TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CONVENÇÃO DE MONTREAL
REGULAMENTO (CE) N.º 261/2004
Sumário

I - O contrato celebrado entre a autora e a ré, através do qual a ré se obriga a transportar a autora, de um local para outro (de Portugal para o Reino Unido), utilizando uma aeronave, configura um contrato de transporte aéreo internacional de passageiros, ao qual, enquanto contrato de transporte aéreo internacional, se aplica o Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2005.
II - O Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, não impede a aplicação da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, feita em Montreal em 28 de maio de 1999, e aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de novembro (Convenção de Montreal), a qual, quanto aos prazos de prescrição que prevê, se sobrepõe ao Regulamento (CE) nº 261/2004, de 11 de fevereiro de 2004, e prevalece sobre as normas ordinárias internas, nos termos do disposto no art. 8.º da CRP.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação 749/23.0T8ILH.P1






Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto


RELATÓRIO:

AA, maior, solteira, residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., portadora do Cartão de Cidadão n.º ..., válido até 29/04/2026, e contribuinte fiscal n.º ...01, instaurou contra A... COMPANY - SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede em Rua ..., ... Lisboa, pessoa coletiva com o número ...06, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré:

a) no ressarcimento do valor de € 147,48, referente a passagem aérea comprada junto da Ré referente ao valor das passagens não utilizada;

b) no pagamento do valor de € 440,00, a título de preço pago à TAP para compra de passagem do Porto para Manchester e vice-versa;

c) no pagamento do valor de € 300,00, a título de preço pago com transporte e alimentação;

d) no pagamento de uma indemnização de € 10.000,00 a título de danos morais, pelo abalo psíquico e moral sofrido pela Autora.

Para o efeito alegou, em síntese, que adquiriu, através da sua tia, um bilhete de avião, com partida do Porto e com destino a Manchester, com saída no dia 18 de Julho de 2019; que à data, era menor e detinha todos os documentos necessários para o embarque, nomeadamente, autorização de saída de território nacional devidamente reconhecida, documento de identificação e cartão de embarque; que aquando da sua chegada ao aeroporto, passou pelo controlo de segurança e deslocou-se para a sala de embarque da ré; mas que, ainda na porta de embarque, aquando da verificação do cartão de embarque, não lhe foi permitido embarcar no avião, tendo aí ficado retida por funcionária da ré, tendo sido comunicado à autora que, tendo 15 anos de idade, não poderia viajar sozinha, o que só poderia fazer a partir dos 16 anos; que foi encaminhada para uma entrada na qual constava a mensagem “Proibida a entrada. Só a pessoas autorizadas”, tendo-lhe sido dito pela funcionária da ré para “seguir em frente”, ficando abandonada, sozinha e exposta, sem saber que direção tomar, com medo e assustada, entrando, consequentemente, em pânico e começado a chorar; que o avião no qual a autora previa embarcar seguiu para Manchester, e a autora foi acolhida por funcionários do SEF, que a conduziram aos seus familiares; que adquiriu novo bilhete da companhia aérea TAP, o que decorreu sem quaisquer constrangimentos ou obstáculos, e que a situação descrita lhe causou trauma, incómodo de se sentir só e em pânico, por ter sido abandonada no aeroporto por funcionários da ré, o que provocou agravamento da sua doença crónica diagnosticada, fibromialgia, que lhe confere uma incapacidade de 66%, pelo que conclui ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento é da responsabilidade da ré.

Uma vez citada, a ré invocou, entre o mais, a prescrição do direito da autora, alegando que, ainda que contabilizando a suspensão especial dos prazos de prescrição determinados em virtude da Covid-19, tratando-se de responsabilidade extracontratual, o prazo de prescrição de três anos, à data da entrada da ação em juízo (9 de novembro de 2023), já havia decorrido (18 de julho de 2022), e tratando-se de responsabilidade contratual, o prazo de prescrição de dois anos, à data da entrada da ação, já havia, necessariamente, decorrido (18 de julho de 2021).

