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LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário
O n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE deve ser interpretado no sentido de abranger na sua previsão todas as medidas executivas, incluindo as entregas judiciais requeridas no âmbito dos procedimentos cautelares a que alude o artigo 21.º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - Relatório
Inconformado com a decisão que determinou a suspensão do procedimento cautelar de entrega judicial, ao abrigo do disposto no art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE, veio o Requerente Banco 1..., S.A, interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da Douta Decisão que, em cumprimento do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, suspendeu o presente procedimento cautelar especificado de entrega judicial dos equipamentos e viaturas pertencentes ao Requerente.
2. O Banco 1..., S.A. intentou o presente procedimento cautelar contra a Requerida EMP01..., S.A. para a entrega judicial de vários bens móveis, objeto de 10 contratos de locação financeira mobiliário n.º 8939/10/2019, ...60/12/2020, ...11/02/2021, ...64/06/2021, ...68/06/2021, ...69/06/2021, ...97/08/2021, ...50/07/2022, ...89/02/2023 e ...52/03/2023, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2008, de 25 de Fevereiro.
3. A 8 de janeiro de 2025, a Requerida/locatária EMP01..., S.A. foi interpelada para proceder ao pagamento dos diversos débitos em dívida resultantes dos referidos contratos de locação financeira, sob pena de resolução contratual.
4. Não tendo sido regularizados os valores em dívida, em 22 de janeiro de 2025, o Requerente procedeu à resolução dos 10 (dez) contratos de locação financeira mobiliário por falta do pagamento das respetivas rendas.
5. Por cartas datadas de 22 de janeiro de 2025, a Requerida/locatária foi notificada da resolução dos contratos, bem assim como foi interpelada para proceder ao pagamento dos valores em divida em cada contrato e à imediata restituição dos bens móveis locados.
6. A Requerida/locatária não procedeu ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, nem tão pouco, procedeu à restituição dos bens móveis objeto dos contratos de locação financeira à sua legitima e exclusiva proprietária, o Requerente, o que motivou a instauração da presente providência cautelar a 6 de março de 2025.
7. A 10 de março de 2025, o Douto Tribunal a quo dispensou a audição prévia da Requerida e agendou data para a inquirição de testemunhas, a qual se realizou a 24 de março de 2025.
8. A 26 de março de 2025 foi proferida sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e, em consequência, ordenou a entrega ao Requerente dos equipamentos e viaturas identificados no ponto 2 dos Factos Provados, dando como provados os factos alegados na p.i.
9. Foi agendado o dia 14 de abril para a efetivação da diligência de entrega e solicitada a colocação dos meios legais à disposição do Tribunal com vista à sua concretização.
10. A 23 de abril de 2025, o Requerente foi notificado do mandado expedido ao serviço externo e do teor do auto de entrega, segundo o qual, a diligência de entrega foi suspensa em virtude da existência do processo especial de revitalização n.º 890/254T8GMR.
11. O Requerente foi ainda notificado do edital do despacho de nomeação de administrador judicial provisório da Requerida EMP02..., S.A., proferido em 26 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo n.º 890/25.4T8GMR, o qual corre termos no Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 3.
12. O Douto Tribunal a quo, entendendo que o presente procedimento cautelar preenche o conceito legal de “ações para cobrança de créditos” constante do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, suspendeu os presentes autos.
13. O regime jurídico do contrato de locação de locação financeira vem previsto no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, segundo o qual a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga mediante retribuição a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta e que o locador poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante aplicação dos critérios nele fixados.
14. Uma das obrigações da sociedade locatária compreende o pagamento das rendas estipuladas e acordadas no contrato de locação financeira nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a) do referido diploma legal.
15. O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/06 dispõe que qualquer uma das partes pode resolver o contrato de locação financeira com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte.
16. A locatária EMP01..., S.A. obrigou-se ao pagamento de rendas mensais (entre 48 rendas e 72 rendas consoante o contrato), conforme resulta das condições particulares dos contratos de locação financeira, bem assim como do porno 3 dos factos provados.
17. O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/06 dispõe que qualquer uma das partes pode resolver o contrato de locação financeira com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, tal como aliás resulta das condições gerais dos contratos celebrados no caso sub judice (e confirmado no ponto 5 dos factos provados).
18. Na petição inicial, foi alegado e comprovado que a Requerida não procedeu ao pagamento das rendas, tendo sido interpelada para regularizar os diversos débitos em dívida nos vários contratos por cartas de 8 de janeiro de 2025 – cfr. ponto 7 dos factos provados.
19. Por falta de regularização da situação devedora, o Requerente procedeu à resolução dos contratos de locação financeira por cartas datadas de 22 de janeiro de 2025 – cfr. ponto 9 dos factos provados.
