ACIDENTE DE VIAÇÃO
ANIMAIS
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário


Circulando ovelhas na via pública, desacompanhadas de qualquer condutor, é de presumir judicialmente a culpa do vigilante dos animais pela eclosão do sinistro em que as mesmas foram intervenientes, por violação do art. 11.º, n.º 1 do Código da Estrada, não se provando concomitantemente qualquer responsabilidade do condutor que embateu nas mesmas com o seu veículo.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório (também com base no relatório da decisão recorrida)

EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente ação declarativa de condenação contra AA, BB, CC, DD e desconhecidos, peticionando que:

- O segundo réu seja condenado a pagar à autora a quantia de 9.613,29€, corresponde à quantia que despendeu na sequência do acidente descrito na petição inicial, caso assim não se entenda;
- Os 2.º; 4.º e 5.º réus sejam condenados no pagamento, solidário, do referido valor, caso assim não se entenda;
- Os 1º, 3º e 5º Réus sejam condenados no pagamento, solidariamente, do referido valor, caso assim não se entenda;
- Os Réus sejam condenados de acordo com o grau de responsabilidade de cada um na ocorrência do acidente, conforme apurado.
- Em qualquer um dos casos, à quantia referida quantia deverão acrescer os juros de mora, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

A Autora alegou, em suma, ter celebrado com EE um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, apólice n.º ...59, cobrindo danos decorrentes de acidentes, relativamente ao veículo de matrícula ..-PN-... Durante a vigência do contrato, no dia 12 de outubro de 2019, pelas 21h20, o veículo foi interveniente num acidente na Estrada Nacional (EN) 102, Km 57,800, na freguesia ..., causado pelo surgimento inesperado de três ovinos na via, resultando em colisão.
Alegou ainda ter suportado despesas no montante de 9.043,67 € para a reparação do veículo, deduzindo o valor de 350 € correspondente à franquia, bem como o montante de 422,62 € relativo ao aluguer de um veículo de substituição. Por último, alegou que, pelo menos, dois dos animais estavam registados em nome do primeiro e terceiro réu, enquanto existia uma guia de transporte associada à exploração do segundo réu e da quarta ré, respeitante aos animais em questão.
Regularmente citados, os Réus apresentaram o respetivo articulado de defesa, com exceção da ré DD e do Ministério Público, em representação dos desconhecidos, no qual, no essencial, contestaram os factos alegados pela autora e, por fim, pediram as respetivas absolvições.
Os Réus contestantes, em sinopse, impugnaram a versão dos factos articulada pela Autora, sendo que os Réus AA e BB também se defenderam por exceção, invocando a prescrição do direito invocado pela Autora e, no caso do réu AA, invocou ainda a sua ilegitimidade.
A Autora notificada das referidas contestações, exerceu o contraditório, pugnando pela improcedência de tais exceções.
Dispensada a realização da audiência prévia, procedeu-se à elaboração do despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções invocadas e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Foi designado dia para realização da audiência de discussão e julgamento, após o qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente ação declarativa totalmente procedente e, em consequência, decido:
− Condenar o réu BB a pagar à autora EMP01... – Companhia de Seguros S.A. a quantia de € 9.613,29 (nove mil seiscentos e treze euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde a data da sua citação até integral e efetivo pagamento;
− Absolver os réus AA, CC, DD e os desconhecidos do que foi peticionado contra si.
Custas a cargo do réu BB
Notifique e registe.”.

*
Inconformada com a sentença, o réu BB interpôs recurso e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões:

“ 1ª Da apólice que a autora juntou aos autos, que o R. impugnou, não se retira que ela seja parte no contrato de seguro ali titulado, pelo que se lhe impunha demonstrar que o havia realmente celebrado, o que não fez;
2ª Quando, no final da audiência de julgamento e após alegações, o Tribunal recorrido determinou a junção de certidão do registo comercial da autora, levou a cabo diligência probatória que oficiosamente não deveria desenvolver;
3ª Na ausência ou desconsideração de tal documento, que a A. negligentemente não providenciou, não poderia o Tribunal recorrido ter julgado provado o ponto 12) dos factos provados, que, por falta de prova, deverá ser julgado não provado;
4ª Foi violada a disposição do artº 411º do CPC, que deverá ser interpretada no sentido de que a realização oficiosa de diligências probatórias para o esclarecimento da verdade não se deverá traduzir numa gratuita substituição das partes, mas deverá ser assumida com vista a obviar dificuldades insuperáveis ou assaz excessivas e após esgotados os meios de que a parte disponha para esse efeito, tal como o exige o disposto no nº 4 do artº 7º do mesmo CPC, o qual, por falta de aplicação, surge igualmente violado na decisão recorrida;
Caso improcedam estas conclusões:
5ª A verificação dos factos julgados provados não acarreta para o R. a responsabilidade que lhe foi imputada, por deles não poder concluir-se que tinha assumido o encargo da vigilância dos animais e de que não tomou as medidas necessárias para evitar o dano por eles causado;
6ª A decisão recorrida enferma de erro de julgamento consubstanciado em deficiente determinação da lei aplicável, uma vez que os factos provados não conduzem, em face da lei substantiva, á solução sentenciada;