A autora pronunciou-se no sentido da improcedência da referida exceção, sustentando que à data dos factos era menor de idade, que atingiu a maioridade em 20 de abril de 2022 e que intentou a presente ação em 5 de Julho de 2023, mais alegando que o prazo prescricional, tratando-se de facto danoso, só começa a contar a partir do momento em que se produzem os danos e que, no caso da autora, se trata de agravamento de uma doença cujas consequências e danos apenas foram conhecidos na sua extensão com a propositura desta ação judicial.

Findos os articulados, dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, através do qual, entre outras questões, o Tribunal decidiu julgar procedente a exceção perentória de prescrição do direito da autora AA e, em conformidade, absolver a ré A... Company – Sucursal em Portugal do pedido.


*

Não se conformando com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso que foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
São as seguintes, as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante:
“DAS CONCLUSÕES RELATIVAS À MATÉRIA DE DIREITO,
(Cfr. art.º 639.º do CPC)
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS,
(Cfr. art.º 639.º, n.º 2/a do CPC)
I - Ao julgar-se no Despacho Saneador procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora AA e, em conformidade, absolver-se a Ré A... Company – Sucursal em Portugal do pedido, foi violado o art.º 5 e 7.º do Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, os arts.º 19.º e 35.º da Convenção de Montreal, o art.º 309.º do Código Civil e o art.º 498.º do Código Civil.
SENTIDO COM QUE, NO ENTENDER DA RECORRENTE, AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS, (Cfr. art.º 639, n.º 2/b do CPC)
II - A Autora considera, que a existir responsabilidade contratual por parte da Ré, deve ser interpretado e aplicado o Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, no sentido de, e tal como refere o Acórdão proferido em 22 de Novembro de 2012, no processo C-139/11, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que o prazo no qual devem ser intentadas as acções que tenham por objecto obter o pagamento da indemnização prevista nos artigos 5.° e 7.° desse regulamento é determinado em conformidade com as regras de cada Estado-Membro em matéria de prescrição da acção, ou seja, afastando a aplicação do prazo de prescrição de 2 anos do (art.º 35.º da Convenção de Montreal) e aplicando o prazo de prescrição de 20 anos previsto no Código Civil para Responsabilidade Contratual (art.º 309.º do C.C).
III - O Tribunal “A quo”, interpretou e aplicou o Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, no sentido de não afastar o prazo de prescrição de 2 anos do (art.º 19.º e 35.º da Convenção de Montreal) e por conseguinte não aplicar o prazo de prescrição de 20 anos previsto no Código Civil para Responsabilidade Contratual (art.º 309.º do C.C).
IV - Por outro lado, e sem prescindir, ao considerar-se que existe responsabilidade Extra-Contratual por parte da Ré, que a Autora entende, uma vez que mesmo que a recusa de embarque por parte da Ré fosse legalmente admissível, o que não se admite, a partir do momento em que a menor chega sozinha à porta de embarque, a Ré terá de ser responsável pelo seu acompanhamento até aos pais ou autoridades competentes, tendo de ser responsabilizada por qualquer falha nessa assistência, pelo que estaríamos perante um prazo de 3 anos de prescrição (art.º 498.º do Código Civil), e sem qualquer problema de prescrição.
