NATUREZA RETRIBUTIVA
ACORDO PARA UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL PARA USO PESSOAL
IRREDUTABILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA DO VALOR PECUNIÁRIO
BENEFÍCIO ECONÓMICO OBTIDO PELO TRABALHADOR
Sumário

I - Existindo um acordo verbal entre a entidade empregadora e os seus trabalhadores, no sentido de lhes permitir o uso de um veículo automóvel, o uso pessoal de viatura, constitui “uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade”.
II - O valor pecuniário dessa retribuição em espécie, “é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, competindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar aquele valor, nos termos do disposto no artº 342º, nº 1 CC.”
III - O valor patrimonial de tal prestação em espécie, não é reduzido tão só pela circunstância de os custos para a Ré terem diminuído, com a diminuição do valor do aluguer da viatura.
IV - Idêntica conclusão se chega se tal diminuição de custos acarretar a diminuição dos valores que constam do recibo de vencimento dos Autores, quanto à utilização do veículo automóvel, e consequentemente a diminuição nos valores correspondentes dos descontos e contribuições para a Segurança Social.

(inclui texto do parecer e do Acórdão STJ 27.05.2010, proferido no Processo nº684/07.9TTSTB.S1).

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo nº 9879/19.1T8PRT.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – ...




Teresa Sá Lopes
Sílvia Saraiva
Maria Luzia Carvalho




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório (transcreve-se o relatório efetuado na sentença):

“Nos presentes autos vieram AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH intentar acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum contra A..., S.A., peticionando a condenação da demandada no pagamento das quantias de € 804,84, €853,92, € 1.071,57, € 804,84, € 813,24, € 873,36, € 857,45 e € 804,84 a título de diferenças retributivas, mais se condenando a R. a atribuir a cada um dos demandante uma viatura com as características, classe e categoria referidas na petição inicial, bem como no pagamento das diferenças salariais que se vierem a apurar em incidente de liquidação de sentença, resultantes da diminuição da categoria e classe da viatura, até à sua efetiva entrega e juros legais devidos.

Para o efeito, invocaram, em síntese, os aqui demandantes que foram admitidos ao serviço da demandada, tendo, além da demais retribuição acordada, sido atribuída uma viatura automóvel, desde o início da vigência dos seus contratos de trabalho, a qual foi sendo renovada, ao longo do tempo, por outras com idênticas características de marca, modelo, cilindrada e combustível. Sucede que, em meados de 2017 a aqui R. distribuiu aos ora demandantes veículos automóveis em substituição dos anteriores que são da marca PEUGEOT, modelo 208SL, com 1400 cc e a gasóleo, sendo estes veículos, no entender dos AA., de categoria inferior às que anteriormente lhes eram disponibilizadas, tendo uma valor de mercado inferior e sendo as respetivas despesas inerentes à sua utilização menores, isto representará uma redução do valor das suas retribuições mensais, nos montantes acima indicados para cada um dos demandantes, o que determina, na sua opinião, a condenação da R. no pagamento destas diferenças remuneratórias mensais, ou na atribuição aos AA. de veículos com classe e categoria não inferiores à que anteriormente dispunham.


*


Regularmente notificada a R. veio deduzir oposição, impugnando a factualidade invocada pelos AA., considerando que os veículos automóveis que lhes foram entregues são até mais recentes que alguns dos veículos de que anteriormente dispunham e que não vislumbram diferenças assinaláveis entre as viaturas em questão, considerando que, apesar do convite ao aperfeiçoamento, os AA. mantiveram as afirmações conclusivas ao invés de factos que pudessem fundamentar os seus pedidos.

Acrescenta ainda a demandada que, ao longo da vigência dos seus contratos de trabalho, os AA. utilizaram diversas viaturas, das mais diferentes marcas e modelos, sem apresentarem qualquer queixa ou reclamação sobre as mesmas trocas de veículos, inexistindo qualquer motivo que determine a condenação da R. no pagamento de qualquer quantia ou na alteração das viaturas em apreço.

Conclui, deste modo, no sentido da improcedência da acção e da sua absolvição de todos os pedidos formulados pelos AA.


*


Em articulado de resposta à contestação, os AA. vieram apenas pronunciar-se quanto às exceções colocadas relativamente ao teor do articulado inicial aperfeiçoado que juntaram aos autos e aos documentos que acompanham a contestação.


*


Foi elaborado despacho saneador – cfr. refª 410012074 - no âmbito do qual se apreciaram as exceções invocadas pela demandada.

Realizou-se a audiência de julgamento, (…).”

Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a ação improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.
Foi fixado o valor da ação em € 6.884,06.

Não se conformando com a sentença proferida, dela vieram os Autores interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Ré/Apelada contra-alegou, finalizando com as seguintes conclusões:
“ CONCLUSÕES:

(…)

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não obter provimento, referindo, em essência, o seguinte:
“(…)
Da matéria de facto fixada na douta sentença recorrida e da posição assumida pelas partes está assente que a utilização do veículo automóvel constituía uma parcela da retribuição dos AA, apesar de não estar consagrado expressamente nos contratos de trabalho.
Todavia, desde sempre, os veículos automóveis eram entregues para uso exclusivo dos AA, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, suportando a Ré todas as despesas de impostos, seguros, revisões e manutenções, gasolina, portagens, lavagens e parqueamento inerentes à utilização dos mencionados veículos.
No caso dos autos, a R. continuou a atribuir aos AA viaturas para seu uso exclusivo, mas os AA consideram que a atribuição de veículos com determinadas características, que consideram inferiores às dos veículos automóveis anteriormente atribuídos, constitui uma diminuição da sua retribuição e que tal está legalmente vedado à empregadora.
Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que está assente que o uso pessoal das viaturas, constitui uma prestação em espécie que faz parte integrante da retribuição dos trabalhadores, mas não existem nos autos elementos, nomeadamente resultantes da matéria dada como provada, que nos permitam quantificar a alegada diminuição da retribuição dos trabalhadores.
Se com a substituição das viaturas os AA não tiveram um decréscimo na retribuição, a ação tem que logicamente improceder.
(…)
Resulta assim da douta sentença recorrida que, analisada a prova testemunhal, documental e criticamente a prova pericial, a R. atribuiu sempre viaturas aos AA para o seu uso profissional e, em momento algum, ficaram privados do uso das mesmas.
Atenta a matéria de facto dada como provada e a motivação escorreita constante na douta sentença recorrida, os AA não lograram demonstrar que houve, efetivamente, uma redução da sua remuneração, operada a partir de 2017 e que decorre da alteração dos veículos, que então dispunham, para os de marca Peugeot, modelo 208.
Esta prova cabia aos AA, ora recorrentes, o que não ocorreu.”

