OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EFEITO
INDEFERIMENTO LIMINAR
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Sumário


I- A requerente só poderia suspender os termos da execução se, deduzindo oposição, prestasse caução ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 733º do CPC.
II- Porém, como a oposição à execução foi liminarmente indeferida nos termos do nº 1 do artº 733º, não pode a requerente ser admitida a prestar caução a fim de obter a suspensão da execução, apesar de ter interposto recurso do despacho de indeferimento liminar da oposição.
III- O pedido de substituição da medida cautelar por caução tem de ser formulado no Apenso respetivo – nos autos de providência cautelar -, sendo nesses autos que deverão ser apreciados os requisitos da substituição, garantido que seja o respetivo contraditório, e após a efetiva prestação da caução.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

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I- Relatório:

AA, executada deduziu incidente de prestação de caução por apenso à execução para prestação de facto que contra ela move o exequente BB NA QUALIDADE DE CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE CC, oferecendo-se para prestar caução no valor de € 650,00.

Foi proferido despacho que rejeitou o incidente.

A requerente recorreu, formulando as seguintes
Conclusões

“1ª. Resulta expresso de forma clara na petição inicial que a prestação de caução pretendida pela apelante teve por propósito “garantir o cumprimento da execução desses trabalhos e do pagamento do respectivo custo, cujo desfecho final apenas se poderá apurar com segurança após trânsito em julgado da decisão de mérito que vier a ser proferida na acção principal a que está apenso o procedimento cautelar onde foi proferida a decisão exequenda” – conforme textualmente ficou exarado no artº 6º dessa peça, com referência aos trabalhos alegados nos itens 3º, 4º e 5º antecedentes
2ª. Resulta também alegado no artº 7º da mesma petição, pretender-se que essa caução “sirva não só propósito de sobrestar no prosseguimento da execução, mas também o de garantir o pagamento dos supra mencionados custos da prestação do facto enunciado, caso o mesmo venha a subsistir após decisão na acção principal.”
3ª. Porque, posteriormente à dedução deste incidente, foi proferido, em 25/02/2025, o despacho de indeferimento liminar da oposição à execução por embargos de executado, apresentada pela aqui apelante, de cujo despacho foi interposto recurso, mantêm-se inalterados os dois propósitos enunciados na petição inicial para a prestação da caução, na medida em que se espera fundadamente que tal recurso leve ao recebimento dos embargos deduzidos e à sua ulterior tramitação.
4ª. O despacho aqui recorrido enferma de erro de interpretação das causas de pedir invocadas concretamente nos artºs 6º e 7º da petição inicial, de onde resulta inequivocamente que o objectivo visado não foi tão só e exclusivamente a suspensão da execução em resultado da dedução dos embargos de executado, ao contrário do que fundamenta o despacho recorrido, já que não se verifica a alegada alteração da causa de pedir do incidente.
5ª. Ocorre uma errada interpretação da pluralidade das causas de pedir invocadas na petição inicial do incidente de prestação de caução, que levou a uma decisão errada, cujo fundamento invocado não encontra eco no alegado ab initio pela apelante e que constituirá, com a devida vénia, causa de nulidade do despacho recorrido, ex vi artºs 615º, nº 1, al. c) e 613º, nº 3, ambos do CPC.”
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
Da consulta eletrónica resultam os seguintes elementos:
- A execução para prestação de facto de que os presentes autos são dependência fundou-se em decisão proferida em procedimento cautelar e já transitada em julgado à data da instauração da execução, porquanto confirmada por acórdão do TRG.
- A requerente deduziu oposição à execução na mesma data em que instaurou o incidente de prestação de caução, oposição essa que foi indeferida liminarmente.
- Do despacho de indeferimento liminar da oposição à execução foi interposto recurso para o TRG.
- Entretanto, foi proferida a decisão recorrida e nos termos da qual se lê:
AA, executada nos autos de execução para prestação de facto supra identificados e embargante no apenso de oposição à execução por embargos de executado, veio deduzir o presente INCIDENTE DE PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE CAUÇÃO, ao abrigo do disposto no art.º 733º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil.
A caução consiste nas garantias que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, são impostas ou autorizadas para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada, destinando-se, em regra, a prevenir o cumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerça uma certa função ou esteja adstrito à entrega de bens ou valores alheios.
Um dos casos em que está prevista a prestação de caução é para a obtenção da suspensão da execução no caso de interposição de oposição à execução ou à penhora (artigos 733º, nº 1, al. a) e 785º, nº 3, do CPC).
Regendo sobre a caução, dispõe o artigo 912º, nº1, ex vi do artigo 915º, ambos do Código de Processo Civil, que sendo a caução oferecida por aquele que tem obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
Nos termos do artigo 733º, nº1, alínea a), do Código de Processo Civil o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: a) O embargante prestar caução.
Sucede, todavia, que o os Embargos de Executado que foram deduzidos pela aqui Requerente foram liminarmente indeferidos, por decisão de 25-02-2025.
O Exequente pugna pela improcedência da caução uma vez que os Embargos de Executado não foram admitidos.