20. Sucede que, posteriormente, a Requerida/locatária EMP01..., S.A. foi objeto do processo especial de revitalização n.º 890/25.4T8GMR, tendo sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório a 26 de fevereiro de 2025.
21. À data da nomeação do administrador judicial provisório da sociedade comercial locatária os contratos de locação financeira já se encontravam definitivamente incumpridos pela locatária, por resolução operada pelo Requerente e confirmada pelo Douto Tribunal a quo.
22. A 26 de março de 2025, foi proferida sentença que reconheceu o Requerente como proprietário dos vários equipamentos e viaturas locados, julgando procedente o procedimento cautelar e ordenando a entrega dos bens ao Requerente, a qual transitou em julgado.
23. Perante os referidos factos constantes dos presentes autos verificamos que o processo especial de revitalização é posterior à resolução dos contratos de locação financeira e que, apesar de ser anterior à sentença proferida nos autos, a mesma já transitou em julgado.
24. Na locação financeira, uma das partes cede à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado, mas os bens locados são sempre da exclusiva propriedade da locadora, ou seja, do Requerente Banco 1..., S.A.
25. No caso em apreço, estamos perante vários negócios que se mostram definitivamente incumpridos através das cartas de resolução de 22 de janeiro de 2025, tendo sido tal resolução considerada válida por decisão proferida em março de 2025.
26. O que significa que não se trata de negócios em curso relativamente aos quais se mantêm as condições contratuais acordadas, como seja a cedência temporária do gozo pela Requerida dos bens locados.
27. O processo especial de revitalização da Requerida não tem qualquer impacto processual nos presentes autos, não existindo fundamentos para a instância seja suspensa, uma vez que os equipamentos industriais e as viaturas são propriedade do Requerente Banco 1..., tendo já sido cancelado o registo da locação nas viaturas (ponto 12 dos factos provados).
28. A jurisprudência tem entendido que o procedimento cautelar de entrega judicial deve ser instaurado contra a sociedade comercial locatária – e insolvente/devedora – quando o contrato de locação financeira celebrado já tenha cessado por resolução do locador antes da declaração de insolvência da locatária (e, neste caso, antes do PER) - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Novembro de 2011 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Maio de 2007.
29. A presente providência cautelar não tem em vista a recuperação de qualquer crédito do Requerente Banco 1..., mas apenas a entrega dos equipamentos e viaturas que lhe pertencem e cuja propriedade nem sequer se discute.
30. O Processo Especial de Revitalização visa assegurar a permanência de todas aquelas empresas que, sem estarem em situação de insolvência, estão numa situação económica difícil, através de acordos celebrados com os seus credores de forma a agilizar o pagamento dos créditos.
31. No âmbito do Processo Especial de Revitalização foi introduzido um mecanismo que impede a instauração de todas as ações para cobrança de dívidas contra o devedor, e a suspensão das ações em curso, após o despacho judicial que nomeia o administrador provisório à requerida, e durante o tempo que perdurarem as negociações (n.º 1 do art.º 17º-E).
32. Pode ler-se no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a 22 de outubro de 2025, “deitando mão do disposto no art.º 9º do Cód. Civ., afigura-se-nos ir muito para além da interpretação que o texto da lei permite fazer, dentro do quadro interpretativo definido pelos n.ºs 1 e 2 deste preceito, e tendo em conta o quadro legal definido para o PER, a tese que preconiza que da expressão acções para cobrança de dívidas contra o devedor, se pode retirar que o legislador quis abranger, nessa definição, todas as acções que directa ou indirectamente possam a afectar o património ou a actividade da empresa devedora.”
33. O Processo Especial de Revitalização permite à empresa devedora, que se encontra numa situação económica difícil, por não ter liquidez ou conseguir obter crédito, renegociar as suas dívidas, com o objetivo de obter sua viabilização num período de tempo mais curto.
34. O objetivo essencial do PER, no quadro legal em vigor, é a renegociação de créditos, tendo em vista a viabilização da empresa devedora, razão pela qual se compreende a suspensão de todas as ações cujos direitos vão ser contemplados no plano de recuperação da empresa devedora e a extinção de tais ações com a homologação do plano de pagamentos.
35. Não faz sentido alargar o âmbito das ações que se integram no conceito ações para cobrança de dívidas contra o devedor, para além das que respeitam ao litígio direto sobre créditos sobre a empresa devedora, que se extinguissem ações em que são exercidos direitos que não são contemplados no plano de recuperação, mesmo que, por via direta ou indireta, a decisão judicial a proferir nesses processos pudesse afetar o património da empresa devedora.
36. As únicas ações que devem ser suspensas, são as relativas aos créditos que vão ser dirimidos e negociados no âmbito do PER, mantendo-se em curso todas as outras ações que, pese embora possam, diretamente ou indiretamente, afetar o património da empresa ou a sua atividade, por via da correspondente decisão judicial, não se reportam a créditos sobre a empresa devedora.