Os Recorrentes apresentaram resposta.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

Objeto do recurso:
Aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se:
- ocorre erro de julgamento da matéria de facto?
- ocorre erro de julgamento quanto à diminuição da retribuição dos trabalhadores?

2. Fundamentação:

2.1. Fundamentação de facto:

Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso (acrescentado-se a numeração do elenco).

“ Após a discussão da causa, os factos que se consideram provados são os seguintes:

1•A A. AA foi admitida ao serviço da R. em 02/09/1996, para exercer as funções de engenheira civil, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.722,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

2• A R. atribuiu a cada um dos aqui demandantes um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, que os AA. utilizavam para uso pessoal e profissional, e relativamente ao qual a demandada suportava todos os custos inerentes aos mesmos, como combustível, seguro, manutenção, etc. com parqueamento gratuito nas instalações da R. enquanto ali permanecem.

3• A primeira viatura atribuída à A. acima indicada foi um veículo marca Opel, modelo Astra, 1400 cc a gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava à A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

4• Em meados de 2017, a R. distribuiu a cada um dos aqui AA., em substituição dos veículos automóveis que então utilizavam, um veículo da marca Peugeot, modelo 208SL, de 1400 cc e a gasóleo.

5• Nos recibos de vencimento dos AA. a R. comunica e desconta para a Segurança Social, valores diferentes quanto à utilização do veículo automóvel, sendo a importância atual de € 106,65, quando era de € 152,10, para a 1ª A.; de € 112,11 atualmente e de € 196,33 para o 2º A.; de € 106,95 atualmente e de € 184,97 anteriormente para o 3º A.; para o 4º A. era de € 152,51, sendo atualmente de €106,95; para o 5º A. era anteriormente de € 148,55, sendo o atual de € 107,36; para o 6º A. era de € 148,55, sendo atualmente de € 106,95; para o 7º A. era de € 172,38, sendo atualmente de € 106,95, sendo anteriormente de € 145,49 e atualmente de € 106,95 quanto à 8ª A.

6• O A. BB foi admitido ao serviço da R. em 01/07/2000, para exercer as funções de técnico superior no departamento de sistemas de informação, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.722,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

7• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Toyota, modelo Prius, 1800 híbrido, combustível gasóleo e elétrico; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

8• O A. CC foi admitido ao serviço da R. em 01/09/2000, para exercer as funções de técnico superior no departamento de compras e logística, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 3.376,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

9• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Renault, modelo Scénic, 1146 cc, combustível gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

10• O A. DD foi admitido ao serviço da R. em 01/04/2000, para exercer as funções de técnico superior na direção de engenharia, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 3.153,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

11• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Opel, modelo Astra Caravan, 1400cc, combustível gasolina; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

12• O A. EE foi admitido ao serviço da R. em 01/06/1999, para exercer as funções de técnico superior no departamento de compras e logística, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.351,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

13• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Seat, modelo Leon, 5 portas Style, 1600 cc, combustível gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

14• O A. FF foi admitido ao serviço da R. em 01/09/1999, para exercer as funções de técnico superior no departamento de compras e logística, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.722,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

15• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Seat, Leon, 5 portas Style, 1600 cc, combustível gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

16• O A. GG foi admitido ao serviço da R. em 01/05/1998, para exercer as funções de técnico superior no departamento de compras e logística, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.722,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

17• A primeira viatura atribuída ao A. acima indicado foi um veículo marca Opel, modelo Astra, 1400 cc, combustível gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava ao A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

18• A A. HH foi admitida ao serviço da R. em 08/01/1998, para exercer as funções de técnica superior no departamento de comunicação e educação ambiental, auferindo, ultimamente, a retribuição mensal de € 2.433,00, a que acresce o montante de € 7,14/dia a título de subsídio de alimentação.

19• A primeira viatura atribuída à A. acima indicada foi um veículo marca Opel, modelo Astra Enjoy, 1400 cc, combustível gasóleo; ao longo dos anos a viatura automóvel foi sendo substituída por outras que a R. adquiria e entregava à A., com semelhantes características de marca, modelo, cilindrada e combustível.

20º• Os veículos automóveis utilizados pelos aqui demandantes ao longo da vigência dos seus contratos de trabalho nunca lhes pertenceram e alguns eram já usados

21º• A demandada é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, resultante da cisão da sociedade A..., S.A., constituída pelo Decreto-Lei n.º 16/2017, de 1 de Fevereiro, regendo-se pelo disposto nesse diploma, seus estatutos, regime jurídico do sector público empresarial, regulamentos internos, normas especiais que lhe sejam aplicáveis e lei comercial.

22º• Durante os seus contratos de trabalho, os AA. utilizaram, enquanto viaturas de serviço com direito a uso pessoal, automóveis de diferentes marcas, modelos e características, sem que tivessem apresentado qualquer reclamação relativamente aos veículos que lhes foram sendo disponibilizados.

23º• Durante o seu contrato de trabalho, à A. AA já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Renault Clio, um Honda Civic, um Renault Mégane e dois Opel Astra, além do atual Peugeot 208 5L.

24º• Durante o seu contrato de trabalho, ao A. BB já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Nissan Almera, um Toyota Prius e um Peugeot 207, além do atual Peugeot 208 5L.

