e utilização desses espaços, sempre que as mesmas manifestassem vontade em fazê-lo.

12. A arguida AA passou a indicar, pelo menos, depois de Dezembro de 2015, a Senhora funcionária, DD para acompanhar os trabalhadores daquelas empresas/produtoras nas visitas técnicas aos espaços para selecção e escolha dos mesmos.

13. Sendo que a Senhora funcionária, DD tinha dentro do seu quadro funcional as seguintes tarefas, entre outras:

- Realizar as compras de economato para a comarca;

- Realizar a aquisição de bens e serviços para a manutenção dos espaços

14. Também no âmbito da concretização das autorizações concedidas, a arguida AA, passou a indicar, por norma, o funcionário, à data escrivão auxiliar, GG para acompanhar as empresas e os intervenientes durante as filmagens, que decorriam, geralmente, durante o fim-de-semana no Palácio da Justiça de ....

15. No âmbito da sua categoria funcional, competia ao funcionário GG

- Efectuar o serviço externo;

- Preparar a expedição de correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento;

- Prestar a necessária assistência aos Magistrados

- Desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior.

- Na data dos factos o funcionário GG encontrava-se a trabalhar unicamente com a arguida, AA, estando, consequentemente, afecto às tarefas que esta lhe determinasse.

16. Para além dos sobreditos funcionários e sempre que estes estivessem por qualquer razão impedidos, a arguida AA indicava outros funcionários, após prévia consulta, para aferir sobre a sua disponibilidade e interesse para o efeito.

18. GG, recebia dos representantes das empresas, um pagamento relativo ao trabalho que desempenhava nesses sábados, o qual variava, em regra, entre €250,00 e €300,00, por cada dia, e que lhe eram pagos, quer em numerário, quer em cartões presente do "..." e/ou "...".

19. Sendo que nunca foi pedida autorização à Direcção Geral da Administração da Justiça (doravante, DGAJ), exercendo este as suas funções em regime de exclusividade.

Assim, em concreto:

20. "P..., S.A.."

Entre finais de Dezembro de 2014 e início de Janeiro de 2015, HH, em representação da sociedade "P..., S.A.", via e-mail, dirigiu à Meritíssima juiz do Tribunal do ..., II pedido de autorização de cedência e utilização de espaço daquele Tribunal para a realização de filmagens no âmbito da novela "...".

21. Pedido de que a Meritíssima juiz do Tribunal do ..., II, deu conhecimento à arguida AA, na qualidade de Presidente do Tribunal da Comarca de ..., por o Tribunal do ... se inserir organicamente naquela Comarca.

22. Obtida autorização da arguida AA, a Meritíssima Juiz do Tribunal do ..., II permitiu a cedência e utilização do espaço pretendido para as referidas finalidades.

23. O que se veio a concretizar nos dias 7 e 8 de Janeiro de 2015.

24. Com conhecimento e autorização da arguida AA e de acordo com o que lhe foi transmitido pelo então secretário daquele Tribunal, JJ, a empresa P..., S.A." adquiriu e entregou ao Tribunal judicial do ... vários artigos de escritório (balança, rato, pen e lâmpadas), no valor total de €794,56.

25. Em Fevereiro de 2015, KK, em representação da sociedade P..., S.A.", via e-mail, dirigiu à Meritíssima Juiz do Tribunal do ..., II pedido de autorização de cedência e utilização de espaço daquele Tribunal para a realização de filmagens no âmbito da novela "..."

26. Pedido de que a Meritíssima juiz do Tribunal do ..., II, deu conhecimento à arguida AA, na qualidade de Presidente do Tribunal da Comarca de ..., por o Tribunal do ... se inserir organicamente naquela Comarca.

27. Obtida autorização da arguida, a Meritíssima Juiz do Tribunal do ..., II permitiu a cedência e utilização do espaço pretendido para as referidas finalidades.

28. O que se veio a concretizar no dia 13 de Fevereiro e no dia 24 de Março de 2015.

29. Com conhecimento e autorização da arguida AA, e de acordo com o que lhe foi transmitido pelo então secretário daquele Tribunal, JJ, a empresa P..., S.A." adquiriu e entregou ao Tribunal judicial do ... vários artigos de escritório (tonners, etiquetas, balança, rato, agrafos, blocos de notas, bolsas de arquivo, etc), no valor total de €1.790,93 (€1.350,00 + €440,93).

30. Em Abril de 2016, após troca de e-mails entre KK, em representação da sociedade P..., S.A.", e a arguida AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização de filmagens da novela "...".

31. O que se veio a concretizar nos dias 25 e 29 de Abril de 2016.

32. A empresa P..., S.A." adquiriu e doou à Direção-Geral da Administração da Justiça uma impressora portátil, "Epson Work Force WF-100W", no valor de €310,98.

33. Em Janeiro de 2018, após troca de e-mails entre KK, em representação da sociedade P..., S.A." e a arguida AA, esta autorizou a realização da visita técnica ao Palácio da Justiça de ... e Tribunal do ... para posterior realização de filmagens da novela "...", indicando as Senhoras funcionárias, DD e LL para o acompanhamento às respectivas visitas.

34. E, por e-mail de 19-1-2018, dirigido ao representante da sobredita sociedade, com conhecimento às Senhoras funcionárias, DD e LL, a arguida AA transmitiu que "delegava na Secretária do Tribunal, DD, a fixação e a comunicação ao requerente de quais as contrapartidas devidas".

35. Entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2018, e após troca de e-mails, entre KK e HH, em representação da sociedade P..., S.A." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... e Tribunal do ..., para realização de filmagens da atrás referida novela "...".

36. E indicou o Senhor funcionário, GG para acompanhar as filmagens no Palácio da Justiça de ....

37. O que se veio a concretizar nos dias 1 de Novembro de 2017 e 2 de Fevereiro de 2018, respectivamente.

38. Por indicação da funcionária DD, a sociedade P..., S.A." adquiriu e entregou no Palácio da Justiça material de escritório, "tonners", no valor de €442,19.

39. A sobredita sociedade adquiriu e entregou no Palácio da Justiça de ... cinco (5) candeeiros, no valor de €645,00, do modelo indicado e escolhido pela arguida AA, conforme transmitido àquela sociedade pela Senhora funcionária DD.

40. Entre Setembro de 2018 e Dezembro do mesmo ano, após troca de e-mails entre MM, em representação da sociedade "P..., S.A." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços do Tribunal de ..., para realização de filmagens da novela "...".

41. O que se veio a concretizar nos dias 15 e 17 de Outubro e 13 de Dezembro de 2018.

42. A sociedade "P..., S.A." adquiriu e entregou no Palácio da Justiça material de escritório "tonners", no valor total de €1.647,17 = (€1.441,81 + €205,36).

43. "S..., S.A."

Em Junho e Julho de 2016, após troca de e-mails, entre NN, em representação da sociedade "S..., S.A." e a Senhora Funcionária OO, que os reencaminhou para a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Tribunal do ..., para a gravação de filmagens.

44. O que se veio a concretizar nos dias 1 e 29 de Julho de 2016, com acompanhamento por funcionário da empresa de segurança do Tribunal,

45. Em Novembro de 2016 e Março de 2017, após troca de e-mails, entre NN, em representação da sociedade "S..., S.A." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Tribunal do ..., para a gravação de filmagens da novela "...".

46. O que se veio a concretizar nos dias 23.12.2016 e 10.04.2017, com acompanhamento por funcionário da empresa de segurança do Tribunal.

47. Em Dezembro de 2017 e Fevereiro de 2018, após troca de e-mails, entre PP, em representação da sociedade "S..., S.A." e a Senhora Funcionária, LL, esta reencaminhou-os para a arguida, AA que autorizou a cedência e utilização de espaço no Tribunal do ..., para a gravação de filmagens da novela "...".

48. O que se veio a concretizar nos dias 21.12.2017 e 22.12.2017 e 19.02.2018, com acompanhamento por funcionário da empresa de segurança do Tribunal.

49. Em Julho de 2018 e, após troca de e-mails, entre NN, em representação da sociedade "S..., S.A." e a Senhora Funcionária, LL, esta reencaminhou-os para a arguida, AA que autorizou a cedência e utilização de espaço no Tribunal do ..., para a gravação de filmagens da novela ....

50. O que se veio a concretizar nos dias 2 e 3 de Agosto, com acompanhamento por funcionário da empresa de segurança do Tribunal.

51. "A..., Lda

Em 13 de Maio de 2015, após troca de e-mails, entre QQ, em representação da sociedade "A..., Lda" e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Palácio da Justiça de ... para realização de um filme para o Sport ... e Benfica, a propósito do 34° campeonato.

52. O que se veio a concretizar no dia 13 ou 14 de Maio de 2015.

53. "C..., S.A."

Em Agosto de 2016, após troca de e-mails, entre RR, em representação da sociedade "C..., S.A." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Palácio da Justiça de ... para realização de filmagens da 1a série alemã "...".

54. O que se veio a concretizar nos dias 24 e 25 de Setembro de 2016.

55. A arguida, AA, por e-mail dirigido à Senhora funcionária, DD referiu que "delegava na Senhora Secretária do Tribunal, DD, a fixação e a comunicação das contrapartidas aos requerentes das filmagens'.

56. Referiu, também que as filmagens seriam acompanhadas pelos Senhores Funcionários, GG (dia 24) e SS (dia 25).

57. SS, à data, realizava um estágio no âmbito do Programa de Estágios Profissionais da Administração Pública Central (PEPAC), sob a supervisão da arguida, AA.

58. A sobredita sociedade "C..., S.A." entregou, a cada um deles, a quantia de €300,00, em numerário, conforme declaração que cada um deles assinou.

59. "S..., Lda

Em Setembro de 2016, após troca de e-mails, entre TT, em representação da sociedade "S..., Lda" e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Palácio da Justiça de ... para realização das filmagens de uma série televisiva para a R.., denominada "...", posteriormente denominada "...".

60. O que se veio a concretizar no dia 11 de Dezembro de 2016.

61. A arguida, AA, indicou, ainda, a Secretária do Tribunal, DD para acompanhamento das visitas técnicas.

62. E, as filmagens foram acompanhadas pelos Senhores Funcionários, GG e SS.

63. A sobredita sociedade "S..., Lda" entregou, a cada um dos identificados no art.º anterior, a quantia de €250,00, em numerário.

64. "M..., Lda"

Em Outubro de 2016 e Novembro do mesmo ano, após troca de e-mails, entre TT, em representação da sociedade "M..., Lda", e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços, no interior e exterior do Palácio da Justiça de ..., para realização das filmagens da longa metragem "...", produção cofinanciada pela Câmara Municipal de ... e pela R...

65. Devendo a sociedade informar, previamente, a Esquadra da PSP, junto ao Palácio da Justiça, bem como, a Divisão de Trânsito da PSP, relativamente aos locais das filmagens no exterior.

66. Filmagens que se concretizaram nos dias 5 e 13 de Novembro de 2016.

67. "K..., Lda"

Em Janeiro de 2017, após troca de e-mails, entre UU, em representação da sociedade "K..., Lda" e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço no Palácio da Justiça de ..., para realização de uma campanha publicitária para o "...".

68. O que se veio a concretizar no dia 26 de Fevereiro de 2017.

69. As referidas filmagens foram acompanhadas pelo Senhor funcionário, GG.

70. Por indicação da Senhora funcionária, DD a sociedade "K..., Lda", adquiriu e entregou no Palácio da Justiça material de escritório, "tonners", no valor total de €196,80.

71. Para além disso, no dia 25.02.2017, a sociedade "K..., Lda" adquiriu e entregou ao Senhor Funcionário. GG um cartão presente com o número ..........16 do "...", no valor total de total de €250,00.

72. Valor esse que foi gasto, nos dias 4.03. 2017, 08.04.2017,15.04.2017, 29.04, 2017 e 06.05.2017, por, VV, com o NIF .....76, casada com GG, na aquisição de artigos de supermercado.

73. "AG..."

Em Agosto de 2017, após troca de e-mails, entre WW, em representação da sociedade "AG..." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização das filmagens da série alemã "...".

74. O que se veio a concretizar nos dias 14 e 15 de Outubro de 2017.

75. Para acompanhamento das referidas filmagens, a arguida, AA indicou o Senhor funcionário, GG.

76. Na sequência, a arguida AA, em 17 de Outubro de 2017, enviou à Senhora funcionária DD, e-mail, determinando-lhe que "informasse a produtora "AG...", com urgência, os consumíveis que a mesma deveria adquirir".

77. Cumprindo tal determinação, no mesmo dia, a sobredita funcionária, enviou à sociedade e-mail com a indicação dos "tonners" a entregar.

78. Produtos que a sociedade "AG...", no dia 19.10.2017, adquiriu e entregou no Palácio da Justiça de ..., no valor total de €1.036.00.

79. Em Julho de 2018, após troca de e-mails, entre XX, em representação da sociedade "AG..." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização das filmagens da série alemã "...”.

80. O que se veio a concretizar nos dias 6, 7 e 27 de Outubro de 2018.

81. Para acompanhamento das referidas filmagens, a arguida, AA indicou para os dois primeiros dias a Senhora funcionária, YY e para o último dia, o Senhor funcionário, GG.

82. A sociedade adquiriu e entregou no Palácio da Justiça em ... - 8 aparelhos de ar condicionado, com a referência "Daitsu Ar Condicionado APD-9CK), no valor total de €1.771,42.

83. D..., Lda

Em Setembro de 2017, após troca de e-mails entre ZZ e HH, em representação da sociedade "D..., Lda, e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização das filmagens da série televisiva "..."

84. O que se veio a concretizar nos dias 11 e 12 de Novembro de 2017 e 20 de Janeiro de 2018.

85. Para acompanhamento das referidas filmagens, a arguida, AA indicou o Senhor funcionário, GG.

86. A sociedade "D..., Lda, adquiriu, no dia 16.11.2017, um cartão presente com o número .........35 do "...", que entregou a GG, no valor de €500,00.

87. Valor esse que foi gasto, nos dias 18 de Novembro, 25 de Novembro, 23 de Dezembro e 30 de Dezembro, todos de 2017, por VV, com o NIF .....76, casada com GG, na aquisição de artigos de supermercado.

88. Para além disso, a sobredita sociedade, adquiriu um cartão presente com o número .........68 da "...", no valor de €80,00.

89. Tal cartão foi pedido pela Senhora funcionária, DD, a mando da arguida, AA, para a aquisição a AAA, à data, seu motorista, de um fato completo, que efetivamente veio a ser adquirido.

90. Em 14.11.2017, a sobredita sociedade "D..., Lda adquiriu e entregou no Palácio da Justiça de ... 4 "tonners", no valor total de €69,58.

91. No dia 20 de Janeiro de 2018, como transmitido pela Senhora funcionária, DD, a mesma sociedade adquiriu ainda, no dia 19.01.2018 dois cartões presente do "..." no valor total de €500,00.

92. Um dos quais, com o número .........74, no valor de €200,00, entregou ao Senhor funcionário, GG.

93. Valor esse que foi gasto, nos dias 10 de Fevereiro, 18 de Fevereiro, 03 de Março e 18 de Março, todos de 2018, por, VV, com o NIF .....76, casada com Senhor funcionário, GG, na aquisição de artigos de supermercado.

94. A sociedade "D..., Lda, adquiriu outro que entregou no Palácio da Justiça de ... com o número .........17, no valor de €300,00.

95. Valor esse que foi gasto entre os dias 25 de Janeiro de 2018 e 19 de Abril do mesmo ano, na aquisição, entre outros, de diversos artigos, a saber: "colher moka" (€9,00), infusões diversas, diferentes qualidades de café moído, guardanapos, detergente, pano multiusos, esfregão (€26,13), águas, pastelaria (€18,21), sacos, bolos, café (€19,31), abre-cápsulas, pratos, colheres, pá bolo (€42,10), sacos, águas, copos, guardanapos (€6,76) e um disco externo (€74,99), constando de parte das facturas de aquisição daqueles objectos - o NIF .......80 do Palácio da Justiça, bens adquiridos por sugestão da arguida, por fazerem falta para uso pelo Tribunal.

96. Foi ainda adquirida uma moldura no valor de €108,24, dos quais €103,52 foram pagos com o sobredito cartão e o valor restante, €4,74 foi pago com o cartão com o número ...........32, oferecido pela "P..., Lda".

97. "B...."

Em Fevereiro e Março de 2018, após troca de e-mails, entre BBB, em representação da sociedade "B...." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização das filmagens do videoclip "...".

98. O que se veio a concretizar no dia 17 de Março de 2018.

99. Pelo acompanhamento das filmagens, a sobredita sociedade, em 14.3.2018, adquiriu e entregou ao Senhor funcionário GG, um cartão presente do ... com o número ........51, no valor de €120,00.

100. A sociedade "B...." adquiriu e entregou no Palácio da Justiça de ..., um cartão presente da "..." com o número .......28, no valor de €150,00.

101. Cartão que foi utilizado na aquisição de diverso material, nomeadamente cartões de visita para os membros do Conselho de Gestão, impressões a cores, encadernações, fotocópias, etiquetas, tomadas, copos de água e café, cápsulas de café,

102. Aquisições que ascenderam ao valor total de €150,23, dos quais €0,23 foram pagos com o cartão multibanco da CGD, titulado pelo Senhor funcionário, GG.

103. Tais aquisições foram umas da iniciativa ou a mando e outras apenas sugeridas pela arguida AA, de acordo com as necessidades do Tribunal e efetuadas pelo Senhor GG que se fez acompanhar pela Senhora funcionária, CCC.

104. U..., Lda

Entre Maio e Julho de 2018, após troca de e-mails, entre DDD, em representação da sociedade "U..., Lda" e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Tribunal de..., em ... para a filmagem de uma telenovela/filme com a designação "...".

105. O que se veio a concretizar entre os dias 4 e 7 de Julho 2018.

106. A arguida, AA indicou a Secretária, DD para qualquer assunto relacionado com as filmagens.

107. A sociedade "U..., Lda" determinou a limpeza do mato em redor do edifício, cujo custo não se apurou.

108. "A..., Lda

Em Outubro de 2018, após troca de e-mails, entre EEE, em representação da sociedade "A..., Lda e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para a filmagem de um episódio da série "..." -série da ..., reportando-se ao retrato de três figuras femininas e importantes da cultura Portuguesa_ FFF, GGG e HHH.

109. O que se veio a concretizar no dia 16 de Outubro de 2018.

110. Para acompanhamento de qualquer assunto relacionado com as referidas filmagens, a arguida AA, indicou a Senhora funcionária DD.

111. "P..../M..., Lda", representada em Portugal pela "P..../M..., Lda

Em Novembro de 2018, após troca de e-mails, entre III, em representação da sociedade "P..../M..., Lda, e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaço, sito na zona exterior do Palácio da Justiça de ..., zona lateral das arcadas e envolvente do edifício, para realização de filme publicitário para a campanha de Natal do "..."

112. O que se veio a concretizar entre os dias 9 e 11 de Novembro de 2018.

113. Tais filmagens foram acompanhadas pelos Senhores funcionários, GG e JJJ (este último, à data, a exercer as funções de PSP).

114. A sociedade "P..../M..., Lda" adquiriu e entregou no Palácio da Justiça de ..., 10 aquecedores, no valor total de €364,90.

115. Para além disso, a sociedade adquiriu dois cartões presente do ..., no valor total de €350,00

116. Que fez entregar, um deles, no valor de €250,00 ao Senhor funcionário, GG.

117. E, o outro, no valor de €100,00, ao acima identificado, JJJ.

118. "P..., Lda"

Em Abril de 2018, após troca de e-mails, entre KKK, em representação da sociedade "P... ............." e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ..., para realização de filme publicitário para a marca de automóveis "HYUNDAI".

119. O que se veio a concretizar no dia 21 de Abril de 2018.

120. A arguida, AA, indicou o Senhor funcionário, GG para acompanhamento das filmagens.

121. A sociedade "P... .............", em 19.04.2018, adquiriu dois cartões presente do "...", com o número ...........39 e com o número ...........32, ambos no valor total de €1.000,00.