7ª Foi erradamente aplicada a norma do nº 1 do artº 493º do Cód. Civil, que deverá ser interpretada e aplicada no sentido de não se extrair dos factos provados a violação do dever de vigilância por ela exigido;
Improcedendo também estas conclusões:
8ª A prova produzida não permite a decisão de provado no relativo aos factos dos pontos 7), 9) e 10), que deveriam ter merecido decisão contrária, de não provados, verificando-se correspondente erro de julgamento;
9ª No relativo ao ponto 7), não saiu demonstrado, com a certeza necessária, o que dele consta, como resulta da conjugação do depoimento de parte do réu BB, das declarações de parte do réu AA, do depoimento da testemunha FF e, acima de tudo, do depoimento da testemunha GG, bem como da informação da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária remetida aos autos em 04/11/2024, meios de prova melhor circunstanciados na motivação supra, que o Tribunal recorrido valorou erradamente e que impõem decisão de não provado;
10ª A presença do animal na exploração do réu Recorrente julgada provada em 9) não resulta da prova produzida, pelo que esta decisão constitui flagrante erro de julgamento e incontornável violação do princípio da livre apreciação da prova, impondo decisão contrária, de não provado, essa total e absoluta falta de prova;
11ª Também se não produziu qualquer prova que possa fundamentar a decisão de provado no relativo ao ponto 10), que só pode ter sido alcançada por presunção extraída do que foi julgado em 7) e 9), pelo que, a decisão de não provado no relativo a estes implica igual decisão, de não provado, no relativo aquele;
Caso improcedam também estas concusões:
12ª O acidente não ocorreu da forma descrita nos pontos 2) e 3) dos factos provados, como se retira inquestionavelmente do depoimento da única pessoa inquirida acerca deles, que é o próprio condutor do veículo envolvido (depoimento circunstanciado na motivação);
13ª Também aqui ocorreu erro de julgamento, não devendo constar dos factos provados a matéria dos pontos 2) e 3), mas sim que “ao km 57,800 da EN ...02, encontravam-se três ovelhas na faixa de rodagem por onde seguia o veículo, o condutor não as viu, o veículo embateu nas ovelhas com a parte frontal, tendo então o condutor travado e imobilizado o veículo”, impondo esta decisão o depoimento da testemunha EE;
14ª Em consequência desta alteração, não poderá ser imposta ao réu a responsabilidade pela indemnização dos danos decorrentes do acidente, por serem imputáveis ao próprio lesado, uma vez que fazia uma condução desatenta ou com velocidade excessiva, tendo travado e imobilizado o veículo que conduzia apenas quando embateu nos animais;
Caso também improcedam estas conclusões:
15ª Tendo-se decidido que incumbia ao réu Recorrente o dever de vigilância sobre dois dos três animais causadores dos danos, teria então existido mais de um responsável, o que imporia a responsabilização solidária de todos;
16ª Imputando ao réu Recorrente a totalidade da responsabilidade, viola a sentença recorrida a disposição do nº1 do artº 497º do Cód. Civil, que deverá ser interpretada e aplicada no sentido de se entender que a responsabilidade é solidária, incumbido a todos os responsáveis.
Nos termos expostos e nos que doutamente serão supridos, deverá:
a) Julgar-se não provado o ponto 12) dos factos provados, fundamentado em prova ilegalmente ordenada, e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se do pedido o réu Recorrente;
Ou, caso assim se não decida,
b) Por errada determinação da norma aplicável, dado que os factos provados não permitem imputar ao réu Recorrente a responsabilidade a que se refere o nº 1 do artº 493º do Cód. Civil, revogar-se a sentença recorrida e julgar-se a acção improcedente, absolvendo-se o réu do pedido;
Ou, caso ainda assim se não entenda,
c) Alterar-se a decisão da matéria de facto, julgando não provados os factos dos pontos 7), 9) e 10) e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e absolver-se o réu do pedido;
Ou, caso também assim se não entenda,
d) Por se ter demonstrado a culpa do lesado na produção do acidente, proceder-se á correspondente alteração da decisão da matéria de facto, alterando-se os pontos 2) e 3), julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se o réu do pedido;
Ou, finalmente, mesmo que assim também se não entenda,
e) Revogar-se a sentença recorrida e condenar-se solidariamente todos os responsáveis.”.
*
A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, rematando com as seguintes conclusões:
[…]
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em:

1 -  Da pretendida alteração da matéria de facto;
2 - Se, em consequência do decidido quanto à alteração da matéria de facto, deve ser revogada a decisão, nos termos alegados no recurso, por se não verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em relação a Recorrente.  
*
III. Factos provados na sentença recorrida.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
“1) No dia 12 de outubro de 2019, pelas 21h20, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PN-.., conduzido por EE, circulava na Estrada Nacional ...02 (EN ...02), no sentido ... – .../... – ..., na freguesia ..., concelho ....
2) Ao chegar ao km 57,800 da EN ...02, foi surpreendido com a presença de três animais de espécie ovina na faixa de rodagem.
3) Perante o referido no ponto precedente, o condutor da viatura ..-PN-.. tentou imobilizar a mesma, não o tendo conseguido, indo embater com a parte frontal nos referidos animais.
4) Um dos animais tinha o n.º de identificação ...8... e encontrando-se registado a favor do réu AA.
