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CONTRATO DE MEDIAÇÃO
EXCLUSIVIDADE
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Sumário
.1- No contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel ou com o arrendatário trespassante, se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, esta tem direito à remuneração. .2- Incide sobre a mediadora o ónus da prova de que a não realização do contrato angariado pelo mediador é imputável ao cliente. .3- A determinação das causas da não celebração do contrato requer uma análise cuidadosa das circunstâncias específicas do caso. .4- Se existirem diversas causas, será necessário avaliar se o comportamento do comitente foi suficientemente relevante e se lhe era exigível que celebrasse o contrato, a ponto de justificar a remuneração da mediadora.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
A Autora pediu que fosse proferida sentença que condenasse todos os réus a pagar-lhe:
a) a quantia de 46 125,00 € (quarenta e seis mil cento e vinte e cinco euros), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 28 de dezembro de 2022 até ao efetivo e integral pagamento;
b) a quantia de 4.000,00 € (quatro mil euros), acrescida de juros à taxa legal de 4% a contar da data em que a sentença for proferida até ao efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que se dedica à atividade de mediação e angariação imobiliária e celebrou com os Réus um contrato de mediação imobiliária. Neste contrato obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra do imóvel que descreve, pelo preço de 800 000,00 €, em regime de exclusividade. A Autora angariou um comprador que celebrou com os Réus um contrato promessa de compra e venda, o qual ficou sujeito a uma condição resolutiva relacionada com a aprovação do projeto de arquitetura no prazo de seis meses. Obtida tal aprovação, em vez de enviarem a carta à promitente compradora para agendar a escritura, os Réus resolveram o contrato por terem decorrido os seis meses previstos na condição resolutiva, pelo que devem à Autora a remuneração devida pelo serviço de angariação do comprador.
Os Réus contestaram, invocando, em suma, que a cláusula de resolução do contrato foi estabelecida a favor de ambas as partes e que a sua previsão se verificou, pelo que a não celebração do contrato definitivo não lhes é imputável.
Após julgamento, foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou os Réus a pagarem à Autora a quantia de 46.125,00 € acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde 8 de março de 2023 até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado. Mais os condenou no pagamento das custas do processo na proporção do respetivo decaimento.
É desta decisão que a Apelante interpôs recurso, com as seguintes conclusões:
“1. Foram considerados como provados factos que, ao contrário da Meretíssima Juiz a quo, os recorrentes consideram deveriam ter sido considerados como não provados atenta a produção de prova feita em audiência de julgamento e que, se assim acontecesse, outro destino mais justo teria a decisão proferida. 2. Considerou a sentença de que Os Réus contrataram a Autora em regime de exclusividade, lendo-se no n.º 2 da cláusula 4 do contrato que só a mediadora contratada tinha o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência. 3. Os Réus obrigaram-se a pagar à Autora a título de remuneração a quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA, à taxa legal de 23%. 4. Autora e Réus acordaram que a remuneração seria paga aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado. 5. A decisão de que se recorre violou a apreciação dos meios de prova, nomeadamente o depoimento da testemunha AA 6. Ainda no que tange com as razões de direito a decisão violou o disposto no artigo 19.º da Lei n.º 15/20131 de 8 de Fevereiro, porquanto o contrato de mediação imobiliária não tinha atingido o estado de perfeição, não bastando a apresentação da proposta, pois face às vicissitudes do caso vertente, impunha-se à requerente a realização de diligências, o que esta não fez, crendo ter cumprido com a sua obrigação. 7. De acordo com o acórdão do processo n.º 18667/22.7YIPRT.P1 - JTRPOOO datado de 25-01-2024 diz o seguinte: 1/ I - Por a consequência do regime da exclusividade do contrato de mediação imobiliária, ao nível da remuneração, se encontrar fixada em norma legal imperativa, a comunicação e explicação do sentido dessa exclusividade ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais deve considerar-se dispensada, inútil ou inócua na medida em que a ignorância da lei não aproveita a ninguém (artigo 6.º do Código Civil). 8. O artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, estabelece quando e em que condições é devida a remuneração ao mediador imobiliário. O n.º 1 consagra o principio geral de que a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, devida logo que tal celebração ocorra. Em princípio, portanto, se o negócio visado pela mediação não tiver sido concluído e de forma válida a remuneração não é devida. O n.º 2 estabelece uma excepção a essa regra, isto é, casos em que a remuneração é devida mesmo que aquele negócio não tenha sido concluído e de forma válida. Tais casos são aqueles em que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e o negócio por ele visado não se concretize por causa imputável ao cliente que contratou a mediação. Esta excepção pressupõe, pois, a reunião de três circunstâncias cumulativas: o regime de exclusividade do contrato de mediação, a não concretização do negócio por motivos imputáveis ao cliente, o cliente ser o proprietário ou o arrendatário trespassante. 9. Como afirma Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de direito comercial www.revistadedireitocomercial.com. pág. 1415, «a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração ( . ). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.2 2 do art. 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente ( . ). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado).» 10.Também segundo Fernando Baptista Oliveira, in Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudo Judiciários, 2016, Disponível na internet: <URL: s http://www.cej.mj.pt/ce j/ recu rsos/ eboo ks/ civi 1/ e b_ Direito _ dos_ Contratos_ O_Contrato _de _ Mediacao _Imobiliaria. pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5, pág. 50, assinala que a regra segundo a qual se o negócio não se concretizar não há lugar ao pagamento da remuneração ao mediador, vale «também para a situação em que o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade ( .. ): exige-se, também aqui, a conclusão e perfeição do negócio, a não ser que (caso, portanto, em que a remuneração é devida sem a concretização do negócio .. ) o mesmo se "não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel" (n.º 2, fine)».