25º• Durante o seu contrato de trabalho, ao A. CC já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Honda HRV, um Honda Civic e um Renault Scénic, além do atual Peugeot 208 5L.

26º• Durante o seu contrato de trabalho, ao A. DD já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Honda Civic e um Opel Astra, além do atual Peugeot 208 5L.

27º• Durante o seu contrato de trabalho, ao A. EE já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Honda Civic, um Citroen C4, um Seat Leon e um Peugeot 207, além do atual Peugeot 208 5L.

28º• Durante o seu contrato de trabalho, ao A. FF já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Opel Astra, um Skoda Octavia, outro Opel Astra, dois Suzuki Vitara, um Volkswagen Polo e um Seat Leon, além do atual Peugeot 208 5L.

29º•Durante o seu contrato de trabalho, ao autor GG já foram atribuídos, a título de viatura de serviço com direito a uso pessoal, um Opel Corsa, um Renault Mégane e um Opel Astra Caravan, além do atual Peugeot 208 5L.

30º• O Peugeot 208 5L, atualmente utilizado pelos aqui demandantes, obteve a classificação geral máxima, isto é, cinco estrelas, nos testes da agência European New Car Assessment Programme.

31º• A demandada passou a negociar todos os contratos de aluguer de todas as viaturas numa só ocasião, ao invés de o fazer individualmente, veículo a veículo, como até aí sucedia e graças a esta negociação conjunta, a posição negocial da demandada ficou reforçada, conseguindo obter as viaturas pretendidas por preços de aluguer mais reduzidos, diminuindo os seus custos e consequentemente a parcela “base viatura atribuída SS”, constante dos recibos de vencimento dos seus trabalhadores.

32º• O A. BB aposentou-se, por velhice, na pendência da presente ação.

33º• O A. DD foi promovido a coordenador, em Fevereiro de 2023, tendo-lhe sido atribuída uma outra viatura automóvel.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:

- A viatura entregue aos AA. em 2017, de marca Peugeot é de categoria e segmento inferior às anteriores, determinando uma redução da retribuição que aqueles auferem.

- O preço de mercado das viaturas de segmento anterior era de € 30.300,00 e o do Peugeot é de € 14.260,00; quanto ao 2º A. era de € 33.245,00, para o 3º A. era de € 35.390,00; para o 4º A. era de € 30.300,00; para o 5º A. era de € 30.804,00, o mesmo sucedendo para o 6º A., sendo de € 30.300,00 para o 7º A. e de valor para a 8ª A.

- O segmento do Peugeot 208SL é inferior em conforto, segurança, espaço e acabamentos, nomeadamente na maior insegurança, de materiais plásticos mais frágeis, o espaço é inferior, o conforto e a segurança para os ocupantes é menor em caso de colisão e travagem.

- A viatura Peugeot 208SL pertence ao segmento B inferior – utilitários, sendo que a viatura anterior pertence ao segmento C- médio inferior – compactos.

- A alteração dos veículos acima descrita, prejudica os aqui demandantes na sua mobilidade, conforto e segurança da respetiva vida profissional, quer no conforto, mobilidade e segurança na sua vida privada e familiar.


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MOTIVAÇÃO DE FACTO

No que se refere aos contratos de trabalho celebrados entre os aqui intervenientes, o Tribunal baseou a sua convicção, quer na admissibilidade expressa no articulado de contestação da demandada relativamente a esta matéria de facto, como também nos documentos juntos aos autos, nomeadamente, nos contratos juntos aos autos pelos aqui demandantes com o seu requerimento refª 37069383, sobretudo quanto às cláusulas ali ínsitas relativas à retribuição acordada entre as partes.

Relativamente ao valor de mercado de cada uma das viaturas utilizadas quer antes, quer depois, das alterações introduzidas a este nível em 2017, o Tribunal não considerou os documentos juntos aos autos, tanto pela R., como pelos AA., dado que se desconhece o número de anos e de quilómetros que estas viaturas tinham quando foram entregues aos AA. pela R., para as utilizarem e estes dois critérios são, em nosso entender, indispensáveis para que o Tribunal pudesse comparar os veículos, antes e depois da atribuição dos veículos Peugeot 208, de forma a determinar se estes últimos têm um valor de mercado inferior ou superior aos anteriormente utilizados pelos demandantes. Ainda no âmbito da prova documental, o Tribunal considerou os recibos de vencimentos dos aqui demandantes, juntos com o requerimento refª 453127638, e posteriormente em sede de audiência de julgamento, quanto à indicação ali consignada dos montantes auferidos a título de retribuição base e de subsídio de alimentação, à data da alteração dos veículos e ainda quanto aos montantes relativos às contribuições liquidadas à Segurança Social correspondentes à utilização destes mesmos veículos.

Considerou-se também o regulamento de utilização de viaturas em vigor na aqui R. à data da substituição das viaturas – cfr. requerimento refª 46898877, bem como o documento junto com a contestação á petição inicial aperfeiçoada relativo à classificação em termos de segurança pela Euro-NCAP do veículo Peugeot 208.

Passando á apreciação do relatório pericial (e esclarecimentos de 17/05/2021) elaborado nos autos, o mesmo evidenciou escasso ou nenhum relevo na formação da convicção do Tribunal, dado ter incidido as suas conclusões, ainda que não unânimes, em comparações de valores económicos que, no entendimento do Tribunal e considerando os motivos que infra se explanarão na motivação de direito, não contribuem para a decisão do mérito da causa. Sobressai deste relatório as seguintes afirmações que corroboram este nosso entendimento “A tarefa que nos foi confiada depende fundamentalmente de variáveis subjetivas e, por inerência, de difícil quantificação, na medida em que respeitam a cada autor, à vivência de cada um, não sendo sequer variáveis constantes porque profundamente conexas com a vida em concreto de cada autor.” e adiante “…valores de aquisição dos novos contratos decrescem, em média, 34% relativamente aos imediatos contratos anteriores caducados.”.