122. Um dos quais, com o número ...........39, no valor de €250,00, foi entregue ao sobredito Senhor funcionário, GG.

123. O valor de €209,11 foi gasto, entre os dias 25.04.2018 e 02.06.2018 por VV, com o NIF .....76, casada com o Senhor funcionário, GG, e o valor de €40,06 foi gasto pelo referido Senhor funcionário GG, na aquisição de artigos de supermercado.

124. O outro cartão presente, com o número ...........32, no valor de €750.00 foi entregue no Palácio da Justiça.

125. Parte desse montante foi gasto, no dia 28.06.2018, por ordem e determinação da arguida, na compra de um frigorífico no valor de €199,00, que foi entregue no Palácio da Justiça.

126. Para além desse montante, entre 19.05.2018 e 24.11.2018 foi gasto, a mando e por determinação da arguida AA, um total de €350,16 com a aquisição, nomeadamente de uma camisa para AAA, à data, seu motorista, e, ainda, outros artigos, a saber: um guarda-chuva, flores, 2 toalhas de mesa, copos, pratos, facas, diversos artigos de supermercado (€20,13, €28,65, €29,95, 39,35, €16,82, €29,41, €80,00, €49,90, €50,61, e foi ainda pago o montante de €4,74 a que nos referimos no artigo 96°).

127. As aquisições identificadas nos arts 125° e 126º desta acusação, com o cartão presente número ...........32, no valor de €750.00, referido no artigo 124, foram determinadas pela arguida, AA e executadas por GG que se fez acompanhar pela Senhora funcionária, CCC.

128. Por gastar, no sobredito cartão, ficou o montante de €200,84.

129. Em Outubro e Novembro de 2018, após troca de e-mails, entre LLL, em representação da sociedade "P... .............", e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização de filme publicitário para a marca de automóveis "...".

130. O que se veio a concretizar no dia 28 de Outubro de 2018.

131. A arguida, AA, indicou o Senhor funcionário, GG para acompanhamento das filmagens.

132. A sociedade "P... .............", em 25.10.2018, adquiriu dois cartões presente da "...", com o número .........12 e com número .........13, no valor total de €800,00, ou seja, de €400,00, cada um.

133. Cartões esses que fez entregar no Palácio da Justiça.

134. No dia 21 de Novembro de 2018, a arguida AA, dirigiu-se a uma loja ..., sita no Centro Comercial ..., onde adquiriu/comprou uma máquina de café no valor de €39.99, utilizando no respetivo pagamento, o cartão ... número .........12, emitido em seu nome.

135. Por gastar, no sobredito cartão ficou a quantia de €360,01.

136. Para além disso, não foi gasta nenhuma quantia do outro cartão com o n°. .........13, no valor de €400,00.

137. G..., Lda"

Em 20 de Novembro de 2018 e, após troca de e-mails, entre MMM, em representação da sociedade "G..., Lda", e a arguida, AA, esta autorizou a cedência e utilização de espaços no Palácio da Justiça de ... para realização de filmagens para uma "Campanha Solidária para a ...".

138. O que se veio a concretizar no dia 8 de Dezembro de 2018.

139. A arguida, AA, indicou a Senhora Secretária do Tribunal, DD para acompanhamento das visitas técnicas, e a Senhora funcionária, YY para acompanhamento das filmagens.

140. Em data não apurada mas por volta do mês de Fevereiro de 2018, o Magistrado do MP coordenador, NNN, tendo conhecimento da actuação da Sr. Juiz Presidente, sugeriu em reunião do conselho de gestão, que a questão fosse levada à reunião que estava prevista com o IGFEJ e com a DGAJ, que ocorreu em Abril de 2018, na qual estiveram presentes o Conselho de Gestão do Tribunal da Comarca de ..., incluindo o declarante, a Senhora Juiz Presidente, o Administrador Judiciário, bem como o Conselho Directivo do IGFEJ e o Director Geral da DGAJ.

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1.2. Do requerimento de abertura de instrução e outros, com interesse para a decisão:

1. Quando a arguida deferiu as autorizações solicitadas pelas várias empresas produtoras de filmagens, não existia nenhuma Regulamentação específica para utilização de curta duração de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça, nos termos em que já existia para a utilização de Imagens de Museus, Monumentos e outros Imóveis afetos à Direcção-Geral do Património Cultural cujo Regulamento foi aprovado pelo despacho nº 10946/2014, publicado no Diário da República nº 164, 2ª série, de 27 de agosto.

2. Em 4 de dezembro de 2019, o Conselho de Gestão da Comarca de ..., presidido pela arguida AA, aprovou uma Proposta de Regulamento de Cedência de Espaços de Utilização do Tribunal Judicial da Comarca de ..., proposta essa elaborada pela mesma (arguida) e que foi remetida ao IGFEJ.

3. Por despacho n.º 3863/2021, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021, foi aprovado o Regulamento de Cedência de Utilização de Curta Duração de Espaços Afetos à Área da Justiça.

4. Pelo menos desde Janeiro de 2018, que o Administrador Judiciário da Comarca de ..., o Sr. Dr. FF remeteu para o e-mail do Senhor Procurador Coordenador todas as autorizações de filmagens deferidas pela arguida e indicações de funcionários.

5. Pelo menos desde 2016 que a DGAJ tinha conhecimento dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem, considerando mesmo que a competência para apreciação das solicitações e respetivas autorizações cabia à Juiz Presidente da Comarca.

6. Nas autorizações deferidas pela arguida, nunca foi estabelecido como condição ou troca direta e obrigatória, para a utilização dos espaços e realização de filmagens, qualquer compensação, nem foi esta indicada como sendo legalmente devida.

7. As ofertas ou dádivas de bens e serviços, bem como os cheques-oferta para posterior aquisição de bens, que na acusação são designadas de contrapartidas, sempre foram da iniciativa e da livre vontade das respetivas empresas e ocorreram sempre após as autorizações e realização das filmagens.

8. Os bens entregues pelas diferentes empresas tiveram como finalidade exclusiva o serviço da comarca.

9. Nas autorizações e filmagens realizadas nas situações descritas nos artigos 43.º a 50.º referente à S..., S.A., 51.º a 52.°, referente à "A..., Lda; 64.° a 66., referente a M..., Lda; e 108.º a 110.º, referente a "A..., Lda. não existiram quaisquer dádivas por parte destas empresas nem o consequente recebimento pelo Tribunal.

10. As filmagens nos espaços dos tribunais eram do conhecimento geral, dentro da Comarca, tendo a arguida retratado/incluído este assunto no Relatório de Gestão do Tribunal Judicial da Comarca de ..., referente ao período de 01-09-2015 a 31-08-2016.

11. Na sessão Plenária Ordinária do Conselho Superior da Magistratura, realizada em 02-05-2024, foi deliberado, por unanimidade, arquivar o expediente relacionado com a frequente realização de filmagens nos espaços interiores e exteriores, adjacentes ao Palácio de Justiça de ..., em que era visada a aqui arguida.


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2. Por sua vez, consideram-se não indiciados os seguintes factos:

1. No âmbito dos referidos pedidos e autorizações, a arguida AA dava indicações específicas à Senhora Funcionária DD sobre os bens ou equipamentos que a mesma deveria solicitar àquelas empresas e/ou "vouchers", como contrapartida pela cedência e utilização desses espaços.

2. O relatado em 18. dos Factos Indiciados ocorreu com o conhecimento e autorização da arguida AA.

3. A arguida negociou com as empresas uma remuneração ou compensação para os funcionários que, em cada momento, acompanharam as diferentes filmagens, tendo tido intervenção nessas recompensas ou conhecimento do seu recebimento, pelo menos até às vésperas da realização do Conselho de Gestão da Comarca de ... de 3 de dezembro de 2018.

4. A impressora referida em 32. dos Factos Indiciados adquirida pela empresa "P..., S.A." foi por esta empresa entregue diretamente no Palácio da Justiça.

5. As contrapartidas referidas nomeadamente em 24., 29., 38., 39., 40., 42., 63., 70., 82., 86., 88., 91., 92., 93., 94.,101., 103., 107., 114., 121., e 132 dos factos indiciados referentes às respetivas autorizações deferidas pela arguida, foram previamente determinadas pela arguida AA.

6. Na reunião referida no facto indiciado nº 140 com a presença do Conselho de Gestão do Tribunal da Comarca de ..., o Conselho Diretivo do IGFEJ e o Diretor Geral da DGAJ, ficou assente que em futuros pedidos seriam estabelecidos contactos entre a ora arguida e a direção do IGFEJ.

7. A arguida AA continuou, depois de abril de 2018, a manter os mesmos procedimentos, ou seja, continuou a assumir, por si só, as autorizações para cedência e utilização das instalações para as filmagens e definição das contrapartidas, sem que fizesse qualquer comunicação, prévia ou posterior, ao IGFEJ.

8. Atuação que só cessou a partir de 28 de Novembro de 2018, data em que foi apresentada a participação que deu origem ao presente processo criminal.

9. A arguida, AA praticou e quis praticar os atos descritos nas vestes do cargo que ocupava, aproveitando-se da posição de Juiz Presidente de Comarca, sabendo que aquele cargo não lhe conferia competência para autorizar a cedência e a utilização dos espaços, interiores e exteriores, situados na área territorial da comarca de ..., nem para receber e dar destino, para si e para terceiros, às quantias e regalias entregues como contrapartida pelas empresas de filmagem.

10. A arguida sabia que a competência para aqueles atos estava legalmente cometida ao IGFEJ e que não tinha autorização desta entidade para a prática de tais atos de disposição e recebimento das respetivas contrapartidas, querendo e conseguindo, ainda assim, agir, como agiu.

11. A arguida, usando também a sua qualidade de Juiz Presidente da comarca, determinou, ainda, os funcionários que exerciam funções na comarca e que consigo trabalhavam, a executarem tarefas e a trabalharem ao sábado, como executaram e trabalharam, fora do quadro das suas atribuições funcionais e do seu horário de trabalho, o que quis e conseguiu, bem sabendo que não tinha competência para tal.

12. A arguida AA obteve com a acima descrita atuação, um benefício que não lhe era devido, quer para si própria, quer para os serviços e funcionários na sua dependência, quer ainda, nomeadamente, para os funcionários, GG, SS, AAA e JJJ, bem sabendo que as suas condutas lhes iriam proporcionar tais benefícios, o que quis.

13. Com a sua conduta a arguida causou prejuízo ao IGFEJ, entidade a quem competia autorizar a utilização e rentabilização daqueles espaços, bem como receber as respetivas contrapartidas; competência que, por força da atuação da arguida, aquela entidade se viu impedida de exercer e contrapartidas de que não pôde beneficiar.

14. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente.

15. Bem sabendo não lhe serem permitidas tais condutas e que eram proibidas e punidas por lei penal.


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3. Motivação dos factos indiciados e não indiciados:

Relevaram para a prova que resultou indiciada, as declarações prestadas pela arguida (seja em fase de inquérito, a fls. 1743, seja durante a presente instrução), bem como pelas testemunhas inquiridas, conjugadas com o teor dos elementos documentais constantes dos presentes autos.

A arguida, no requerimento de abertura de instrução apresentado aceita, em termos globais, os factos objetivos descritos na acusação, relativamente à autorização das filmagens e aos bens entregues na sequência das mesmas. Insurge-se, todavia, relativamente à autorização das filmagens que tiveram lugar no Tribunal do ..., bem como ao enquadramento jurídico desses atos, e à intencionalidade com que os mesmos foram praticados.

3. 1. Factos indiciados da acusação:

No que respeita à prova documental, teve-se em consideração a mesma, nos seguintes termos:

a) Facto 1.º - documento de fls. 253, referente à deliberação (extrato) n.º 1207/2014, onde consta a nomeação como Juiz Presidente da Comarca de ... a aqui arguida, por deliberação do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura de 27 de maio de 2014;

b) Facto 2.º - deliberação do Conselho Superior de Magistratura a renovar a referida comissão, e respetiva publicação, a fls. 256 a 256;

c) Factos 9.º e 10.º - decorre dos inúmeros e-mails juntos aos autos, nomeadamente os constantes do Apenso VII;

d) Facto 11.º a 13.º - teve-se em consideração o teor dos e-mails de fls. 52 e 294, do Apenso VII, Vol. I, e fls. 609, do Apenso 7, Vol. II, de onde decorre a delegação, por parte da arguida, na testemunha DD, sobre a fixação das contrapartidas que fossem recebidas na sequência das filmagens, bem como o depoimento da referida testemunha; a própria arguida, no artigo 86º do RAI, admite que “sempre foi a funcionária, Senhora Secretária de Justiça DD que ficava incumbida da realização das eventuais visitas técnica aos locais, e dos assuntos relacionados com as filmagens, tal como consta dos artigos 13º e 14º da acusação, o que era decorrência das suas funções, que se prendiam com a gestão da ocupação e manutenção dos espaços do Tribunal”.

e) Factos 14.º a 16.º, 18.º e 19.º - decorre dos vários e-mails juntos aos autos, nomeadamente no Apenso 7, bem como do depoimento da testemunha GG, e do documento de fls. 328;

f) Factos 20.º a 42.º - inquirição de OOO (fls. 1208 e ss.) e documentos de fls. 283 e 284, dos autos principais [1.º volume], fls. 1210 a 1218, dos autos principais [5.º volume], fls. 1571 a 1574, 1584, 1593 e 1713, dos autos principais [6.º volume], fls. 32 a 35, do Apenso 2; fls. 7 a 14, 194, 195, 206 a 209, 217, 260 a 264, 334 do Apenso 7, Vol. I; fls. 792, do Apenso 7, Vol. II; fls. 1106 a 1117, do Apenso 7, Vol. III.

Segundo a arguida, os factos 20.º a 29.º não corresponderão à realidade, em virtude de tal autorização ter sido dada pelo Administrador Judiciário, alegando que a arguida apenas teria tido conhecimento posterior da mesma. Todavia, compulsado o e-mail constante de fls. 283, datado de 12 de março de 2015, verifica-se estar manuscrito pela juíza coordenadora II, no canto inferior direito, um despacho onde se pode ler «A Mma. Juíza Presidente autorizou o pedido, dê-se conhecimento ao Sr. Administrador e diligencie-se pelo que se impuser necessário.

D.N.

..., 16.03.2015».

Por sua vez, é certo que a fls. 282 consta um e-mail remetido pelo Administrador Judiciário à arguida, datado de 18.03.2015, em que reencaminha um e-mail de 16.03.2015, e em que escreve «Dr.ª AA, remeto-lhe este expediente relativo a uma autorização que já havia dado».

Afigura-se, assim, atendendo ao despacho proferido pela Sra. Juíza Coordenadora II – o qual é expresso e não deixa margem para dúvidas – e à sequência temporal dos e-mails em causa, que o Administrador Judiciário se está a referir a «uma autorização que [a arguida] já havia dado», e não o próprio, conforme pretende a arguida.

Do mesmo modo, a testemunha JJ, que exerceu as funções de secretário da justiça no Tribunal do ..., esclareceu, na sua inquirição, não ter dúvidas de que quem autorizava era a arguida e que sem essa autorização não eram permitidas quaisquer filmagens (fls. 355).

g) Factos 43.º a 50.º - fls. 1499 dos autos principais [6.º volume], fls. 604 a 607 do Apenso 7, Vol. II; fls. 233 e 234, 317, 387, 401 a 403, e 422 do Apenso 7, Vol. I;

h) Factos 51.º e 52.º - fls. 258 do Apenso 7, Vol. I – É certo que apenas temos o e-mail a solicitar a autorização, não tendo sido possível localizar qualquer documento/email de resposta a deferir a respetiva autorização. Todavia, não só a arguida não impugna este facto, como no artigo 80 do requerimento de abertura de instrução vem afirmar que a própria acusação do Ministério Público menciona situações de filmagens realizadas sem o recebimento de quaisquer dádivas por parte do Tribunal como por exemplo nas situações descritas, entre outras, dos artigos… 51.º a 52.°, referente à "A..., Lda. Como se dirá mais adiante, “os pedidos eram efectuados pelas empresas/entidades interessadas, usualmente através de e-mail, aos quais a Srª Juiz Presidente respondia, autorizando, ou não, consoante as circunstâncias – tendo em consideração, nomeadamente, a eventual inconveniência para o serviço, o que ocorria quando o pedido respeitava a dias úteis. Na positiva, informava que, daí em diante, o demais era acertado com a funcionária DD, secretária de justiça”. Deste modo, entendemos que deve ser dada como indiciada esta autorização pela arguida.

i) Factos 53.º a 58.º - fls. 291 a 296 do Apenso 7, Vol. I e fls. 1033 a 1035 e 1037 dos autos principais [4.º volume];

j) Factos 59.º a 63.º - fls. 300 e 301 do Apenso 7, Vol. I e fls. 559 a 561 do Apenso 7, Vol. II e fls. 1199 e 1407 dos autos principais [5.º volume];

k) Factos 64.º a 66.º - fls. 307 a 314 do Apenso 7, Vol. I;

l) Factos 67.º a 72.º - fls. 323 a 331 do Apenso 7, Vol. I, fls. 544 do Apenso 7, Vol. II e fls. 1303, v., dos autos principais [5.º volume], fls. 105 a 1111, v. do Apenso 2;

m) Factos 73.º a 82.º - fls. 35 a 44, 52, 55 a 60, 64 e 65 do Apenso 7, Vol. I, fls. 1144, 1148 a 1150, 1551, dos autos principais [5.º volume], fls. 245 e 246 anexo ao exame pericial e auto de busca e apreensão de fls. 1579 a 1583 dos autos principais [6.º volume];

n) Factos 83.º a 96.º - fls. 226 a 231 do Apenso 7, Vol. I, fls. 542 e 542 verso, dos autos principais [2.º volume], fls. 78 a 82, 154, 143, verso, 187, 187, verso, 188, 135 a 168, 190 e 191, do Apenso 2, fls. 1193 e 1193, verso, dos autos principais [5.º volume];

No que respeita concretamente ao facto nº 89, a arguida teve esta ideia e iniciativa, de adquirir um fato para o seu motorista porque nas deslocações oficiais, o mesmo costumava usar calças de ganga, dizendo que não tinha qualquer fato para usar nem camisa e gravata adequadas, sentindo-se o mesmo muitas vezes constrangido perante os seus colegas.

Quanto aos bens enumerados no artigo 95º, a arguida dava indicações, sugerindo a compra de bens que efetivamente faziam falta no Tribunal e que não existiam, quando era necessário o seu uso.

A própria arguida admite estas compras, quer o fato (artigo. 89º) – por sua iniciativa - quer as demais (artigo 95º) - por sua sugestão -, nas declarações prestadas em instrução.

o) n) Factos 97.º a 103.º - fls. 382 a 385 do Apenso 7, Vol. I; fls. 1098 a 1100 dos autos principais [4.º volume], fls. 25, 43 e 44 do Apenso 6, inquirição de PPP (fls. 1096) e de QQQ (fls. 1108). Também quanto aos bens enumerados no artigo 101º, a arguida admite nas declarações prestadas na instrução, que dava indicações, sugerindo a compra de bens que faziam falta no Tribunal, admitindo que, concretamente quanto às encadernações, a iniciativa foi sua. Também nas primeiras declarações prestadas no inquérito a fls 195 e seguintes, a arguida admite estas compras, nomeadamente um disco externo, cartões de visita e encadernação dos relatórios da comarca, na ....

p) Factos 104.º a 107.º - fls. 405 a 420 do Apenso 7, Vol. I; fls. 1086 a 1091 dos autos principais [4.º volume],

q) Factos 108.º a 110.º - fls. 182 a 184 do Apenso 7, Vol. I;

r) Factos 111.º a 117.º - fls. 242 a 244 do Apenso 7, Vol. I; fls. 1358, verso, 1359, verso, 1360 e 1360 verso, dos autos principais [5.º volume],

s) Factos 118.º a 136.º - fls. 353 a 380 do Apenso 7, Vol. I; fls. 39 e 40, 42, 57 a 70 do Apenso 2 e fls. 29 e 30 do Relatório Pericial, fls. 1577 a 1592, dos autos principais [6.º volume], fls.173, 174, 182 e 183 do Apenso 1.