A Executada veio agora que foi dada à execução uma decisão cautelar e que a caução é o meio mais idóneo a garantir a realização de todos os trabalhos inerentes à pretensão do aqui requerido, conforme previsão do nº 3 do artº 368º do Código de Processo Civil.
Porém essa não foi a causa de pedir da prestação de caução em apreço nos presentes autos, pois a caução visou expressamente a suspensão da execução em consequência da dedução dos Embargos de Executado e ao abrigo do disposto no art.º 733, al. a) do Código de Processo Civil, não sendo admissível a alteração da causa de pedir do incidente.
Termos em que, em face do indeferimento liminar dos Embargos de Executado julgo extinto o presente incidente de prestação de caução, por inutilidade superveniente da lide.”
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III.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação da agravante (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC) – são as seguintes:
1- Se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 615º, al. c) do CPC;
2- qual o incidente de prestação de caução deduzido?: - Se o incidente de prestação de caução foi deduzido com vista à suspensão da execução nos termos do art. 733º, nº1, al. a), 785º,nº3 ( e nesse caso, deve a execução prosseguir os seus termos apesar de a oposição à execução ter sido liminarmente indeferida por despacho ainda não transitado em julgado ou não)  ou se foi deduzido com outra finalidade como seja servir a caução como garantia de que, caso a decisão cautelar seja confirmada na ação principal, o executado cumpra a obrigação imposta ( e, nesse caso, é outro incidente e qual?).
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1. Se a decisão recorrida é nula nos termos do art. 615º, al. c) do CPC, pois segundo a Apelante, decorreria do seguinte: “O despacho aqui recorrido enferma de erro de interpretação das causas de pedir invocadas concretamente nos artºs 6º e 7º da petição inicial, de onde resulta inequivocamente que o objectivo visado não foi tão só e exclusivamente a suspensão da execução em resultado da dedução dos embargos de executado, ao contrário do que fundamenta o despacho recorrido, já que não se verifica a alegada alteração da causa de pedir do incidente; Ocorre uma errada interpretação da pluralidade das causas de pedir invocadas na petição inicial do incidente de prestação de caução, que levou a uma decisão errada, cujo fundamento invocado não encontra eco no alegado ab initio pela apelante”.
Cremos, no entanto, que a nulidade indicada não ocorre.
Nos termos do preceito legal referido, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Trata-se de um caso de vício estrutural da própria sentença que se reconduz à existência de uma contradição no percurso lógico-dedutivo, visto que se retira uma conclusão em sentido oposto ou divergente àquele que era esperado da motivação inserta nesse percurso.
Ora, como já adiantámos, não vemos nenhum desse vício na sentença recorrida.
Nem, em rigor, a Apelante o identifica, enquanto tal. O que sustenta é que os juízos nela expressos sobre as finalidades da caução são infundados, porquanto entende que foi feita “ uma errada interpretação da pluralidade das causas de pedir invocadas na petição inicial do incidente de prestação de caução, que levou a uma decisão errada, cujo fundamento invocado não encontra eco no alegado ab initio pela apelante”, concluindo que “ o objetivo visado não foi tão só e exclusivamente a suspensão da execução em resultado da dedução dos embargos de executado”.
Estamos, assim, perante juízos valorativos divergentes e não diante de vícios estruturais da própria sentença, que, a nosso ver, cumpriu os requisitos formais que a lei lhe assinala.
De modo que não ocorre a nulidade em apreço.
E aquela argumentação da apelante configura uma eventual omissão de pronúncia por não ter sido ponderada aquela outra alegada causa de pedir do incidente?
Também cremos que não.
Com efeito, e a respeito entendeu-se o seguinte “ A Executada veio agora que foi dada à execução uma decisão cautelar e que a caução é o meio mais idóneo a garantir a realização de todos os trabalhos inerentes à pretensão do aqui requerido, conforme previsão do nº 3 do artº 368º do Código de Processo Civil.
Porém essa não foi a causa de pedir da prestação de caução em apreço nos presentes autos, pois a caução visou expressamente a suspensão da execução em consequência da dedução dos Embargos de Executado e ao abrigo do disposto no art.º 733, al. a) do Código de Processo Civil, não sendo admissível a alteração da causa de pedir do incidente.”.
Ou seja, bem ou mal, existiu pronúncia acerca daquele outro fundamento invocado para a prestação de caução, considerando-se que não seria admissível a sua invocação por configurar alteração da causa de pedir.
Agora, de modo algum ocorre a nulidade em apreço.
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2. Prestação de caução e suspensão da execução
A apelante intentou o presente incidente de prestação de caução por apenso a uma execução para prestação de facto e cujo título executivo é uma decisão cautelar proferida num procedimento cautelar, decisão essa transitada em julgado.
É certo que a providência é dependência da ação definitiva (art.º 364º do CPC) e extingue-se caso a ação principal venha a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art.º 373º nº 1 al. c) do CPC).
De qualquer modo, a natureza “provisória” da decisão proferida no procedimento cautelar não contende com a sua exequibilidade.
Contudo, a respeito da ação principal nada se soube, por ora.
Por outro lado, no mesmo dia da instauração do incidente de caução, foi intentada oposição à execução, a qual foi indeferida liminarmente e alvo de recurso para o TRG, cujo desfecho nada se sabe.
Entretanto, conforme decisão ora recorrida, “em face do indeferimento liminar dos Embargos de Executado, foi julgado extinto o presente incidente de prestação de caução, por inutilidade superveniente da lide”.