No mais considerou-se o depoimento de parte e as declarações de parte prestadas pela legal representante da R., II, que explicitou os motivos pelos quais, em 2017, a aqui demandada entendeu redistribuir os veículos existentes, conforme o nível das comissões de serviço existentes à data e que se relacionou, igualmente, com os critérios de gestão das empresas públicas após a intervenção da troika. Afirmou ainda que a utilização dos veículos automóveis decorria dum acordo verbal, após a celebração do contrato de trabalho, entre a demandada e os seus funcionários, inexistindo qualquer determinação das características dos veículos, nem do período temporal de atribuição dos mesmos; acrescentou que as viaturas não tinham limite de utilização, podendo ser usados na vida pessoal e profissional dos funcionários e que a aquisição das mesmas é efetuada de forma centralizada, contemplando todas as empresas do grupo em que a R. se insere. Quanto aos veículos que eram utilizados pelos aqui AA., antes da substituição de 2017, afirmou que as mesmas tinham todos entre 9 a 10 anos e que os AA. não suportavam, nem suportam, quaisquer despesas inerentes a estes veículos, tendo apenas um limite nos cartões de combustível que, se for ultrapassado, determina que o funcionário terá que adquirir o combustível a suas próprias expensas.

No seu depoimento de parte, o A. FF afirmou que exerce funções há 25 anos na aqui demandada e que, aquando da sua contratação, a empresa lhe deu a opção de escolher um veículo de acordo com um plafond que lhe foi indicado, que seria de cerca de € 20.000,00 e que lhe prometeram que este seria trocado de 3 em 3 anos e depois de 4 em 4 anos. Disse também que, em 2017 lhe foi atribuído um Peugeot 208, que anteriormente estava afeto aos operadores e que tinha muito uso, mantendo-se todos os AA. com este veículo (mesma marca e modelo) com exceção do A. DD que há cerca de 4 meses, tendo passado a exercer as funções de coordenador, passou a ter atribuída outra viatura; disse também que até ao seu 3º veículo, foi o próprio quem escolheu o veículo a utilizar e que, a partir daí, passou a ser a empresa a fazê-lo, sendo que o veículo atual não lhe permite levar a sua família de férias, por ser muito pequeno.

Atendeu-se, também, ao depoimento das seguintes testemunhas;

- JJ, afirmou ter sido responsável pela gestão de energia da aqui demandada desde Março de 2000 e disse que lhe foi entregue o uso personalizado de uma viatura e ao fim de 3 anos a viatura seria pertença do funcionário, posteriormente, para que a viatura lhes passasse a pertencer já teriam que proceder ao pagamento de 10% do seu valor, tendo-lhes sido sempre atribuída a utilização duma viatura ligeira de passageiros e assumindo a R. todos os encargos relativos à mesma; acrescentou que a empresa tinha um plafond de cerca de € 20.000,00 para a aquisição de cada veículo, sendo disponibilizado aos AA. um veículo, dentro deste segmento; em 2017 foi-lhe retirado o veículo que utilizava, um Renault Mégane e foi-lhe entregue um Peugeot 208 (que ainda mantém), o que determinou que, quando ia de férias, tinha de levar outro carro; disse também que, no início, os recibos de vencimento não faziam qualquer menção aos encargos sociais com os veículos, o que apenas passou a ocorrer a partir de 2010, sendo o respetivo valor pago em termos de contribuições fiscais e da Segurança Social, os quais refletem valores distintos conforme o valor dos veículos;

- KK disse ser coordenadora do departamento jurídico desde 2017 e secretária da administração e afirmou que os AA. foram utilizando veículos por via dum benefício que era atribuído pela administração da empresa, mas nem todos tiveram veículo desde o início da relação laboral, inexistindo qual decisão da administração atribuindo um veículo, com determinadas características a cada um dos seus trabalhadores, desconhecendo a existência de qualquer plafond para aquisição de veículos, nem de segmentos de viaturas atribuídas, sendo que, ao longo dos anos, os demandantes foram tendo diversas viaturas, que utilizavam conforme a disponibilidade da empresa, algumas delas tinham já vários anos de uso; explicou ainda que, a partir da intervenção da “troika” ficaram impedidos de adquirir viaturas novas e como havia cargos de chefia que não tinham veículos à sua disposição, entre 2017 e 2018 fizeram uma redistribuição dos veículos existentes na empresa e os veículos com os que os demandantes circulavam foram afetos aos coordenadores, que respondem perante a administração e aos AA. foram entregues os veículos indicados nos autos.”

Da impugnação da decisão sobre matéria de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.

Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)».

A omissão de cumprimento dos ónus processuais legalmente previstos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.

Consigna-se o entendimento acolhido, sobre matéria conclusiva:

“Como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.(…)”. Acórdão desta Secção de 27.09.2017, proferido no processo nº3978/15.6T8VFR.P1, (relator Desembargador Jerónimo Freitas).
“Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”, lê-se no Acórdão do S.T.J. de 12.03.2014, in www.dgsi.pt.

Importa, pois, analisar a matéria de facto que os Apelantes consideram deveria integrar o elenco dos factos provados.

A Apelada conclui, em suma que se trata de matéria de natureza conclusiva sendo por tal razão inaproveitável como suporte de uma decisão de mérito.
Assim entendemos também.
Ainda que tenha sido na sentença matéria considerada não provada, a matéria que os Apelantes pretendem seja aditada, trata-se de matéria vaga e conclusiva, como resulta das questões que ficam em aberto ligadas à mesma, questões formuladas com matéria que não foi alegada nem resultou como provada ou não provada:
- O preço de mercado das viaturas de segmento anterior quanto ao 1º A. era de €30.300,00 e o do Peugeot é de € 14.260,00; quanto ao 2º A. era de € 33.245,00, para o 3º A. era de € 35.390,00; para o 4º A. era de € 30.300,00; para o 5º A. era de € 30.804,00, o mesmo sucedendo para o 6º A., sendo de € 30.300,00 para o 7º A. e de valor ---- para a 8ª A;
Quais as viaturas anteriores que eram veículos usados, na altura em que foram entregues aos Autores, como resulta da matéria do item 20º dos factos provados?
Que número de quilómetros percorridos tinham essas viaturas usadas?
Qual o preço de mercado das anteriores viaturas, considerando a altura em que foram entregues aos Autores?