NESTES TERMOS, e nos mais de direito que Vossas Excelências douta mente suprirão, deverá ser revogada a decisão de proferida, considerando procedente o recurso ora interposto fazendo se a costumada JUSTiÇA!”
A Autora respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
[…] II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635.º n.º 4, 639.º n.º 1, 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou tornaram-se relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. — artigo 665.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Assim, face ás conclusão do recurso, confrontadas com o teor da resposta, importa analisar as seguintes questões:
1 --- extemporaneidade do recurso por haver que rejeitar a impugnação da matéria de facto
2 --- da rejeição da impugnação da matéria de facto
3 --- se é devido o pagamento da remuneração à Autora, por ser de imputar aos Réus falta de celebração do contrato definitivo.
II. Fundamentação de Facto
Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença e os modificados na sequência da análise efetuada infra (com a devida indicação):
Factos provados:
A) A Autora, EMP01..., Lda, dedica-se, para além do mais, à atividade de mediação e angariação imobiliária, dispondo para o efeito da licença ...69 emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, IP.
B) No exercício da sua atividade, a Autora foi contactada pelos Réus no sentido de angariar interessados para a compra do seguinte prédio: prédio urbano em propriedade total, com andares suscetíveis de utilização independente, constituído por casa de habitação, que se destina a três inquilinos e se compõe de rés-do-chão, com sete divisões e um andar com doze divisões, sito na Rua ..., da união de freguesias ... (..., ... e ...), concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...27 e omisso na CRP”.
C) Tal prédio pertence à herança de BB e de CC, falecidos, respetivamente, em ../../1986 e ../../2012, progenitores dos Réus, e de quem estes, são únicos e universais herdeiros.
D) No seguimento de contactos e negociações estabelecidas, a Autora e Réus celebraram no dia 3 de junho de 2020, um contrato denominado de “mediação imobiliária”, através do qual a Autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessados na compra do imóvel, pelo preço de 800.000,00€.
E) Os Réus contrataram a Autora em regime de exclusividade, lendo-se no n.º 2 da cláusula 4 do contrato que só a mediadora contratada tinha o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência.
F) Os Réus obrigaram-se a pagar à Autora a título de remuneração a quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA, à taxa legal de 23%.
G) Autora e Réus acordaram que a remuneração seria paga aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.
H) Mais acordaram que o contrato tinha uma validade de seis meses contados a partir da data da sua celebração (03/06/2020), renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contraentes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência de 10 dias em relação ao seu termo.
I) Na sequência de tal contrato a Autora promoveu a venda do referido imóvel, publicitando as suas características, nomeadamente através da colocação de uma lona de grandes dimensões no próprio imóvel e através de partilha constante na internet.
J) Sendo que, na sequência de tal publicidade, em inícios de 2021, a Autora foi contactada pela sociedade EMP02..., Lda, com sede em ..., e o NIPC ...70, que se mostrou extremamente interessada na compra do imóvel em apreço e a quem promoveu a visita ao imóvel.
K) Após negociações intermediadas pela Autora, entre os Réus e a referida sociedade EMP02..., Lda, os Réus aceitaram reduzir o valor inicial de venda de 800.000,00€ para 750.000,00€.
L) No dia 09/06/2021, os Réus e a referida sociedade EMP02..., Lda, celebraram um contrato-promessa de compra e venda (adiante designado por “contrato promessa de compra e venda”), onde foram plasmados os termos e condições acordados em tais negociações, intermediadas pela Autora.
M) Nos termos de tal contrato promessa de compra e venda, os Réus obrigaram-se a vender à referida sociedade EMP02..., Lda, que por sua vez se obrigou a comprar, o prédio urbano devoluto de pessoas e de bens, e livre de quaisquer ónus ou encargos.
N) Pelo preço de 750.000,00€.
O) Nesse mesmo dia, a referida sociedade EMP02..., Lda, entregou aos Réus um cheque bancário, no valor de 50.000,00€, sacado sobre a Banco 1..., com o n.º ...24, a título de sinal e princípio de pagamento.
P) Cheque esse que seria descontado pelos Réus dois dias após aprovação pela Câmara Municipal ... do pedido de informação prévia, com o projecto de arquitectura de ampliação do prédio quando fosse aprovado.
Q) O remanescente do preço, no montante de 700.000,00€ seria pago na data da celebração da escritura de compra e venda prometida.