No que respeita aos bens referenciados nos artigos 125 e 126 da acusação, concretamente ao frigorífico, à camisa para AAA, à data, motorista da arguida na qualidade de Juiz Presidente da Comarca, um guarda-chuva e ainda quanto aos outros bens a própria arguida admite estas compras por sua iniciativa, mais uma vez por entender que o motorista, nas deslocações oficiais, mão tinha roupa apropriada e o guarda-chuva fazia falta, em muitas ocasiões, bem como os outros bens que muitas vezes faziam falta no Tribunal e não existiam, quando era necessário o seu uso. Admitindo que ela própria comprou a máquina de café.

t) Factos 137.º a 139.º - fls. 184, 186 e 187, dos autos principais [1.º volume].

v) Facto 140º - Declarações do Sr. Magistrado do MP coordenador, NNN, prestadas no inquérito em 30.1.2019.


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3. 2. Factos indiciados no requerimento de abertura de instrução e outros:

Facto nº 1 - Era óbvia a falta de Regulamentação específica para utilização de curta duração de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça - que decorre desde logo das declarações da arguida - , o que justificou a publicação do despacho n.º 3863/2021, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021, que aprovou o respetivo Regulamento.

Já no relatório de 11.03.2019 (ofício de 06-11-2024, com a referência citius ......25), elaborado pelo instrutor do processo que correu termos no Conselho Superior da Magistratura, perante os factos considerados indiciados, se propôs que o Conselho Superior da Magistratura promovesse junto do IGFEJ e da DGAJ procedimento para elaboração de um Regulamento relativo a realização de filmagens para filmes, séries, telenovelas, spots publicitários e outros, de natureza comercial ou não, em espaços afetos a Tribunais Judiciais.

Facto nº 2 - Teor da cópia da proposta enviada por e-mail pelo Sr. Presidente da Comarca de ..., a solicitação deste Supremo Tribunal, que deu entrada nos autos em 3.12.2024, referência citius ....07.

Facto nº 3 – A própria publicação no respetivo Diário da República, 2.ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021.

Facto nº 4 – Documentos de fls. 18 a 188, do 1º volume e teor das respetivas mensagens de correio eletrónico enviadas pelo Sr. Administrador Judiciário da Comarca de ..., para o e-mail do Senhor Procurador Coordenador.

Facto nº 5 – Como adiante melhor se explicitará, a própria DGAJ remeteu à arguida os e-mails recebidos por empresas a solicitar tais autorizações, por considerar que seria esta (a arguida) na qualidade de Juiz Presidente da Comarca, a competente para o efeito, conforme decorre de fls. 279 (e-mail da DGAJ, de 06.07.2016). Tendo RRR, então Chefe de Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, reencaminhado à arguida um e-mail nesse sentido, conforme teor de fls 198.

Também do depoimento da testemunha Dr. SSS, atualmente Juiz Desembargador no Tribunal Central Administrativo ..., o qual exerceu as funções de Diretor-Geral da Administração da Justiça nomeado pelo Despacho n.º 2302/2016, publicado no DR, 2.ª série, n.º 32 de 16 de fevereiro, ou seja, na altura da prática de alguns factos dos autos, resulta que a DGAJ tinha conhecimento dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem.

***

A toda a fundamentação supra enunciada, acresce ainda a seguinte, de um modo mais específico quanto a todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos:

Desde logo, não foram tidas em consideração no acervo factual indiciado e não indiciado, todas as considerações de natureza jurídica e/ou conclusivas, como sucede, nomeadamente, com o teor dos nºs 3 a 8, 17 e 143 da acusação pública, bem como o teor de outros artigos, por se mostrarem irrelevantes para a decisão instrutória a proferir.

***

A matéria de facto não indiciada respeita, no essencial, à consciência e intencionalidade da arguida, relativamente às autorizações concedidas – e aos poderes para tal – bem como relativamente à determinação e finalidade das contrapartidas entregues pelas diferentes empresas de filmagem.

Afigura-se, assim, que inexistem nos autos elementos probatórios que permitam concluir que a arguida praticou os atos em causa sabendo e estando consciente que aquele cargo não lhe conferia competência para autorizar a cedência e utilização dos espaços situados na área territorial da comarca de ..., porquanto a competência para os mesmos estaria cometida ao IGFEJ.

Do mesmo modo, não resulta indiciado que a arguida tivesse, com tal atuação, um benefício que não lhe era devido, quer para si, quer para os serviços e funcionários da sua dependência, nem que tal conduta tivesse causado qualquer prejuízo ao IGFEJ.

Vejamos, então.

Segundo referiu a arguida, quando passou a exercer funções como Juiz Presidente da Comarca de ..., decidiu ‘chamar a si’, a competência para apreciação e deferimento, ou não, dos pedidos de filmagens, por entender que caberia dentro dos poderes de representação que lhe estavam legalmente atribuídos. A sua intervenção no processo terminava com a autorização que era dada, nunca tendo estado qualquer autorização dependente da existência de quaisquer contrapartidas, fosse de que espécie fosse. Ou seja, todas as autorizações foram concedidas sem qualquer condição, obrigação ou compensação de natureza patrimonial, para quem quer que fosse, a arguida, funcionários ou comarca. Como resulta de vários elementos probatórios indiciários, as “ofertas e/ou compensações” com que algumas empresas quiseram de algum modo “retribuir” a disponibilidade e uso de várias instalações de diferentes tribunais da comarca de ... bem como de alguns funcionários, sempre foram da iniciativa das mesmas, sem qualquer solicitação de quem quer que fosse, em particular da arguida, e sempre ocorreram após a utilização dos respetivos espaços.

Como se afirma no despacho de arquivamento da Sra. Procuradora-Geral Adjunta TTT, de 25 de março de 2019, parcialmente supra transcrito, “Da exposição apresentada e matéria fáctica elencada resulta claro que ao “aceitar” as ofertas que foram feitas — ex post facto, após a realização das filmagens, sendo de registar que não existe o menor indício ou suspeita de que a autorização para as filmagens fosse condicionada ou ficasse de alguma forma dependente do “pagamento” posterior pelas empresas/instituições que as realizaram, tudo indicando, ao invés, que as autorizações eram sempre concedidas sempre que estivessem reunidas as condições logísticas e de disponibilidade de espaço consideradas necessárias, sem condicionamento de qualquer contrapartida prévia ou posterior—, que utilizou na aquisição de bens de consumo ou equipamentos destinados ao próprio tribunal, a Senhora Juiz Presidente da comarca de ... não aceitou para si, ou para terceiro da esfera dos seus interesses pessoais, qualquer vantagem, que objectivamente contribuísse para melhorar a sua situação pessoal, privada”.

Aliás, como resulta ainda do facto indiciado nº 9, (alegação no RAI), várias filmagens foram realizadas por diferentes empresas, sem qualquer “oferta, dádiva ou compensação” ou, no dizer da acusação, contrapartida.

Assim, das testemunhas inquiridas em sede de inquérito, articuladas com a extensa documentação constante dos autos, por referência a cada uma das filmagens que teve lugar nos edifícios afetos aos Tribunais da Comarca de ..., verifica-se que, a partir de 2014/2015, a Sra. Juiz Presidente dessa Comarca, aqui arguida, determinou que fossem encaminhados para o seu gabinete os pedidos de filmagens que fossem efetuados, retirando, assim, tal acto, do domínio do Sr. Administrador Judiciário, como ocorreria até então.

Neste âmbito, os pedidos eram efetuados pelas empresas/entidades interessadas, usualmente através de e-mail, aos quais a Sra. Juiz Presidente respondia, autorizando, ou não, consoante as circunstâncias – tendo em consideração, nomeadamente, a eventual inconveniência para o serviço, o que ocorria quando o pedido respeitava a dias úteis. Na positiva, informava que, daí em diante, o demais era acertado com a funcionária DD, secretária de justiça.

Por sua vez, a referida testemunha DD, explicou que os pedidos eram sempre efetuados através do gabinete da Srª Juiz Presidente, tendo a arguida informado a testemunha que esta deveria indicar as contrapartidas, consoante as necessidades do Tribunal.

Tal circunstância decorre, também, do e-mail enviado pela Srª Juiz Presidente à referida testemunha, o qual consta de fls. 294 do Apenso VII, 1.º volume, onde se pode ler que «[n]o respeitante às contrapartidas, delego na Senhora Secretária a fixação e comunicação das mesmas».

Verifica-se, assim, que foi dada uma instrução à mencionada funcionária, atribuindo-lhe a competência para fixar as contrapartidas que poderiam/seriam entregues. Tal indicação foi feita de modo genérico, incumbindo, então, à funcionária, a concreta definição dos bens que fossem necessários para o Tribunal, o que faria em articulação com as empresas requerentes.

Mas desde já se esclarece, para que dúvidas não fiquem a pairar, que esta questão das contrapartidas e consequente e-mail enviado pela Srª Juiz Presidente à referida testemunha DD, apenas surge e justifica no seguimento de algumas empresas, livremente e da sua iniciativa, manifestarem a vontade, sem qualquer solicitação ou imposição da arguida ou de outrem, nem a título de obrigação imposta no momento ou como condição da autorização para utilização dos espaços nos tribunais, de “ofertarem” alguns bens ou cartões/cheques presentes, como se dirá mais adiante.

Do mesmo modo, contrariamente ao relatado na acusação pública, não resulta indiciado que a arguida determinasse, em concreto, relativamente a cada filmagem, qual a contrapartida que deveria ser entregue, não havendo elementos probatórios que sustentem uma intervenção da arguida dessa natureza, após ser concedida a respetiva autorização.

Como tal, afigura-se que a arguida se alheava do processo, após encaminhamento do mesmo para a testemunha DD, não se podendo concluir que tivesse conhecimento – e muito menos determinasse – os donativos que deveriam ser entregues e por quem.

Em face disso, o facto que se encontra indiciado difere da redação que constava da acusação pública, apenas se tendo apurado, assim, que a arguida delegou na Senhora Funcionária DD, a decisão sobre os bens ou equipamentos que a mesma deveria solicitar àquelas empresas e/ou "vouchers", como contrapartida pela cedência e utilização desses espaços, e não que lhe dava indicações concretas nesse sentido – v. teor do facto nº 11, da acusação, dado como indiciado.

Relativamente a essa orientação genérica, ressalvam-se, apenas algumas exceções, nomeadamente as referentes ao fato e camisa para o motorista (factos n.os 89 e 126) bem como certas compras para o tribunal (factos n.os 95 e 126, relativamente a diversos bens, facto 125.º [frigorífico] e 134 [máquina de café]), que a própria arguida, nas declarações que prestou em sede de instrução, explicou que se trataram de artigos sugeridos (ou comprados, no caso da máquina de café) por si - como já supra referenciado/explicado sobre os motivos quanto a estes factos e bens indiciados, da acusação.

Do mesmo modo, também resulta indiciado que, relativamente aos bens entregues no Tribunal Judicial do ..., essa entrega ocorreu após conhecimento e autorização da arguida, em decorrência das declarações da já referida testemunha JJ (cuja inquirição consta de fls. 354 e 355), o qual esclareceu que, no final das filmagens, foi manifestada a intenção, por parte das empresas produtoras respetivas, no sentido de efetuar uma doação ao tribunal, pelo que a testemunha elencou os bens que considerou serem mais necessários. Nessa sequência, falou com a Juiz Coordenadora, a qual concordou e referiu que iria mandar essa lista para a Sra. Juiz Presidente e que, só após a concordância desta última, seria dada a indicação de compra aos produtores respetivos. Após esse procedimento, foram-lhe entregues a totalidade dos artigos pedidos.

Ademais, inexistem comunicações de onde se possa concluir, sequer, se a arguida saberia previamente se iria ser entregue alguma contrapartida.

Desde logo, se assim fosse, a autorização apenas seria concedida após ser fixada a contrapartida (ou pelo menos garantindo que a empresa estaria disposta a proceder à entrega de alguma doação). Ora, da leitura das várias trocas de correio eletrónico entre a Srª Juiz Presidente e as diversas entidades, verifica-se que a autorização é concedida de imediato, quando a mesma é logisticamente possível, independentemente de eventual ou hipotética contrapartida que pudesse ou viesse a ser entregue por qualquer empresa.

Do mesmo modo, nas várias trocas de e-mails constantes dos autos, constata-se que em nenhum momento a arguida solicita às entidades requerentes da autorização, qualquer contrapartida, não sugerindo a entrega de nenhum bem, nem quando aquelas a questionam diretamente acerca desse tema, sendo que, a fls. 218 do Apenso VII, 1.º volume, consta um e-mail por si subscrito, em janeiro de 2018, em resposta à produção acerca das contrapartidas das gravações, onde se pode ler «quanto às contrapartidas pela utilização do espaço, deverá para o efeito contactar a Senhora Secretária de Justiça DD, através do telefone …».

Paralelamente, na instrução dada à testemunha DD por parte da Srª Juiz Presidente nunca foi também transmitido que, na ausência da entrega de contrapartidas, a autorização ficaria sem efeito. Do mesmo modo, desconhece-se que tal situação alguma vez tenha ocorrido.

Pelo contrário, verifica-se que houve várias filmagens que ocorreram, em que não foi entregue qualquer contrapartida (factos indiciados 43.º a 50.º, 51.º e 52.º, 64.º a 66.º 108.º a 110.º, da acusação e facto indiciado nº 9, do RAI.

Acresce que, nos e-mails enviados pela arguida aquando da autorização, fixando um conjunto de condições para a utilização do espaço (a utilização de gerador para obtenção de energia elétrica, a necessidade de deixar os espaços limpos, etc.) nunca a arguida mencionou a existência de uma contrapartida para o Tribunal pela sua utilização.

Assim sendo, como é bom de ver, as autorizações concedidas pela arguida não se encontravam de modo algum condicionadas ou dependentes da obtenção de tais contrapartidas, quer para o Tribunal, quer para os funcionários que acompanhavam as filmagens.

De facto, também neste segundo especto, inexistem elementos de prova que indiciem que a arguida, de algum modo, quis beneficiar economicamente os funcionários por si indicados – em particular, a testemunha GG – ou que teria conhecimento prévio/negociou as ofertas/compensações por eles recebidas. Assim, resulta indiciado, conforme resulta das declarações da arguida, que era ela quem indicava o funcionário que acompanharia as filmagens, após prévia consulta aos funcionários com quem trabalhava com maior proximidade, a fim de aferir do seu interesse e disponibilidade.

Nesta senda, consta de fls. 184 um e-mail subscrito pela arguida, em resposta a um pedido de filmagem, referindo que «[n]unca estaria em causa qualquer compensação financeira relativa ao referido acompanhamento por qualquer funcionário. O acompanhamento seja por quem for efectuado será sempre realizado de forma gratuita.»

De facto, dos e-mails por si enviados, apesar de referir a necessidade de as filmagens terem de ser acompanhadas por um oficial de justiça – o que se compreende por este conhecer as respetivas instalações e, por outro, “fiscalizar” a respetiva utilização, não deixando as instalações do tribunal sob a responsabilidade e/ou a cargo meramente das empresas de filmagem -, em nenhum momento requer ou comunica às respetivas produtoras que aquele terá de ser, de algum modo, remunerado. Pelo contrário, no referido e-mail, de 7 de dezembro de 2018, a Srª Juiz Presidente informa que tal acompanhamento seria gratuito.

Na grande maioria dos casos relatados, as ofertas ou contrapartidas eram livremente fixadas e dependiam da Empresa/produção em causa, nomeadamente quanto ao seu quantitativo, inexistindo qualquer valor concreto e rígido a aplicar às mesmas.

Assim, encontra-se indiciado que, nas autorizações deferidas pela arguida, nunca foi estabelecido como condição ou troca direta e obrigatória, para a utilização dos espaços e realização de filmagens, qualquer compensação, nem foi esta indicada como sendo legalmente devida, tendo as referidas dádivas de bens e serviços sido sempre da iniciativa e da livre vontade das respetivas empresas.

Quanto à remuneração dos funcionários, não resulta, assim, dos autos, que a arguida tenha tido alguma intervenção ou conhecimento direto nesse aspeto, até às vésperas da realização do Conselho de Gestão de 3 de dezembro de 2018.

Com efeito, decorre desta ata, de 3 de dezembro de 2018, no ponto 12., que:

«Em abril de 218 teve lugar reunião com DGAJ/IGFEJ abordando a viabilidade de acesso aos edifícios para filmagens e forma de obter contrapartidas pelas mesmas tendo na altura o IGFEJ ficado de verificar a possibilidade do Estado, através do IGFEJ ou Comarca, receber essas contrapartidas. Até à presente data nada nos foi referido ou comunicado acerca do assunto.

Foi decidido encetar diligências junto da DGAJ/IGFEJ com vista a elaborar regulamento para as filmagens realizadas nos edifícios e espaços adjacentes do Tribunal Judicial da Comarca de ... semelhante ao aplicado para os Museus e que se anexa à presente acta.

Pela Sra. Juíza Presidente foi referido que, relativamente à questão do recebimento de cartões presente pelos Oficiais de Justiça que acompanham as filmagens ao fim-de-semana, em conversa telefónica informal com o Sr. DGAJ (de quem obteve autorização para o exarar nesta acta) foi informado que não vê qualquer impedimento neste recebimento uma vez que o funcionário se presta a fazer um serviço na sua hora de descanso e lazer.»

Verifica-se, assim, dos documentos juntos que não houve qualquer intermediação por parte da arguida entre as empresas e o funcionário em causa.

Do mesmo modo, no que respeita à prova testemunhal, a testemunha QQQ, inquirida a fls. 1108, esclarece que combinou as contrapartidas com DD e GG, tendo, inclusivamente, ajustado os valores inicialmente solicitados.

Por outro lado, a testemunha KKK, cujo depoimento consta de fls. 1154, refere que adquiriram equipamento informático e consumíveis para o tribunal, bem como cartões-presente do ... para o funcionário que acompanhou as filmagens (GG), o que não havia sido por ele solicitado, tendo sido entregue, de modo espontâneo, como forma de agradecimento por ter estado presente.

Também a testemunha UUU (fls. 1172), refere não ter sido pedida qualquer remuneração por parte dos funcionários. Neste sentido, a testemunha UU (fls. 1175) explicou que a testemunha DD referiu na visita técnica efetuada, que aceitariam oferta de material de escritório, nomeadamente tonners, não tendo sido solicitada nenhuma contrapartida. No final, contudo, ofereceram a GG, como sinal de agradecimento, um cartão presente do ....

Do mesmo modo, KK (fls. 1227) explicou que as contrapartidas não resultaram de solicitação expressa, tendo sido aceites após insistência do depoente, e HH (fls. 1234), refere não ter havido solicitação de contrapartidas por parte de membros do Tribunal, tendo sido a testemunha a ter essa iniciativa.

Ademais, as testemunhas VVV (fls. 1237) e WWW (fls. 1240) referem nunca terem sido solicitadas contrapartidas, tendo este último questionado, por sua iniciativa, a testemunha DD no sentido de saber as necessidades de economato e comprar bens.

Por outro lado, a testemunha ZZ (fls. 1283) relatou que o funcionário GG lhe transmitiu que pretendia receber o valor de € 400,00, o que esta considerou ser elevado, pelo que foi acordado que lhe seria entregue € 250,00 e ao tribunal tonners no montante de € 70,00.

A testemunha XXX, cujas declarações constam de fls. 1165, refere não ter tido conhecimento da obtenção de qualquer cartão oferta, mas explica que se trata de uma prática comum e transversal nas produções publicitárias, como meio de agradecimento.

Constata-se, assim, do relato de tais testemunhas que, por norma, tanto as ofertas para o Tribunal, como a compensação económica atribuída ao funcionário foram feitas de livre iniciativa pelas empresas, não tendo sido instadas para o efeito. De tal forma que, como se referiu, houve diversas situações em que tanto a cedência do espaço como o acompanhamento pelo funcionário foram realizados de modo totalmente gratuito.

Verifica-se também que a arguida não obteve qualquer proveito próprio das condutas descritas na acusação. De facto, todas as contrapartidas aí listadas visaram, direta ou indiretamente, os Tribunais, seja através de equipamentos de trabalho (como fotocopiadoras, impressoras, ou tonners) ou objetos com vista ao melhoramento das condições de trabalho para as pessoas que aí exercem as suas funções (bens alimentares, frigorífico, máquina de café, aquecedores, vários aparelhos de ar condicionado, entre outros). De facto, da prova constante dos autos não restam dúvidas – todas as contrapartidas foram entregues ao, e em benefício, direto ou indireto, do tribunal.