A apelante insurge-se contra a decisão recorrida por duas ordens de razões:
1) mantêm-se inalterados os dois propósitos enunciados na petição inicial para a prestação da caução, sendo que em relação ao objetivo de visar a suspensão da execução, espera fundadamente que o recurso do despacho de indeferimento liminar dos embargos leve ao recebimento dos embargos deduzidos e à sua ulterior tramitação;
2) ainda teve como propósito invocado também o de garantir o pagamento dos supra mencionados custos da prestação do facto enunciado, caso o mesmo venha a subsistir após decisão na ação principal, pelo que deverá ser considerado procedente a caução com tal finalidade.

Vejamos.
1) Analisemos o primeiro motivo/fundamento/finalidade invocado na petição inicial para estruturar o incidente de prestação de caução: a suspensão da execução.
Antes, porém, não se olvide que nos termos do nº 1 do atual artº 868º do CPC, a execução para prestação de facto inicia-se com a citação do executado para, no prazo de 20 dias, querendo, opor-se à execução.
Sendo assim, na execução para prestação de facto fundada em sentença, o recebimento da oposição apenas suspende a execução se: a) o executado prestar caução (artº 733, nº 1).
Daqui já ressalta que a caução é uma garantia (artº 623º do CC) que se destina a pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, no caso de ser deduzida oposição à execução, garantindo-lhe a satisfação do seu direito caso a oposição venha a improceder.
Caso a oposição não chegue a ser recebida, sendo liminarmente rejeitada, pergunta-se , se ainda assim pode haver suspensão da execução por invocação do art. 733º,nº1?
A resposta é negativa.
Sendo aquela a função da caução, a sua prestação só tem como efeito a suspensão da execução após o recebimento da oposição - como resulta da letra do nº 1 do artº 733º e da inserção sistemática do preceito na sequência do artº 732º, onde estão previstos os termos da rejeição e do recebimento da oposição.
Se a oposição à execução não chega a ser recebida, sendo liminarmente rejeitada por qualquer um dos fundamentos previstos no nº 1 do art 732º, não há que suspender a execução, e, consequentemente, não tem qualquer utilidade a prestação de caução, que, caso já tenha sido requerida, não deve ser admitida.