R) As partes fizeram ainda constar do contrato que “O presente contrato promessa está sujeito à condição resolutiva da não aprovação pela Câmara Municipal ... do projeto de arquitetura para ampliação do edifício em número de pisos, nomeadamente com a inclusão de um segundo piso e aproveitamento das Águas furtadas ou piso recuado, passando o edifício a ser composto por rés-da-chão, 1.º piso, 2.º piso e águas furtadas ou recuado, no prazo de seis meses a contar da data da celebração do presente contrato, que o PROMITENTE COMPRADOR submeterá, em seu nome, à apreciação da Câmara Municipal ....” (redação dada infra, alterando a anterior, onde se lia: “Tal contrato promessa de compra e venda ficou sujeito à condição resolutiva da não aprovação pela Câmara Municipal ... do pedido de informação prévia, com o projecto de arquitectura, para ampliação do prédio em apreço em número de pisos, nomeadamente com a inclusão de um segundo piso e aproveitamento de águas furtadas ou piso recuado, a ocorrer no prazo de seis meses a contar da data da celebração do mencionado contrato.”)
S) O que, a verificar-se, importaria a devolução do cheque entregue pela Autora a título de sinal no prazo de 15 dias a contar da notificação a que esse respeito fosse efetuada pelos promitente-compradora, considerando-se automaticamente resolvido o contrato.
T) As partes acordaram que a “outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel ou do documento particular com força equivalente, terá lugar no prazo de 60 (sessenta) dias após a aprovação do projeto de arquitetura pela Câmara Municipal ... referido na cláusula anterior ou da desocupação definitiva da fração correspondente aos rés-da-chão direito pela sua atual ocupante DD, conforme o que ocorra em último lugar” (redação dada infra, alterando a anterior, onde se lia: “Os Réus e a referida sociedade EMP02..., Lda, obrigaram-se a celebrar a escritura de compra e venda prometida no prazo de 60 dias após aprovação do pedido de informação prévia com o projecto de arquitectura pela Câmara Municipal ... ou da desocupação definitiva da fracção corresponde ao rés do-chão direito, que se encontrava dada de arrendamento.)
U) Em dia, hora e local a indicar pelos promitentes vendedores, ora Réus, através de carta registada com aviso de receção, expedida com pelo menos 30 dias de antecedência em relação à data designada.
V) Em caso de incumprimento do referido contrato promessa de compra e venda, verificando-se as suas condições para a sua plena eficácia, isto é, tendo havido aprovação pela Câmara Municipal ... do projeto de arquitetura supra referido, as partes acordaram que seguiria o previsto para tal tipo de contrato no Código Civil.
W) Em tal contrato promessa de compra e venda ficou ainda declarado de forma expressa que no mesmo houve intervenção de mediadora imobiliária, a ora Autora.
X) Na sequência da celebração de tal contrato promessa de compra e venda, os Réus adjudicaram o projeto de arquitetura à sociedade EMP03..., Lda, que se dedica para além do mais à elaboração de projetos de arquitetura e engenharia, da qual o gerente e sócio da Autora, EE, é também gerente e sócio.
Y) Em 05/07/2021, o referido EE, na qualidade de arquiteto, requereu junto da Câmara Municipal ..., pedido de informação vinculativo quanto às intenções de reconstrução do prédio nos termos previsto no contrato promessa de compra e venda.
Z) Por despacho datado de 16/11/2022, foi emitida decisão favorável de ampliação do prédio, nos termos previsto no contrato promessa de compra e venda.
AA) Os Réus acompanharam sempre a evolução do pedido de informação prévia com o projeto de arquitetura, desde a sua entrada na Câmara Municipal ... até ao referido despacho final, nomeadamente por intermédio do seu mandatário, Dr. FF, e ainda através da disponibilização de documentação à instrução do processo e assinatura de documentação.
BB) Em 28 de dezembro de 2022 (quarta-feira), a Autora é contactada pela sociedade EMP02..., Lda. a dar nota que havia recebido um email dos Réus nesse dia, a declarar resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado, com o fundamento de que havia sido ultrapassado o prazo de seis meses após a sua celebração, para que eles próprios (Réus) conseguissem obter a aprovação do projeto de arquitetura.
CC) Após o referido decurso do prazo de 6 meses, os Réus e a referida sociedade EMP02..., Lda. haviam-se reunido, na presença da Autora e do seu mandatário, Dr. FF, para verificar se esta última mantinha a sua vontade na manutenção em vigor do contrato promessa de compra e venda, vontade essa que a mesma reiterou manter.
DD) Em inícios de janeiro de 2023, a sociedade EMP02..., Lda., voltou a contactar a Autora a dar nota que havia instaurado uma ação de execução específica do contrato promessa de compra e venda contra os Réus, logo no dia 2 de janeiro de 2023 (segunda-feira).
EE) Em meados de janeiro de 2023, a Autora é contactada pela sociedade EMP02..., Lda a dar nota que havia descoberto através do registo que, no dia 29 de dezembro de 2022, ou seja, no dia seguinte ao envio do referido email, os Réus, por contrato de compra e venda com termo de autenticação, venderam o imóvel a uma sociedade denominada EMP04..., Lda, pelo preço de 700.000,00€.