Em nenhum momento foi entregue qualquer bem ou voucher à aqui arguida e, consequentemente, que esta o tenha utilizado em seu benefício. É assim, por demais evidente, que a arguida não só não obteve como não pretendeu obter qualquer benefício para si.

Nesta medida, não havendo elementos probatórios que o sustentem, necessariamente tal núcleo factual terá de ser considerado como não indiciado.

Do mesmo modo, consta da acusação, embora de modo conclusivo, que a atuação da arguida gerou um prejuízo para o IGFEJ. Ora, inexistem factos concretos descritos na referida peça processual que concretizem o referido e efetivo prejuízo, nem os mesmos decorrem de elementos de prova constantes dos presentes autos.

Por outro lado, dos autos não constam elementos de onde se possa concluir que a arguida atuava com conhecimento de que não teria poderes para o efeito. De facto, tal não decorre das regras da experiência comum, atendendo a que inexistia norma expressa no sentido de atribuição, ou não, da competência desse acto seja à Juiz Presidente, seja ao Administrador, à DGAJ, ou ao IGFEJ. Acresce que as próprias testemunhas não respondem com certeza acerca de quem seria o responsável para o efeito, sendo que tal ambiguidade de respostas, indicando, nomeadamente, como competente, a aqui arguida (ou os juízes presidentes, em geral), conduz necessariamente a essa dúvida.

Por sua vez, dos atos praticados pela arguida não ressalta qualquer circunstância no sentido de ocultar a sua atuação, a qual está expressa nos diversos e-mails juntos aos autos, sendo que as filmagens nos espaços dos tribunais eram do conhecimento geral, dentro da Comarca, conforme decorre do depoimento de várias testemunhas, tendo a arguida retratado/incluído este assunto no Relatório de Gestão do Tribunal Judicial da Comarca de ..., referente ao período de 01-09-2015 a 31-08-2016. (relatório constante de fls. 9 e 10).

Ademais, a própria DGAJ remete à arguida os e-mails a solicitar tais autorizações, por considerar que será esta (a arguida), a competente para o efeito, conforme decorre de fls. 279 [e-mail DGAJ, de 06.07.2016, na sequência de pedido de filmagens apresentado, onde se refere que o Sr. Diretor Geral nada tem a opor mas que deverá ser contactado o respetivo conselho de gestão, na pessoa do seu presidente, tendo dado o email gestão.comarca....@tribunais.org.pt] e da inquirição da testemunha SSS, de onde resulta, também, o conhecimento que a DGAJ tinha dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem.

Tal procedimento é, também, adotado por RRR, Chefe do Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça [cfr. fls. 198, que reencaminha à arguida um e-mail a solicitar um pedido de filmagem, e onde se pode ler que “(…) tenho a honra de remeter a V. Exa. O pedido abaixo recebido pelo Ministério para os devidos efeitos, tendo em conta as competências de V. Exa. na gestão dos tribunais da comarca”].

Finalmente, no que respeita ao facto do artigo 140 da acusação, apenas se deu como indiciada a respetiva reunião, nos termos aí descritos, tendo como fonte as declarações do Sr. Magistrado do MP coordenador prestadas no inquérito em 30.1.2019, reunião essa admitida pela própria arguida. Mas deu-se como não indiciado (v. facto nº 6 dos factos não indiciados) que nessa reunião ficou assente que em futuros pedidos seriam estabelecidos contactos entre a ora arguida e a direcção do IGFEJ.

Com efeito, as próprias declarações da testemunha YYY, coordenador do Ministério Público, contrariam este facto, tendo a esse propósito referido que, na reunião que teve lugar, o IGFEJ transmitiu que iria analisar o tema e posteriormente informaria a arguida do resultado.

Todavia, o tema referido tem a ver com a questão de que deveria porventura ser uma actividade regulamentada, pois apurou que noutros sectores, nomeadamente o da Cultura, que a utilização dos museus e monumentos estava regulamentada com contrapartidas para o Estado, parecendo-lhe curial que o mesmo sucedesse ou viesse a suceder com a actividade em causa de filmagens de ou em edifícios ou espaços da Comarca.

Mais disse esta testemunha YYY que nessa reunião foi entendido que a eventual competência para propor uma regulamentação seria do IGFEJ e que iriam analisar o tema e posteriormente informariam a Senhora Juiz Presidente do resultado.

Mas posteriormente foi-lhe referido pela Senhora Juiz Presidente que continuava a aguardar resposta.

Do exposto, entende-se que não resulta indiciada uma qualquer combinação no sentido de que em futuros pedidos e respetivas autorizações seriam estabelecidos contactos entre a ora arguida e a direção do IGFEJ, prévios ou posteriores, sobre tais pedidos, pois o que estava pendente para análise era a eventual regulamentação que até então não existia.

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Desconhece-se, também, em que data cessou efetivamente a atuação da arguida e qual o motivo pelo qual tal aconteceu, pelo que resultam, nesta parte, não indiciados os factos n.os 142 e 143, da acusação, sendo certo que este (143), se afigura meramente conclusivo.

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III - Do crime de abuso de poder:

1. Está imputada à arguida a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de Abuso de Poder, previsto e punido nos termos do artigo 382.º, com referência à al. d) do n° 1 do artigo 386.°, ambos do Código Penal.

Ora, o crime de abuso de poder, previsto no art. 382.º do CP, estabelece que:

«O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.».

Por sua vez, o artigo 386.º, n.º 1, alínea d) do mesmo diploma legal estabelece que são funcionários, para efeitos da lei penal, os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público.

Conforme decorre da própria disposição legal acima citada, o tipo em causa é subsidiário, apenas se aplicando esta incriminação na eventualidade de inexistir outra mais específica (cfr. “fora dos casos previstos nos artigos anteriores”).

A presente incriminação encontra-se inserida no Capítulo IV – Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, e dentro deste na Secção III – Do abuso de autoridade, sendo que o bem jurídico protegido, segundo Paulo Pinto de Albuquerque «é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário (…) e, acessoriamente, os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa»12 . Por sua vez, Paula Ribeiro de Faria, define o bem jurídico em causa enquanto sendo «a autoridade e credibilidade da administração do Estado ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços»13 .

Esta exigência corresponde a um princípio fundamental da organização do Estado, consagrado constitucionalmente nos artigos 266.º, 268.º e 269.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, em particular o n.º 2 do artigo 266.º que refere que «os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade».

Subjacente a qualquer tipo de crime legalmente previsto, temos por um lado o(s) elemento(s) objetivo(s) e por outro, o elemento subjetivo.


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1.1. O tipo objetivo

Ora, o tipo objetivo consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário.

Assim, como assinala Paula Ribeiro de Faria, op. cit., o preenchimento do tipo objetivo de ilícito tem lugar «através do abuso de poderes ou da violação de deveres pelo funcionário. Em ambos os casos terá que se tratar de poderes ou deveres inerentes à sua função.»

E, mais à frente, de uma forma geral, define o “abuso de poderes” «como uma instrumentalização de poderes (inerentes à função), para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo (ou melhor dizendo ilegítimas).» E dá como exemplo, o caso do «agente que excede os limites da sua competência, quanto à natureza dos assuntos que lhe são confiados, em razão do grau hierárquico, em razão do lugar e em razão do tempo (incompetência relativa)», também «a conduta do funcionário que desrespeita formalidades impostas por lei, ou actua fora dos casos estabelecidos na lei (violação da lei)», e ainda «a actuação daquele que faz uso dos seus poderes para um fim diverso daquele para o qual eles lhe foram conferidos (desvio de poder, que apenas pode ter lugar estando em causa o exercício de poderes discricionários)», assinalando que está excluída do tipo legal «a incompetência absoluta», assim como «a usurpação de poderes», uma vez que em ambos os casos estamos perante a total ausência de poderes por parte do agente (não pode sequer prefigurar-se uma situação de abuso de poderes).

Refere, ainda, a mesma autora que se tratam de deveres funcionais, ou seja, aqueles que «estão relacionados com o exercício da função, e que por regra só subsistem enquanto o funcionário está em actividade», sendo certo que tanto «incluem deveres funcionais específicos impostos por normas jurídicas ou instruções de serviço, e relativos a uma função em particular», como «deveres funcionais genéricos que se referem a toda a actividade desenvolvida no âmbito da administração do Estado».

Deste modo, o abuso de poder «é uma ação ou decisão do funcionário que padece de um dos seguintes vícios: (1) violação de lei substantiva ou processual; (2) desvio de poder; (3) incompetência relativa ou absoluta; (4) usurpação do poder jurisdicional (pelo funcionário pertencente ao poder administrativo) ou do poder administrativo (pelo funcionário pertencente ao poder jurisdicional)»14 .

Ora, compulsada a matéria factual indiciada, verifica-se que a arguida, na qualidade de Presidente do Tribunal da Comarca de ..., autorizou, desde dezembro de 2014, que várias empresas/produtoras de conteúdos televisivos e publicitários utilizassem salas e espaços exteriores de diversos tribunais, para aí serem realizados filmes, anúncios publicitários e telenovelas.

Tais pedidos de cedência e utilização visaram, nomeadamente, o Palácio de Justiça de ..., o Tribunal de ..., o Tribunal do ... e o Tribunal do .... Do mesmo modo, indicou os funcionários judiciais que deveriam acompanhar os trabalhadores daquelas empresas, tanto nas visitas técnicas aos espaços para seleção e escolha dos mesmos, como, em momento posterior, para acompanhamento das filmagens que decorriam, geralmente, durante o fim-de-semana.

Segundo a tese subjacente à acusação proferida pelo Ministério Público, tal atuação extravasava as competências da aqui arguida, pois que incumbe ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. a gestão do património atribuída a esse instituto, como sucede com os tribunais.

Ao invés, a arguida, no requerimento de abertura de instrução apresentado, considera que tal atuação se encontrava ínsita nas suas competências enquanto juiz presidente.

Assim, vejamos.

Trata-se de saber quem gere a utilização dos espaços que se encontram adstritos à actividade jurisdicional.

Dispõe o artigo 92.º, n.º 1 da LOFTJ que «[e]m cada tribunal de comarca existe um presidente», encontrando-se as suas competências previstas no artigo 94.º desse diploma legal. Assim, prevê esse artigo que:

1 — Sem prejuízo da autonomia do Ministério Público e do poder de delegação, o presidente do tribunal possui competências de representação e direção, de gestão processual, administrativas e funcionais.

2 — O presidente do tribunal possui as seguintes competências de representação e direção:

a) Representar e dirigir o tribunal;

b) Acompanhar a realização dos objetivos fixados para os serviços judiciais do tribunal;

c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados dos serviços judiciais da comarca;

d) Adotar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça;

e) Pronunciar -se, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias à comarca pelo Conselho Superior da Magistratura;

f) Pronunciar -se, sempre que seja ponderada pelo Conselho dos Oficiais de Justiça a realização de sindicâncias relativamente aos serviços judiciais e à secretaria;

g) Elaborar um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta.

3 — O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:

a) Dar posse aos juízes e ao administrador judiciário;

b) Elaborar os mapas de turnos e de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura;

c) Exercer a ação disciplinar sobre os oficiais de justiça, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, ordenar a instauração de processo disciplinar, com exceção daqueles a que se reporta a alínea k) do n.º 1 do artigo 101.º;

d) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do titular ou do substituto designado, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura;

e) Assegurar a frequência equilibrada de ações de formação pelos juízes do tribunal, em articulação com o Conselho Superior da Magistratura;

f) Participar no processo de avaliação dos oficiais de justiça, nos termos da legislação específica aplicável, com exceção daqueles a que se reporta a alínea l) do n.º 1 do artigo 101.º.

4 — O presidente do tribunal possui as seguintes competências de gestão processual, que exerce com observância do disposto nos artigos 90.º e 91.º:

a) Implementar métodos de trabalho e objetivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições que, nessa matéria, prossegue o Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado;

b) Acompanhar e avaliar a atividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos, tomando por referência as reclamações ou as respostas a questionários de satisfação;

c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e promovendo as medidas que se justifiquem;

d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais;

e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a criação e extinção de outros graus de especialização nas unidades de processos, designadamente para as pequenas causas;

f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação de juízes, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, a outra secção da mesma comarca ou a afetação de processos, para tramitação e decisão, a outro juiz que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços;

g) Propor ao Conselho Superior da Magistratura o exercício de funções de juízes em mais de uma secção da mesma comarca, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, ponderadas as necessidades do serviço e o volume processual existente;

h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso aos quadros complementares de juízes.

5 — A competência prevista no número anterior quanto às matérias referidas na alínea d) não prejudica o disposto em legislação específica quanto à adoção de mecanismos de agilização processual pelo presidente do tribunal ou pelo juiz.

6 — O presidente do tribunal possui as seguintes competências administrativas:

a) Elaborar os planos anuais e plurianuais de atividades e relatórios de atividades;

b) Elaborar os regulamentos internos dos serviços judiciais da comarca, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador e o administrador judiciário;

c) Participar na conceção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais;

d) Planear, no âmbito da magistratura judicial, as necessidades de recursos humanos.

7 — O presidente do tribunal exerce ainda as competências que lhe forem delegadas pelo Conselho Superior da Magistratura.

8 — Para efeitos de acompanhamento da atividade do tribunal, incluindo os elementos relativos à duração dos processos e à produtividade, são disponibilizados dados informatizados do sistema judicial, no respeito pela proteção dos dados pessoais.»

Por sua vez, no que respeita às competências atribuídas ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., preceitua o artigo 5.º da Portaria n.º 391/2012, de 29 de novembro, que:

«Compete ao Departamento de Gestão Patrimonial, abreviadamente designado por DGP:

a) Assegurar a inventariação do património imobiliário próprio do IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ e manter atualizado o respetivo cadastro, nomeadamente garantindo o registo dos referidos imóveis na conservatória;

b) Promover as avaliações do património imobiliário próprio do IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ;

c) Administrar e estabelecer critérios de gestão do património imobiliário próprio IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ;

d) Avaliar as necessidades identificadas dos serviços e organismos do MJ, em articulação com estes, bem como planear as ações necessárias à sua resolução;

e) Proceder a aquisições, arrendamentos e alienação dos bens imóveis, nos termos da lei;

f) Proceder à atribuição de instalações aos diversos órgãos, serviços e organismos da área da justiça, em articulação com estes;

g) Apresentar propostas para a rentabilização do património do MJ, incluindo o arrendamento de prédios, funções autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente e concessão de espaços para fins comerciais e publicitários, nos termos da lei;

h) Apresentar propostas de procedimentos e de intervenções ao nível dos edifícios que permitam reduzir os custos com a manutenção do património imobiliário do MJ e garantir o seu correto funcionamento, incluindo o cumprimento das disposições legais aplicáveis à sua utilização;

i) Organizar um sistema de monitorização das intervenções imobiliárias sobre o património utilizado pelo MJ, incluindo a sua manutenção e assegurar uma base de dados que permita fornecer informação sobre o arquivo histórico de exploração e manutenção das mesmas;

j) Prestar apoio na preparação dos elementos necessários aos procedimentos de contratação externa de serviços na área do património imobiliário e assegurar a respetiva gestão financeira e técnica, gerindo técnica e economicamente a execução dos contratos;

k) Assegurar a inventariação do parque automóvel do MJ, bem como proceder à atribuição de viaturas aos diversos órgãos, serviços e organismos da área da justiça, com exceção da Secretaria-Geral e dos Institutos Públicos, garantindo a sua gestão em articulação com o competente organismo do Estado;

l) Proceder à renovação do parque automóvel do MJ, em articulação com os respetivos órgãos, serviços e organismos e com o competente organismo do Estado, independentemente da tipologia de contrato de propriedade das viaturas.»

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Conforme decorre dos citados normativos legais, nos mesmos não se encontra regulamentada, de foram expressa, a utilização de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça, e a pontual cedência para os fins em causa nos presentes autos. Existia, assim, durante o período em que os factos se reportam, um vazio legal ou regulamentar sobre tal matéria.

De facto, não obstante tal competência não se encontrar explicitamente atribuída aos juízes presidentes, a verdade é que a mesma também não se encontra claramente atribuída a nenhuma entidade.

Não obstante a acusação se refira ao disposto no artigo 5.º, al. g) da Portaria n.º 391/2012, de 29 de novembro (onde se refere que compete ao Departamento de Gestão Patrimonial, abreviadamente designado por DGP apresentar propostas para a rentabilização do património do MJ, incluindo o arrendamento de prédios, funções autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente e concessão de espaços para fins comerciais e publicitários, nos termos da lei) a verdade é que os atos em causa neste processo não se referem a qualquer tipo de proposta para rentabilização do património, mas apenas a uma autorização excecional para utilização de curta duração de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça, cujo fito não é a rentabilização dos mesmos.

Em face de tal omissão, foi aprovado, através do despacho n.º 3863/2021, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021, o Regulamento de Cedência de Utilização de Curta Duração de Espaços Afetos à Área da Justiça, no âmbito do qual se definiu, no artigo 2.º, que «[c]ompete ao conselho diretivo do IGFEJ, I. P., decidir os requerimentos de cedência de utilização de espaços que lhe sejam submetidos ou enviados pelo serviço ou organismo do Ministério da Justiça que os utilizar», sendo essa decisão «antecedida de emissão de parecer obrigatório do dirigente máximo daquele serviço ou organismo». Caso tal competência se encontrasse já legalmente determinada, não havia necessidade de referir a mesma num instrumento legal autónomo e novo.

Nesta medida, afigura-se que, na ausência de regulamentação expressa sobre a referida temática, é defensável considerar que as mencionadas autorizações se encontram ínsitas no poder de representação e direção do tribunal, atribuído ao Juiz Presidente. Até porque será o Juiz Presidente a pessoa que se encontra em melhores condições para aferir da disponibilidade ou não do espaço, bem como para averiguar se a actividade requerida perturba o normal funcionamento dos serviços, avaliação que o IGFEJ sempre teria significativas dificuldades em efetuar. É, assim, imprescindível, que o juízo prévio à autorização passe por quem se encontra mais próximo dos serviços.

De tal modo assim é, que o regulamento agora em vigor, não obstante se refira que o requerimento é apreciado pelo conselho diretivo do IGFEJ, I.P. (competência que, antes do referido instrumento, não se lhe encontrava atribuída), tal decisão tem sempre de ser antecedida de emissão de parecer obrigatório do dirigente máximo daquele serviço ou organismo que, no caso dos tribunais, é o Juiz Presidente.

Deste modo, não obstante se considere que o procedimento adotado deveria ter seguido outro tipo de formalidades, sendo aconselhável que as próprias contrapartidas fossem estabelecidas de um modo mais transparente e menos volátil – como, aliás, já sucede atualmente após a aprovação do mencionado regulamento – a verdade é que, não obstante tais reservas, a atuação da arguida não é violadora da lei substantiva ou processual então em vigor no momento das autorizações, não integrando um desvio de poder, incompetência relativa ou absoluta ou usurpação do poder administrativo pela arguida.

Refira-se, aliás, que a conduta da arguida foi apreciada, em termos disciplinares, tendo-se concluído pelo arquivamento do respetivo processo.

Desta forma, afigura-se, por todo o exposto, que a factualidade indiciada não integra os elementos objetivos do tipo legal de abuso de poder.

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1.2. O tipo subjetivo

Acresce que, mesmo que assim não fosse, não se encontra também verificado o elemento subjetivo do referido ilícito.

De facto, neste concreto ilícito criminal, o tipo subjetivo preenche-se com o dolo do agente, em qualquer uma das suas modalidades, ao qual acrescerá um elemento subjetivo específico, relativo à intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outra pessoa.

Nesta medida, podemos caracterizar como benefício toda a vantagem que o sujeito ativo pretenda retirar da sua atuação, e que em concreto poderá assumir natureza patrimonial ou não patrimonial. O benefício em causa terá, assim, que ser necessariamente ilegítimo.

