TRANFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
DESPESAS DE DESLOCAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Sumário

I – A transferência de local de trabalho pode ocorrer nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, porquanto se trata de matéria que admite a possibilidade de ser objeto de tratamento e regulamentação em sede de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, como seja um acordo de empresa ou convenção coletiva de trabalho.
II – O disposto no artigo 194.º, n.º 4, do CT de 2009 – que estabelece que o empregador deve custear as despesas decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência, ou, em caso de transferência temporária, de alojamento -, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o que significa que não o pode ser por contrato de trabalho/acordo das partes (cfr. artigo 3.º, n.º 5, do CT de 2009).
III – Da formulação do instituto do abuso de direito, nos quadros previstos no artigo 334.º do Código Civil, poderemos dizer que se configurará uma situação de abuso do direito quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.
IV “A situação de abuso de direito, em que se traduz o venire contra factum proprium, depende da verificação: de uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita na conduta alheia (no factum proprium); de uma justificação para essa confiança (plausível e sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis), de um investimento de confiança (ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma atividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade, pelo venire, e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara) e de uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confidante”.

[Sumário elaborado pela sua relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, com apelo a parte do sumário do citado Acórdão do STJ de 2-03-2023 (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho)]

Texto Integral

Recurso de apelação nº 3882/22.1T8VLG.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo, ...



Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha
2ª Adjunta: Maria Luzia Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA (Autor), intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CTT-Correios de Portugal, SA (Ré), formulando o seguinte pedido:

“a) Ser a R. condenada a pagar ao A. ao acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na ..., desde 02 de fevereiro de 2017 até 31 de dezembro de 2021, estando vencida a quantia de € 15 708,04 (Quinze mil setecentos e oito euros e quatro cêntimos);

b) Ser a R. condenada ao pagamento do acréscimo de encargos do ano de 2022, valor líquido a calcular em execução de sentença;

c) Ser a R. condenada a pagar ao A. os juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma prestação apuradas de 02 de fevereiro de 2017 a 31 de dezembro de 2021 e juros vincendos até efetivo e integral pagamento;

d) Ser a R. condenada a proceder ao pagamento do acréscimo de encargos com transporte enquanto o A. mantiver a sua colocação no CPLN/LPL (...);

e) Ser a R. condenada no pagamento de custas e condigna Procuradoria.”

Alegou para tanto, em substância, que: foi admitido ao serviço da Ré em 2-05-1994, para exercer as funções de carteiro no Centro de Distribuição Postal do Porto (CDP ...); residia e reside em ..., efetuando o trajeto entre a sua residência e o local de trabalho em viatura própria; a Ré por necessidade de serviço, inicialmente a 6-02-2017, desloca o Autor do CDP ... para o CPLN/LPL-Logísticas (Transportes), unidade orgânica com instalações na Rua ...-Zona Industrial ..., deslocação temporária, para onde o Autor ficou transferido a título definitivo, com efeitos a 27-02-2017; com esta transferência, manteve a categoria de CRT, mas passou a fazer as funções de motorista, categoria que detém presentemente por força de decisão judicial que lhe foi favorável no ano de 2021, com efeito a 27-02-2017, cujo processo correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho 8, sob o nº...; a Ré nunca pagou ao Autor o acréscimo de encargos com transportes resultante quer da deslocação, quer da transferência para o CPLN/LPL/Transportes (...), tendo o Autor em 12 de abril de 2017, mediante exposição entregue à sua chefia, solicitado o respetivo pagamento, sem obter qualquer resposta até à data.