V - Seguindo o próprio raciocínio do Tribunal “A quo” para contagem do prazo de prescrição para a Responsabilidade Contratual, e passando a citar: “Todavia, nessa ocasião, o direito da autora a exigir o ressarcimento dos danos sofridos pela conduta da ré já se encontrava prescrito, uma vez que já se mostravam decorridos dois anos, bem como a suspensão a favor de menores (20 de Abril de 2023).”, o prazo de prescrição para contagem da responsabilidade Extra-Contratual apenas terminaria a (20 de Abril de 2024), sem necessidade de recorrer às suspensões que tiveram lugar por força da legislação temporária da Pandemia Covid-19.
VI - Não obstante, neste caso concreto, trata-se do agravamento de uma doença cujas consequências e danos apenas foram conhecidos na sua extensão com a propositura desta ação judicial.
VII - Conforme é referido no Acórdão n.º 204/19.2T8MDL.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães, e passando a citar: “…a expressão “a contar do facto danoso” contida no art. 498º, nº 1, do Cód. Civil quer significar que o prazo de prescrição ordinária só se conta a partir do momento em que o facto produz danos, por só então estarem reunidos todos os requisitos da responsabilidade civil, sob pena de, a entender-se que o referido prazo se conta a partir da verificação do ilícito, a prescrição se iniciar antes de o direito poder ser feito valer.”.
VIII - A conduta culposa da Ré manifestou-se “Despoletando o agravamento da sua doença crónica diagnosticada (fibromialgia)…” e descrevendo o facto como continuado no art.º 52.º da sua P.I “A Autora viu-se, assim, obrigada a recorrer aos serviços médicos gerais e especialidades para tentar restabelecer o seu equilíbrio psicológico e viu-se obrigada a interpor a presente ação judicial.”.
IX - Nesse sentido, tal como refere o Acórdão n.º 02B950, de 18/04/2002 do Supremo Tribunal de Justiça:
“I - Os prazos de prescrição, de direito a indemnização, por responsabilidade civil extra-contratual, são os fixados, no artigo 498, n. 1, do C.C. e, como excepção ao prazo prescricional ordinário, do artigo 309, do mesmo diploma substantivo.
II - Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.
III - Tal prazo, de 3 anos, todavia, só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos, se se tratar de um facto continuado.
IV - As obrigações futuras, porém e ainda, só prescrevem, no prazo de três anos, contados, do momento em que cada uma seja exigível, ou conhecida pelo lesado.
V - Tal prescrição, é interrompida, ainda pelo conhecimento do direito, concreto que o lesado pretende vir a exercer.”
X - O Tribunal “A quo” considerou não haver Responsabilidade Extra-Contratual, desconsiderando a factualidade alegada, o que a Autora discorda pelo alegado supra.
NESTES TERMOS, E nos melhores de direito, com o suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do Tribunal de 1.ª instância ser alterada, conduzindo à:
1) Revogação do Despacho Saneador que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito da Autora, e;
2) Continuidade do Processo, seguindo os seus trâmites subsequentes, devendo a acção ser julgada provada e procedente, e em consequência ser a Ré condenada:
a) no ressarcimento do valor de € 147,48, referente a passagem aérea comprada junto da Ré referente ao valor das passagens não utilizada;
b) no pagamento do valor de € 440,00, a título de preço pago à TAP para compra de passagem do Porto para Manchester e vice-versa;
c) no pagamento do valor de € 300,00, a título de preço pago com transporte e alimentação, e;
d) no pagamento de uma indemnização de € 10.000,00 a título de danos morais, pelo abalo psíquico e moral sofrido pela Autora.”.