Com esta exigência pretendeu o legislador significar que não basta o abuso de funções ou a violação de deveres por parte do funcionário (se bem que, como é evidente, aqui resida o núcleo fundamental da ilicitude do comportamento), sendo necessário que um tal abuso de poder se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração (não se esgotando ou encerrando em si mesmo).

O agente poderá também atuar com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa. Também em relação ao prejuízo, não exigiu a lei que este tivesse uma dimensão patrimonial. O legislador parece não se querer referir à verificação de um prejuízo para a administração pública (se bem que na medida em que é afetado o seu prestígio e bom funcionamento se possa falar de 'prejuízo' em termos latos), mas apenas para os particulares destinatários do acto praticado ou para os que de alguma forma são atingidos pelos seus efeitos. O que se pretendeu salientar foi a efetiva instrumentalização de poderes por parte do funcionário em nome de interesses de natureza particular15.

Assim, o referido elemento subjetivo específico ultrapassa o habitual ‘dolo genérico’, não pertencendo, assim, ao dolo do tipo, entendido enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, antes pressupondo «uma actuação dolosa, que supõe a consciência e vontade por parte do agente de exercer uma função pública abusando dos poderes, ou violando os deveres a ela inerentes, bem como o conhecimento do carácter ilegítimo da vantagem ou do prejuízo pretendidos e, para além disso, que o agente actue com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa»16.

Assim, «[n]o crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais. (…)

Mas o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, tem antes de ser determinado por uma intenção específica que, enquanto fim ou motivo, faz parte do próprio tipo legal. Esta intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza17.

(…) A intenção específica é um elemento subjectivo que não pertence ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objectivo e subjectivo.

(…) A violação pelo funcionário dos deveres inerentes às funções em que está investido (tenha aqui o significado que tiver) constitui o campo de delimitação da tipicidade. A estrutura do crime no primeiro momento de configuração da acção típica fica integrada pela actuação contrária aos deveres da função. Mas, para além do tipo objectivo, exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, e que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo – a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa.

(…) A relação entre o agente, o resultado e a identificação de benefícios próprios, ou a consideração intersubjectiva sobre os antecedentes e a natureza das relações entre o agente e um terceiro, constituem índices pelos quais se poderá apreender a manifestação da atitude interna.»18

Neste sentido, «[o]s meros erros de função, por si só, não relevam para efeitos do crime de abuso de poder previsto no art. 382°, do CP, sendo necessário que os mesmos sejam não só cometidos através do abuso de poderes ou da violação de deveres inerentes às funções exercidas pelo agente como adequados a obter para o agente ou para terceiro, beneficio ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa»19 .

De facto, mesmo que se entendesse que a conduta da arguida extravasou os poderes que lhe eram legalmente concedidos, a mesma não atuou com o intuito de obter um benefício. Como tal, do núcleo factual indiciado, não resultam factos de onde se possa concluir que a arguida atuou visando um benefício, seja para si ou para um terceiro. Na verdade, não obstante constem os atos praticados pela arguida, consubstanciados nas autorizações que concedeu, e o recebimento de contrapartidas nos termos indiciados, não resulta assente o nexo entre o seu comportamento e a obtenção de qualquer benefício.

Nesta medida, verifica-se existir uma quebra: entre a autorização e a contrapartida não há qualquer interligação, não se concluindo que aquela apenas ocorreu na expectativa da obtenção do benefício.

Ora, não havendo esse comportamento causal por parte da arguida, mesmo que se considerasse que a sua atuação tinha ultrapassado os limites da sua competência, para efeitos de preenchimento do tipo objetivo de ilícito, sempre se concluiria como não verificada a intenção subjetiva específica que aqui se impõe, por aquela não ter atuado com intenção de obter um benefício.

Aliás, “O dolo não se presume, mesmo o genérico e em qualquer das modalidades do art. 14.º do CP, assim sucedendo mais impressivamente até nos casos em que o tipo de ilícito exige um dolo específico, quando impõe determinados elementos para além do dolo (entendendo-se aqui este como dolo genérico), quando integra um elemento subjectivo especial”20.

O mesmo se refira no que respeita ao alegado prejuízo de terceiro, in casu, o IGFEJ, conforme é invocado na acusação. Ao contrário do invocado pela arguida, afigura-se que o terceiro poderá ser qualquer pessoa, física ou jurídica, pelo que o Estado pode ser o sujeito prejudicado pela prática do crime, atendendo a que a Lei não distingue, nem ressaltam motivos para que o intérprete efetue tal distinção21.

Como já se anotou, inexistem quaisquer factos concretos de onde decorra esse juízo conclusivo, no sentido de que a atuação da arguida gerou um prejuízo para a referida entidade.

Nesta medida, é manifesto que não existe o menor facto que indicie que a atuação da arguida visou causar prejuízo a um terceiro, não havendo a menor sustentação fáctica de tal alegação. Acresce que, mesmo sem a verificação de tal nexo de vontade, não se verifica ter existido qualquer prejuízo uma vez que, conforme se referiu, à data dos factos não se encontrava regulamentado algum tipo de compensação, em decorrência da cedência de espaços nos termos em que foi feita. Deste modo, não poderia ser exigida qualquer contrapartida, tratando-se este hipotético prejuízo de uma mera conjetura por parte do Ministério Público.

Pelo que a atuação da arguida, mesmo que se preenchesse o tipo objetivo - o que não acontece -, sempre seria irrelevante porquanto, a partir dos factos indiciados, não se pode concluir que tenha tido em vista beneficiar-se a si própria ou terceiros, ou prejudicar uma pessoa, nomeadamente o IGFEJ, antes visando beneficiar os Tribunais e, indiretamente, o Estado que, em última instância, sempre seria o responsável pela compra e disponibilização destes artigos que eram necessários ao bom funcionamento dos Tribunais.

Finalmente, sempre se refira que não obstante não se estar perante um ilícito criminal (nem disciplinar, conforme decorre da decisão proferida pelo CSM), o bom senso aconselharia a que tivesse sido adotada uma conduta mais cautelosa, prudente e estrita na aceitação destes bens, fosse a que título fosse. Ou seja, melhor seria que não tivesse havido quaisquer contrapartidas para os tribunais.

Assim, em face do exposto, verifica-se não estarem preenchidos quer o elemento objetivo, quer o elemento subjetivo do ilícito criminal imputado à arguida. Pelo que, necessariamente, terá de se concluir pela sua não pronúncia.

(…)

Por todo o exposto, decidimos não pronunciar a arguida AA da prática do crime de abuso de poder que lhe é imputando pelo Ministério Público na acusação, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.

(…)

2.2. Ponderando e Decidindo

Prontamente, impõe-se enfrentar o que se visa com a instrução e, bem assim, centrar a apreciação a levar cabo, quanto ao mote respeitante à verificação ou não, da existência de indícios bastantes que permitam apontar à arguida o cometimento do crime pelo qual foi acusada e, nesse ensejo, dar ou não acolhimento à tese recursiva espelhada pelo Digno Mº Pº.

Nesse encalce, importa um debruce sobre a normação constante do artigo 308º, nº 1 do CPPenal - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia – e, concomitantemente, sobre a ideia / noção / abrangência de indícios suficientes.

Emerge como inquestionável, ao que se pensa, que na fase de instrução, momento processual de cariz facultativo, se visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Tal como assim o transluz o referido no artigo 286º, nº 1 do CPPenal.

Diga-se, também, que este momento processual pode ser requerido pelo arguido ou pelo assistente, conforme a natureza do ato que os afete e que lhes confira o interesse em fazer comprovar judicialmente a decisão decorrente do encerramento do inquérito.

O arguido pode requerer a instrução no caso de ter sido deduzida acusação e o assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

In casu, está-se perante a primeira vertente apontada, sendo que efetuadas as diligências que se entenderam pertinentes em sede instrutória, concluiu-se pela inexistência de indícios suficientes que permitissem pronunciar a arguida e, nessa sequência, determinou-se o oportuno arquivamento dos autos.

Neste palco, e no seguimento do supra apontado, emerge como critério orientador da introdução do feito em juízo, fim almejado pela instrução, o desenho da suficiência de indícios / sinais / traços, assumindo-se que é o mesmo que rege o momento da dedução de acusação pois, a mesmidade do critério para efeitos de acusação (…) e de pronúncia respalda-se na natureza acusatória do processo (…) e (…) tem por função garantir que o cidadão não é injustificadamente sujeito a julgamento, com todo o potencial de afetação do bom nome22 / reputação / imagem e até segregação que tal pode implicar.

Diga-se, também, que a ideia de indícios suficientes encerra a dimensão de vestígios / dados que devidamente conjugados e ponderados fazem séria e confortadamente admitir uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, na sua sequência, uma pena ou uma medida de segurança, sendo que não se está neste patamar a exigir provas certas mas antes circunstâncias conhecidas e demonstradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, racional, se pode obter uma conclusão firme / segura / sólida de um determinado facto23.

Assim, só se mostra justificável sujeitar alguém a julgamento sempre e quando os vestígios colhidos durante um inquérito (e também na instrução), vistos numa perspetiva isenta / equidistante / desapaixonada indiquem que a serem aqueles confirmados em juízo, o arguido estará mais perto de uma condenação do que da absolvição24.

Em presença destes considerandos, exulta pacífico, crê-se, que não cabem aqui decisões de pronúncia arriscadas, sem suficiente base de apoio, alimentadas pela ideia de que “talvez em julgamento” e com “uma boa dose de sorte”, e/ou “com um juiz castigador”, obterão reforço de prova que levem à condenação25.

Olhando a estas linhas norteadoras, enfrente-se, em concreto, o intento recursório aqui em causa.


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Das conclusões trazidas no recurso apresentado pelo Digno Mº Pº, mormente considerando o que se anuncia nos pontos 13 e 14 – (…) A douta decisão aqui recorrida contém na sua fundamentação, erros e contradições na apreciação da prova os quais afrontam de forma manifesta as regras de experiência comum que presidem à sua apreciação (…) Vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que impossibilitam uma tomada de decisão correta, conforme à lei, apreensíveis nas correlações internas entre factos e até entre o mesmo agrupamento de factos provocando incongruências e descontinuidades evidentes, facilmente apreensíveis, pois que tão depressa se afirma ou coisa como o seu contrário ou se cita prova que infirma aquilo que se pretende comprovar (…) -, parece emergir a tentativa de alegação de vícios que afetam a decisão de não pronúncia, desenhando a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, máculas estas cujo tratamento e previsão despontam do estatuído no artigo 410º, nº do CPPenal.

Tanto quanto se perceciona, o Recorrente sem o mencionar com clareza, pretende transpor para este momento o quadro regulatório relativo à sentença pois, do que se descortina do plasmado no citado inciso legal destina-se o mesmo ao dito momento e não à decisão instrutória26.

Com efeito, parece suficientemente sedimentado que os vícios denunciados no artigo 410º, nº 2 do CPPenal, respeitam à sentença e / ou acórdão, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo compêndio legal pois que, dizem respeito à matéria de facto provada ou não provada, coisa que está ausente de uma decisão de instrução, a qual apenas pode concluir pela existência de matéria de facto suficientemente indiciada ou não indiciada.

Os matizes da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova são vícios intrínsecos da sentença penal, ao nível dos factos provados e não provados, e respeitam à sua estrutura interna, não se confundindo com o erro de julgamento (que ocorrerá quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado)27.

Todas estas manchas processuais (…) não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do CPP (…)28.

Deste modo, e conforme resulta do próprio enquadramento legal, os vícios que se pretendem trazer à discussão consubstanciam falhas da decisão de facto que é proferida no âmbito de uma sentença / acórdão, não sendo aplicáveis ao despacho de pronúncia ou de não pronúncia porquanto a apreciação factual efetuada nesse âmbito respeita, meramente, a factos indiciados ou não indiciados.

Acresce que a verificação de um dos referidos vícios tem como consequência, quando não for possível decidir da causa, o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos da normação constante dos artigos 426º e 426º-A do CPPenal, o que se afigura incompatível com a fase processual de instrução, em que os presentes autos se encontram.

E, nesse desiderato, a apreciação do recurso de decisão instrutória impõe, apenas e só, a análise dos elementos indiciários constantes do processo, tanto os presentes no inquérito como os produzidos já na fase de instrução, para se concluir sobre a sua suficiência ou não, com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia29.

Assim sendo, a invocação de vícios como o erro na apreciação da prova e / ou contradição na fundamentação, não tem aqui acolhimento, considerando como o nosso ordenamento jurídico se encontra configurado.

Deste modo, e sem necessidade de outros considerandos, quanto a este conspecto, sucumbe a tese recursiva.


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Outro vetor transportado no recurso apresentado, prende-se com a violação do disposto no artigo 127º do CPPenal, entendendo o Digno Mº Pº que se deve fazer constar no elenco dos factos indiciados que todas as aquisições foram efetuadas a mando e com o conhecimento da arguida.

Visite-se a decisão instrutória, na parte respeitante à fundamentação da matéria de facto que se entendeu indiciada e não indiciada, ainda que de modo breve.