Após citação e frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, apresentou a Ré contestação, invocando a exceção perentória de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. Invocou que: o Autor manifestou interesse em ser transferido para o CPLN, concorrendo a concurso interno para preenchimento de postos de trabalho de condutor de pesados, que o Autor integrou e não ficou em primeiro lugar; uma vez que o seu interesse ficou registado, a Ré contatou-o no sentido de vir a integrar aquele posto de trabalho; imediatamente antes da sua transferência, em 01-02-2017, o Autor assinou a declaração como a sua transferência não tinha encargos para a empresa. No que respeita a juros, sustentou não se poder considerar haver mora antes da citação da Ré para contestar a ação. Mais defendeu que a a alteração do local de trabalho ocorreu na continuidade de um processo concursal interno para preenchimento de postos de trabalho de condutor de pesados, tendo sido chamado posteriormente a integrar a área dos transportes, com a consequente transferência de local de trabalho, não sendo por isso enquadrável nas situações previstas de pagamento de acréscimo de encargos.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi:

- fixado o valor da causa em € 15.708,04;

- proferido despacho saneador tabelar;

- elencados os factos já assentes;

- identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Foi realizada a audiência final de discussão e julgamento.

Foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte (transcrição):

«Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente acção e em consequência:

a) Condeno a R. a pagar ao A. a quantia de €4.519,43 (quatro mil quinhentos e dezanove euros e quarenta e três cêntimos) a título de acréscimo de despesas com os transportes desde a sua residência até ao local para o qual foi transferido na ..., desde 02 de Fevereiro de 2017 até 31 de Dezembro de 2021, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

b) Condeno a R. a pagar ao A. o acréscimo de despesas com os transportes desde a sua residência até ao local para o qual foi transferido na ..., desde 1 de Janeiro de 2022 até 31 de Dezembro de 2022, no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação de sentença, fixando-se, desde já, em €0,346/km o valor do km a pagar pela Ré, (cfr. artºs 358º e ss. do C.P.C.);

c) Condeno a R. a proceder ao pagamento ao A. do acréscimo de encargos com o transporte enquanto o A. mantiver a sua colocação no CPLN/LPL (...) e se mantiver a residir na Rua ..., ..., ..., ... ...;

d) Absolvo a Ré do demais contra si peticionado na presente causa.


*

Custas pelo Autor e pela Ré, em partes iguais, (artigo 527º do Código de Processo Civil).

*

Registe e notifique.».

A Ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:

«I. A questão que cumpre decidir é a de saber se Autor direito ao acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido, o CPL-N na ....

II. Considerando os factos provados, em especial, o acordo do Autor de que a referida transferência, apesar de definitiva e por isso, enquadrável no art. 194.º do C.Trab. e Cl.ª 51.º do AE-CTT, era por acordo e sem encargos para a Empresa, a resposta só poderia ir no sentido de que não é devida qualquer quantia ao Autor a este título.

III. Essencialmente, o Tribunal a quo desconsiderou o acordo do Autor em detrimento da análise dos documentos relativos à transferência que referem que a mesma era por interesse da Empresa, ao abrigo do art. 194.º do C.Trab. e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015.

IV. Com o devido respeito, que é muito, não podemos aceitar a conclusão do M.mo Juiz a quo, uma vez que na presente situação as partes acordaram que a transferência definitiva do local de trabalho seria sem encargos para a Ré, facto que foi confirmado pelo próprio Autor em sede de declarações de parte, como se refere na decisão ora em crise.

V. A decisão viola assim o princípio pacta sunt servanda, consagrado no art. 406.º do C.Civ., devendo, por isso, concluir-se no sentido de que a Recorrente não estava, nem está, obrigada ao pagamento do acréscimo de encargos, conforme o acordado.

VI. Atendendo aos princípios essenciais de interpretação deste acordo, previstos nos arts. 236.º e 238.º do C.Civ., deve reconhecer-se que as partes manifestaram expressamente a vontade de alterar o local de trabalho, pois tanto a empresa como o trabalhador tinham interesse em que este fosse para a área dos Transportes no CPL-N, e que, por via disso, o Autor seria transferido definitivamente sem qualquer encargo para a Recorrente.