37.“No caso dos autos, o presente Procedimento Cautelar visa a entrega à Requerente de bens (veículos automóveis), propriedade da mesma, e que estão na posse da Requerida, por via da celebração de contratos de locação financeira celebrados entre ambas, que a Requerente resolveu, por falta de pagamento, pela Requerida, das respectivas rendas. Peticionando ainda a Requerente que o Tribunal “a quo” antecipe a decisão definitiva sobre a resolução dos contratos de locação financeira e sobre a entrega dos bens à Requerente, nos termos do n.º 7, do art.º 21º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho. Não peticionando assim qualquer crédito sobre a Requerida, mas sim e só, a entrega dos bens que alega serem sua propriedade, por via da resolução dos atinentes contratos de locação, por falta de pagamento, pela Requerida, das correspondentes rendas, pedindo ainda a antecipação da decisão final sobre essas matérias. Consequentemente, não estando perante acção para cobrança de dívida da Requerida, no âmbito do quadro que definimos para a expressão legal contemplada no n.º 1 do art.º 17º-E do CIRE acções para cobrança de dívidas contra o devedor, não existe fundamento legal para suspender a instância neste Procedimento Cautelar.” – cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora de 22 de outubro de 2025.
38. Deve a Douta Decisão ora em crise ser revogada, uma vez que, salvo melhor entendimento, não é aplicável ao caso sub judice o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.
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Foi proferida decisão sumária, nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil, que considerou que o art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE abrange no seu campo de aplicação todas as ações executivas, independentemente de se destinarem ou não à cobrança de valores pecuniários, desde que a sua prossecução e o efeito dele resultante possam interferir com o prosseguimento da atividade da empresa sujeita a PER, como é o caso da providência cautelar de entrega de bens locados e, consequentemente, julgou improcedente a apelação.
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Veio a Recorrente requerer que sobre a matéria recaia um acórdão, reproduzindo o conteúdo das alegações e conclusões do recurso interposto, reforçando que as únicas ações que devem ser suspensas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, são as relativas aos créditos que vão ser dirimidos e negociados no âmbito do PER, mantendo-se em curso todas as outras ações que, pese embora possam, diretamente ou indiretamente, afetar o património da empresa ou a sua atividade, por via da correspondente decisão judicial, não se reportam a créditos sobre a empresa devedora.
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II - Delimitação do objeto do recurso
A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, restringe-se a saber se o procedimento cautelar para entrega judicial de bem objeto de locação financeira deve ser suspenso ao abrigo do disposto no art.º 17.º-E, n.º 1, do CIRE.
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III - Fundamentação
A questão posta em recurso reconduz-se a saber se a menção a “ações executivas” para cobrança de créditos prevista no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, abrange os procedimentos cautelares para entrega judicial de bem objeto de locação financeira.
Na decisão sumária proferida considerou-se que sim, por se entender que o art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE abrange no seu campo de aplicação todas as ações executivas, independentemente de se destinarem ou não à cobrança de valores pecuniários, desde que a sua prossecução e o efeito dele resultante possam interferir com o prosseguimento da atividade da empresa sujeita a PER. E já aí se atentou no que agora a reclamante reforça, por já constar das respetivas conclusões (designadamente nas conclusões 29 e 36) afastando-se, todavia, esse entendimento de que as únicas ações que devem ser suspensas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, são as relativas aos créditos que vão ser dirimidos e negociados no âmbito do PER.
As razões que fundamentaram a decisão singular proferida, a nosso ver, mantém-se inalteradas.
Vejamos.
A questão de saber se a menção a “ações executivas” para cobrança de créditos prevista no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, abrange os procedimentos cautelares para entrega judicial de bem objeto de locação financeira, não é isenta de controvérsia.
No entanto, a nosso ver, a resposta deve ser afirmativa.
E por uma razão fundamental que se prende com a finalidade do PER e a natureza eminentemente executiva da providência em causa.
Concretizando.
O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Para o efeito, a decisão a nomear administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade - art. 17.º-E, n.º 1 do CIRE.
Visa-se garantir à empresa um período de tranquilidade negocial.
Assegura-se que o processo negocial com os credores, sob orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, seja dirigido à obtenção de um acordo para a revitalização da empresa. Este desiderato tem, naturalmente, por pressuposto ou propósito que a empresa mantenha a sua atividade económica, com manutenção das relações jurídicas e económicas com os diversos agentes, sejam trabalhadores, clientes ou fornecedores.
A finalidade da reestruturação é, pois, permitir a continuação da atividade económica por parte do devedor em dificuldades, de modo a evitar a situação de insolvência, impedindo a liquidação de empresas viáveis.