A ré apresentou contra-alegações, concluindo as suas alegações nos seguintes ermos:
“A. A Recorrente não tem qualquer fundamento no presente recurso, pois a Sentença a quo não merece qualquer uma das críticas que lhe dirige a Recorrente, devendo manter-se na íntegra.
B. No presente caso, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que estamos perante a eventual responsabilidade civil contratual da Recorrida, pois, estão em causa o cumprimento de obrigações e deveres acessórios das partes, fruto do Contrato de Transporte Aéreo celebrado.
C. Por fim, e tendo em conta o exposto, andou bem, novamente, o Tribunal a quo ao considerar a aplicação do prazo de prescrição de 2 (dois) anos previsto na Convenção de Montreal, concluindo, assim, pela prescrição do direito da Autora/Recorrente e, consequentemente, pela absolvição da Ré/Recorrida de todos os pedidos.
D. Decisão esta que deverão V. Exas. manter na totalidade.”.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Foi dada como provada, na decisão recorrida, a seguinte matéria de facto (que não foi impugnada):
1. A autora nasceu em ../../2004.
2. A autora adquiriu, por intermédio da sua tia, um bilhete à ré, para viagem de avião, com partida do Porto e com destino a Manchester, a efetuar no dia 18 de julho de 2019.
3. No dia 18 de julho de 2019, aquando da sua chegada ao aeroporto, a autora passou pelo controlo de segurança e deslocou-se para a sala de embarque da ré.
4. Aquando da verificação do seu cartão de embarque, na porta de embarque respetiva do voo a operar pela ré, não foi permitido à autora embarcar no avião, por ter 15 anos de idade e, por isso, não poder viajar sozinha.
5. A autora padece de fribromialgia, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 18 de julho de 2019.
6. A presente ação foi instaurada no dia 9 de novembro de 2023, tendo a ré sido citada em 16 de novembro de 2023.
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MOTIVAÇÃO DE DIREITO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante e pela apelada, a única questão a decidir consiste em apreciar se o Tribunal, ao invés de ter julgado a exceção de prescrição procedente, deveria ter julgado tal exceção improcedente com o prosseguimento dos autos.
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É a seguinte a decisão de direito recorrida:
“C. Fundamentação de Direito
Sendo estes os factos que se devem considerar provados, cumpre proceder agora ao seu enquadramento jurídico.
Desde logo, cabe caracterizar a relação estabelecida entre as partes.
A autora adquiriu um bilhete de avião à ré, transportadora aérea, com partida do Porto e com destino a Manchester.
Assim,
Entre as partes foi celebrado um contrato de transporte aéreo internacional de passageiros, no qual uma entidade se obriga a transportar um indivíduo (o passageiro) e sua bagagem, de um local para o outro, utilizando uma aeronave.
Caracteriza-se por ser um contrato consensual, bilateral, em regra oneroso e não solene e normalmente de adesão.
Ao contrato de transporte aéreo internacional aplica-se o Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2005.
O Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004 estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos, em caso de, para o que aqui interessa, recusa de embarque contra a sua vontade – artigo 1.º.
Nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regulamento, o mesmo aplica-se aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado-membro a que o tratado se aplica e que tenham reserva confirmada para o voo, tal como sucede no caso dos autos, em que autora tinha reserva confirmada para o voo com partida do aeroporto do Porto com destino ao aeroporto de Manchester.
A questão que se coloca é a de saber se o direito da autora a exigir da ré o ressarcimento de danos sofridos se encontra, ou não, prescrito.
Vejamos,
É sabido que a prescrição consiste numa causa de extinção dos direitos que não são exercitados durante determinado lapso de tempo, fixado na lei, que visa assegurar a certeza e segurança das relações jurídicas, evitando que as mesmas permaneçam indefinidas a longo prazo e, por outro lado, que o obrigado ao cumprimento se veja impedido de fazer prova do mesmo, em virtude do decurso do tempo.
Subjacente à prescrição, está a ideia de que se o titular do direito não o exerce durante o período de tempo fixado na lei, por negligência, deixa de merecer a tutela jurídica de que beneficiou até então, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito ou, pelo menos, o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius). Tal o fundamento específico da prescrição, no sentido “de ser de acordo com ele que a lei organiza e modela a respectiva disciplina”.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.
O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil).
Uma vez completada a prescrição, o devedor pode recusar o cumprimento da prestação, bem como opor-se ao exercício do direito prescrito – artigo 304.º, n.º 1 do Código Civil.
Atento o disposto no n.º 1 do artigo 320.º do Código Civil, “a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”.
Nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. Acrescenta o n.º 2 do citado preceito que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
A autora apresentou a sua petição inicial em 9 de Novembro de 2023, sendo nessa data que a acção se considera proposta, nos termos do artigo 259.º do Código de Processo Civil.
O facto que fundamenta o pedido de indemnização – a recusa de embarque – ocorreu em 18 de Julho de 2019.