FF) A Autora tentou contactar os Réus, quer telefonicamente, que por carta registada com aviso de receção, que receberam, esta última datada de 7 de Março de 2023, primeiro para obter uma explicação sobre o sucedido e posteriormente para reclamar a sua remuneração, mas nunca obteve uma resposta por parte daqueles.
GG) Por cartas registadas datadas de 7 de Março de 2023, endereçadas e remetidas aos Réus, que as receberam, a Autora interpelou-os para proceder ao pagamento da remuneração devida pelo serviço de angariação do comprador para o imóvel, mais concretamente, o montante de 46.125,00€.
HH) A Autora gastou, como gasta, tempo na resolução deste problema criado pelos Réus, mormente, através da recolha de documentação e informação sobre testemunhas.
II) Teve de contratar advogado para propor esta ação, pagar honorários e despesas.
Factos Não Provados
1- O referido prazo de seis meses havia sido fixado em favor da sociedade EMP02..., Lda., e não dos Réus, pois era aquela entidade que poderia perder interesse no investimento, se o mesmo não fosse efetuado nos seis meses seguintes.
2- O referido prazo de seis meses só havia sido ultrapassado, por facto imputável a terceiro, mais concretamente, à Câmara Municipal ..., em consequência da acumulação de trabalho decorrente dos constrangimentos que causou a pandemia por Covid 19.
3- O tempo gasto pela Autora podia ter sido dedicado aos seus negócios, gerando lucro.
4- Os Réus enviaram à Autora carta registada com aviso de receção, no dia 28 de dezembro de 2022, comunicando a intenção de denunciarem o contrato de mediação imobiliária.
IV. Fundamentação de Direito
1 --- Da extemporaneidade do recurso por haver que rejeitar a impugnação da matéria de facto
O Recorrido entende que o recurso é intempestivo, porquanto não se pode aplicar o prazo adicional de dez dias previsto para os casos em que o recurso tem por objeto a prova gravada (artigo 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil), porquanto a Recorrente limita-se a afirmar, de forma genérica, que certos factos foram incorretamente julgados, sem indicar quais, nem fundamentar essa discordância em depoimentos gravados.
No entanto, não se lhe consegue dar razão, visto que seguimos a posição que sobre esta questão entendemos ser também agora a maioritária após ampla discussão e que vem magistralmente resumida no sumário do acórdão proferido em 12-07-2023, no processo 1274/18.6T8LMG.C1, pelo Tribunal da Relação de Coimbra: “I – A extensão do prazo para interposição do recurso a que se refere o artigo 638.º n.º 7 do CPC depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação. II – Desde logo por razões de literalidade da norma, visto que o preceito apenas aponta para “a reapreciação da prova gravada” como objeto do recurso (de âmbito mais restrito do que o da impugnação da decisão da matéria de facto). III – Depois, pela inserção da norma no âmbito da admissibilidade dos recursos, em momento prévio e independente à apreciação do conteúdo ou teor da impugnação e da observância, ou falta de cumprimento, dos ónus de impugnação a que se reporta o artigo 640.º do CPC, matéria que apenas compete ao tribunal superior.”
É certo que existe acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu em sentido contrário, chamando à colação anteriores acórdão do mesmo Tribunal e o expresso por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 118): “o recorrente apenas poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados (…). Caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art. 638.º, n.º 1. Se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal sem ser inserida no seu objeto a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela prova verificar-se-á uma situação de extemporaneidade determinante da sua rejeição”. A favor dessa posição salienta que o que está em causa é a idoneidade da atividade processual da Recorrente em ordem a caracterizar uma situação de impugnação dos factos à luz da prova gravada.
Embora esta posição seja inegavelmente a mais exigente em termos de substância e racionalidade, as razões de segurança e confiança no sistema, face à gravidade da rejeição de um recurso e às fluidas fronteiras entre o cumprimento suficiente ou insuficiente dos ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, levam-nos a separar a admissibilidade da impugnação da matéria de facto da sua eficácia na determinação do prazo.
O pedido de alteração da matéria de facto, fundamentado em declarações gravadas, garante automaticamente a prorrogação do prazo, independentemente da sua inviabilidade, mesmo que manifesta. Formalmente encontra-se preenchida a norma que prevê o alargamento do prazo, sendo questão diferente dessa a viabilidade da impugnação.
Embora as conclusões do recurso não indiquem a matéria de facto impugnada, e as alegações a identifiquem apenas vagamente, em relação a uma alínea da matéria de facto provada, não se verificando o cumprimento integral dos ónus do artigo 640.º do Código de Processo Civil, a tempestividade do recurso não é afetada, porque a intenção de impugnar a matéria de facto provada foi claramente expressa, com referência (ainda que de passagem) a declarações gravadas.
Termos me que se entende que o recurso é tempestivo.
2 --- Da rejeição da impugnação da matéria de facto
A — Dos ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
O artigo 640.º do Código de Processo Civil impõe requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em diversa valoração da prova, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.