5) Outro dos animais tinha como n.º de identificação ...2... e encontrava-se registado a favor de CC.
6) O terceiro animal não foi possível identificar o seu n.º de identificação.
7) No dia 27 de setembro de 2019, o animal referido em 4) foi transportado da exploração do réu AA, sita em ..., para a exploração do réu BB, sita em ....
8) No dia ../../2019, o animal identificado em 5) foi transportado da exploração do réu CC, sita em ..., para a exploração da ré DD, sita em Alfandega ....
9) Em data não concretamente apurada, mas situada depois do dia ../../2019 e antes do dia 12 de outubro de 2019 o animal identificado em 5) encontrava-se na exploração do réu BB.
10) De forma não concretamente apurada, os animais referidos em 4) e 5), em hora não apurada, mas antes das 21h20, saíram da exploração do réu BB e ocuparam a via descrita em 1).
11) Em consequência do descrito em 3), a viatura descrita em 1) apresentou vários danos na parte frontal, pelo que a sua reparação se cifrou em 9.043,67€, já com incidência de IVA.
12) À data do embate, estava em vigor o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...59, através da qual estava transferida para a autora a responsabilidade civil por danos próprios e causados a terceiros, com cobertura de risco de “choque, colisão, capotamento”, emergente da circulação rodoviário do veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-PN-...
13) Pelo descrito em 11), a autora entregou à oficina de reparação automóvel “EMP02..., Lda”, a quantia de 9.043,67€, já com incidência de IVA, para o pagamento do descrito em 10).
14) Com data de 04 de novembro de 2019, a autora procedeu à transferência da quantia de 422,51€ para outra instituição bancária cujo IBAN é o n.º  ...08, para efeito do pagamento relativo à cobertura do “veiculo de aluguer”.
15) Com data de 15 de novembro de 2019, a autora à ordem dos Bombeiros Voluntários ..., procedeu à emissão de um cheque cujo valor aposto foi de 147,60€, para efeito do pagamento da limpeza da via.”.
Não foram considerados como não provados quaisquer factos.
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IV. Do objeto do recurso.

Cabe aqui apreciar desde logo se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova na decisão sobre a matéria de facto, conforme lhe é imputado pelos Recorrentes, ou seja, e na expressão legal, indagar sobre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil).
Note-se que a reapreciação da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência, não pode  por em crise o princípio da livre apreciação da prova com assento no art. 607.º, n.º5 do Código de Processo Civil, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição (cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes in Temas de Processo Civil, II Vol., pág. 201).
O art. 607.º, n.º4, do Código de Processo Civil prevê expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Conforme ressalta das suas conclusões, pretende em primeiro lugar o apelante que o item 12 dos factos provados seja considerado como não provado.
Consta o seguinte desse item:
“À data do embate, estava em vigor o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...59, através da qual estava transferida para a autora a responsabilidade civil por danos próprios e causados a terceiros, com cobertura de risco de “choque, colisão, capotamento”, emergente da circulação rodoviário do veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-PN-...”.
Por facilidade expositiva, transcreve-se a motivação da matéria de facto plasmada na sentença recorrida quanto à matéria em causa:
“Por fim, no que tange ao facto descrito em 12) que se reporta ao contrato de seguro, o Tribunal valorou, além dos depoimentos das testemunhas EE e HH, que confirmaram a existência deste contrato de seguro, bem como o teor do documento n.º1 junto com a petição inicial, conjugando com a certidão permanente junta aos autos sob a ref. eletrónica n.º ...89, do qual afere-se, além da mudança de nomenclatura da autora, a validade da apólice em referencia com as respetivas coberturas.”.
Diz o Recorrente que a junção da certidão permanente resultou de diligência probatória que o Tribunal não podia oficiosamente desenvolver.
Ora, a verdade é que desenvolveu tal diligência e foi junta aos autos a pertinente certidão. Quem não desenvolveu qualquer impugnação válida do despacho que determinou a junção do documento foi o Recorrente, que caso quisesse obstar a que se valorasse a certidão permanente atinente à Autora/Recorrida deveria ter interposto o pertinente recurso, o que não fez, conformando-se assim com tal decisão que constitui caso julgado formal, nos termos em que o prevê o art. 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo por isso força obrigatória dentro do processo. Tal equivale por dizer que o documento causa podia ser considerado como foi na sentença recorrida, nada havendo assim a censurar na avaliação que foi feita quanto à prova assim valorada.
Impugna ainda o Recorrente a factualidade vertidas nos itens 7, 9 e 10 dos factos provados, que é, depois de retificada, a seguinte:
“7) No dia 27 de setembro de 2019, o animal referido em 4) foi transportado da exploração do réu AA, sita em ..., para a exploração do réu BB, sita em ....
9) Em data não concretamente apurada, mas situada depois do dia ../../2019 e antes do dia 12 de outubro de 20219 o animal identificado em 5) encontrava-se na exploração do réu BB.
10) De forma não concretamente apurada, os animais referidos em 4) e 5), em hora não apurada, mas antes das 21h20, saíram da exploração do réu BB e ocuparam a via descrita em 1).”
No fundo, pretende o apelante que que os animais em causa não estavam na sua exploração agrícola, eliminando-se, em consonância tais itens da factualidade provada.