- A viatura entregue aos AA. em 2017, de marca Peugeot - segmento do Peugeot 208 SL é inferior na categoria e em conforto, segurança, espaço e acabamentos, nomeadamente na maior insegurança, de materiais plásticos mais frágeis, o espaço é inferior, o conforto e a segurança para os ocupantes é menor em caso de colisão e travagem.
Quais as características concretas da viatura Peugeot 208 SL e dos demais diversos veículos automóveis que, foram utilizados pelos Autores, como resulta da matéria dos itens 20º, 22º a 29º da factualidade provada, ao longo da vigência dos seus contratos de trabalho, em termos de materiais, acabamentos e espaço?

- A viatura Peugeot 208 SL pertence ao segmento B inferior – utilitários, sendo que a viatura anterior pertence ao segmento C- médio inferior – compactos.
Qual/quais dos diversos veículos automóveis utilizados por cada um dos Autores, ao longo da vigência dos seus contratos de trabalho, pertenciam ao alegado segmento C- médio inferior – compactos e quais desses veículos é que pertenciam a outro segmento?
Quais as características da marca, modelo, cilindrada, potência e combustível em que se concretizava a "categoria" da viatura Peugeot 208 SL e dos demais diversos veículos automóveis que, foram utilizados pelos Autores?

- A alteração dos veículos acima descrita, prejudica os aqui demandantes na sua mobilidade, conforto e segurança da respetiva vida profissional, quer no conforto, mobilidade e segurança na sua vida privada.

A alteração dos veículos a que se reporta a matéria dos itens 3º, 7º, 9º, 11º, 13º, 15º, 17º, 19º da factualidade provada, prejudica a mobilidade, conforto e segurança por que motivo? Ou seja, o que diferencia, para além da marca e modelo, nas suas características cada uma dessas viaturas relativamente à viatura Peugeot 208 SL? Trataram-se de veículos novos ou usados? Qual o número de passageiros transportados em cada uma dessas viaturas? Tem a viatura Peugeot 208 SL alguma limitação relativamente aos demais diversos veículos automóveis que foram utilizados pelos Autores relativamente e nesse caso qual/quais?

Tratando-se de matéria conclusiva, improcede a pretensão dos Autores de a ver incluída a matéria dada como não provada no elenco dos factos provados.

Dito de outro modo, o que importaria aos Recorrentes provar eram alegações factuais que permitissem extrair depois, a jusante, na sentença, essas conclusões, sendo questão de direito aferir se a alteração dos veículos entregues aos Autores, determinou uma redução da retribuição que aqueles auferem.

O mesmo sucede com a restante matéria que os Apelantes pretendem seja aditada ao elenco dos factos provados:

- A Apelada passou a proceder a menos descontos a título de IRS devido ao facto das viaturas terem categoria inferior.
Trata-se também de matéria conclusiva.
Qual a diferença nos descontos a título de IRS feitos antes e depois?
- A Apelada passou a proceder à redução das contribuições para a Segurança Social de todos os Apelantes, com a consequente diminuição dos montantes na carreira contributiva dos Apelantes, nomeadamente, na sua futura reforma.
A diferença nas Contribuições para a Segurança Social feitas antes e depois, nos recibos de vencimento dos AA. ficou assente no item 5º dos factos provados.
É matéria conclusiva saber se tal diferença implica a diminuição dos montantes na carreira contributiva dos Apelantes, nomeadamente, na sua futura reforma.

Improcede também nesta parte a pretensão dos Autores.