Assim, impõe esta norma ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) concretizar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo, ou gravação nele realizada, que impunham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. (A exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere o n.º 2, alínea a), deste artigo, tem sido considerado um ónus secundário, por instrumental, não obstante a expressa letra da norma).
c) indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O novo regime não admite recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o Recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que considera provado.
Essa exigência de precisão visa impedir recursos genéricos contra a decisão de facto, limitando a revisão apenas às questões de facto controvertidas onde o recorrente expressa e fundamenta suas divergências. (cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, p.153.)
Por estes motivos, o recorrente, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminada e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o n.º 2 deste preceito: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
É comum verificar-se a tendência, nas alegações, no discorrer da pena, de misturar a impugnação do facto e do direito, trazendo opiniões sobre o que foi dado como provado, afirmando ter opinião diversa, mas conformando-se ainda assim com tal parte da decisão tomada. Desta forma, impõe-se que nas conclusões o Recorrente indique concretamente quais os pontos da matéria de facto que impugna, para poder-se, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação fundamentada quanto à alteração da matéria de facto.
O que se pretende, com a exigência ao recorrente de assinalar "com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso", é onerá-lo com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância. Da mesma forma, permite-se ao tribunal que verifique diretamente, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontadas pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Tem sido também opinião praticamente pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito. A tal convite se opõe, por um lado, a intenção da lei em não permitir impugnações vagas, sem bases consistentes, genéricas e injustificadas da decisão da matéria de facto, sendo aqui mais exigente no princípio da autorresponsabilização das partes. Veja-se que essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando ao recurso se funda também na impugnação da matéria de facto. Por outro lado, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640.º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639.º do Código de Processo Civil.
O Tribunal da Relação apreciará essencialmente as questões levantadas pelo Recorrente, sendo, por isso, do interesse deste o cumprimento com rigor dos ónus expressos no normativo que se discute, por conduzir a um maior aprofundamento da análise que pretende que seja efetuada num sentido divergente ao obtido na sentença. Essa critica será mais sustentada se contiver a especificação dos factos, a concatenação de cada facto com a prova produzida, e os raciocínios críticos aos lavrados na sentença. Com efeito, a maioria das vezes, haverá alguma proporção entre a profundidade com que a parte apresenta as suas questões sobre a fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido e o calibre e a densidade que toma a apreciação das questões suscitadas.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, de 17 de outubro 2023, apresenta a seguinte síntese: “: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, procurando “a interpretação que se configure mais adequada no atendimento do estado atual do nosso ordenamento jurídico”, “num crescendo da preocupação da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, ainda que algumas tenham resultado das inovações técnicas ocorridas, sem contudo deixar de manter a exigência, no que à impugnação da decisão da matéria respeita do cumprimento dos ónus enunciados”. Mais se afirma:
“Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. [salientando embora que a mesma não precisa de ser indicada pela respetiva numeração.] Quando aos dois outros itens [leia-se alíneas b) e c) do n.º do artigo 640.º do Código de Processo Civil], caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso”.
Assim, na posição deste acórdão uniformizador tais ónus têm que ser cumpridos pelo menos nas alegações, mas podem não ser vertidos para as conclusões, com exceção da identificação dos concretos pontos facto que o Recorrente considera incorretamente julgados, que ali devem necessariamente de constar, sob pena de rejeição do recurso nessa parte.
Entende-se que as razões que legitimariam posição diferente, aliás retratadas nos votos de vencido, não justificam postergar os interesses na segurança e certeza do direito trazida pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência. Assim, há que verificar, para admitir o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, se:
.1-consta das conclusões a indicação dos concretos pontos que o Recorrente considera incorretamente julgados?
.2- constam das alegações os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo, ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida?
.3-vem especificada nas alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas?
B — concretização
Nas alegações do recurso, o Apelante concretiza que discorda do teor do facto provado vertido na alínea T), indicando que havia uma discrepância com o teor do contrato promessa, mas não refere de forma expressa o que entende que deveria ficar provado.
Por outro lado, transcreve o que identifica como extratos das suas declarações em audiência final, com indicação de minutos, mas sem explicitar quais os factos que pretende ver alterados ou considerados provados.
É, de qualquer forma, evidente que nas conclusões de recurso o Recorrente não explicou quais os pontos da matéria de facto provada que pretendia que fossem alterados. Visto que é nas conclusões que o Recorrente deve indicar o objeto do recurso, esta omissão afasta totalmente do seu âmbito a impugnação da seleção dos factos efetuada na sentença.
Porque o Recorrente não cumpriu nenhum dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, rejeita-se a impugnação da matéria de facto provada.
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3--- Da contradição entre os factos provados e documentos que fazem prova plena das declarações (artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil)
Existem, no entanto, casos em que a Relação tem que apreciar oficiosamente a matéria de facto. Tal ocorre sempre que a consideração de um facto provado ou a sua desconsideração viola regra de direito material probatório imperativas, nomeadamente, como exemplifica Henrique Antunes in “Recurso de Apelação e Controlo da Decisão da Questão de Facto”, quando tenha sido violada a exigência de certa prova, como sucederá no caso de julgar provado um facto com base num meio de prova diverso daquele que a lei exige, ou violado uma proibição de produção ou de valoração de prova.