E se tiver sido interposto recurso do despacho que indeferiu liminarmente a oposição?
O Ac. da RP de 19-02-2009 ( relatora: Deolinda Varão) e com o qual concordamos, defendeu que também nesse caso a execução fica suspensa: no caso ali analisado, o efeito suspensivo de tal recurso teve a virtualidade apenas de suspender os termos da oposição à execução, que continua a ser oposição não recebida, não abrangendo a execução.
No caso sub judicio, inclusive aquele recurso teve efeito devolutivo.
Ou seja, apesar daquele recurso, a oposição à execução continua a ser oposição não recebida.
Por isso, mesmo que recorra do despacho de indeferimento liminar da oposição, o executado não pode obter a suspensão da execução prestando caução.
Nos presentes autos, nem sequer é manifestamente caso de aplicação do nº 4 do artº 704º, já que a execução se fundou em decisão cautelar, transitada em julgado.
A requerente só poderia, assim, suspender os termos da execução se, deduzindo oposição, prestasse caução ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 733º - o que requereu.
Porém, como a oposição à execução foi liminarmente indeferida nos termos do nº 1 do artº 733º, não pode a requerente ser admitida a prestar caução a fim de obter a suspensão da execução, apesar de ter interposto recurso do despacho de indeferimento liminar da oposição.
Como se disse, continuamos perante uma oposição não recebida, não abrangendo a execução.
Bem andou, pois, a Mª Juíza a quo em rejeitar o incidente de prestação de caução, considerando inútil a prestação de caução, em face do indeferimento liminar da oposição à execução.

2) Agora, analisemos o segundo motivo/fundamento/finalidade invocado para estruturar o incidente da prestação de caução: “ o propósito de garantir o pagamento dos supra mencionados custos da prestação do facto enunciado, caso o mesmo venha a subsistir após decisão na ação principal”.
Ou seja, com a finalidade invocada pretende-se, essencialmente, prestar caução como forma de suspender a medida cautelar decretada e, nessa medida, a substituição da mesma, o que apenas poderá ter lugar com outro incidente diferente, como seja o previsto no art. 368º,n3 do CPC.
Ponto é que essa pretensão seja deduzida pela requerente no local adequado – no apenso da providência cautelar – garantido que seja o respetivo contraditório, e após a efetiva prestação da caução.
Como é bom de ver, a caução a prestar nestes autos, nos termos e para os efeitos do art.º 733º,nº1, al. a) do CPC, conforme pedido formulado expressamente, visou, em primeira linha, suspender a execução, tendo sido apenas nessa vertente que o tribunal recorrido se pronunciou, considerando que o demais invocado integraria “ alteração da causa de pedir”.
E nada temos a objetar à primeira parte dessa decisão, como já vimos.
No mais, e considerando que a prestação da caução assume ainda uma outra vertente, que é a de garantir a obrigação do credor, que já obteve uma decisão favorável, essa questão só no processo respetivo pode ser equacionada, face aos preceitos legais envolvidos.
Como dissemos acima, a caução a prestar nos termos do artigo 733º,nº1, al. a), do CPC tem uma dupla finalidade: a suspensão da execução até decisão final dos embargos e; assegurar ao credor a satisfação do seu crédito, servindo de garantia ao cumprimento da obrigação.
Será nesta segunda vertente (da caução) que a questão deverá ser colocada no local adequado, que é o apenso da providência cautelar; no caso, os autos de procedimento cautelar apensos à ação principal, sendo também nesses autos, como é evidente, que deverão ser apreciados os requisitos para a requerida substituição da medida cautelar decretada pela caução prestada nestes autos.
Improcede, assim, a apelação no seu todo.

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal:
A) em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
B) Custas da apelação pela apelante.
Notifique.
Guimarães, 10 de julho de 2025

Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
José Manuel Flores e
Fernanda Proença Fernandes