O Regulamento (CE) nº 261/2004 prevê a atribuição de indemnização aos passageiros no caso de recusa de embarque mas não prevê um prazo para ser intentada a respectiva acção.
Ao contrato de transporte aéreo internacional é igualmente aplicável a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, feita em Montreal, em 28 de Maio de 1999 (Ratificada por todos os Estados da União Europeia e transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei n.º 39/2002, de 27 de Novembro).
Embora o Acórdão proferido em 22 de Novembro de 2012, no processo C-139/11, o Tribunal de Justiça da União Europeia haja decidido que “o Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91, deve ser interpretado no sentido de que o prazo no qual devem ser intentadas as acções que tenham por objecto obter o pagamento da indemnização prevista nos artigos 5.° e 7.° desse regulamento é determinado em conformidade com as regras de cada Estado-Membro em matéria de prescrição da acção”,
Entende-se que a aplicação deste Regulamento (CE) nº 261/2004 não afasta o âmbito da Convenção de Montreal. Tratam-se de normas constantes de convenções internacionais ratificadas por Portugal e normas emanadas das instituições europeias, sendo que a Convenção tem um carácter mais alargado.
Determina o artigo 35.º da Convenção de Montreal que,
“1. O direito à indemnização extinguir-se-á se não for intentada uma acção no prazo de dois anos a contar da data da chegada ao destino, da data em que a aeronave deveria ter chegado ou da data da interrupção do transporte.
2. O método de cálculo deste prazo será determinado pela lei do tribunal que conhece a acção”.
Face às normas internacionais aplicáveis, adoptar uma interpretação de que resultariam prazos diferentes para uma relação jurídica que assenta no mesmo facto implicaria, objectivamente, que numa ordem jurídica nacional co-existiriam soluções diferentes para situações idênticas, nomeadamente, uma prescrição de dois anos, em casos que se subsumem à Convenção, e uma prescrição de vinte anos, quando aplicáveis o Regulamento e a legislação nacional – artigo 309.º do Código Civil (considerando que a responsabilidade em causa é contratual e não extra-contratual, com prazo de três anos, previsto no artigo 498.º do Código Civil).
Os regimes em apreço (Convenção e Regulamento) complementam-se, mas não se afastam, sendo ambos aplicáveis em Portugal.
Assim, entende-se que a melhor interpretação e conjugação das normas é a de ser aplicável o disposto nos artigos 19.º e 35.º da Convenção de Montreal e, consequentemente, o prazo prescricional de dois anos.
Os factos alegados pela autora ocorreram a 18 de Julho de 2019, data a partir da qual passou a ter possibilidade de exercer o seu direito ao ressarcimento dos danos por si sofridos – artigo 309.º do Código Civil.
Tendo em conta o prazo de dois anos, o direito da autora prescreveria em 18 de Julho de 2021.
Sucede que, à data dos factos, a autora era menor de idade e, por isso, o prazo de prescrição (2 anos) só se considerou completado em 20 de Abril de 2023 – artigo 320.º do Código Civil.
Tendo sido a presente acção intentada em 9 de Novembro de 2023 e, a ré, citada, apenas, em 16 de Novembro de 2023, considera-se que o prazo de prescrição se interromperia cinco dias após a instauração da acção, ou seja, no dia 14 de Novembro de 2023 – artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Todavia, nessa ocasião, o direito da autora a exigir o ressarcimento dos danos sofridos pela conduta da ré já se encontrava prescrito, uma vez que já se mostravam decorridos dois anos, bem como a suspensão a favor de menores (20 de Abril de 2023).
Quanto às suspensões tiveram lugar por força da legislação temporaìria da Pandemia Covid-19 [uma suspensão entre 9 de Março de 2020 e 2 de Junho de 2020 (cf. os n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º e o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, conjugados com o artigo 37.º do D. L. n.º 10-A/2020, de 13 de Março; bem como o artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) e outra suspensão entre 22 de Janeiro de 2021 e 5 de Abril de 2021 (cf. o artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e os artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/21, de 5 de Abril)], entende-se não serem aplicáveis aos autos, considerando que, à altura, esse prazo prescricional já se encontrava suspenso por força do disposto no artigo 320.º do Código Civil.
Mas, ainda que assim não fosse, mesmo se suspendendo esse prazo durante mais cinco meses e nove dias (até 26 de Setembro de 2023), sempre, a 14 de Novembro de 2023, já se encontrava o direito da autora prescrito.
Por fim,
A autora, em sede de pronúncia sobre a prescrição alegada em sede de contestação, alegou que tratando-se de facto danoso, tal prazo só começa a contar a partir do momento em que se produzem os danos e que, no caso da autora, se trata de agravamento de uma doença cujas consequências e danos apenas foram conhecidos na sua extensão com a propositura desta acção judicial.
Diga-se que, tal argumento da autora, não colhe. Desde logo por, como anteriormente exposto, se estar perante uma eventual responsabilidade contratual, decorrente de um contrato de transporte aéreo internacional, sendo aplicáveis as normas gerais e, por isso, o artigo invocado não se aplicar ao caso em concreto.
Conclui-se, então, que se verifica a prescrição do direito da autora, cabendo absolver a ré do pedido.
Impõe-se, assim, decidir em conformidade. (…)”.
*