Ora, compulsados os autos verifica-se que ficou a constar da matéria de facto provada matéria contrariada pelos documentos particulares aceites pelas partes:
- na alínea R) escreveu-se que o contrato promessa compra e venda “ficou sujeito à condição resolutiva da não aprovação pela Câmara Municipal ... do pedido de informação prévia, com o projeto de arquitetura, para ampliação do prédio em apreço em número de pisos, nomeadamente com a inclusão de um segundo piso e aproveitamento de águas furtadas ou piso recuado, a ocorrer no prazo de seis meses a contar da data da celebração do mencionado contrato”
quando o contrato junto aos autos, aceite por ambas as partes, contém a seguinte cláusula: “"CLÁUSULA QUARTA (Condições Resolutivas) 1. O presente contrato promessa está sujeito à condição resolutiva da não aprovação pela Câmara Municipal ... do projeto de arquitetura para ampliação do edifício em número de pisos, nomeadamente com a inclusão de um segundo piso e aproveitamento das Águas furtadas ou piso recuado, passando o edifício a ser composto por rés-da-chão, 1.º piso, 2.º piso e águas furtadas ou recuado, no prazo de seis meses a contar da data da celebração do presente contrato, que o PROMITENTE COMPRADOR submeterá, em seu nome, à apreciação da Câmara Municipal ...."
Assim, há que, mesmo oficiosamente, alterar este ponto da matéria de facto provada, fazendo-o corresponder ao teor do documento a que se refere, visto que o recurso foca esta questão.
Com efeito, desta forma é possível concluir diretamente que a solução encontrada para o litígio se baseia nos dizeres efetivos do contrato dos autos (e não num mero lapso).
O mesmo ocorre com a alínea T) da matéria de facto provada, o que foi aflorado pelo Recorrente: no contrato lê-se que “A outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel ou do documento particular com força equivalente, terá lugar no prazo de 60 (sessenta) dias após a aprovação do projeto de arquitetura pela Câmara Municipal ... referido na cláusula anterior ou da desocupação definitiva da fração correspondente aos rés-da-chão direito pela sua atual ocupante DD, conforme o que ocorra em último lugar, em dia, hora e local a indicar pelos PROMITENTES VENDEDORES ao PROMITENTE COM PRADOR, através de carta registada com aviso de receção, expedida com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência em relação à data designada”.
O teor deste contrato foi aceite por ambas as partes, pelo que se não pode afirmar como provado, sem violar normas de direito probatório material – o artigo 376.º, n.º 1 do Código Civil que “Os Réus e a referida sociedade EMP02..., Lda, obrigaram-se a celebrar a escritura de compra e venda prometida no prazo de 60 dias após aprovação do pedido de informação prévia com o projeto de arquitetura pela Câmara Municipal ... ou da desocupação definitiva da fração corresponde ao rés do-chão direito, que se encontrava dada de arrendamento.” É que aprovação do pedido de informação prévia e aprovação do projeto de arquitetura não são sinónimos.
Assim também aqui há que alterar a matéria de facto provada, em observância à força probatória dos documentos particulares cuja assinatura se mostra não impugnada e face ao acordo das parte expresso nos articulados, o que já foi aditado no competente capítulo.
4--- Da aplicação do Direito aos factos apurados
Os recorrentes argumentam que, embora não tenham rescindido formalmente o contrato de mediação, este se extinguiu com a resolução do contrato promessa. A não concretização do negócio não é imputável à autora, mas sim à promitente compradora, que incumpriu o prazo acordado.
A — Dos aspetos do regime do contrato de mediação imobiliária relevantes para a apreciação deste caso
O contrato de mediação imobiliária é aquele pelo qual uma empresa que se dedica a essa atividade (a mediadora) procura, mediante retribuição, para os seus clientes (os comitentes), interessados na celebração de negócios imobiliários. Estes negócios compreendem: a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a sua permuta ou arrendamento, ou ainda o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis. Cf. Higina Orvalho Castelo, in ”Contrato de mediação imobiliária”, VERBO jurídico, p. 2.
A sua regulamentação encontra-se atualmente na Lei n.º 15/2013, de 2 de fevereiro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 117/2017, de 23 de agosto.
Discute-se se o mediador está adstrito a uma obrigação de meios ou de resultado. Mesmo sem cláusula de exclusividade, questiona-se a existência de uma efetiva obrigação de procura de interessados.
Existem dois tipos de cláusula de exclusividade: a simples, em que o comitente apenas se obriga a não procurar outros mediadores, diretamente prevista no regime legal; e a reforçada, em que se obriga também a não promover o negócio por meios próprios, dependente de cláusula especificamente acordada entre as partes.