VII. É isto que resulta dos factos provados e do direito aplicável ao caso sub judice.

VIII. Por isso, defende a Recorrente que o Autor actua em claro abuso de Direito, pois foi o mesmo que manifestou interesse em ser transferido para o CPLN, para integrar a área dos Transportes, como condutor de pesados, tendo assinado uma declaração que a transferência se dava com o seu acordo e sem encargos para a Empresa.

IX. O facto de agora vir peticionar despesas relativas ao subsídio de transporte próprio, por utilização de viatura, dizendo agora que afinal devia receber os acréscimos de encargos consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium., como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.12.2011, Relator PEREIRA RODRIGUES, disponível em dgsi.pt

X. A proibição do comportamento contraditório ou inadmissível independentemente da confiança enquadra-se na proibição do abuso do direito previsto no artigo 334.º do C.Civ..

XI. Como é evidente, e resulta dos factos provados, a conduta do A. excede largamente os limites impostos pela boa-fé posto que contraria formalmente o acordado com a Recorrente, defraudando a legítima expectativa de que o Autor nada reclamaria relativamente ao acréscimo dos custos com a transferência do local de trabalho, confiança que, salvo o devido respeito, é digna de protecção, devendo, também, por isso absolver-se a R. do pedido.

XII. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto nos arts. 194.º do C.Trab. e a Cl. 51.º do AE-CTT, os arts. 236.º, 238.º e 334.º do C.Civ. e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência nas normas putativamente violadas.»

Terminou, dizendo que deverá ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue a total improcedência da ação.

O Autor não apresentou resposta ao recurso da Ré.


*

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho), aí se lendo (transcrição):

«[…]

Pela Recorrente é questionado se o A. tem direito a que lhe seja pago o acréscimo de encargos com o transporte resultante da sua transferência para a ....

Como é realçado na douta sentença, e com a devida vénia aqui reproduzimos, “… é a própria Ré quem refere que a transferência do autor é no interesse da empresa ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.”.

Ou seja, é a própria Ré que admite, nos termos do nº4 do artº194º do CT que “deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação”, uma vez que na presente situação não está em causa a mudança de residência nem se está perante qualquer transferência temporária.

Por outro, invoca “a Ré que antes da sua transferência em 01.02.2017 o A. assinou a declaração em como a sua transferência não tinha encargos para a empresa, pelo que que a pretensão do Autor de lhe serem pagos os custos de deslocação decorrentes da sua transferência para a ..., configura um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Ora, considerando que é a própria Recorrente a apresentar uma justificação para a transferência do autor, avançando que é no próprio interesse da empresa, nada referindo quanto à aceitação daquele para a sua transferência - por acordo e sem encargos para a Empresa -, sendo inequívoca a declaração da própria Ré de que o Autor será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/lPLL, ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017, a mesma admite, afinal, suportar as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação. E assim se vê como não tem qualquer sustentação factual nem legal a alegação de que a pretensão do A. configura um a abuso de direito.

Improcedem, pois, as conclusões formuladas, as quais, no nosso modesto entendimento, não são suscetíveis de colocar em crise a justeza e o rigor da fundamentação explanada na sentença recorrida.

A sentença recorrida merece ser mantida na ordem jurídica.

Em suma, emite-se parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento.».

As partes não responderam ao sobredito parecer.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos e o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


***


II – Questão(ões) a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

Assim, a questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito ao decidir ter o trabalhador Autor direito ao acréscimo de despesas com os transportes desde a sua residência até ao local de trabalho para o qual foi transferido – CPLN-LPL na ... e, bem assim, ao condenar a Ré no respetivo pagamento [ou seja, ao concluir pela existência do direito em referência e ao considerar inexistir abuso de direito do Autor no respetivo exercício].


***


III – Fundamentação

1) Em termos fácticos

O recurso apresentado não coloca em crise a sentença recorrida no que respeita à decisão da matéria de facto, não sendo apresentada impugnação da matéria de facto provada e não provada, sendo ainda certo que não se justifica qualquer intervenção oficiosa a este nível.