Ali pode ler-se – (…) Relevaram (…) as declarações prestadas pela arguida (seja em fase de inquérito, a fls. 1743, seja durante a presente instrução), bem como pelas testemunhas inquiridas, conjugadas com o teor dos elementos documentais constantes dos presentes autos (…) A arguida (…) aceita, em termos globais, os factos objetivos descritos na acusação, relativamente à autorização das filmagens e aos bens entregues na sequência das mesmas. Insurge-se, todavia, relativamente à autorização das filmagens que tiveram lugar no Tribunal do ..., bem como ao enquadramento jurídico desses atos, e à intencionalidade com que os mesmos foram praticados (…) No que respeita à prova documental, teve-se em consideração (…) documento de fls. 253, referente à deliberação (extrato) n.º 1207/2014, onde consta a nomeação como Juiz Presidente da Comarca de ... a aqui arguida, por deliberação do Plenário Extraordinário do Conselho Superior da Magistratura de 27 de maio de 2014 (…) deliberação do Conselho Superior de Magistratura a renovar a referida comissão, e respetiva publicação (…) inúmeros e-mails juntos aos autos, nomeadamente os constantes do Apenso VII (…) teor dos e-mails de fls. 52 e 294, do Apenso VII, Vol. I, e fls. 609, do Apenso 7, Vol. II, de onde decorre a delegação, por parte da arguida, na testemunha DD, sobre a fixação das contrapartidas que fossem recebidas na sequência das filmagens, bem como o depoimento da referida testemunha (…) vários e-mails juntos aos autos, nomeadamente no Apenso 7, bem como do depoimento da testemunha GG, e do documento de fls. 328 (…) inquirição de OOO (fls. 1208 e ss.) e documentos de fls. 283 e 284, dos autos principais [1.º volume], fls. 1210 a 1218, dos autos principais [5.º volume], fls. 1571 a 1574, 1584, 1593 e 1713, dos autos principais [6.º volume], fls. 32 a 35, do Apenso 2; fls. 7 a 14, 194, 195, 206 a 209, 217, 260 a 264, 334 do Apenso 7, Vol. I; fls. 792, do Apenso 7, Vol. II; fls. 1106 a 1117, do Apenso 7, Vol. III (…) a arguida teve esta ideia e iniciativa, de adquirir um fato para o seu motorista porque nas deslocações oficiais, o mesmo costumava usar calças de ganga, dizendo que não tinha qualquer fato para usar nem camisa e gravata adequadas, sentindo-se o mesmo muitas vezes constrangido perante os seus colegas (…) Quanto aos bens enumerados no artigo 95º, a arguida dava indicações, sugerindo a compra de bens que efetivamente faziam falta no Tribunal e que não existiam, quando era necessário o seu uso (…) A própria arguida admite estas compras, quer o fato (artigo. 89º) – por sua iniciativa - quer as demais (artigo 95º) - por sua sugestão -, nas declarações prestadas em instrução (…) a arguida admite nas declarações prestadas na instrução, que dava indicações, sugerindo a compra de bens que faziam falta no Tribunal, admitindo que, concretamente quanto às encadernações, a iniciativa foi sua. Também nas primeiras declarações prestadas no inquérito a fls 195 e seguintes, a arguida admite estas compras, nomeadamente um disco externo, cartões de visita e encadernação dos relatórios da comarca, na ... (…) concretamente ao frigorífico, à camisa para AAA, à data, motorista da arguida na qualidade de Juiz Presidente da Comarca, um guarda-chuva e ainda quanto aos outros bens a própria arguida admite estas compras por sua iniciativa, mais uma vez por entender que o motorista, nas deslocações oficiais, mão tinha roupa apropriada e o guarda-chuva fazia falta, em muitas ocasiões, bem como os outros bens que muitas vezes faziam falta no Tribunal e não existiam, quando era necessário o seu uso. Admitindo que ela própria comprou a máquina de café (…) Era óbvia a falta de Regulamentação específica para utilização de curta duração de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça - que decorre desde logo das declarações da arguida - , o que justificou a publicação do despacho n.º 3863/2021, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021, que aprovou o respetivo Regulamento (…) no relatório de 11.03.2019 (ofício de 06-11-2024, com a referência citius 12789325), elaborado pelo instrutor do processo que correu termos no Conselho Superior da Magistratura, perante os factos considerados indiciados, se propôs que o Conselho Superior da Magistratura promovesse junto do IGFEJ e da DGAJ procedimento para elaboração de um Regulamento relativo a realização de filmagens para filmes, séries, telenovelas, spots publicitários e outros, de natureza comercial ou não, em espaços afetos a Tribunais Judiciais (…) a própria DGAJ remeteu à arguida os e-mails recebidos por empresas a solicitar tais autorizações, por considerar que seria esta (a arguida) na qualidade de Juiz Presidente da Comarca, a competente para o efeito, conforme decorre de fls. 279 (e-mail da DGAJ, de 06.07.2016). Tendo RRR, então Chefe de Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, reencaminhado à arguida um e-mail nesse sentido, conforme teor de fls 198 (…) do depoimento da testemunha Dr. SSS, atualmente Juiz Desembargador no Tribunal Central Administrativo ..., o qual exerceu as funções de Diretor-Geral da Administração da Justiça nomeado pelo Despacho n.º 2302/2016, publicado no DR, 2.ª série, n.º 32 de 16 de fevereiro, ou seja, na altura da prática de alguns factos dos autos, resulta que a DGAJ tinha conhecimento dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem (…) A matéria de facto não indiciada respeita, no essencial, à consciência e intencionalidade da arguida30, relativamente às autorizações concedidas – e aos poderes para tal – bem como relativamente à determinação e finalidade das contrapartidas entregues pelas diferentes empresas de filmagens (…) inexistem nos autos elementos probatórios que permitam concluir que a arguida praticou os atos em causa sabendo e estando consciente que aquele cargo não lhe conferia competência para autorizar a cedência e utilização dos espaços situados na área territorial da comarca de ..., porquanto a competência para os mesmos estaria cometida ao IGFEJ (…) não resulta indiciado que a arguida tivesse, com tal atuação, um benefício que não lhe era devido, quer para si, quer para os serviços e funcionários da sua dependência, nem que tal conduta tivesse causado qualquer prejuízo ao IGFEJ (…) a arguida, quando passou a exercer funções como Juiz Presidente da Comarca de ..., decidiu ‘chamar a si’, a competência para apreciação e deferimento, ou não, dos pedidos de filmagens, por entender que caberia dentro dos poderes de representação que lhe estavam legalmente atribuídos. A sua intervenção no processo terminava com a autorização que era dada, nunca tendo estado qualquer autorização dependente da existência de quaisquer contrapartidas, fosse de que espécie fosse (…) todas as autorizações foram concedidas sem qualquer condição, obrigação ou compensação de natureza patrimonial, para quem quer que fosse, a arguida, funcionários ou comarca (…) as “ofertas e/ou compensações” com que algumas empresas quiseram de algum modo “retribuir” a disponibilidade e uso de várias instalações de diferentes tribunais da comarca de ... bem como de alguns funcionários, sempre foram da iniciativa das mesmas, sem qualquer solicitação de quem quer que fosse, em particular da arguida, e sempre ocorreram após a utilização dos respetivos espaços (…) Como se afirma no despacho de arquivamento da Sra. Procuradora-Geral Adjunta TTT, de 25 de março de 2019 (…) “Da exposição apresentada e matéria fáctica elencada resulta claro que ao “aceitar” as ofertas que foram feitas — ex post facto, após a realização das filmagens, sendo de registar que não existe o menor indício ou suspeita de que a autorização para as filmagens fosse condicionada ou ficasse de alguma forma dependente do “pagamento” posterior pelas empresas/instituições que as realizaram, tudo indicando, ao invés, que as autorizações eram sempre concedidas sempre que estivessem reunidas as condições logísticas e de disponibilidade de espaço consideradas necessárias, sem condicionamento de qualquer contrapartida prévia ou posterior (…) a Senhora Juiz Presidente da comarca de ... não aceitou para si, ou para terceiro da esfera dos seus interesses pessoais, qualquer vantagem, que objectivamente contribuísse para melhorar a sua situação pessoal, privada”31 (…) várias filmagens foram realizadas por diferentes empresas, sem qualquer “oferta, dádiva ou compensação” ou, no dizer da acusação, contrapartida (…) das testemunhas inquiridas em sede de inquérito, articuladas com a extensa documentação constante dos autos (…) verifica-se que, a partir de 2014/2015, a Sra. Juiz Presidente dessa Comarca, aqui arguida, determinou que fossem encaminhados para o seu gabinete os pedidos de filmagens que fossem efetuados, retirando, assim, tal acto, do domínio do Sr. Administrador Judiciário, como ocorreria até então (…) os pedidos eram efetuados pelas empresas/entidades interessadas, usualmente através de e-mail, aos quais a Sra. Juiz Presidente respondia, autorizando, ou não, consoante as circunstâncias – tendo em consideração, nomeadamente, a eventual inconveniência para o serviço, o que ocorria quando o pedido respeitava a dias úteis. Na positiva, informava que, daí em diante, o demais era acertado com a funcionária DD, secretária de justiça (…) a referida testemunha DD, explicou que os pedidos eram sempre efetuados através do gabinete da Srª Juiz Presidente, tendo a arguida informado a testemunha que esta deveria indicar as contrapartidas, consoante as necessidades do Tribunal (…) esta questão das contrapartidas e consequente e-mail enviado pela Srª Juiz Presidente à referida testemunha DD, apenas surge e justifica no seguimento de algumas empresas, livremente e da sua iniciativa, manifestarem a vontade, sem qualquer solicitação ou imposição da arguida ou de outrem, nem a título de obrigação imposta no momento ou como condição da autorização para utilização dos espaços nos tribunais, de “ofertarem” alguns bens ou cartões/cheques presentes (…) não resulta indiciado que a arguida determinasse, em concreto, relativamente a cada filmagem, qual a contrapartida que deveria ser entregue, não havendo elementos probatórios que sustentem uma intervenção da arguida dessa natureza, após ser concedida a respetiva autorização (…) afigura-se que a arguida se alheava do processo, após encaminhamento do mesmo para a testemunha DD, não se podendo concluir que tivesse conhecimento – e muito menos determinasse – os donativos que deveriam ser entregues e por quem (…) apenas se tendo apurado, assim, que a arguida delegou na Senhora Funcionária DD, a decisão sobre os bens ou equipamentos que a mesma deveria solicitar àquelas empresas e/ou "vouchers", como contrapartida pela cedência e utilização desses espaços, e não que lhe dava indicações concretas nesse sentido (…) ressalvam-se, apenas algumas exceções, nomeadamente as referentes ao fato e camisa para o motorista (factos n.os 89 e 126) bem como certas compras para o tribunal (factos n.os 95 e 126, relativamente a diversos bens, facto 125.º [frigorífico] e 134 [máquina de café]), que a própria arguida, nas declarações que prestou em sede de instrução, explicou que se trataram de artigos sugeridos (ou comprados, no caso da máquina de café) por si - como já supra referenciado/explicado sobre os motivos quanto a estes factos e bens indiciados, da acusação (…) ademais inexistem comunicações de onde se possa concluir, sequer, se a arguida saberia previamente se iria ser entregue alguma contrapartida (…) se assim fosse, a autorização apenas seria concedida após ser fixada a contrapartida (ou pelo menos garantindo que a empresa estaria disposta a proceder à entrega de alguma doação (…) da leitura das várias trocas de correio eletrónico entre a Srª Juiz Presidente e as diversas entidades, verifica-se que a autorização é concedida de imediato, quando a mesma é logisticamente possível, independentemente de eventual ou hipotética contrapartida que pudesse ou viesse a ser entregue por qualquer empresa (…) nas várias trocas de e-mails constantes dos autos, constata-se que em nenhum momento a arguida solicita às entidades requerentes da autorização, qualquer contrapartida, não sugerindo a entrega de nenhum bem, nem quando aquelas a questionam diretamente acerca desse tema, sendo que, a fls. 218 do Apenso VII, 1.º volume, consta um e-mail por si subscrito, em janeiro de 2018, em resposta à produção acerca das contrapartidas das gravações, onde se pode ler «quanto às contrapartidas pela utilização do espaço, deverá para o efeito contactar a Senhora Secretária de Justiça DD, através do telefone (…) na instrução dada à testemunha DD por parte da Srª Juiz Presidente nunca foi também transmitido que, na ausência da entrega de contrapartidas, a autorização ficaria sem efeito (…) verifica-se que houve várias filmagens que ocorreram, em que não foi entregue qualquer contrapartida (…) nos e-mails enviados pela arguida aquando da autorização, fixando um conjunto de condições para a utilização do espaço (a utilização de gerador para obtenção de energia elétrica, a necessidade de deixar os espaços limpos, etc.) nunca a arguida mencionou a existência de uma contrapartida para o Tribunal pela sua utilização (…) inexistem elementos de prova que indiciem que a arguida, de algum modo, quis beneficiar economicamente os funcionários por si indicados – em particular, a testemunha GG – ou que teria conhecimento prévio/negociou as ofertas/compensações por eles recebidas (…) consta de fls. 184 um e-mail subscrito pela arguida, em resposta a um pedido de filmagem, referindo que «[n]unca estaria em causa qualquer compensação financeira relativa ao referido acompanhamento por qualquer funcionário. O acompanhamento seja por quem for efectuado será sempre realizado de forma gratuita (…) dos e-mails por si enviados, apesar de referir a necessidade de as filmagens terem de ser acompanhadas por um oficial de justiça – o que se compreende por este conhecer as respetivas instalações e, por outro, “fiscalizar” a respetiva utilização, não deixando as instalações do tribunal sob a responsabilidade e/ou a cargo meramente das empresas de filmagem -, em nenhum momento requer ou comunica às respetivas produtoras que aquele terá de ser, de algum modo, remunerado. Pelo contrário, no referido e-mail, de 7 de dezembro de 2018, a Srª Juiz Presidente informa que tal acompanhamento seria gratuito (…)Na grande maioria dos casos relatados, as ofertas ou contrapartidas eram livremente fixadas e dependiam da Empresa/produção em causa, nomeadamente quanto ao seu quantitativo, inexistindo qualquer valor concreto e rígido a aplicar às mesmas (…) nas autorizações deferidas pela arguida, nunca foi estabelecido como condição ou troca direta e obrigatória, para a utilização dos espaços e realização de filmagens, qualquer compensação, nem foi esta indicada como sendo legalmente devida, tendo as referidas dádivas de bens e serviços sido sempre da iniciativa e da livre vontade das respetivas empresas (…) Quanto à remuneração dos funcionários, não resulta, assim, dos autos, que a arguida tenha tido alguma intervenção ou conhecimento direto nesse aspeto, até às vésperas da realização do Conselho de Gestão de 3 de dezembro de 2018 (…) dos documentos juntos que não houve qualquer intermediação por parte da arguida entre as empresas e o funcionário em causa (…) a testemunha QQQ, inquirida a fls. 1108, esclarece que combinou as contrapartidas com DD e GG, tendo, inclusivamente, ajustado os valores inicialmente solicitados (…) a testemunha KKK, cujo depoimento consta de fls. 1154, refere que adquiriram equipamento informático e consumíveis para o tribunal, bem como cartões-presente do ... para o funcionário que acompanhou as filmagens (GG), o que não havia sido por ele solicitado, tendo sido entregue, de modo espontâneo, como forma de agradecimento por ter estado presente (…) testemunha UUU (fls. 1172), refere não ter sido pedida qualquer remuneração por parte dos funcionários (…) a testemunha UU (fls. 1175) explicou que a testemunha DD referiu na visita técnica efetuada, que aceitariam oferta de material de escritório, nomeadamente tonners, não tendo sido solicitada nenhuma contrapartida. No final, contudo, ofereceram a GG, como sinal de agradecimento, um cartão presente do ... (…) KK (fls. 1227) explicou que as contrapartidas não resultaram de solicitação expressa, tendo sido aceites após insistência do depoente, e HH (fls. 1234), refere não ter havido solicitação de contrapartidas por parte de membros do Tribunal, tendo sido a testemunha a ter essa iniciativa (…) as testemunhas VVV (fls. 1237) e WWW (fls. 1240) referem nunca terem sido solicitadas contrapartidas, tendo este último questionado, por sua iniciativa, a testemunha DD no sentido de saber as necessidades de economato e comprar bens (…) A testemunha XXX, cujas declarações constam de fls. 1165, refere não ter tido conhecimento da obtenção de qualquer cartão oferta, mas explica que se trata de uma prática comum e transversal nas produções publicitárias, como meio de agradecimento (…) a arguida não obteve qualquer proveito próprio das condutas descritas na acusação. De facto, todas as contrapartidas aí listadas visaram, direta ou indiretamente, os Tribunais, seja através de equipamentos de trabalho (como fotocopiadoras, impressoras, ou tonners) ou objetos com vista ao melhoramento das condições de trabalho para as pessoas que aí exercem as suas funções (bens alimentares, frigorífico, máquina de café, aquecedores, vários aparelhos de ar condicionado, entre outros). De facto, da prova constante dos autos não restam dúvidas – todas as contrapartidas foram entregues ao, e em benefício, direto ou indireto, do tribunal (…) É assim, por demais evidente, que a arguida não só não obteve como não pretendeu obter qualquer benefício para si (…) consta da acusação, embora de modo conclusivo, que a atuação da arguida gerou um prejuízo para o IGFEJ. Ora, inexistem factos concretos descritos na referida peça processual que concretizem o referido e efetivo prejuízo, nem os mesmos decorrem de elementos de prova constantes dos presentes autos (…) não constam elementos de onde se possa concluir que a arguida atuava com conhecimento de que não teria poderes para o efeito. De facto, tal não decorre das regras da experiência comum, atendendo a que inexistia norma expressa no sentido de atribuição, ou não, da competência desse acto seja à Juiz Presidente, seja ao Administrador, à DGAJ, ou ao IGFEJ. Acresce que as próprias testemunhas não respondem com certeza acerca de quem seria o responsável para o efeito, sendo que tal ambiguidade de respostas, indicando, nomeadamente, como competente, a aqui arguida (ou os juízes presidentes, em geral), conduz necessariamente a essa dúvida (…) dos atos praticados pela arguida não ressalta qualquer circunstância no sentido de ocultar a sua atuação, a qual está expressa nos diversos e-mails juntos aos autos, sendo que as filmagens nos espaços dos tribunais eram do conhecimento geral, dentro da Comarca, conforme decorre do depoimento de várias testemunhas, tendo a arguida retratado/incluído este assunto no Relatório de Gestão do Tribunal Judicial da Comarca de ..., referente ao período de 01-09-2015 a 31-08-2016. (relatório constante de fls. 9 e 10) (…) a própria DGAJ remete à arguida os e-mails a solicitar tais autorizações, por considerar que será esta (a arguida), a competente para o efeito, conforme decorre de fls. 279 (…) e da inquirição da testemunha SSS, de onde resulta, também, o conhecimento que a DGAJ tinha dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem (…) Tal procedimento é, também, adotado por RRR, Chefe do Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça [cfr. fls. 198, que reencaminha à arguida um e-mail a solicitar um pedido de filmagem, e onde se pode ler que “(…) tenho a honra de remeter a V. Exa. O pedido abaixo recebido pelo Ministério para os devidos efeitos, tendo em conta as competências de V. Exa. na gestão dos tribunais da comarca”] (…) no que respeita ao facto do artigo 140 da acusação, apenas se deu como indiciada a respetiva reunião, nos termos aí descritos, tendo como fonte as declarações do Sr. Magistrado do MP coordenador prestadas no inquérito em 30.1.2019, reunião essa admitida pela própria arguida (…) as próprias declarações da testemunha YYY, coordenador do Ministério Público, contrariam este facto, tendo a esse propósito referido que, na reunião que teve lugar, o IGFEJ transmitiu que iria analisar o tema e posteriormente informaria a arguida do resultado (…) disse esta testemunha YYY que nessa reunião foi entendido que a eventual competência para propor uma regulamentação seria do IGFEJ e que iriam analisar o tema e posteriormente informariam a Senhora Juiz Presidente do resultado (…) entende-se que não resulta indiciada uma qualquer combinação no sentido de que em futuros pedidos e respetivas autorizações seriam estabelecidos contactos entre a ora arguida e a direção do IGFEJ, prévios ou posteriores, sobre tais pedidos, pois o que estava pendente para análise era a eventual regulamentação que até então não existia.

Este, em termos sintetizados, o explicativo sobre a indiciação factual constante da decisão em sindicância, que ali se mostra exaustivamente trabalhado e analisado.

Ora, o artigo 127º do CPPenal consagra o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo que «[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Nesse intento, o julgador no exercício ponderativo a realizar deve orientar-se / ater-se a regras lógicas e de racionalidade de forma a que, perante todos os envolvidos e, mormente, os destinatários da decisão, confrontados com esta, tenham a possibilidade de adesão, ou repúdio, também racional, da valoração feita.

A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional, não motivada, devendo antes envergar cariz de valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam ao decisor denotar, objetivamente, a apreciação dos factos32.

Assim, a livre apreciação não corresponde à apreciação arbitrária da prova, tendo como pressuposto valorativo a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do ser humano médio33.

Embora assuma particular primazia na fase de julgamento, o princípio da livre apreciação da prova aplica-se a todas as fases do processo, incluindo a instrução.

Como se verifica da fundamentação proferida e transcrita supra, o Tribunal procedeu à apreciação e valoração dos vários elementos probatórios constantes dos autos, seja documentais, seja testemunhais, recolhidos quer na fase de inquérito, quer de instrução, tendo de forma exuberantemente pormenorizada e sopesada efetuado uma articulação e reflexão sobre os mesmos, que verteu na fundamentação, explicando de forma coerente e racional as conclusões alcançadas.

Transluz da decisão em questionamento que se procedeu a uma apreciação cuidada e global de tais elementos de prova, sendo perfeitamente apreensível o caminho percorrido e as conclusões alcançadas, as quais se encontram em concordância com as regras da experiência comum e da lógica do ser humano médio, pautado por critérios de bom senso e razoabilidade.

Ademais, os meios de prova a que o Digno Mº Pº faz referência nas suas alegações de recurso - nomeadamente aquando da invocação da existência dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal -, foram adequadamente ponderados na decisão instrutória, sendo que o que se tenta agora ensaiar como forma de beliscar / abalar todo o trajeto justificativo tomado e já atrás explicitado, salvo melhor e mais avisada opinião, não exibe carga bastante para alcançar esse objetivo.

Dos documentos juntos, resulta claro que as autorizações (nomeadamente a delegação de competência para o efeito na secretária de justiça DD) eram concedidas tendo apenas em consideração a disponibilidade do tribunal e o eventual prejuízo para o seu funcionamento, razão pela qual as filmagens tinham lugar, por regra, ao fim-de-semana.

Em nenhum momento consta – nem se depreende do teor de qualquer documento ou depoimento testemunhal – que a arguida tivesse subordinado essa autorização a uma recompensa, de natureza patrimonial ou outra, para o tribunal.

Deste modo, e não obstante essas compensações tenham ocorrido frequentemente, inexistia qualquer dependência, no sentido de as mesmas serem fixadas ou negociadas em momento prévio ao da autorização concedida, pelo que, aquando dessa anuência, desconhecia-se se algum bem iria efetivamente ser entregue, como, aliás, sucedeu, sem que tal circunstância tivesse obstado à realização da filmagem.

Como está devidamente delineado e sublinhado na decisão instrutória, (…) da leitura das várias trocas de correio eletrónico entre a Srª Juiz Presidente e as diversas entidades, verifica-se que a autorização é concedida de imediato, quando a mesma é logisticamente possível, independentemente de eventual ou hipotética contrapartida que pudesse ou viesse a ser entregue por qualquer empresa (…).

Assim, a aqui arguida, em momento algum, fez depender a concessão da autorização da entrega de bens ou quantias, nem deu instruções nesse sentido. É certo que, após a iniciativa das empresas de filmagens, no sentido de pretender fazer entregas ao tribunal, tinha conhecimento desse facto – pelo menos, algumas das vezes – instruindo a referida secretária de justiça no sentido de, nomeadamente, indicar às empresas que o solicitassem quais os consumíveis úteis para o tribunal, como se pode verificar pelo e-mail enviado pela arguida à referida testemunha, o qual consta de fls. 294 do Apenso VII, 1.º volume, onde se pode ler que «[n]o respeitante às contrapartidas, delego na Senhora Secretária a fixação e comunicação das mesmas», o que faria em articulação com as empresas requerentes.

Todavia, conforme explicita a decisão instrutória, o (…) e-mail enviado pela Srª Juiz Presidente à referida testemunha DD, apenas surge e justifica no seguimento de algumas empresas, livremente e da sua iniciativa, manifestarem a vontade, sem qualquer solicitação ou imposição da arguida ou de outrem, nem a título de obrigação imposta no momento ou como condição da autorização para utilização dos espaços nos tribunais, de “ofertarem” alguns bens ou cartões/cheques presentes (…).

Mostra-se, efetivamente desenhado que utilizou os cartões-oferta para comprar alguns bens relevantes para o tribunal. Conquanto, tal apenas ocorreu em momento posterior às filmagens, na sequência de entrega da empresa produtora respetiva, com vista a uma retribuição pela utilização das instalações dos tribunais, compras que foram enquadradas e explicitadas pela própria em sede de declarações, devidamente valoradas pelo tribunal recorrido.

Na verdade, a arguida encontrava-se distanciada deste concreto processo organizativo, apenas tendo conhecimento das eventuais ofertas em momento posterior, inexistindo, em absoluto, prova no sentido de que a mesma teria conhecimento e impusesse quais os donativos que deveriam ser entregues.

Em conformidade com o que conclui a decisão de que se recorre (…) encontra-se indiciado que, nas autorizações deferidas pela arguida, nunca foi estabelecido como condição ou troca direta e obrigatória, para a utilização dos espaços e realização de filmagens, qualquer compensação, nem foi esta indicada como sendo legalmente devida, tendo as referidas dádivas de bens e serviços sido sempre da iniciativa e da livre vontade das respetivas empresas (…) Quanto à remuneração dos funcionários, não resulta, assim, dos autos, que a arguida tenha tido alguma intervenção ou conhecimento direto nesse aspeto, até às vésperas da realização do Conselho de Gestão de 3 de dezembro de 2018 (…).

De outra banda, destaque-se a ausência total de elementos de prova nos presentes autos de onde decorra que a arguida tenha tido algum benefício com os bens ou vouchers entregues, sendo manifesto que tudo o que foi cedido ou comprado referiu-se, sempre, ao funcionamento do tribunal, ou que tal atuação visasse causar – ou tivesse realmente causado – um prejuízo para um terceiro.