Diz, para tanto, no relativo ao ponto 7, que não saiu demonstrado, com a certeza necessária, o que dele consta, como resulta da conjugação do depoimento de parte do réu BB, das declarações de parte do réu AA, do depoimento da testemunha FF e, acima de tudo, do depoimento da testemunha GG, bem como da informação da Direção Geral de Alimentação e Veterinária. Já quanto ao item 9 diz que a presença do animal na sua exploração não resulta da prova produzida, existindo mesmo absoluta falta de prova. Por fim em relação ao item 10, diz que também não produziu qualquer prova, que só pode ter sido alcançada por presunção extraída do que foi julgado em relação aos itens 7 e 9.
Neste conspecto, a motivação da decisão recorrida foi a seguinte:
“Relativamente aos factos descritos de 4) a 10) que, no essencial, dizem respeito à movimentação dos animais envolvidos no acidente de viação, e, como tal, dizem respeito ao busílis da presente ação, o Tribunal foi confrontando com duas versões: uma apresentada pelo réu BB e outra apresentada pelos réus AA e CC, pelo que, neste momento, importa fazer a devida valoração.
Vejamos,
No âmbito dos respetivos depoimentos e declarações de parte, os réus esclareceram ao Tribunal que se dedicam à atividade agrícola, o que inclui a compra e venda de gado, razão pela qual, é habitual que haja um grande fluxo de compra e venda de gado e, nessa sequência, os mesmos passem de exploração em exploração.
Mais resultou, da concatenação de toda a prova e da própria instrução dos presentes autos, que a exploração do réu AA se situa em ...; a do réu BB em ...; a do réu CC em ... e a da ré DD em Alfandega ....
A principal divergência entre as versões apresentadas diz respeito à questão de quem tinha a guarda dos animais envolvidos no acidente.
Desta feita, o réu BB afirmou que, embora tivesse comprado os referidos animais aos outros réus, estes não se encontravam sob a sua responsabilidade na data do acidente. Segundo ele, alguns dos animais já tinham sido entregues à testemunha GG.
Em bom rigor, este réu referiu que era normal comprar conjunto de animais, todavia os mesmos poderiam não ser para a sua exploração, destinando-se para outras pessoas que, na sua alegação, lhe pediam para comprar.
Por outro lado, réus CC e AA referiam que haviam vendido os animais ao réu BB e, nessa medida haviam preenchido as respetivas guias de transporte para que os animais se deslocassem de uma exploração para a outra.
Ora, apesar de o Tribunal reconhecer que o transporte dos animais não foi realizado em conformidade com as normas estabelecidas, a análise de toda a prova produzida durante a audiência de discussão e julgamento, aliada às regras da experiência comum sobre o normal desenrolar dos acontecimentos, leva a concluir que a versão apresentada pelo réu BB carece de alicerce, não sendo considerada credível.
Vejamos,
Desde logo, o Tribunal teve como ponto de partida os documentos juntos pelos réus AA e CC, designados como Documento n.º1, na medida em que é possível constatar que o animal com a marca de auricular ...17 encontra-se na exploração do réu CC e, no dia ../../2019, saiu da referida exploração com destino à exploração da ré DD, situada no concelho .... Por outro lado, o animal que se encontrava identificado com a marca auricular ...17, saiu da exploração do réu AA no dia 27 de setembro de 2019 com destino à exploração do réu BB.
Neste passo, revelou-se fundamental as declarações destes dois réus que, em bom rigor, de forma objetiva e circunstanciada, esclareceram em Tribunal que o preenchimento das guias é levado a efeito pelos próprios, na qualidade de vendedores, contudo o preenchimento é feito com base nas informações fornecidos pelos compradores, no caso o réu BB.
Esta versão é corroborada pelas testemunhas FF e II, cuja razão de ciência advém do facto de serem país do réu AA e que ajudam na atividade agrícola, mas sem que tal relação próxima do deste réu ponha em causa a sua credibilidade.
Assim, a testemunha FF esclareceu, de forma objetiva e credível, que havia negociado a venda das ovelhas, em setembro de 2019 e, nessa medida pediu à sua mulher II para que emitisse as guias, realidade factualidade que saiu devidamente confirmada por esta testemunha.
Outrossim, revelou importante para que o Tribunal formasse a convicção positiva dos aludidos factos, o depoimento da testemunha JJ, pessoa que havia trabalhado na exploração agrícola do réu CC e que, de forma clara e devidamente circunstanciada no tempo, esclareceu que em setembro de 2019 este réu havia vendido um conjunto de ovelhas ao réu BB.
Por outro lado, também se revelou importante o depoimento da testemunha KK, médica veterinária na “EMP03...” em ..., da qual o réu AA é membro. Neste pressuposto, explicou de forma clara e objetiva que qualquer animal está devidamente registado em nome de uma exploração, associado a um número de contribuinte e, como tal, sempre que há o transporte de qualquer animal, é necessário preencher a guia de circulação, onde consta o ponto de partida e o ponto de chegada.