Os factos considerados provados na primeira instância são os seguintes (transcrição):

“1. Em 02 de maio de 1994 o A. foi admitido para trabalhar, mediante contrato de trabalho a termo, para, sob a autoridade e direção da R., exercer as funções de Carteiro, (facto assente 1).

2. Por esse contrato de trabalho, comprometeu-se o A. a prestar sob as ordens, instruções e fiscalização da R., as mencionadas funções de CRT no Centro de Distribuição Postal do Porto (CDP ...), (facto assente 2).

3. O A. iniciou as suas funções de Carteiro (CRT), exercendo-as nas instalações da R. (CDP ...) sitas à Rua ..., n.º 271 – ... Porto, (facto assente 7).

4. Manteve a situação de contratado a termo até ao ano de 1997, (facto assente 3).

5. Em 02 de janeiro de 1997, o A. é admitido como efetivo, com a categoria profissional de Carteiro, ficando colocado no já mencionado CDP ..., (facto assente 4).

6. O seu local de trabalho era o CDP ..., sito na Rua ..., ... Porto, pelo que a distância diária da residência, sita na Rua .... .... – ... – ... ..., para aquele local de trabalho era de 19,6 km, (cfr. tema da prova- artº51º da Contestação).

7. O A. manifestou interesse em ser transferido para o CPLN, concorrendo a concurso interno para preenchimento de postos de trabalho de condutor de pesados, que o Autor integrou e não ficou em primeiro lugar, (cfr. tema da prova- artº13º da Contestação).

8. Uma vez que o seu interesse ficou registado, a Ré contactou-o no sentido de vir a integrar aquele posto de trabalho, (tema da prova- artº14º da Contestação).

9. Em 01/02/2017 o A., referindo ter a categoria profissional de carteiro, declarou que aceita a sua transferência por acordo e sem encargos para a Empresa, para o CPLN/LPLL, (cfr. tema da prova- artºs 15º e 45º da Contestação).

10. O A. assinou a dita declaração imediatamente antes da sua transferência, depois de contactado pela Empresa, (cfr. tema da prova- artºs 19º e 20º da Contestação).

11. A R., por interesse da empresa, inicialmente a 06.02.2017, desloca o A. do CDP ... para o CPLN/LPL – Logística (Transportes), unidade orgânica com instalações na Rua ...-...- ... ..., (cfr. tema da prova- artº9º da P.I.)

12. A R., em 06.02.2017, comunica por ofício, que o A. fica transferido, a título definitivo, para o CPLN/LPL (Transportes)- ..., com efeitos a 27.02-2017, nos seguintes termos:

“Assunto: Transferência por interesse da Empresa

Exmº Senhor

Vimos pelo presente meio comunicar a V.Exª que será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/lPLL, ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.

Sem outro assunto de momento”, (cfr. tema da prova- artº11º da P.I.).

13. Em 22 de Fevereiro de 2017 a Administradora da Ré proferiu o seguinte despacho, a produzir efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2017:

“Na sequência da reorganização de serviços, com a concordância do respectivo Director e da ADDF, transfiro por interesse da empresa, do CDP ... para o CPLN/Centro de Produção e Logística ... (...36), o CRT AA (...38), (cfr. tema da prova- artº17º da Contestação).

14. Com esta transferência para CPLN-LPL (Transportes)-..., o A. manteve a categoria de CRT, mas passou a fazer as funções de motorista, categoria que detém presentemente por força de decisão judicial que lhe foi favorável no ano de 2021, reportando os seus efeitos a 27 de fevereiro de 2017, cujo processo correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo do Trabalho 8, sob o nº..., (cfr. tema da provaartº13º da P.I.).

15. Na respectiva escala logística o A. está integrado no “rodizio 3”, com diversos horários e escalas semanais, implicando algumas vezes um horário entre as 02h00 e as 06h00, conforme se constata pelo mapa de assiduidade do A. junto a fls.89 a 115 v., que aqui se dá por integralmente reproduzido, (cfr. tema da prova- artº19º da P.I.).