2.2. Fundamentação de direito:
Temos como pertinente, transcrever da fundamentação do acórdão desta secção proferido no processo nº1883/21.6T8MAI.P1 (relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt), considerações que temos como pertinentes, para enquadramento da questão a decidir (alterações introduzidas entre [] relativamente à situação dos autos):
“A LCT, lei vigente à data da admissão do[s] autor[s], nos artigos 82.º e seguintes, dispunha:
- Artigo 82.º (Retribuição)
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
- Artigo 84.º (Retribuição certa e retribuição variável)
1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2. Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3. Se não for praticável o processo estabelecido no número anterior, o cálculo da retribuição variável far-se-á segundo o disposto nas convenções coletivas ou nas portarias de regulamentação de trabalho e, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
A partir de 1 de Dezembro de 2003, entrou em vigor o Código do Trabalho de 2003, que quanto a esta matéria determinava o seguinte:
Artigo 249º Princípios gerais
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4. (...)».
- Artigo 251º Modalidades de retribuição
A retribuição pode ser certa, variável ou mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável.
- Artigo 252º Retribuição certa e retribuição variável
1. É certa a retribuição calculada em função do tempo de trabalho.
2. Para determinar o valor da retribuição variável toma-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
3 (...)
4 (...)».
Importa deixar uma primeira nota. O confronto entre as disposições da LCT e do CT/03, evidencia a correspondência das normas em termos substantivos, isto é, este último diploma não introduziu alterações de natureza substantiva quanto à noção de retribuição e suas modalidades. O mesmo pode dizer-se relativamente às correspondentes normas do atual CT/09, nomeadamente, os artigos 258.º e 261.º, dispondo:
Artigo 258º Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – (...).
Artigo 261º Modalidades de retribuição
1 - A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável.
2 - É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho. 3 - Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo.
4 - Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
Vale isto por dizer que sendo as questões suscitadas por esta problemática, quanto ao essencial idênticas, quer se tenham colocado à luz da LCT quer posteriormente face ao CT/03 ou ao atual CT/09, igualmente têm inteira aplicação ao caso as posições da doutrina e da jurisprudência que adiante se citarão, independentemente de terem sido produzidas na vigência de um ou outro daqueles regimes.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da atividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º 82.º LCT/art.º 249.º CT/03/art.º 258.º CT/09). De acordo com as regras gerais da repartição do ónus de prova, cabe ao empregador ilidir a presunção.
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao atual art.º 258.º do CT/09 - correspondente ao art.º 249.º do CT/03 e 82.º da LCT -, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
Assim, esta noção mais ampla de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”, quer todas as demais prestações que tenham caráter regular e periódico, feitas direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação coletiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
A Lei não diz quando deve considerar-se que uma prestação é regular e periódica nem estabelece um critério para calcular um valor médio. Mas não se vê sequer que o pudesse fazer, pois a regularidade e a periodicidade dependerá sempre da prestação em concreto, que não se limita à retribuição base.
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes [Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-11-2006, proc.º n.º 7257/2006-4 FERREIRA MARQUES, disponível em www.dgsi.].
À luz desse entendimento, admitia-se, p. ex. que uma prestação paga, pelo menos, 6 vezes ao ano fosse suscetível de ser considerada regular e periódica, integrando o conceito de retribuição. Mas como é sabido, acontece que o entendimento da jurisprudência divergiu quanto a saber quando deve considerar-se, atentos os pagamentos efetuados ao longo de um ano, que determinada prestação é regular e periódica.
O Acórdão de 1 de Outubro de 2015, do STJ, com o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, que fixou a interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a TAP — Air Portugal, S. A. e o SNPVA, para chegar a essa interpretação acabou por “estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico”, em concreto: “considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano”.
Dito por outras palavras, há luz deste critério, que vem sendo seguido pela jurisprudência, segundo cremos quase unanimemente, considera-se regular e periódica uma prestação pecuniária que seja paga ao trabalhador pelo menos 11 meses no período de um ano de trabalho.
Dando de novo a palavra a Monteiro Fernandes, assinala este autor que “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daquelas atribuições, na contratação coletiva e na prática das empresas. (.. ). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder diretamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
Na verdade, é sabido existir um vasto leque de outras prestações complementares que tanto poderão ser regulares e periódicas – p. ex. acompanhando o pagamento da retribuição base ou, trimestral, semestral ou anual – como nem sequer terem periocidade – p. ex. por estar dependente de serem atingidos determinados resultados pela empresa. Por um lado, por efeito da lei ou de instrumento de regulação coletiva, a par da retribuição base são devidas outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade. Por outro, como também assinala Monteiro Fernandes, «(..) por razões diversas – desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da carga fiscal e para-fiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de políticas de rendimentos – se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efetivadas vantagens económicas aos trabalhadores. Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valores de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade, transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho» [Op. cit, p. 476].
Essas prestações complementares, embora não se possa dizer que essa seja a regra, em muitos casos estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho. Assim acontece, com mais evidência, entre outros, nos casos da prestação de trabalho suplementar, da prestação de trabalho nocturno, da deslocação em trabalho, do trabalho com penosidade ou com perigo ou, ainda, com determinados níveis de produtividade.
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efetiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Nesse pressuposto, de acordo com o entendimento pacífico dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça - assinalado no acórdão de 22-09-2011 - consistem em “(..) prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) [que] apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição“ [proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Recorrendo mais uma vez ao ensinamento de Monteiro Fernandes, pronunciando-se sobre a especifica função desempenhada pelo critério legal de retribuição, conclui que o mesmo «(..) constitui, assim, o instrumento de despiste dos valores que, no seu conjunto, têm um nexo de correspectividade com a posição obrigacional do trabalhador, encarada também na sua globalidade. Ele serve, então, para definir a posteriori uma base de cálculo para certos valores derivados.», mas assinalando «que isso não legitima que o mesmo critério seja linearmente utilizado como chave-mestra de todo o regime jurídico da retribuição. Uma prestação abarcável no amplo padrão retributivo definido pelo art.º 258.º pode ter que ser afastada do campo de aplicação deste ou daquele preceito referente a retribuição. Pode ser, por exemplo, que um certo subsídio, embora pertencente à estrutura da retributiva de harmonia com o art.º 258.º, não tenha que ser incluído no cálculo do subsídio de férias ou de Natal (..)». Conclui mais adiante, nestes termos:
- “Há, pois, que assentar no seguinte: a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento padrão retributivo definido pelo art.º 258.º CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da «retribuição».
O «ciclo vital» de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-se pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho” [Op. cit., pp. 487/488].
Estes ensinamentos permitem retirar uma ideia fulcral para a apreciação da questão propostas no recurso, em suma, não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 82.º da LCT; n.º 3 do artigo 249.º do CT/03; e, n.º3, do art.º 258.º CT/09), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
O princípio da irredutibilidade da retribuição consta atualmente consagrado no art.º 129.º/1 al. d), do CT, ao estabelecer: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Porém, como flui do que já ficou exposto, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso, a título de mero exemplo, da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar), ou quando se tratam dos referidos prémios ou incentivos abrangidos pela previsão do art.º 260.º/1/al. c). Como observado no aresto do STJ acima citado, essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Os tribunais superiores já se pronunciaram múltiplas vezes quanto à questão de saber se a atribuição de veículo automóvel, atendendo às circunstâncias concretas de caso, integra a retribuição do trabalhador ou é um mero instrumento de trabalho e a sua utilização pessoal apenas decorre de tolerância, um ato de liberalidade, da entidade empregadora, sendo patente que a distinção entre uma situação e outra assenta num entendimento convergente. Em termos elucidativos, no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2012 [Proc.º n.º 749/10.0TTPRT.P1, Desembargador Ferreira da Costa, disponível em www.dgsi.pt], (…) observa-se que “sendo a retribuição a contrapartida da atividade prestada pelo trabalhador em sede de contrato individual de trabalho, ela é paga normalmente em numerário. Tal não impede que uma parte da retribuição, pelo menos, não possa ser paga em espécie, como sucede com a atribuição de alimentos, refeições, ou o uso de viaturas. Porém, a utilização de um veículo automóvel da empresa, com todos os custos a cargo desta, tanto pode configurar um mero instrumento de trabalho, porque é usada durante e por causa da prestação laboral, como pode configurar uma parcela da retribuição do trabalhador, quando o empregador autoriza o trabalhador a usar o veículo irrestritamente, para além do horário normal de trabalho, maxime, em fins de semana, feriados e férias. Nesta situação, evitando o trabalhador de adquirir viatura própria para se deslocar de e para o trabalho e em toda a sua vida pessoal e familiar, o empregador confere-lhe uma vantagem patrimonial, suscetível de avaliação em numerário, que integra a designada retribuição em espécie, como se tem entendido (Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 775 a 777, Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 550 e Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, págs. 551 e 552, nota 657. Na jurisprudência, cfr. in www.dgsi.pt os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de: 2006-02-09, Processo 05B4187; 2006-03-22, Processo 05S3729; 2008-06-18, Processo 07S4480; 2009-11-04, Processo 4/08.5TTAVR.C1.S1 e 2011-01-12, Processo 1104/08.7TTSTB.E1.S1).”
Ainda desta Relação e secção, de entre a jurisprudência publicada [em www.dgsi.pt], no mesmo sentido encontra-se os acórdãos seguintes:
i) De 14-05-2012 [Procº 243/10.9TTPRT.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
-“ I - A atribuição de viatura também para uso pessoal do trabalhador, utilização essa que podia ter lugar em fins de semana, férias, feriados, baixas médicas, tem natureza retributiva (retribuição em espécie), cujo valor pecuniário corresponde ao beneficio económico obtido pelo trabalhador por via do uso pessoal da mesma”.
ii) De 24-01-2018 [Proc.º 736/11.0TTPRT-A.P1, Desembargador Rui Penha]
“I - Tem natureza de retribuição em espécie a atribuição ao trabalhador de um ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da entidade patronal, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e impostos”.
Por último, para situação similar à presente no que a esta questão concerne – e citado pelo Tribunal a quo - veja-se ainda o acórdão do STJ de 30 de Abril de 2014 [Proc.º n.º 714/11.00TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário
-«1. Tendo-se provado que o empregador distribuiu ao trabalhador um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquela e que o trabalhador utilizava a viatura para uso exclusivo, nas deslocações da residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, para efeitos pessoais, a mencionada atribuição de veículo automóvel assume natureza retributiva, estando o empregador vinculado a efetuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.
2. Tratando-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e 129.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.
3. Presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, competia ao empregador provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.”