No momento atual, a suspensão tem em vista ações executivas, questão que ficou resolvida com a redação dada ao art.º 17º-E, n,º 1 do CIRE, pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro (que transpôs a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019), e que pôs fim à divergência sobre se a incidência da suspensão recaía apenas sobre as ações executivas ou abrangia também as ações declarativas.
Tendo por certo que apenas serão objeto de suspensão as ações executivas, já nos parece que nelas não estarão apenas execuções cuja finalidade seja a de cobrança de créditos, mas antes todas as ações de natureza executiva que possam interferir com o património da empresa ou com o prosseguimento da sua atividade.
Ou seja, em causa estarão todas as medidas executivas e dentro destas estão abrangidas as providências cautelares de entrega judicial de bens locados. Este procedimento cautelar assume, na fase subsequente à decisão de deferimento da pretensão, natureza executiva, pois que visa a entrega judicial de determinado bem, sendo a providência requerida a realização coativa da respetiva restituição findo o contrato de locação financeira, daí que a sua finalidade acabe por se reconduzir à entrega de coisa certa.
A este propósito refere-se no acórdão da Relação de Évora de 16-03-2023[i], no que é seguido pelo acórdão da Relação de Lisboa de 19-12-2024[ii], que “sendo o PER um instrumento de revitalização de empresas, não podia o legislador nacional desconhecer que os contratos de locação financeira constituem meio privilegiado de acesso aos bens e equipamentos necessários à atividade empresarial. Deste modo, permitir que, na pendência do processo de revitalização, ainda que em virtude de resolução feita operar anteriormente por falta de pagamento de rendas vencidas, o locador obtenha a entrega judicial dos bens locados – muitas vezes o imóvel onde funciona a unidade empresarial, as máquinas da linha de produção ou os equipamentos do estabelecimento ou ainda, como no caso vertente, os veículos sem os quais a requerida, empresa dedicada ao transporte rodoviário de mercadorias, não poderá continuar a sua actividade – será inviabilizar desde logo qualquer possibilidade de recuperação da devedora, o que contraria de forma clara os fins tidos em vista com este instrumento, reforçados na Directiva transposta”.
Com efeito, sendo a finalidade do PER a recuperação da empresa, com ela não se coadunaria uma interpretação que admitisse que um procedimento cautelar desta natureza não fosse abrangido pelo regime do art.º 17º-E, n.º 1.
As razões pelas quais as ações de cobrança de dívida se deverão suspender, perante a propositura dos processos especiais de revitalização, estão igualmente presentes perante um procedimento cautelar de entrega judicial de bens locados que incorpora um julgamento definitivo da causa, ao abrigo do disposto no art.º 21.º do Decreto- Lei n.º 149/05 de 24 de Junho[iii].
A acrescer, importa salientar que a fixação de um prazo máximo de quatro meses de suspensão, visando equilibrar os direitos dos credores com a finalidade do procedimento de revitalização, reforça a interpretação no sentido de o n.º 1 do artigo 17.º-E abranger na sua previsão todas as medidas executivas.
Mesmo que assim se não entenda, este procedimento cautelar funda-se na falta de pagamento de rendas. O seu pedido consiste não só na confirmação das consequências que a Requerente retirou da falta de pagamento das quantias pecuniárias (a extinção do contrato) como também a execução do crédito inerente à invocada obrigação de devolução do bem (prevista no art. 10.º, n.º 1, al k) do Dl 149/95).
Acresce que quando foi deduzido o procedimento cautelar fundado na falta de pagamento das rendas já havia sido nomeado o administrador provisório.
Assim, mesmo que se entenda que as medidas executivas abrangidas pelo artigo 17.º- e do CIRE são apenas as que visam a cobrança de créditos, há que considerar que não os limita aos créditos pecuniários (a lei deixou de falar em dívidas). Assim, também este crédito de entrega de bem móvel é abrangido pela suspensão quando objeto de medida executória.
Em face do que se deixa exposto, impõe-se reconhecer que o art.º 17º-E, n.º 1 do CIRE abrange no seu campo de aplicação todas as ações executivas, independentemente de se destinarem ou não à cobrança de valores pecuniários, desde que a sua prossecução e o efeito dele resultante possam interferir com o prosseguimento da atividade da empresa sujeita a PER.
Tal é o que ocorre com a providência cautelar de entrega de bens locados.
Consequentemente, improcede a presente apelação, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
[i] Proferido no processo n.º 382/22.3T8ETZ.E1, disponível em www.dgsi.pt. [ii] Proferido no processo 9354/24.2T8SNT.L1-7, e disponível em www.dgsi.pt. [iii] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/01/2015, proferido no processo nº 197/14.2TNLSB.L1-6 e disponível em www.dgsi.pt.