16. O A. residia e reside em ..., até maio de 2019 na Rua .... .... – ... – ... ... e a partir de junho de 2019 na Rua ..., ... – ... – ... ..., efectuando o trajeto entre a sua residência e o local de trabalho em viatura própria, (facto assente 8, com a rectificação do lapso de escrita constante da data de “junho de 2020” que consta do artº8º da P.I. e que transitou para o facto assente 8) a fls.83 e que agora se rectifica para “junho de 2019”).

17. Á data estava em vigor a Ordem de Serviço nºOS00142014CE, datada de 16.12.2014, relativa ao subsídio de transporte próprio e condições de atribuição nas situações de acréscimo de despesas da responsabilidade da empresa, designadamente as referentes a transferências definitivas e temporárias de local de trabalho, quando estas não decorram do acordo das partes, definindo como princípios, em síntese, que “a base de terminação para cálculo do acréscimo de encargos com transporte, deve partir do custo do transporte que, sendo necessário e suficiente, implique menor encargo e seja suscetível de ser utilizado por todos os trabalhadores nas mesmas condições”, que “o local de trabalho a considerar é o local gerador do acréscimo de despesas com os transportes, devendo, para cálculo do valor do acréscimo invocado pelo trabalhador, ser ponderada a deslocação para o anterior local de trabalho, segundo a necessidade de utilização de transporte e a suficiência do meio de transporte utilizado”, “a utilização de transporte próprio nas deslocações do domicílio para o local de trabalho só é opção viável para o presente efeito quando esta seja menos onerosa que outro meio de transporte disponível e quando não existam transportes colectivos (…) passíveis de serem utilizados”, (cfr. tema da prova- artº54º da Contestação),

18. Por outro lado, nessa Ordem de Serviço foi fixado em €0,323/km o valor de subsídio de transporte próprio em viatura automóvel, valor que se manteve em vigor até Janeiro de 2022, altura em que entrou em vigor a Ordem de Serviço que fixou o valor em €0,346/km, (cfr. tema da prova- artº55º da Contestação),

19. Com a mudança para o CPLN, sito na Rua ..., ..., a distância diária entre a residência e o novo local de trabalho era de 26,5 km até Maio de 2019, (cfr. tema da prova- artº52º da Contestação),

20. Com um aumento de distância diária de 19,6 km para 26,5 km, sendo que a diferença é de 6,8 km, ou seja, 13,8 km diários, (cfr. tema da prova- artº53º da Contestação).

21. Até Maio de 2019 o A. residia na Rua .... .... – ... – ... ..., percorrendo 41 km por cada dia trabalhado entre a ida e o regresso:

26,5 km por viagem, totalizando ida e regresso 41 kms da residência do A. na Rua .... .... – ... – ... ... à CPLN/LPL – Zona Industrial ..., (cfr. tema da prova- artº21º da P.I.).

22. O A. não tinha transportes públicos com horários disponíveis para se deslocar da Rua .... .... – ... – ... ... para a Rua ...-...- ... ..., e regressar à sua residência, até maio de 2019 e a partir de junho de 2019 não tinha transportes públicos com horários disponíveis para se deslocar da Rua ..., ... – ... – ... ... para a Rua ...-...- ... ..., e regressar à sua residência, pelo que o A. utilizou sempre nessas deslocações o transporte próprio (automóvel) efectuando, até Maio de 2019, 41 km por cada dia trabalhado entre a ida e o regresso (= 26,5 km x 2) e desde Junho de 2019, 67,2 km por cada dia trabalhado entre a ida e o regresso (= 33,6 km x 2), (cfr. tema da prova- artº20º da P.I.).

23. Com um aumento de distância diária de 19,6 km para 33,6 km a partir de Junho de 2019, sendo que a diferença é de 14,00 km, ou seja, 28 km diários, (cfr. tema da provaartº53º da Contestação).