*

É evidenciado na sentença recorrida, proferida nestes autos:
“Não constando do contrato de trabalho, nem de qualquer documento anexo, contemporâneo ou posterior à outorga do mesmo, estamos, assim, perante um acordo verbal, entre a entidade empregadora e os seus trabalhadores, no sentido de lhes permitir o uso de um veículo automóvel, sendo ainda pacífico entre os aqui intervenientes, que este uso foi sempre afeto sem qualquer restrição, não se distinguindo o uso pessoal do profissional, pelo que os demandantes circulavam com as viaturas, fosse no âmbito da sua vida profissional, fosse já fora deste cumprimento funcional, assegurando a demandada todas as despesas inerentes à mesma utilização.”
Como referido no Parecer, “Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que está assente que o uso pessoal das viaturas, constitui uma prestação em espécie que faz parte integrante da retribuição dos trabalhadores”.
Em suma, trata-se de “uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade”.
O valor pecuniário dessa retribuição em espécie, lê-se no Acórdão STJ 27.05.2010, proferido no Processo nº684/07.9TTSTB.S1, in www.dgsi.pt, “é o correspondente ao beneficio económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, competindo ao trabalhador o ónus de alegar e provar aquele valor, nos termos do disposto no artº 342º, nº 1 CC.”

Em concreto, os Autores não conseguiram provar o valor mensal do benefício pessoal que retiravam da atribuição desta prestação em espécie, tão pouco que esse valor diminuiu com a alteração das viaturas.