Por outro lado, as condições de remuneração devem constar obrigatoriamente do contrato, sob pena de nulidade. O artigo 16.º, n.º 2, alínea c), desta Lei exige que neste sejam especificadas as condições de remuneração da mediadora (fixas ou percentuais), a forma de pagamento e a taxa de IVA aplicável.
O artigo 19.º, n.º 1 e 2, deste diploma, contém as regras essenciais sobre a remuneração da mediadora. Resumidamente:
Se foi escolhido o regime da não exclusividade, a remuneração só é devida se o negócio se concretizar (ou, se no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa na fase do contrato promessa, caso se este seja celebrado)
Caso tenha sido acordada uma cláusula de exclusividade (simples, sem qualquer menção especial), a remuneração é devida não só quando o negócio se realiza, mas também quando não se concretiza por causa imputável ao comitente, desde que o mediador tenha contribuído para a sua realização.
Conforme referido anteriormente, uma vez fora do regime legal supletivo, entende-se que as partes podem estipular de forma expressa um regime de exclusividade mais forte, impedindo o comitente e quaisquer outras pessoas de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária enquanto este vigorar. Se assim estiver acordado no contrato, o comitente terá que pagar uma remuneração à mediadora mesmo que o interessado com quem celebra o negócio tiver sido encontrado por si próprio.
No regime geral, sem qualquer cláusula de exclusividade, o comitente mantém intacta a sua liberdade de contratar e por isso não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao comitente, não nasce o direito à remuneração.
B — Da exceção prevista no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013
Esta regra, que condiciona o pagamento ao resultado, apresenta exceções, como a que resulta do n.º 2 do artigo 19.º deste diploma, o qual determina que “no contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel ou com o arrendatário trespassante, se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, esta tem direito à remuneração.” Higina Orvalho Castelo, Obra cit, pag 12.
Para que o pagamento seja exigível mesmo que se não concretize o contrato visado, têm que ocorrer os seguintes pressupostos, como decorre da letra deste preceito:
1. que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel;
2. que tenha sido acordado o regime de exclusividade;
3. que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente (e logo, pelo menos, que a mediadora tenha angariado interessado determinado a concluir o negócio, e em condições de o fazer).
Neste caso, discute-se se a não concretização do negócio teve causa não imputável ao cliente.
Esta norma não visa transferir o risco do negócio de mediação para o comitente ou solicitante (o cliente da mediadora), mas sim protegê-la contra comportamentos que violem o contrato, mantendo a obrigação de pagamento da remuneração nos casos em que o comitente podia (e devia) ter celebrado o contrato definitivo, mas não o fez.
Assim, entendemos que, também neste caso, se exige a culpa do comitente devedor, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, para que se verifique o dever de remunerar, apesar da não celebração do contrato definitivo.
Esta culpa é apurada considerando que o comitente, no regime de exclusividade, perdeu a possibilidade de, sem pagar a devida remuneração, se arrepender de celebrar o contrato objeto mediato do contrato de mediação, enquanto este vigorar.
Assim, se o contrato visado se poderia realizar, mas não se concretizou devido a ato ou facto dependente da vontade do comitente, na vigência do contrato de mediação em regime de exclusividade, constitui-se a obrigação de pagar a remuneração. (Cf. acórdãos 65022/19.2YIPRT.G1, de 14 de janeiro de 2021, com vasta jurisprudência nesse sentido).
A obrigação de pagar a remuneração pressupõe que a mediadora tenha cumprido a obrigação de encontrar um interessado para o negócio tal como foi visado e que a não celebração do contrato pretendido dependeu de ato ou facto subordinado à vontade do comitente.
A norma em causa não exige que a imputação da não celebração do contrato seja exclusiva do cliente; importante é que esteja dependente da sua vontade.
Quanto aos ónus da prova: quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos, nos termos do artigo 342º do Código Civil:
A saber:
- a celebração de um contrato de mediação pela forma devida;
- que o cliente detinha a qualidade de o proprietário ou arrendatário trespassante do imóvel, aquando da celebração do contrato de mediação;
- que foi acordado o regime de exclusividade;
- que a não concretização do negócio foi imputável ao cliente.
(A classificação destes factos como factos constitutivos advém da forma como esta norma vem desenhada, seguindo-se a denominada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas. Em latos termos, entende-se que cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável e que há que atender à forma como foram desenhadas as normas, como regra ou exceção)
Em conclusão: incide sobre o mediador o ónus da prova de que a não realização do contrato angariado pelo mediador é imputável ao cliente.
A determinação das causas da não celebração do contrato requer uma análise cuidadosa das circunstâncias específicas do caso. Se existirem diversas causas, será necessário avaliar se o comportamento do cliente foi suficientemente relevante e se lhe era exigível que celebrasse o contrato, a ponto de justificar o pagamento exigido.
C- concretização
Da matéria de facto resulta que:
Autora e Réus celebraram um contrato de mediação na venda de imóvel, no qual foi estabelecido uma cláusula de exclusividade e um prazo, automaticamente renovável, de seis meses.
Os Réus são os únicos herdeiros dos falecidos proprietários do prédio objeto do contrato.