24. Com a determinação da R., por interesse seu, que obrigou o trabalhador a deslocar-se para a ..., este, para cumprir os horários de trabalho para os quais está escalado tem de recorrer ao seu veículo particular, até porque não tem transportes públicos compatíveis, mormente sempre que realiza o horário entre as 02h00 e as 06h00, acrescendo, ainda o dispêndio de tempo em viagens, (cfr. tema da prova- artº23º da P.I.).

25. Os dias em que efectuou o horário noturno entre as 02h00 e as 06h00 o A. auferiu um subsídio denominado “compensação por horário incómodo”, que consta dos seu recibos de vencimento sob a rubrica 136, (cfr. tema da prova- artº24º da P.I.).

26. O subsídio denominado “Compensação por Horário Incómodo” foi pago pela R. ao A. no seguinte número de dias:

No ano de 2017

Mês de Fevereiro: 13 dias

Mês de Março: 13 dias

Mês de Abril: 7 dias

Mês de Maio: 12 dias

Mês de Junho: 19 dias

Mês de Julho: 15 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 14 dias

Mês de Novembro: 19 dias

TOTAL: 119 dias

No ano de 2018

Mês de Janeiro: 6 dias

Mês de Fevereiro: 18 dias

Mês de Março: 9 dias

Mês de Abril: 16 dias

Mês de Maio: 9 dias

Mês de Junho: 18 dias

Mês de Julho: 1 dia

Mês de Agosto: 15 dias

Mês de Setembro: 4 dias

Mês de Outubro: 13 dias

Mês de Novembro: 15 dias

Mês de Dezembro: 14 dias

TOTAL: 138 dias

No ano de 2019

Mês de Janeiro: 16 dias

Mês de Fevereiro: 3 dias

Mês de Março: 17 dias

Mês de Abril: 10 dias

Mês de Maio: 17 dias

Mês de Junho: 6 dias

Mês de Julho: 8 dias

Mês de Agosto: 18 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 8 dias

Mês de Novembro: 16 dias

Mês de Dezembro: 16 dias

TOTAL: 142 dias

No ano de 2020

Mês de Janeiro: 15 dias

Mês de Fevereiro: 10 dias

Mês de Março: 15 dias

Mês de Abril: 8 dias

Mês de Maio: 5 dias

Mês de Junho: 10 dias

Mês de Julho: 14 dias

Mês de Agosto: 10 dias

Mês de Setembro: 9 dias

Mês de Outubro: 9 dias

Mês de Novembro: 14 dias

Mês de Dezembro: 15 dias

TOTAL: 134 dias

No ano de 2021

Mês de Janeiro: 15 dias

Mês de Fevereiro: 2 dias

Mês de Março: 14 dias

Mês de Abril: 4 dias

Mês de Maio: 17 dias

Mês de Junho: 4 dias

Mês de Julho: 17 dias

Mês de Agosto: 12 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 5 dias

Mês de Novembro: 13 dias

Mês de Dezembro: 19 dias

TOTAL: 129 dias, (cfr. tema da prova- artº25º da P.I.).

27. No ano de 2017, de Fevereiro a Julho e de Setembro a Novembro, o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua .... .... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 119 dias assim discriminados:

Mês de Fevereiro: 13 dias

Mês de Março: 13 dias

Mês de Abril: 7 dias

Mês de Maio: 12 dias

Mês de Junho: 19 dias

Mês de Julho: 15 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 14 dias

Mês de Novembro: 19 dias,

Perfazendo um total de 4879 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº30º da P.I.).

28. No ano de 2018, de Janeiro a Dezembro, o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua .... .... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 138 dias assim discriminados:

Mês de Janeiro: 6 dias

Mês de Fevereiro: 18 dias

Mês de Março: 9 dias

Mês de Abril: 16 dias

Mês de Maio: 9 dias

Mês de Junho: 18 dias

Mês de Julho: 1 dia

Mês de Agosto: 15 dias

Mês de Setembro: 4 dias

Mês de Outubro: 13 dias

Mês de Novembro: 15 dias

Mês de Dezembro: 14 dias

Perfazendo um total de 5658 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº31º da P.I.).