Vejamos.
No presente recurso está em causa apreciar se ocorreu a prescrição do direito da autora/recorrente a uma indemnização por parte da ré, por ter sido impedida de embarcar num voo para o qual possuía reserva e o respetivo cartão de embarque.
Concorda-se com a caracterização do contrato celebrado entre a autora e a ré, como sendo um contrato de transporte aéreo internacional de passageiros, no qual uma entidade se obriga a transportar um indivíduo (o passageiro) e sua bagagem, de um local para o outro, utilizando uma aeronave, tratando-se de um contrato consensual, bilateral, em regra oneroso e não solene e normalmente de adesão, e ao qual, enquanto contrato de transporte aéreo internacional, se aplica o Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2005, nada havendo a apontar a tal decisão que as partes, aliás, não contestam.
A divergência da recorrente em relação à decisão recorrida prende-se com saber se no caso, e relativamente à prescrição, deve ser aplicada a legislação nacional, ou seja, as regras do Código Civil relativas à prescrição, ou, antes, como na decisão sob recurso se entendeu, a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, feita em Montreal em 28 de Maio de 1999, e aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de Novembro (Convenção de Montreal).
Ora, se é certo que ao caso é aplicável o Regulamento (CE) n.º 261/2004, entendemos que tal não impede a aplicação da Convenção de Montreal, desde logo, porque os dois diplomas tratam de situações diferentes, embora ambos estejam relacionados com o transporte aéreo internacional.
De facto, enquanto que o Regulamento (CE) n.º 261/2004 trata da assistência e indemnização a quem foi prejudicado por determinadas situações, como acontece no caso, em que a autora foi impedida de embarcar no voo que havia reservado, a Convenção de Montreal regula a responsabilidade civil do transportador e os prazos para as respetivas ações judiciais.
O Regulamento (CE) n.º 261/2004, embora sendo posterior à Convenção de Montreal, não a revogou, nem se refere a prazos, nomeadamente aos prazos de prescrição estabelecidos.
Entendemos, pois, tal como nos parece que também entende a jurisprudência, que o Regulamento (CE) n.º 261/2004 não impede a aplicação da Convenção de Montreal no que diz respeito aos prazos de prescrição.
A recorrente, contudo, insurge-se precisamente contra a aplicação feita na decisão recorrida, da Convenção de Montreal, referindo que se aplica o Regulamento (CE) nº 261/2004, de 11 de fevereiro de 2004, e nomeadamente, que o mesmo deve ser interpretado no sentido do Acórdão proferido em 22 de novembro de 2012, no processo C-139/11, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, onde se diz que o prazo no qual devem ser intentadas as ações que tenham por objeto obter o pagamento da indemnização prevista nos artigos 5.º e 7.º desse regulamento é determinado em conformidade com as regras de cada Estado-Membro em matéria de prescrição da ação, ou seja, no entendimento da recorrente, afastando a aplicação do prazo de prescrição de 2 anos do art. 35.º da Convenção de Montreal e aplicando o prazo de prescrição de 20 anos previsto no Código Civil para a responsabilidade contratual (art. 309.º do CC).
Mas, sem razão, a nosso ver.
A ação, se atentarmos na causa de pedir, baseia-se na responsabilidade civil contratual, já que a autora fundamenta o seu pedido na celebração de um contrato de transporte e na recusa pela ré de executar a prestação a que se tinha obrigado e que consistia no transporte da autora, de Portugal para o Reino Unido.
Ora, o art. 1.º, nº 1 da Convenção de Montreal dispõe que:
“A presente Convenção aplica-se a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso. (…)”.
Por sua vez, e no que para o caso interessa, prevê o art. 35.º da mesma Convenção que:
“1 - O direito à indemnização extinguir-se-á se não for intentada uma ação no prazo de dois anos a contar da data da chegada ao destino, da data em que a aeronave deveria ter chegado ou da data da interrupção do transporte.