Ora, ao ser confrontada com o documento n.º 1 junto com a contestação do réu AA, a testemunha explicou que a guia em questão era uma guia fechada, ou seja, já preenchida com todos os dados necessários para o transporte dos animais, em contraste com uma guia aberta. Esclareceu ainda que, a partir do momento em que a guia está devidamente preenchida, a responsabilidade pelos animais passa a ser da exploração de destino.
Assim, concatenando toda a prova produzida, dúvida não saboreassem que à data do sinistro em apreciação nestes autos, o animais intervenientes no mesmo estariam sob a responsabilidade do réu BB.
Pese embora este réu tivesse apresentado declarações/depoimentos de parte no sentido e afastar a sua responsabilidade, a verdade é que, à luz da experiência comum e do normal do acontecer não parece credível que o réu BB, sabendo da importância que assume este tipo de guias, não acautelasse o preenchimento devido das referidas guias.
Em bono da verdade, a versão que relatou em Tribunal sai plenamente contrariada informação que a Direção Geral de Alimentação e Veterinária prestou, na qual resulta que este réu houve movimentações dos animais registados primitivamente na exploração do réu AA para a quinta do réu BB (cfr. ref. eletrónica n.º ...78).
Aliás, da mesma informação consta que o este réu comunicou a morte dos animais apenas no dia 19 de dezembro de 2019, ou seja, em data posterior à ocorrência do acidente em questão.
Por outro lado, não se pode olvidar que das guias de transporte juntas com as contestações dos réus AA e CC, resulta que que transportes foram levados a efeito pelo falecido LL, numa viatura que o próprio réu BB confirmou que seria sua, pese embora, em tempos pretéritos havia vendo a LL.
Salvo o devido respeito, esta informação confirmar a circunstância de que os animais seriam transportados por si, com destino a sua exploração.
A este respeito, importa atender ao depoimento da testemunha GG, cuja razão de ciência decorre do facto de, no passado, ter trabalhado na exploração do réu BB.
Acresce que a testemunha tinha, em conjunto com o seu antigo companheiro, uma exploração agrícola situada nas proximidades da ..., no concelho ..., onde criavam diversos animais, incluindo ovelhas.
Todavia, tal depoimento mostrou-se francamente genérico e sem qualquer sustento na demais prova existente nos autos, na medida em que a mesma, convenientemente, soube explicar que o réu BB havia comprado ovelhas para integrar o seu rebanho que, ao que julga saber, haviam sido compradas a réu AA.
No entanto, ao tentar detalhar esta informação, a testemunha não conseguiu especificar o momento em que o réu BB adquiriu as ovelhas; o valor pago por elas, nem o número de animais, referindo vagamente "uma dúzia".
Não parece minimamente credível que alguém envolvido na exploração agrícola, ainda que de forma simples, não tenha a capacidade de concretizar os termos do negócio realizado com o réu BB. Embora, no contexto rural, possa ser comum que um agricultor adquira várias ovelhas e posteriormente as distribua, não é aceitável que alguém que procure obter proveito económico desta atividade não tenha conhecimento do valor real pago pelos animais. Além disso, tal atitude revela um completo desinteresse pelas normas e regulamentações relacionadas com o transporte de animais, o que demonstra uma falta de responsabilidade na gestão da sua exploração.
Prosseguindo,
Na análise probatória destes autos, constata-se que os animais transportados desde a exploração do réu CC tinham como destino a exploração da ré DD. Contudo, devido à ausência de contestação por parte desta, não foi possível considerar a sua versão dos factos.
Ainda assim, da referida análise probatória, o Tribunal não pode ignorar duas circunstâncias: a primeira, relativa ao transporte dos animais, que foi realizado, à semelhança do transporte efetuado desde a exploração de AA, pelo falecido LL, utilizando a mesma viatura no dia ../../2019; e a segunda, de que a exploração desta ré se encontra localizada no concelho ....
Ora, na concatenação destes elementos, bem como na prova testemunhal, nomeadamente a testemunha JJ que esclareceu que entre Alfandega ... e o ..., a pé, seria uma percurso de 3 horas, cria a convicção, desde logo, de inverosimilhança de que uma ovelha haja percorrido tal distância desde a exploração desta ré até ao local do acidente, como tal, a mesma estaria na exploração do réu BB.”.
Ouvidas integralmente as gravações dos depoimentos e declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, considera-se que a prova referida na motivação da matéria de facto foi devidamente avaliada, não enfermando, por isso, de qualquer erro tal como a matéria que ficou vertida nos factos provados.
Dir-se-á, no entanto, o seguinte:
O depoimento do Recorrente BB primou pela tentativa de alijar de si qualquer responsabilidade na eclosão do sinistro, colocando as ovelhas causadoras do mesmo fora da sua órbita de domínio, asseverando, sem qualquer sustentação ou credibilidade, que as comprou para terceiros, não conseguindo, porém, detalhar o básico, designadamente quem fez o pagamento. De todo o modo, o transporte das ovelhas foi feito por si num automóvel da sua pertença, com as atinentes guias de transporte passadas em seu nome como destinatário, dado que foi o mesmo que no próprio dia comprou os animais e procedeu ao seu transporte, através de um seu funcionário, sendo as guias necessárias para esse efeito, o que está em consentaneidade inclusivamente com o por si declarado.