Finalmente, como é explicitado na decisão instrutória (…) dos autos não constam elementos de onde se possa concluir que a arguida atuava com conhecimento de que não teria poderes para o efeito. De facto, tal não decorre das regras da experiência comum, atendendo a que inexistia norma expressa no sentido de atribuição, ou não, da competência desse acto seja à Juiz Presidente, seja ao Administrador, à DGAJ, ou ao IGFEJ (…) as próprias testemunhas não respondem com certeza acerca de quem seria o responsável para o efeito, sendo que tal ambiguidade de respostas, indicando, nomeadamente, como competente, a aqui arguida (ou os juízes presidentes, em geral), conduz necessariamente a essa dúvida (…) dos atos praticados pela arguida não ressalta qualquer circunstância no sentido de ocultar a sua atuação, a qual está expressa nos diversos e-mails juntos aos autos, sendo que as filmagens nos espaços dos tribunais eram do conhecimento geral, dentro da Comarca, conforme decorre do depoimento de várias testemunhas, tendo a arguida retratado/incluído este assunto no Relatório de Gestão do Tribunal Judicial da Comarca de ..., referente ao período de 01-09-2015 a 31-08-2016 (…) a própria DGAJ remete à arguida os e-mails a solicitar tais autorizações, por considerar que será esta (a arguida), a competente para o efeito, conforme decorre de fls. 279 (…) e da inquirição da testemunha SSS, de onde resulta, também, o conhecimento que a DGAJ tinha dos procedimentos adotados na Comarca de ... de autorização para a cedência e utilização dos espaços solicitados pelas empresas de filmagem. (…) Tal procedimento é, também, adotado por RRR, Chefe do Gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça (…) que reencaminha à arguida um e-mail a solicitar um pedido de filmagem, e onde se pode ler que “(…) tenho a honra de remeter a V. Exa. O pedido abaixo recebido pelo Ministério para os devidos efeitos, tendo em conta as competências de V. Exa. na gestão dos tribunais da comarca (…).

Afigura-se, assim, não ser possível, com a prova testemunhal e documental constante dos autos, sustentar as conclusões que o recorrente pretende, as quais foram afastadas através do recurso a raciocínios objetivos e apreensíveis pelo homem médio, transpostos na decisão revidenda, fundamentação com a qual se concorda e para a qual se remete integralmente.

Como tal, a valoração da prova levada a cabo na decisão instrutória de não pronúncia não merece qualquer crítica, mostra-se lógica, plausível, entendível e suficientemente alicerçada pelo que, não tendo havido qualquer violação do princípio consagrado no artigo 127º do CPPenal, também o recurso interposto deverá, nesta parte, improceder.


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De outra sorte, importa, por fim, visitar o tipo criminal em exame e toda a sua estrutura constitutiva.

O libelo acusatório imputa à arguida o cometimento do crime de abuso de poder, p. e p. pelos incisos conjugados dos artigos 382º34 e 386º, nº1, alínea d)35 do CPenal.

O crime de abuso de poder, destinando-se a proteger a integridade do exercício das funções públicas por parte de funcionário36 , assume-se como um crime de função e, nessa medida, um crime próprio, em que o funcionário que detém determinados poderes funcionais usa-os para um fim diverso daquele para que a lei os concede, mostrando-se integrado no primeiro limite do perímetro da tipicidade pelo mau uso ou uso desviante dos poderes funcionais, sendo que para se denunciar este mau uso, é necessário que o funcionário seja determinado / orientado por uma específica intenção37.

Em termos de tipo objetivo, este consiste no abuso dos poderes ou violação dos deveres inerentes às funções do funcionário, sendo que se enquadram aqui todas aquelas situações de instrumentalização / utilização dos poderes próprios de determinada função para fins estranhos / contrários / não cabíveis no que é permitido pelo direito administrativo38.

Como tal, o abuso de poder (…) é uma ação ou decisão do funcionário que padece de um dos seguintes vícios: (1) violação de lei substantiva ou processual; (2) desvio de poder; (3) incompetência relativa ou absoluta; (4) usurpação do poder jurisdicional (pelo funcionário pertencente ao poder administrativo) ou do poder administrativo (pelo funcionário pertencente ao poder jurisdicional)39.

Por seu turno, relativamente ao tipo subjetivo, este admite qualquer modalidade de dolo sendo que, adicionalmente, se exige a verificação de um elemento subjetivo específico, traduzido na intencionalidade do agente em ter atuado com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa.

Deste modo, e em termos de consumação, é irrelevante a efetiva e real verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando que haja a prática do ato ou do facto abusivo por banda do agente40.

Com a ilegitimidade do benefício, o legislador visou afastar as situações em que se verificava, sem mais, um abuso de funções ou violação de deveres por parte do funcionário, pelo que se afigura «necessário que um tal abuso de poder se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração (não se esgotando ou encerrando em si mesmo). A ilegitimidade do fim prosseguido vem sublinhar a ilicitude decorrente do comportamento do agente, ganhando, todavia, autonomia enquanto parâmetro normativo susceptível de afirmar a sua responsabilidade»41.

No entender do Digno Mº Pº, e desde logo, estão verificados os pressupostos necessários e exigíveis à verificação do tipo objetivo pois, na sua ótica, a arguida enquanto Juiz Presidente de Comarca não tinha legitimidade legal para autorizar as filmagens em causa, tendo com o seu agir violado o previsto no Decreto-Lei nº 164/2012, de 31 de julho – diploma que aprova a orgânica do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. -, e na Portaria nº 391/2012 de 29 de novembro.

Debruçando um olhar sobre estes complexos legais, bem como no regime constante da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, atentando na argumentação recursiva esgrimida e considerando todo o detalhadamente tratado na decisão instrutória em sindicância, crê-se que não existe o menor ancoradouro para acalentar esta linha de defesa.

Com efeito, incidindo sobre os artigos 92º42 e 94º43 da LOSJ, no artigo 3º44 do Decreto-Lei nº 164/2012, de 31 de julho e 5º45 da Portaria nº 391/2012 de 29 de novembro, contrariamente ao pugnado, não se pode retirar que à arguida estava vedada / proibida a possibilidade de autorização das filmagens em referência.

Destes preceitos o que se retira, tal como bem salienta a decisão propalada é que, ao tempo, não havia regulamentação precisa e inequívoca quanto à utilização de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça, e a pontual cedência para os fins em causa nos presentes autos.

O que na verdade havia era um claro vazio legal ou regulamentar sobre tal matéria e, assim sendo, não obstante tal competência não se encontrar explicitamente atribuída aos juízes presidentes, a verdade é que a mesma também não se encontrava expressamente atribuída a nenhuma entidade, mormente àquela que o Digno Mº Pº pretende afirmar como a efetivamente a tendo.

E não se diga que decorre do estatuído na alínea g), do artigo 5º da Portaria nº 391/2012 de 29 de novembro que caberia ao IGFEJ, I.P., intervir nestes casos.

Com efeito, os atos aqui abrangidos, tanto quanto se descortina, apenas englobam a rentabilização do património do MJ, incluindo o arrendamento de prédios, funções autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente e concessão de espaços para fins comerciais e publicitários e já não situações de utilização de curta duração de espaços sitos no interior ou exterior de imóveis afetos à área da justiça, cujo fito não é a rentabilização dos mesmos (o caso destes autos).

E tanto assim é que, reconhecendo-se este aspeto lacunar, houve a necessidade de aprovar através do despacho nº 3863/2021, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 74, parte C, de 16 de abril de 2021, o Regulamento de Cedência de Utilização de Curta Duração de Espaços Afetos à Área da Justiça, no âmbito do qual se definiu, no artigo 2.º, que (…) [c]ompete ao conselho diretivo do IGFEJ, I. P., decidir os requerimentos de cedência de utilização de espaços que lhe sejam submetidos ou enviados pelo serviço ou organismo do Ministério da Justiça que os utilizar (…), sendo essa decisão (…) antecedida de emissão de parecer obrigatório do dirigente máximo daquele serviço ou organismo.

Se essa competência se encontrasse já legalmente determinada, como o Digno Mº Pº deixa antever recursivamente, não havia necessidade de referir a mesma num instrumento legal autónomo e novo, por definitivamente redundante.

Assim sendo, e subscrevendo inteiramente o posicionamento enveredado na decisão instrutória (…) afigura-se que, na ausência de regulamentação expressa sobre a referida temática, é defensável considerar que as mencionadas autorizações se encontram ínsitas no poder de representação e direção do tribunal, atribuído ao Juiz Presidente. Até porque será o Juiz Presidente a pessoa que se encontra em melhores condições para aferir da disponibilidade ou não do espaço, bem como para averiguar se a actividade requerida perturba o normal funcionamento dos serviços, avaliação que o IGFEJ sempre teria significativas dificuldades em efetuar. É, assim, imprescindível, que o juízo prévio à autorização passe por quem se encontra mais próximo dos serviços.

Considerou-se, no todo decidido, que os atos em causa nos presentes autos – reconduzidos, de forma genérica, à autorização concedida por parte da Juiz Presidente da Comarca de ..., para captação de imagens do exterior e/ou interior do tribunal – não integram a competência direta e / ou exclusiva do IGFEJ.

De facto, ao contrário do que parece afirmar o recorrente, não houve o menor ato de disposição do património, nem qualquer proposta de rentabilização de tal acervo, mediante a concessão de espaços para fins comerciais ou publicitários. Do mesmo modo, como bem refere a arguida nas contra-alegações apresentadas, também não foi determinado qualquer ato de gestão patrimonial permanente, não tendo aquela celebrado qualquer contrato de arrendamento ou de cedência de posse ou alterado a afetação dos imóveis em causa e, nessa medida, todo o praticado pela arguida não se reconduz a uma atuação com vista à administração de património, pelo que não integra o conceito previsto no artigo 52º do Decreto-Lei nº 280/2007, de 7 de agosto46.

Ademais, também não consubstancia uma cedência, nos termos previstos nos artigos 53º e seguintes47 desse diploma legal, na medida em que a mesma pressupõe uma efetiva ocupação – durante um maior ou menor lapso temporal – o que manifestamente, in casu, não se verifica.

Deste modo, reforça-se que se trata de uma realidade muito particular, não tendo os atos em causa sido contemplados em nenhum dos referidos diplomas legais, dos quais não resulta, de modo expresso / indubitável / inquestionável, qual o órgão competente para proceder à autorização para a prática dos mesmos.

Havendo uma nebulosidade legal acerca de tal matéria, e sendo o Juiz Presidente quem possui as competências de representação e direção do tribunal, nos termos do artigo 94º, nº 2, alínea a) da Lei nº 62/2013 de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), não é possível concluir do modo como faz o recorrente.

Sequentemente, tal como a decisão recorrida, para cujo teor se remete, entende-se que (…) a atuação da arguida não é violadora da lei substantiva ou processual então em vigor no momento das autorizações, não integrando um desvio de poder, incompetência relativa ou absoluta ou usurpação do poder administrativo pela arguida.

Atente-se, ainda, ao espetro avançado pelo Digno Mº Pº, no que concerne ao elemento subjetivo da fattispecie em discussão.

No dizer daquele exige-se (…) que o agente atue com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa. Não se exige que o benefício/vantagem que se pretende alcançar tenha caráter patrimonial sendo apenas exigível que seja ilegítimo (…) cremos poder afirmar-se que a factualidade indiciada revela estar verificada aquela ilegitimidade porquanto as contrapartidas recebidas não eram devidas aos seus destinatários, nem resultam de qualquer concreto instrumento legal ou regulamentar delimitador, emitido pelas entidades competentes.

Relativamente a este segmento, extrai-se da decisão instrutória (…) o tipo subjetivo preenche-se com o dolo do agente, em qualquer uma das suas modalidades, ao qual acrescerá um elemento subjetivo específico, relativo à intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outra pessoa (…) podemos caracterizar como benefício toda a vantagem que o sujeito ativo pretenda retirar da sua atuação, e que em concreto poderá assumir natureza patrimonial ou não patrimonial. O benefício em causa terá (…) que ser necessariamente ilegítimo (…) sendo necessário que um tal abuso de poder se manifeste exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração (não se esgotando ou encerrando em si mesmo) (…) O agente poderá também atuar com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa. Também em relação ao prejuízo, não exigiu a lei que este tivesse uma dimensão patrimonial. O legislador parece não se querer referir à verificação de um prejuízo para a administração pública(…) O que se pretendeu salientar foi a efetiva instrumentalização de poderes por parte do funcionário em nome de interesses de natureza particular48 (…) o referido elemento subjetivo específico ultrapassa o habitual ‘dolo genérico’, não pertencendo, assim, ao dolo do tipo (…) antes pressupondo «uma actuação dolosa, que supõe a consciência e vontade por parte do agente de exercer uma função pública abusando dos poderes, ou violando os deveres a ela inerentes, bem como o conhecimento do carácter ilegítimo da vantagem ou do prejuízo pretendidos e, para além disso, que o agente actue com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa»49 (…) no crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais. (…) o mau uso dos poderes (…) tem antes de ser determinado por uma intenção específica que, enquanto fim ou motivo, faz parte do próprio tipo legal. Esta intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza.50 (…) exige-se uma intenção específica, uma intenção que é tipicamente requerida, e que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao dolo e já não pertence ao tipo objectivo – a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa (…) A relação entre o agente, o resultado e a identificação de benefícios próprios, ou a consideração intersubjectiva sobre os antecedentes e a natureza das relações entre o agente e um terceiro, constituem índices pelos quais se poderá apreender a manifestação da atitude interna51 (…) os meros erros de função, por si só, não relevam para efeitos do crime de abuso de poder previsto no art. 382°, do CP, sendo necessário que os mesmos sejam não só cometidos através do abuso de poderes ou da violação de deveres inerentes às funções exercidas pelo agente como adequados a obter para o agente ou para terceiro, beneficio ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa52 (…) mesmo que se entendesse que a conduta da arguida extravasou os poderes que lhe eram legalmente concedidos, a mesma não atuou com o intuito de obter um benefício (…) não obstante constem os atos praticados pela arguida, consubstanciados nas autorizações que concedeu, e o recebimento de contrapartidas nos termos indiciados, não resulta assente o nexo entre o seu comportamento e a obtenção de qualquer benefício (…) não havendo esse comportamento causal por parte da arguida, mesmo que se considerasse que a sua atuação tinha ultrapassado os limites da sua competência, para efeitos de preenchimento do tipo objetivo de ilícito, sempre se concluiria como não verificada a intenção subjetiva específica que aqui se impõe, por aquela não ter atuado com intenção de obter um benefício (…) O mesmo se refira no que respeita ao alegado prejuízo de terceiro, in casu, o IGFEJ (…) inexistem quaisquer factos concretos de onde decorra esse juízo conclusivo, no sentido de que a atuação da arguida gerou um prejuízo para a referida entidade (…) é manifesto que não existe o menor facto que indicie que a atuação da arguida visou causar prejuízo a um terceiro, não havendo a menor sustentação fáctica de tal alegação (…) não se verifica ter existido qualquer prejuízo uma vez que, conforme se referiu, à data dos factos não se encontrava regulamentado algum tipo de compensação, em decorrência da cedência de espaços nos termos em que foi feita. Deste modo, não poderia ser exigida qualquer contrapartida, tratando-se este hipotético prejuízo de uma mera conjetura por parte do Ministério Público (…) a atuação da arguida, mesmo que se preenchesse o tipo objetivo - o que não acontece -, sempre seria irrelevante porquanto, a partir dos factos indiciados, não se pode concluir que tenha tido em vista beneficiar-se a si própria ou terceiros, ou prejudicar uma pessoa, nomeadamente o IGFEJ, antes visando beneficiar os Tribunais e, indiretamente, o Estado que, em última instância, sempre seria o responsável pela compra e disponibilização destes artigos que eram necessários ao bom funcionamento dos Tribunais.

É, assim, manifesto, em conformidade com o teor da fundamentação transcrita, à qual se adere integralmente, que mesmo que a arguida tivesse ultrapassado os seus poderes funcionais, nunca o ilícito que lhe é imputado estaria suficientemente indiciado.

Dos factos sinalizados não resulta, nem de modo implícito ou indireto, que com a sua atuação tenha pretendido obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiros, ou prejudicar uma pessoa.

Faceando, é claro que não há qualquer interligação para as autorizações decretadas e a contrapartida que veio (em algumas situações) a ser obtida posteriormente, pelo que não se poderá concluir, pela total ausência de elementos factuais para o efeito, que a atuação da arguida foi motivada / tomada / exercitada pela expectativa da obtenção de um eventual benefício ou com o intuito de prejudicar um terceiro.

Tal como se deixa antever na decisão proferida, ante este tipo de contexto (…), o bom senso aconselharia a que tivesse sido adotada uma conduta mais cautelosa, prudente e estrita na aceitação destes bens, fosse a que título fosse. Ou seja, melhor seria que não tivesse havido quaisquer contrapartidas para os tribunais (…).

Conquanto, este estar menos prudente e de certo modo simplista, facilitador e até precipitado, não tendo sido sequer considerado uma falha disciplinar, não acarreta bagagem bastante e robusta, configuradora de um ilícito criminal, mormente o que se pretende apontar à arguida.

Em consequência, nada mais resta que afirmar que é de manter a decisão de não pronúncia da arguida AA.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3.ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo Digno Mº Pº, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Sem Custas, por o Digno Mº Pº delas estar isento.


*


O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

*


Supremo Tribunal de Justiça, 9 de julho de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

António Augusto Manso (1º Adjunto)

José Carreto (2º Adjunto)

_________


1. Cf. fls. 1766 a 1809 dos autos.

2. Cf. Referência Citius ....75.

3. Cf. Referência Citius ......85.

4. Cf. Referência Citius ......71.

5. Cf. Referência Citius ......73.

6. Cf. Referência Citius ......86.

7. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

8. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.

9. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

10. Apenas se reproduz a parte efetivamente decisória.

11. Como metodologia e para melhor compreensão, tais factos terão por base a numeração constante da acusação.

12. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, anotação ao art. 382.º, pág. 1215.

13. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, fls. 774 e ss.

14. Albuquerque Paulo Pinto de, op. cit..

15. Neste sentido, Faria, Paula Ribeiro de, op. cit.

16. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 35/21.0YGLSB.S1, de 21 de setembro de 2022, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bbe1b9e51b71fb2d802588c4007e40f7?OpenDocument

17. Sublinhado nosso.

18. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07P4279, de 23 de janeiro de 2008, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5a56f9060dfb59c88025741a003d1db9?OpenDocument↩︎

19. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 17/17.6YGLSB, de 26 de fevereiro de 2020, proferido pelo Conselheiro Pires da Graça, disponível em

  https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:17.17.6YGLSB/

20. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.09.2022, processo nº 35/21.0YGLSB.S1, proferido pela Conselheira Ana Barata Brito, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.

21. Neste sentido, Albuquerque, Paulo Pinto de, op. cit., pág. 1377, referindo que «[o] tipo inclui ainda um elemento subjetivo adicional: a intenção de obter, para si ou para outra pessoa física ou coletiva, privada ou pública (excluindo o Estado), benefício patrimonial ou não patrimonial ilegítimo ou causar prejuízo patrimonial ou não patrimonial a outra pessoa física ou coletiva, privada ou pública (incluindo o Estado)» (destaque nosso).

22. GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo III Artigos 191º a 310º, 2ª Edição, 2022, Almedina, p. 1346.

23. Neste sentido, MELADO, J. M. Asencio, Presuncion de Inocência Y Prueba Indiciária, 1992, citado por SIMÕES, Euclides Dâmaso, Prova Indiciária (Contributos Para O Seu Estudo E Desenvolvimento Em Dez Sumários E Um Apelo Premente), in “Revista Julgar”, 02, Maio/Agosto de 2007, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, p. 205.

24. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 09/06/2024, proferido no Processo n.º 15/22.8TRLSB.S2, - (…) No que respeita ao despacho de pronúncia, ele só é possível quando, muito embora não se dê por demonstrada a realidade dos factos, se encontre uma convicção de que é mais provável que determinado agente tenha cometido o crime imputado e de que, submetido a julgamento, exista maior probabilidade de condenação, do que da sua absolvição (…) o juízo de pronúncia não se consubstancia na certeza judiciária da verificação dos factos, com a consequente condenação de determinado agente, mas antes num juízo de prognose favorável de que tal condenação virá, muito provavelmente, a ocorrer após a realização de julgamento. A exigência probatória que determina a prolação de um despacho de pronúncia radica na existência de fortes indícios da prática de um ilícito criminal (…) Tal juízo de prognose favorável à existência de uma condenação, terá sempre de integrar o núcleo da decisão instrutória, sem o qual, a submissão de determinada pessoa a julgamento seria atentatória da sua dignidade (bem jurídico tutelado pelo artigo 27º da Constituição da República Portuguesa), uma vez que tal submissão não constitui um acto inócuo na esfera jurídica do sujeito processual visado (…) -, disponível em www.dgsi.pt.↩︎

25. LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume II (Artigos 176º a 361º), 2014, Centro de Estudos de Formação Jurídica e Judiciária, p. 396.↩︎

26. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 11/06/2014, proferido no Processo nº 14/07.0TRLSB.S1 – (…) Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto - implicam erro de facto - que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Enquanto subsistirem, a causa não pode ser decidida, determinando o reenvio do processo para novo julgamento (art. 426 do CPP) (…) Trata-se de vícios da decisão, não do julgamento, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPP - , de 04/07/2001, proferido no Processo nº 01P4250 – (…) , relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, onde se pode ler que «Os vícios do artº 410, n.2, do C.P.P., são vícios da sentença final e, só, da matéria de facto (…) - disponíveis em www.dgsi.pt.