2 - O método de cálculo deste prazo será determinado pela lei do tribunal que conhece a ação.”.
Ou seja, a Convenção tem aplicação no caso em discussão nos autos, tendo em conta a situação descrita pela autora.
Sucede que, pese embora o que foi decidido no processo C-139/11, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o certo é que, as normas de direito internacional prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, tendo em conta o disposto no artigo 8.º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
Ou seja, a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, feito em Montreal em 28 de maio de 1999, e aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de novembro (Convenção de Montreal) sobrepõe-se ao Regulamento (CE) nº 261/2004, de 11 de fevereiro de 2004, e prevalece sobre as normas ordinárias internas. (cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-05-2017, processo 1704/15.9T8AMD.L1-8, disponível em dgsi.pt).
Posto isto, e seguindo, por se afigurarem corretas, as considerações que constam da decisão recorrida quanto à contagem do prazo de prescrição, temos que:
A autora apresentou a sua petição inicial em 9 de novembro de 2023, sendo nessa data que a ação se considera proposta, nos termos do artigo 259.º do Código de Processo Civil.
O facto que fundamenta o pedido de indemnização – a recusa de embarque – ocorreu em 18 de julho de 2019.
O prazo de prescrição previsto no art. 35.º da Convenção de Montreal, aplicável no caso, como vimos, é de dois anos.
Os factos alegados pela autora ocorreram a 18 de julho de 2019, data a partir da qual passou a ter possibilidade de exercer o seu direito ao ressarcimento dos danos por si sofridos – artigo 309.º do Código Civil.
Tendo em conta o prazo de dois anos, o direito da autora prescreveria em 18 de julho de 2021.
Sucede que, à data dos factos, a autora era menor de idade e, por isso, o prazo de prescrição (2 anos) só se considerou completado em 20 de abril de 2023 – artigo 320.º do Código Civil.
Tendo sido a presente ação intentada em 9 de novembro de 2023 e, a ré citada, apenas, em 16 de novembro de 2023, considera-se que o prazo de prescrição se interromperia cinco dias após a instauração da ação, ou seja, no dia 14 de novembro de 2023 – artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Todavia, nessa ocasião, o direito da autora a exigir o ressarcimento dos danos sofridos pela conduta da ré já se encontrava prescrito, uma vez que já se mostravam decorridos dois anos, bem como a suspensão a favor de menores (20 de abril de 2023).
Quanto às suspensões que tiveram lugar por força da legislação temporaìria da Pandemia Covid-19 [uma suspensão entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 (cf. os n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º e o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, conjugados com o artigo 37.º do D. L. n.º 10-A/2020, de 13 de março; bem como o artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) e outra suspensão entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021 (cf. o artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e os artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/21, de 5 de abril)], entende-se não serem aplicáveis aos autos, considerando que, à altura, esse prazo prescricional já se encontrava suspenso por força do disposto no artigo 320.º do Código Civil.
Mas, ainda que assim não fosse, mesmo se suspendendo esse prazo durante mais cinco meses e nove dias (até 26 de setembro de 2023), sempre, a 14 de novembro de 2023, já se encontrava o direito da autora prescrito.
Concordando-se inteiramente com estes cálculos, nada há a apontar à decisão recorrida, pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso, devendo manter-se tal decisão que julgou procedente a exceção de prescrição do direito da autora/recorrente.
*




DISPOSITIVO:

Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo, consequentemente, a decisão recorrida, nos seus precisos termos.

Custas pela recorrente.








Porto, 2025-07-10

Manuela Machado
António Carneiro da Silva
Ana Luísa Loureiro