Já não merece qualquer credibilidade a menção de que tais animais se destinavam a terceiros e que não foram para a sua exploração, pois, tal, repete-se, teve por escopo tão só afastar de si a responsabilidade pela eclosão do sinistro em apreço nos presentes autos.
No mesmo pendor se orientou o depoimento da testemunha GG, que em depoimento alinhado com o Recorrente referiu, tal como aquele, que as ovelhas vindas de perto de ... se destinavam a si, para a “...”, revelando tal depoimento múltiplas inconsistências apontadas na decisão recorrida, sendo também de realçar neste ponto a referência de que as suas ovelhas eram apenas as que estavam em seu nome e que “batiam cero com o digital”, o que na verdade não sucedia quanto aos animais em causa, não podendo por isso sequer perceber os subsídios que diz que recebia porque as ovelhas não estavam registadas a seu favor.
De tudo se infere que houve uma tentativa por parte do Recorrente e da testemunha GG de ser a mesma a arcar com as responsabilidades pelo menos formalmente, pois que não foi demandada na presente ação, o que seguramente em relação a sai se espoletaria o prazo prescricional para o exercício dos direitos por parte da recorrida (cfr. art. 498.º do Código Civil) e do seu depoimento resultou não só viver em situação bastante precária, pelo que ainda que se mostrasse superado o crivo da prescrição seguramente que se depararia a demandante com o escolho da penúria da testemunha e da impossibilidade de satisfazer qualquer crédito sobre a mesma.
Por outro lado, embora não abordado na decisão decorrida, muito relevante foi a referência do militar da GNR MM, que tomou conta da ocorrência, tendo-se deslocado ao local do sinistro e que deu impressiva nota que era habitual os animais do Recorrente andarem à solta por esse local, sendo que tinha uma exploração a sensivelmente 500 metros do local.
Ademais, nenhum dos outros demandados tinham explorações próximas a esse local que tornassem verosímil que os animais atropelados e que foi possível de identificar tivessem fugido dessas mesmas explorações para se deslocarem para o local do evento, o que dá total sustentação à factualidade que se deu por assente, sendo que inclusivamente quanto ao animal não identificado se poderia inclusivamente ter dado por apurado que o mesmo também estava na exploração do Recorrente antes do acidente. Aduz-se para tanto, suplementarmente, a gregariedade de tais animais, ou seja, estando os três juntos, à míngua de outra explicação, é de presumir que os mesmos provieram do mesmo local, ou seja da exploração do requerido.
A tudo acresce que, conforme flui da informação prestada pela DGAV, em 4/11/2024, foi comunicada a entrada dos animais na exploração do Recorrente, em dezembro de 2019 e posteriormente foi por si comunicado o decesso dos animais por razões administrativas.
Ao contrário do que pretende o Recorrente, em requerimento por si apresentado sobre tal informação, não se vislumbra qual o interesse em alguém emitir falsamente uma guia em seu nome de que os animais entraram na sua exploração e por outro lado admite expressamente que foi o mesmo que declarou o finamento das ovelhas, não colhendo a este respeito a explicação por si avançada no requerimento em causa, não tendo aliás produzido qualquer prova a tal respeito. Tais documentos, saliente-se, mostram-se conformes com a prova testemunhal produzida.
Não merece, assim, qualquer reparo a fixação dos itens 7, 9 e 10 dos factos provados nos termos em que foi feito.
Pretende ainda o Recorrente a alteração dos itens 2 e 3 dos factos provados, com base no depoimento da única testemunha - o condutor do veículo envolvido -, devendo passar a constar que “ao km 57,800 da EN ...02, encontravam-se três ovelhas na faixa de rodagem por onde seguia o veículo, o condutor não as viu, o veículo embateu nas ovelhas com a parte frontal, tendo então o condutor travado e imobilizado o veículo”.
De facto, do depoimento da única testemunha ouvida a respeito da forma como ocorreu o embate – o condutor do veículo acidentado EE- ressuma que o mesmo não viu as ovelhas, não sabendo se estavam paradas na via ou atravessaram no momento do embate, apenas tendo parado depois do embate.
Assim, nesta decorrência, deve ser alterada a matéria de facto dada por adquirida a este propósito, passando os itens 2 e 3 a ter a seguinte redação:
2 - Ao chegar ao km 57,800 da EN ...02, não viu três animais de espécie ovina que se encontravam na faixa de rodagem.
3 - O condutor da viatura ..-PN-.. foi embater com a parte frontal da viatura nos referidos animais.”.

Assim sendo, deverá igualmente passar a constar do factualismo não provado que:

a) Foi surpreendido com a presença de três animais de espécie ovina da na faixa de rodagem.
b) Antes do embate nas ovelhas, condutor da viatura ..-PN-.. tentou imobilizar a mesma, não o tendo conseguido.
*
V. Em função do supra exposto, é, pois, a seguinte matéria de facto a considerar:

Factos provados:
1) No dia 12 de outubro de 2019, pelas 21h20, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PN-.., conduzido por EE, circulava na Estrada Nacional ...02 (EN ...02), no sentido ... – .../... – ..., na freguesia ..., concelho ....
2) Ao chegar ao km 57,800 da EN ...02, não viu três animais de espécie ovina que se encontravam na faixa de rodagem.
3) O condutor da viatura ..-PN-.., foi embater com a parte frontal da viatura nos referidos animais.