  Ainda, por pertinência para o que aqui se discute, os Acórdãos do Tribunal da Relação de ..., de 22/09/2021, proferido no Processo nº 844/20.7SDLSB.L1-3 (…) Os vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 als. a) a c) do CPP são inaplicáveis à decisão instrutória porque a impugnação de uma decisão instrutória não pode deixar de impor o seu confronto com os indícios probatórios recolhidos durante as fases preliminares do processo (…) o que importa a reavaliação das provas carreadas ao processo durante o inquérito e a instrução e a sua comparação com o conteúdo da decisão do juiz de instrução criminal, ao passo que a invocação dos vícios decisórios se centra, exclusivamente no texto da sentença, portanto, desligada da prova produzida, ou, no limite, no teor literal da sentença, conjugado com as regras de experiência comum, mas sem nunca envolver qualquer escrutínio à prova produzida, nem ao processo de formação da convicção do juiz a partir dela (…) -, de 03/04/2019, proferido no Processo nº 3106/18.6T9LSB.L1-9 – (…) O vício de erro notório na apreciação da prova, bem como os demais enunciados no nº 2, do artigo 410º, do CPP, são vícios relativos à sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo Código -, disponíveis em www.dgsi.pt.

27. RIBEIRO, Vinício, Código de Processo Penal Notas e Comentários (de acordo com a Lei n.º 49/2020, de 18 de agosto), 2020, 3ª ed., Quid Juris, p. 973.

28. Acórdão do STJ, de 21/01/2021, proferido no Processo nº 537/17.2PLLRS.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt.

29. Neste sentido, RIBEIRO Vinício, ibidem, p. 974 – (…).tais vícios não podem, nesta fase processual, ser chamados a terreiro (…) nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão só os indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido (…) As provas recolhidas nesta fase, não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até à fase de julgamento (…) tais vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum (n.º 2, art. 410.º), ao passo que, ao sindicar-se a decisão instrutória, a análise da suficiência indiciária terá de abranger todos os elementos indiciários recolhidos no inquérito e na instrução.

30. Sublinhado nosso.

31. Sublinhado nosso,

32. Neste sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal Comentado Cabral, 2021, 3ª edição, Almedina, p. 419 – (…) salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Assim, «o Juiz, na ponderação a efectuar, deverá pautar-se por regras lógicas e de racionalidade de forma a que, perante sujeitos judiciários confrontados com a decisão, exista a possibilidade de adesão, ou repúdio, também racional, da valoração feita. (…) A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-se traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam ao julgador objectivar a apreciação dos factos (…).

33. GONÇALVES, MAIA, Código de Processo Penal Anotado, 2009, 17ª edição, Almedina, p. 354.

34. Artigo 382.º

  Abuso de poder

  O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

35. Artigo 386.º

  Conceito de funcionário

  1 - Para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange:

  a) (…)

  b) (…)

  c) (…)

  d) Os juízes do Tribunal Constitucional, os juízes do Tribunal de Contas, os magistrados judiciais, os magistrados do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça, os membros do Conselho Superior da Magistratura, os membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e os membros do Conselho Superior do Ministério Público;

  e) (…)

  f) (…)

  g) (…)

  h) (…)

  2 – (…)

  3 – (…)

  4 –(…).↩︎

36. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte geral e especial, Com Notas e Comentários, 2016, 2ª Edição, Almedina, p. 1328 – (…) o bem jurídico protegido é a autoridade e credibilidade da administração do Estado ao ser afetada a imparcialidade e a eficácia dos seus serviços (…).

  Também, PEREIRA, Victor de Sá e LAFAYETE, Alexandre, Código Penal, Anotado e Comentado – Legislação Conexa e Complementar, 2014, 2ª Edição, Quid Juris, p. 1016 – (…) O bem jurídico tutelado é a autoridade e credibilidade da administração do Estado, na medida em que o abuso de poder afecta a imparcialidade e eficácia dos seus serviços (…).↩︎

37. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 23/01/2008, proferido no Processo nº 07P4279 – (…) o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais (…) o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, tem antes de ser determinado por uma intenção específica que, enquanto fim ou motivo, faz parte do próprio tipo legal (…) -, disponível em www.dgsi.pt.↩︎

38. Neste sentido, FARIA, Paula Ribeiro de, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, 2001, Coimbra Editora, p. 775 – (…) de uma forma geral poder-se-á definir o abuso de poderes como uma instrumentalização de poderes (inerentes à função), para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo (ou melhor dizendo, ilegítimas).↩︎

39. ALBUQUERQUE Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Universidade Católica Editora, p. 1376.↩︎

40. Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J. M., ibidem, p. 1330 – (…) para efeitos de consumação do crime mostra-se irrelevante a efectiva verificação do dano ou da vantagem prosseguida, bastando a prática do acto ou do facto abusivo por parte do agente (…).↩︎

41. FARIA, Paula Ribeiro de, ibidem, p. 778.↩︎

42. Artigo 92.º

  Juiz presidente

  1 - Em cada tribunal de comarca existe um presidente.

  2 - O presidente do tribunal é nomeado, por escolha, pelo Conselho Superior da Magistratura, em comissão de serviço, pelo período de três anos, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, de entre juízes que cumpram os seguintes requisitos:

  a) Exerçam funções efetivas como juízes desembargadores e possuam classificação de Muito bom em anterior classificação de serviço; ou

  b) Exerçam funções efetivas como juízes de direito, possuam 15 anos de serviço nos tribunais e última classificação de serviço de Muito bom.

  3 - A comissão de serviço pode não dar lugar à abertura de vaga e pode ser cessada a qualquer momento, mediante deliberação fundamentada do Conselho Superior da Magistratura.↩︎

43. Artigo 94.º

  Competências

  1 - Sem prejuízo da autonomia do Ministério Público e do poder de delegação, o presidente do tribunal possui competências de representação e direção, de gestão processual, administrativas e funcionais.

  2 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de representação e direção:

  a) Representar e dirigir o tribunal;

  b) Acompanhar a realização dos objetivos fixados para os serviços judiciais do tribunal;

  c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados dos serviços judiciais da comarca;

  d) Adotar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça;

  e) Pronunciar-se, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias à comarca pelo Conselho Superior da Magistratura;

  f) Pronunciar-se, sempre que seja ponderada pelo Conselho dos Oficiais de Justiça a realização de sindicâncias relativamente aos serviços judiciais e à secretaria;

  g) Elaborar um relatório semestral sobre o estado dos serviços judiciais e a qualidade da resposta.

  3 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:

  a) Dar posse aos juízes e ao administrador judiciário;

  b) Elaborar os mapas de turnos e de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura;

  c) Exercer a ação disciplinar sobre os oficiais de justiça, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa, e, nos restantes casos, ordenar a instauração de processo disciplinar, com exceção daqueles a que se reporta a alínea k) do n.º 1 do artigo 101.º;

  d) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do titular ou do substituto designado, de acordo com orientações genéricas do Conselho Superior da Magistratura;

  e) Assegurar a frequência equilibrada de ações de formação pelos juízes da comarca, com respeito pelas necessidades do serviço e em articulação com o Conselho Superior da Magistratura;

  f) Participar no processo de avaliação dos oficiais de justiça, nos termos da legislação específica aplicável, com exceção daqueles a que se reporta a alínea l) do n.º 1 do artigo 101.º, sendo-lhe dado conhecimento dos relatórios das inspeções aos serviços e das avaliações, respeitando a proteção dos dados pessoais.

  4 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências de gestão processual, que exerce com observância do disposto nos artigos 90.º e 91.º:

  a) Implementar métodos de trabalho e objetivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições que, nessa matéria, prossegue o Conselho Superior da Magistratura, designadamente na fixação dos indicadores do volume processual adequado;

  b) Acompanhar e avaliar a atividade do tribunal, em particular a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos, tomando designadamente por referência as reclamações ou as respostas a questionários de satisfação;

  c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e promovendo as medidas que se justifiquem;

  d) Promover, com a colaboração dos demais juízes, a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais, sem prejuízo do disposto em legislação específica quanto à adoção de mecanismos de agilização processual pelo presidente do tribunal ou pelo juiz;

  e) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a criação e extinção de outros graus de especialização nas unidades de processos, designadamente para as pequenas causas;

  f) Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação de juízes, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, a outro tribunal ou juízo da mesma comarca ou a afetação de processos para tramitação e decisão a outro juiz que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços;

  g) Propor ao Conselho Superior da Magistratura o exercício de funções de juízes em mais do que um tribunal ou juízo da mesma comarca, respeitado o princípio da especialização dos magistrados, ponderadas as necessidades dos serviços e o volume processual existente;

  h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso aos quadros complementares de juízes.

  5 - As medidas a que se refere a alínea f) do número anterior são precedidas da concordância do juiz a reafetar ou do juiz a quem sejam afetados os processos.

  6 - A reafetação de juízes ou a afetação de processos têm como finalidade responder a necessidades de serviço, pontuais e transitórias, e devem ser fundadas em critérios gerais, definidos pelo Conselho Superior da Magistratura, respeitando sempre princípios de proporcionalidade, equilíbrio de serviço e aleatoriedade na distribuição, não podendo implicar prejuízo pessoal sério para a vida pessoal ou familiar do juiz.

  7 - O Conselho Superior da Magistratura fixa antecipadamente os critérios a considerar quanto à densificação dos conceitos previstos na alínea f) do n.º 4 e publicita-os, previamente à sua execução, nas páginas eletrónicas das comarcas e do Conselho Superior da Magistratura.

  8 - O presidente do tribunal possui as seguintes competências administrativas:

  a) Elaborar os planos anuais e plurianuais de atividades e relatórios de atividades;

  b) Elaborar os regulamentos internos dos serviços judiciais da comarca, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador e o administrador judiciário;

  c) Participar na conceção e execução das medidas de organização e modernização da comarca;

  d) Planear, no âmbito da magistratura judicial, as necessidades de recursos humanos.

  9 - O presidente do tribunal exerce ainda as competências que lhe forem delegadas pelo Conselho Superior da Magistratura.

  10 - Para efeitos de acompanhamento da atividade dos tribunais e juízos sediados na comarca, incluindo os elementos relativos à duração dos processos e à produtividade, são disponibilizados dados informatizados do sistema judicial, no respeito pela proteção dos dados pessoais.

44. Artigo 3.º

  Missão e atribuições

  1 - O IGFEJ, I. P., tem por missão a gestão dos recursos financeiros do MJ, a gestão do património afeto à área da justiça, das infraestruturas e recursos tecnológicos, bem como a proposta de conceção, a execução e a avaliação dos planos e projetos de informatização, em articulação com os demais serviços e organismos do MJ.

  2 - São atribuições do IGFEJ, I. P.:

  a) Apresentar a proposta de financiamento mais adequada à atividade do MJ, enquadrada na política orçamental e financeira do Estado e de acordo com o planeamento estratégico definido para o sector;

  b) Desenvolver as atividades de entidade coordenadora do programa orçamental;

  c) Definir, executar e avaliar, em colaboração com os respetivos serviços e organismos, o orçamento e os planos de investimento do MJ;

  d) Assegurar a supervisão do parque automóvel adstrito aos serviços do MJ em articulação com estes;

  e) Liquidar, cobrar e registar as respetivas receitas próprias;

  f) Coordenar a requisição das verbas inscritas no Orçamento do Estado afetas aos serviços e organismos do MJ;

  g) Assegurar a gestão dos respetivos recursos humanos;

  h) Assegurar procedimentos de contratação pública não abrangidos pela unidade ministerial de compras, em articulação com os demais serviços e organismos do MJ;

  i) Promover a realização de estudos relativos ao património imobiliário e às instalações do MJ, nomeadamente dirigidos à previsão das necessidades e à rentabilização do património existente, bem como planear, em articulação com os serviços e organismos do MJ, as necessidades no domínio das instalações;

  j) Assegurar, de forma racional e eficiente, a gestão e a administração dos imóveis que constituam o património imobiliário afeto ao MJ, organizando e atualizando o respetivo cadastro e inventário, realizando avaliações, elaborando e executando planos de aquisição, arrendamento e alienação e procedendo à afetação de imóveis para instalação de órgãos, serviços e organismos;

  k) Definir o programa de empreitadas de construção, remodelação, ampliação, adaptação e conservação de instalações, coordenando o respetivo planeamento com os serviços e organismos do MJ;

  l) Coordenar a definição dos programas preliminares dos projetos com os serviços e organismos do MJ, assegurando, em articulação com estes, a elaboração dos projetos, a gestão dos empreendimentos e a coordenação e fiscalização das empreitadas, até à receção das mesmas;

  m) Assegurar a apresentação de propostas de conceção, execução e manutenção dos recursos tecnológicos e dos sistemas de informação da justiça, garantindo a sua gestão e administração em articulação com os demais serviços e organismos do MJ e o apoio informático aos respetivos utilizadores;

  n) Assegurar a adequação dos sistemas de informação às necessidades de gestão e operacionalidade dos órgãos, serviços e organismos da área da justiça, em articulação com estes;

  o) Gerir a rede de comunicações da justiça, em articulação com os serviços e organismos do MJ, garantindo a sua segurança e operacionalidade e promovendo a unificação de métodos e processos, sem prejuízo do regime especial da segurança de informação cometido à DGAJ;

  p) Elaborar propostas de articulação com o plano estratégico dos sistemas de informação da área da justiça, tendo em atenção a evolução tecnológica e as necessidades globais de formação;

  q) Elaborar, desenvolver e coordenar propostas de projetos de investimento, em matéria de informática e comunicações dos serviços e organismos do MJ, em articulação com estes;

  r) Executar soluções de gestão de informação estruturada e não estruturada na área da justiça, designadamente de acesso geral, nas áreas jurídica e documental, em articulação com os demais serviços e organismos do MJ;

  s) Prestar serviços a departamentos da área da justiça, a outros departamentos da Administração Pública, a empresas públicas ou a entidades privadas, com base em adequados instrumentos contratuais que determinem, designadamente, os níveis de prestação e respetivas contrapartidas;

  t) Assegurar a representação internacional na área das tecnologias de informação e comunicação, em articulação com os demais serviços e organismos competentes do MJ, salvo se essa representação for assegurada por outro serviço ou pessoa singular, em função da matéria, por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça;

  u) Exercer funções de certificação no âmbito do MJ.

  3 - Junto do IGFEJ, I. P., funciona o Fundo para a Modernização da Justiça que assegura a sustentabilidade de reformas essenciais, com o fim de dotar o sistema de novas fontes de financiamento e de promover a modernização dos sistemas de informação da justiça.

  4 - Junto do IGFEJ, I. P., funciona o Gabinete de Administração de Bens que assegura a administração dos bens apreendidos ou recuperados, no âmbito de processos nacionais ou de atos de cooperação judiciária internacional.↩︎

45. Compete ao Departamento de Gestão Patrimonial, abreviadamente designado por DGP:

  a) Assegurar a inventariação do património imobiliário próprio do IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ e manter atualizado o respetivo cadastro, nomeadamente garantindo o registo dos referidos imóveis na conservatória;

  b) Promover as avaliações do património imobiliário próprio do IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ;

  c) Administrar e estabelecer critérios de gestão do património imobiliário próprio IGFEJ, I. P., afeto e utilizado pelo MJ;

  d) Avaliar as necessidades identificadas dos serviços e organismos do MJ, em articulação com estes, bem como planear as ações necessárias à sua resolução;

  e) Proceder a aquisições, arrendamentos e alienação dos bens imóveis, nos termos da lei;

  f) Proceder à atribuição de instalações aos diversos órgãos, serviços e organismos da área da justiça, em articulação com estes;

  g) Apresentar propostas para a rentabilização do património do MJ, incluindo o arrendamento de prédios, funções autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente e concessão de espaços para fins comerciais e publicitários, nos termos da lei;

  h) Apresentar propostas de procedimentos e de intervenções ao nível dos edifícios que permitam reduzir os custos com a manutenção do património imobiliário do MJ e garantir o seu correto funcionamento, incluindo o cumprimento das disposições legais aplicáveis à sua utilização;

  i) Organizar um sistema de monitorização das intervenções imobiliárias sobre o património utilizado pelo MJ, incluindo a sua manutenção e assegurar uma base de dados que permita fornecer informação sobre o arquivo histórico de exploração e manutenção das mesmas;

  j) Prestar apoio na preparação dos elementos necessários aos procedimentos de contratação externa de serviços na área do património imobiliário e assegurar a respetiva gestão financeira e técnica, gerindo técnica e economicamente a execução dos contratos;

  k) Assegurar a inventariação do parque automóvel do MJ, bem como proceder à atribuição de viaturas aos diversos órgãos, serviços e organismos da área da justiça, com exceção da Secretaria-Geral e dos Institutos Públicos, garantindo a sua gestão em articulação com o competente organismo do Estado;

  l) Proceder à renovação do parque automóvel do MJ, em articulação com os respetivos órgãos, serviços e organismos e com o competente organismo do Estado, independentemente da tipologia de contrato de propriedade das viaturas.»↩︎

46. Que dispõe que:

  Artigo 52.º

  Noção

  1 - A administração de bens imóveis compreende a sua conservação, valorização e rendibilidade, tendo em vista a prossecução do interesse público e a racionalização dos recursos disponíveis, de acordo com o princípio da boa administração.

  2 - Constituem, designadamente, formas de administração dos imóveis:

  a) A cedência de utilização;

  b) O arrendamento;

  c) A constituição do direito de superfície.↩︎

47. «Artigo 53.º

  Competência

  Os imóveis do domínio privado do Estado podem ser cedidos, a título precário, para fins de interesse público, mediante autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças.

  Artigo 54.º

  Onerosidade

  1 - A cedência, incluindo a cedência aos serviços do Estado, obedece ao princípio da onerosidade.

  2 - A compensação financeira a pagar por entidades diversas dos serviços do Estado é determinada por avaliação promovida pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, que deve atender à responsabilidade pelos encargos e despesas com a conservação e manutenção dos imóveis.

  Artigo 55.º

  Procedimento

  1 - O pedido de cedência, devidamente fundamentado, deve ser apresentado na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.

  2 - Do despacho de autorização devem constar as condições, incluindo a contrapartida e o fim de interesse público, a que a cedência fica sujeita.

  3 - A cedência do imóvel é formalizada por meio de auto de cedência e de aceitação, no qual ficam exaradas, designadamente, as condições da mesma.

  4 - O auto referido no número anterior é lavrado na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças ou no serviço de finanças da situação do imóvel.

  5 - Sempre que o auto de cedência seja lavrado em serviço de finanças, deve o mesmo remetê-lo à Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.

  Artigo 56.º

  Despesas e encargos com a conservação e a manutenção

  As despesas e os encargos com a conservação e a manutenção do imóvel cedido são da responsabilidade do cessionário.

48. Neste sentido, Faria, Paula Ribeiro de, op. cit.

49. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 35/21.0YGLSB.S1, de 21 de setembro de 2022, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bbe1b9e51b71fb2d802588c4007e40f7?OpenDocument↩︎

50. Sublinhado nosso.

51. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07P4279, de 23 de janeiro de 2008, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, disponível em

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5a56f9060dfb59c88025741a003d1db9?OpenDocument↩︎

52. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 17/17.6YGLSB, de 26 de fevereiro de 2020, proferido pelo Conselheiro Pires da Graça, disponível em

  https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:17.17.6YGLSB/