A Autora apresentou uma sociedade aos Réus interessada na compra do imóvel, com quem estes celebraram contrato promessa de compra e venda, pelo preço de 750.000,00 €, sujeitando-o a uma sujeição resolutiva: “a não aprovação” de determinado projeto de arquitetura pela Câmara Municipal ... “no prazo de seis meses”. Os promitentes vendedores ficaram com o encargo de indicar à promitente compradora a data e local do contrato definitivo, a realizar no prazo de 60 dias após a aprovação do projeto de arquitetura.
Este contrato promessa foi celebrado a 9/6/2021. Os Réus adjudicaram o projeto de arquitetura a sociedade de que também é gerente o sócio o sócio-gerente da Autora. Este sócio gerente em 5/7/2021 fez pedido de informação vinculativo à Camara Municipal quanto às intenções de reconstrução do prédio nos termos previsto no contrato promessa de compra e venda.
A promitente compradora reuniu com os Réus e confirmou que mantinha a vontade de comprar, após o decurso do prazo de seis meses.
Os Réus acompanharam sempre a evolução do pedido de informação prévia e o projeto de arquitetura, até ao despacho final.
Em 16 de novembro de 2022 foi emitida a decisão favorável à ampliação.
Em 28 de dezembro de 2022 os Réus resolveram o contrato promessa com o fundamento de que havia sido ultrapassado o prazo de seis meses após a sua celebração sem aprovação do projeto de arquitetura.
No dia 29 de dezembro de 2022, os Réus venderam o imóvel a uma outra sociedade, pelo preço de 700.000,00€.
A promitente compradora informou a Autora de que que havia instaurado uma ação de execução específica do contrato promessa de compra e venda contra os Réus no dia 2 de janeiro de 2023, mas que a mesma, por posterior ao contrato definitivo celebrado com terceiros, não teria viabilidade.
Isto posto, é patente, face a todo o exposto e no nosso entender, que se verificam todos os pressupostos para a constituição da obrigação de pagamento da remuneração à mediadora por parte do comitente.
Não existem dúvidas quanto à titularidade do direito por parte dos Réus e que foi acordado o regime de exclusividade.
Quanto ao terceiro requisito, também temos por claro que foi por vontade exclusiva dos comitentes, ora Recorrentes, que se não celebrou o contrato com o cliente angariado pela Autora.
É certo que pode ser discutível se os Réus violaram o contrato promessa, porquanto a aprovação do projeto de arquitetura não foi obtida no prazo de seis meses e o contrato continha uma cláusula resolutiva que contemplava essa situação. No entanto, decorre da economia contratual que a cláusula resolutiva foi estabelecida a favor da promitente compradora, visto que o impulso e responsabilidade pela aprovação do projeto de arquitetura cabia aos próprios Réus. Acresce que não se concebe que alguém de boa-fé peça a resolução do contrato com fundamento no prazo excedido apenas após ter obtido a aprovação do projeto. Menos justificável ainda é que, quase imediatamente, tenha celebrado o contrato visado com terceiro, por um preço inferior.
De qualquer forma, o que aqui releva não é o incumprimento do contrato promessa, mas se a não realização do contrato definitivo se deveu a facto dependente da vontade dos comitentes, isto é, se os mesmos dispunham das condições necessárias para celebrar o contrato definitivo nos termos visados no contrato de mediação (com os ajustes que foram acordados) e se este contrato não se realizou por causa que lhe é imputável.
E assim foi: à data em que os Réus resolveram o contrato promessa já estavam reunidas todas as condições para a realização do contrato definitivo, o qual não se realizou apenas porque estes decidiram recorrer à cláusula resolutiva; se o não tivessem feito o contrato definitivo muito provavelmente teria sido celebrado.
A não realização do contrato definitivo é diretamente imputável à vontade e ação dos Réus. Mesmo que se entenda que estes se podiam, nos termos delineados no contrato promessa, socorrer-se da cláusula resolutiva, tal não afasta a sua responsabilidade pela não celebração do contrato definitivo, visto que nada os obrigava a exercer a invocada faculdade de resolução do contrato.
Apesar de terem a sua liberdade de arrependimento limitada pela celebração do contrato de mediação com exclusividade, não se coibiram de resolver o contrato promessa e impedir, desse modo, a realização do contrato definitivo com a sociedade angariada pela Autora (o qual se celebraria se não fosse tal resolução).
Apesar dos Réus afirmarem que o contrato de mediação ficou resolvido com a resolução do contrato promessa não justificam esta afirmação. Entende-se que não há qualquer fundamento para essa conclusão: a lei não determina que a resolução de um contrato promessa celebrado com promitente comprador angariado pela mediadora tenha como efeito a resolução da mediação e nenhum argumento justifica esta ideia.
Assim, por ser imputável aos Réus a não realização do contrato definitivo, são os mesmos responsáveis pela acordada remuneração.
Há que confirmar a decisão recorrida.
V- Decisão
Por todo o exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e em consequência confirma-se a sentença proferida.
Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Guimarães, 10 de julho de 2025
Sandra Melo Maria Amália Santos Anizabel Sousa Pereira