A esse respeito, invocam os Apelantes que a Apelada passou a proceder à redução das contribuições para a Segurança Social de todos os Apelantes, com a consequente diminuição dos montantes na carreira contributiva dos Apelantes, nomeadamente, na sua futura reforma.
Sem razão, o que adiantamos.
Começamos por referir que da matéria provada não resulta, desde logo estarmos perante uma medida infundada.
Com efeito, ficou também provado no item 31º que a demandada passou a negociar todos os contratos de aluguer de todas as viaturas numa só ocasião, ao invés de o fazer individualmente, veículo a veículo, como até aí sucedia e graças a esta negociação conjunta, a posição negocial da demandada ficou reforçada, conseguindo obter as viaturas pretendidas por preços de aluguer mais reduzidos, diminuindo os seus custos e consequentemente a parcela “base viatura atribuída SS”, constante dos recibos de vencimento dos seus trabalhadores.
Porém, quanto ao valor patrimonial de tal prestação em espécie, não aferimos que o mesmo foi posto em causa, ou seja, reduzido, tão só pela circunstância de os custos para a Ré terem diminuído, com a diminuição do valor do aluguer de cada viatura.
Aliás, em termos hipotéticos, podiam até ter sido atribuídas aos Autores viaturas idênticas – o mesmo modelo, marca e antiguidade – àquelas que eram anteriormente utilizadas por cada um dos Autores, mas o custo de aluguer ter, por qualquer razão de mercado, se tornado inferior.
Idêntica conclusão se chega se tal diminuição de custos acarretar a diminuição dos valores que constam do recibo de vencimento dos Autores, quanto à utilização do veículo automóvel, e consequentemente a diminuição nos valores correspondentes dos descontos e contribuições para a Segurança Social.
É que como se consignou, o valor pecuniário da retribuição em espécie, em causa correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura.
Lê-se ainda no referido acórdão do STJ:
“Para nós, esse valor não corresponde, de modo algum, ao valor que a entidade empregadora despendia mensalmente com o aluguer da viatura. Para nós, o valor da prestação retributiva resultante da atribuição de uma viatura para uso profissional e para uso pessoal é o que resulta do benefício económico que o trabalhador retira da utilização em proveito próprio, ou seja, o valor que ele despenderia nesta utilização com viatura própria. O valor da referida retribuição em espécie é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal ou particular da viatura, nele não se podendo incluir o uso profissional (ou seja o benefício obtido com o seu uso no exercício das suas funções e ao serviço da entidade empregadora). Destinando-se a viatura, não apenas ao uso pessoal, mas também ao uso profissional, o valor mensal do benefício económico da prestação em espécie, proporcionada ao trabalhador, nunca podia, neste caso, equivaler, por exemplo, ao valor mensal do custo do aluguer de viatura idêntica e das despesas com ela relacionadas, já que desse custo e dessas despesas advinha também vantagens económicas para a entidade empregadora (pela sua utilização em serviço), vantagens essas cujo valor, manifestamente, não pode deixar de excluir-se, para se apurar o valor exato da retribuição em espécie.
Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que está assente que o uso pessoal da viatura, constitui uma prestação em espécie que faz parte integrante da retribuição do trabalhador, mas não existem nos autos elementos que nos permitam quantificar o valor mensal do benefício económico que aquele retirava da atribuição de tal prestação.”
Sobre a diferença nas Contribuições para a Segurança Social feitas antes e depois, ficou é certo assente no item 5º dos factos provados que nos recibos de vencimento dos Autores, a Ré comunica e desconta para a Segurança Social, valores diferentes quanto à utilização do veículo automóvel sendo a importância atual:
- de € 106,65, quando era anteriormente de € 152,10, para a 1ª A.;
- de € 112,11 quando era anteriormente de € 196,33 para o 2º A.;
- de € 106,95 quando era anteriormente de € 184,97 para o 3º A.;
- de €106,95, quando era anteriormente de € 152,51 para o 4º A.;
- de € 107,36 quando era anteriormente de € 148,55 para o 5º A.;
- de € 106,95, quando era anteriormente de € 148,55 para o 6º A.;
- de € 106,95, quando era anteriormente de € 172,38 para o 7º A.;
- de € 145,49 quando era anteriormente de € 106,95 para o 8ª A.
Porém, de tais diferenças de valores não resulta, sem mais, uma medida que pôs em causa o princípio do não retrocesso salarial.
Ao que ficou já consignado sobre o valor da referida retribuição em espécie, acresce dizer que coincidindo é certo com a alteração dos veículos pela Ré, as diferenças de valores que pela respetiva utilização surgem nos recibos de vencimento dos Autores e que a Ré comunica para efeitos de descontos para a Segurança Social – alteração com a qual como ficou provado e se salientou a Ré diminuiu custos relativos aos preços de aluguer dos veículos –, desconhece-se, porém, se considerando outras componentes retributivas, aquelas diferenças implicaram, sem mais, relativamente a cada um dos Autores, uma real diminuição do montante global das Contribuições para a Segurança Social.
Em suma, perante a matéria que resultou provada, temos como relevante considerar tão só que a utilização privada das referidas viaturas constituía uma prestação em espécie que fazia parte integrante da retribuição dos Autores.
Tão pouco resulta da matéria provada que a alteração dos veículos, tenha atacado, de alguma outra forma/medida, a referida garantia de irredutibilidade.
A este respeito, concluem, ainda, os Apelantes que a alteração dos veículos os prejudica na sua mobilidade, conforto e segurança da respetiva vida profissional, quer no conforto, mobilidade e segurança na sua vida privada.
Não existem nos autos elementos, nomeadamente resultantes da matéria dada como provada, que permitam assim concluir.
Foi ponderado na sentença recorrida, sem que da nossa parte mereça reparo “(…) que tanto pelo conteúdo da factualidade acima dada como assente, quer pelo teor do regulamento junto aos autos referente à atribuição dos veículos automóveis que, ainda que a demandada permita a utilização dos veículos para uso pessoal dos seus trabalhadores, mormente os aqui demandante, o certo é que a sua concessão decorre da existência dum vínculo laboral e destina-se, antes de mais, a permitir o exercício de funções, pelos seus trabalhadores, não abrangendo quaisquer preocupações de assegurar o bem estar dos respetivos agregados familiares, no sentido de permitir que cada viatura transporte, com conforto, os membros do agregado familiar dos seus trabalhadores, não sendo feita qualquer menção à sua dimensão ou existência, pelo que o argumento exposto pelos demandantes que, os veículos de que dispõem, não servem para transportar as suas famílias, nos períodos de férias, não colhe, em nosso entender”.
Como referido no Parecer “não existem nos autos elementos, nomeadamente resultantes da matéria dada como provada, que nos permitam quantificar a alegada diminuição da retribuição dos trabalhadores”.
Resulta sim do elenco dos factos provados que a Ré atribuiu sempre viaturas aos Autores para o seu uso profissional e pessoal sendo que, em momento algum, ficaram privados do uso das mesmas.
Ficou ainda provado no item 30º que o Peugeot 208 5L, atualmente utilizado pelos aqui demandantes, obteve a classificação geral máxima, isto é, cinco estrelas, nos testes da agência European New Car Assessment Programme.
Termos em que se julga a apelação dos Autores improcedente e se confirma a decisão recorrida.
Quanto a custas, as do recurso ficam a cargo dos Recorrentes (art.º 527º do Código de Processo Civil).


***




3. Decisão:

Pelo exposto, acordam as juízas desembargadoras da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto julgar o recurso improcedente e confirmar o decidido na sentença recorrida.

Custas da apelação pelos Recorrentes.

Valor do recurso: o da ação.

Notifique e registe.














Porto, 10.07.2025

Teresa Sá Lopes
Sílvia Saraiva
Maria Luzia Carvalho