4) Um dos animais tinha o n.º de identificação ...8... e encontrando-se registado a favor do réu AA.
5) Outro dos animais tinha como n.º de identificação ...2... e encontrava-se registado a favor de CC.
6) O terceiro animal não foi possível identificar o seu n.º de identificação.
7) No dia 27 de setembro de 2019, o animal referido em 4) foi transportado da exploração do réu AA, sita em ..., para a exploração do réu BB, sita em ....
8) No dia ../../2019, o animal identificado em 5) foi transportado da exploração do réu CC, sita em ..., para a exploração da ré DD, sita em Alfandega ....
9) Em data não concretamente apurada, mas situada depois do dia ../../2019 e antes do dia 12 de outubro de 2019 o animal identificado em 5) encontrava-se na exploração do réu BB.
10) De forma não concretamente apurada, os animais referidos em 4) e 5), em hora não apurada, mas antes das 21h20, saíram da exploração do réu BB e ocuparam a via descrita em 1).
11) Em consequência do descrito em 3), a viatura descrita em 1) apresentou vários danos na parte frontal, pelo que a sua reparação se cifrou em 9.043,67€, já com incidência de IVA.
12) À data do embate, estava em vigor o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...59, através da qual estava transferida para a autora a responsabilidade civil por danos próprios e causados a terceiros, com cobertura de risco de “choque, colisão, capotamento”, emergente da circulação rodoviário do veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-PN-...
13) Pelo descrito em 11), a autora entregou à oficina de reparação automóvel “EMP02..., Lda”, a quantia de 9.043,67€, já com incidência de IVA, para o pagamento do descrito em 10).
14) Com data de 04 de novembro de 2019, a autora procedeu à transferência da quantia de 422,51€ para outra instituição bancária cujo IBAN é o n.º  ...08, para efeito do pagamento relativo à cobertura do “veiculo de aluguer”.
15) Com data de 15 de novembro de 2019, a autora à ordem dos Bombeiros Voluntários ..., procedeu à emissão de um cheque cujo valor aposto foi de 147,60€, para efeito do pagamento da limpeza da via.”.
Quanto aos factos considerados como não provados, temos o seguinte:
a) Foi surpreendido com a presença de três animais de espécie ovina da na faixa de rodagem.
b) Antes do embate nas ovelhas, condutor da viatura ..-PN-.. tentou imobilizar a mesma, não o tendo conseguido.
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VI. em função da factualidade que ficou agora vertida como assente, cumpre indagar sobre se se mostram verificados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, em relação ao Recorrente BB, condenado em primeira instância na integralidade do peticionado.
No caso de concluir pela responsabilidade do Recorrente, haverá igualmente que sindicar sobre se existiu responsabilidade do condutor do veículo acidentado no embate contras ovelhas, extraindo daí as necessárias conclusões em termos de afastamento da responsabilidade do primeiro, ou a existência de uma concorrência de responsabilidades
 O objeto da presente ação centra-se assim no domínio da responsabilidade civil extracontratual, que assenta, nos termos do art. 483.º, n.º 1 do Código Civil, em quatro pressupostos fundamentais.
Importa, pois, aferir da eventual verificação desses pressupostos que a lei faz depender para a existência de responsabilidade aquiliana.
É, assim, necessário que haja:
- um facto ilícito enquanto evento resultante de uma conduta humana voluntária antijurídica violadora de um direito absoluto;
- um nexo de imputação subjetiva denotador da específica ligação psicológica do agente com o facto lesivo e tradutor do grau de censurabilidade que merece tal comportamento;
- um dano, enquanto o desvalor que o facto ilícito inflige em bens jurídicos pessoais ou patrimoniais, jurídico-civilmente tutelados;
- e um nexo de causalidade, que se revela no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge.
De acordo com a art. 487.º, n.º 1 do Código Civil, afloramento do princípio geral gizado no art. 350.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
A lei consagra, porém, diversas presunções de culpa do responsável, que implicam uma inversão do ónus da prova (art. 350º, n.º 1, do Código Civil), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem genericamente ilidíveis (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a função sancionatória (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 15ª edição, 2020, pág. 318)
Entre os casos em que existe essa presunção de culpa e se mostra em jogo nos presentes autos é a de danos causados por animais, com assento no art. 493.º, n.º 1 do Código Civil, que reza assim:
“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”.
Porém, existem situações em que, independentemente de culpa, a lei responsabiliza determinados sujeitos pelos danos resultantes de atividades ou coisas que pela sua natureza perigosa são suscetíveis de produzir danos. Trata-se da responsabilidade pelo risco, assente no princípio do ubi commodum, ibi incommodum.
 Este tipo de responsabilidade é, contudo, excecional, conforme ressalta do art. 483.º, n.º 2 do Código Civil.
Um dos casos previstos na lei de responsabilidade pelo risco está conexionado com danos causados por animais.
A este respeito, estatui o art. 502.º do Código Civil que:
 “Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”.
Sobre a aplicação destes dois normativos (arts. 491.º e 502.º do Código Civil), em anotação ao art. 502.º do Código Civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela que:
 “A diferença de regime explica-se pela diversidade de situações a que as duas disposições se aplicam: o artigo 493.º refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais (o depositário, o mandatário, o guardador, o tratador, o interessado na compra que experimenta o animal, etc.), enquanto o disposto no artigo 502.º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse (o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatário, etc.).
É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigo, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização.
No caso de o utente haver incumbindo alguém da vigilância dos animais, poderão cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no artigo 493.º e a fixada no artigo 502.º) perante o terceiro lesado, caso o facto danoso provenha da presuntiva culpa do vigilante; não havendo culpa deste, a obrigação de indemnização recairá apenas, com o fundamento do risco, sobre a pessoa do utente, caso se verifiquem os pressupostos que a condicionam.”. (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, 1987, págs. 511 e 512).
No caso vertente, a questão que se coloca é a de saber se pode o Recorrente ser responsabilizado, nos termos do art. 493.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, conforme foi feito na sentença recorrida, isto em primeira linha, pois caso não se sufrague tal entendimento poder-se-á adotar outra linha de entendimento jurídico, pois nos termos do art. 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil:
“O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Descendo ao caso concreto, diga-se que sufragamos o entendimento vertido na sentença recorrida de que “tendo o réu BB o domínio das preditas ovelhas, sobre si impendia a obrigação do dever de vigilância das mesmas, isto é, o dever de precaver quer o surgimento de perigos, quer a sua existência, nomeadamente diligenciar no sentido de evitar que as mesmas pudessem soltar-se e fugirem da respetiva exploração.”.
De facto, encontrando-se provado que duas das ovelhas em causa se encontravam na exploração pecuária do Recorrente, o mesmo tinha o dever de impedir que as mesmas saíssem dessa mesma exploração sem o devido acompanhamento e se postassem numa via de circulação automóvel, sendo certo que poderia invalidar esta presunção judicial provando que as ovelhas apesar de se encontrarem na sua exploração estavam a ser guardadas por outrem, o que não fez, preferindo contornar a realidade dizendo que as ovelhas se não encontravam na sua exploração. Além disso o transcrito art. 493.º, n.º 1, integrando uma presunção relativa ou iuris tantum, nos termos do art. 350.º, n.º 2 do Código Civil, 1ª parte, permitia que ilidisse culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, o que nem sequer alegou nem, nessa decorrência, obviamente, provou.
Porém, para que tal dispositivo legal possa ser aplicado é necessário que os danos tenham sido causados pelos animais, ou seja os danos devem ser imputáveis aos animais.
No caso vertente, temos por assente que as ovelhas foram embatidas com a parte frontal da viatura quando se encontravam na via e que o condutor do veículo as não viu.
Tal é manifestamente pouco para assacar qualquer tipo de responsabilidade ao condutor do veículo, designadamente a violação de qualquer normativo de direito estradal, pois que desconhecemos a que velocidade circulava o veículo, a morfologia do local do embate, a visibilidade, se as ovelhas estavam em movimento ou paradas e neste caso deitadas ou em pé, o tempo que fazia, etc.
Porém, tal é suficiente para se poder asseverar que o embate se ficou a dever ao comportamento das ovelhas, pois que as mesmas não poderiam estar na faixa de rodagem nas circunstâncias em que se encontravam desacompanhadas de um condutor.
De facto, de acordo com o art. 11.º do Código da Estrada:
“Todo o veículo ou animal que circule na via pública deve ter um condutor, salvo as exceções previstas neste Código.”.
Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deve atribuir-se a culpa na sua produção, por presunção judicial, nos termos do art. 351.ºdo Código Civil à pessoa que violou regras de direito estradal, desde que o mesmo não demonstre a existência de quaisquer circunstâncias anormais que determinaram tal facto (cfr. por exemplo, o recente acórdão da Relação do Porto, de 23/1/2025, processo n.º728/24.0T8MTS.P1, consultável em www.dgsi.pt).
Em termo que sufragamos, escreveu-se, a este propósito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2003, no processo n.º 03A3450, consultável em www.dgsi.pt., que:
“Embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão, em princípio, não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (art. 487.º, nº 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a atuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no art. 342.º do Cód. Civil, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.”.
Assim sendo, não só se poderia imputar ao Recorrente responsabilidade nos termos em que o prescreve o art. 493.º, n.º 1 do Código Civil, como se fez na decisão recorrida, mas ir mais além e considerar que inclusivamente se mostra provada a sua culpa na eclosão do acidente (ainda que por presunção judicial), uma vez que estando o mesmo o obrigado à vigilância dos animais, permitiu que os mesmos circulassem desacompanhados na via pública, acabando por ocasionar um sinistro gerador de danos materiais.
Assim sendo, desde logo por se mostrarem reunidos os pressupostos do art. 483.º, n.º 1 do Código Civil, temos que a seguradora podia exercer o direito de regresso da importância que liquidou ao seu segurado proprietário do veículo envolvido no acidente apenas contra o único responsável do sinistro apurado, o que equivale por dizer que o recurso é improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
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As custas da ação e do recurso serão suportadas pelo Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes da Terceira Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em consequência manter a decisão recorrida.
As custas serão suportadas pelo Recorrente.
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Guimarães, 10 de julho de 2025

Relator: Luís Miguel Martins
Primeira Adjunta:  Margarida Pinto Gomes
Segundo Adjunto:  José Manuel Flores