29. No ano de 2019, de Janeiro a Maio, o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua .... .... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 63 dias e de Junho a Dezembro, o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua ..., ... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 79 dias assim discriminados:

Mês de Janeiro: 16 dias

Mês de Fevereiro: 3 dias

Mês de Março: 17 dias

Mês de Abril: 10 dias

Mês de Maio: 17 dias

Mês de Junho: 6 dias

Mês de Julho: 8 dias

Mês de Agosto: 18 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 8 dias

Mês de Novembro: 16 dias

Mês de Dezembro: 16 dias

TOTAL: 142 dias Perfazendo um total de 7891,80 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº32º da P.I.).

30. No ano de 2020, de Janeiro a Dezembro o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua ..., ... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 134 dias assim discriminados:

Mês de Janeiro: 15 dias

Mês de Fevereiro: 10 dias

Mês de Março: 15 dias

Mês de Abril: 8 dias

Mês de Maio: 5 dias

Mês de Junho: 10 dias

Mês de Julho: 14 dias

Mês de Agosto: 10 dias

Mês de Setembro: 9 dias

Mês de Outubro: 9 dias

Mês de Novembro: 14 dias

Mês de Dezembro: 15 dias

Perfazendo um total de 9004,80 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº33º da P.I.).

31. No ano de 2021, de Janeiro a Dezembro o A. utilizou a sua viatura particular para se deslocar da sua residência sita na Rua ..., ... – ... – ... ... para o CPLN/Transportes sito na Zona Industrial ... durante 129 dias assim discriminados:

Mês de Janeiro: 15 dias

Mês de Fevereiro: 2 dias

Mês de Março: 14 dias

Mês de Abril: 4 dias

Mês de Maio: 17 dias

Mês de Junho: 4 dias

Mês de Julho: 17 dias

Mês de Agosto: 12 dias

Mês de Setembro: 7 dias

Mês de Outubro: 5 dias

Mês de Novembro: 13 dias Mês de Dezembro: 19 dias,

Perfazendo um total de 8668,80 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº34º da P.I.).

32. A R. remunera o A., ultimamente à razão de € 978,92 (Novecentos e setenta e oito euros e noventa e dois cêntimos), a que acresce o valor de € 183,42 (Cento e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos) correspondente a 6 diuturnidades e ainda € 13,11 (Treze euros e onze cêntimos) de diuturnidade especial, (facto assente 5).

33. As relações jurídico – laborais entre A. e R. são reguladas pelos sucessivos AE’s que a seguir se discriminam (e para o que aqui releva a partir de 2015) bem como, demais legislação geral e especial, complementar em vigor:

*AE95/96 (Global) Publicado no BTE nº. 21 – 1ª. Série, de 96/06/08 Entrada em vigor: Clausulado – 96/06/25; Matéria Salarial – 95/09/01

*AE96 – Alteração Salarial. Entrada em vigor: 96/09/01

*AE97/98 – Alteração Salarial. Entrada em vigor: 97/07/01

*AE98/99 (Global) – Publicado no BTE nº. 8 – 1º. Série, de 99/02/28 Entrada em vigor: Clausulado – 99/08/15 (Exc. Clª. 70ª e Eliminação do Anexo

VIII – 99/07/01; Matéria Salarial – 98/07/01

*AE99/2000 – Alteração Salarial. Entrada em vigor: 99/07/01 AE2000/2001 (Global) – Publicado no BTE nº. 30, de 2000/08/15 Entrada em vigor: Clausulado – 2000/08/30; Matéria Salarial (Anexos VI, VII e VIII) – 2000/06/16

*AE2006 – Alteração Salarial – Publicado no BTE nº. 27 – 1ª. Série, de 2006/07/22

* AE2010 (Global) – Publicado no BTE nº. 1 – 1ª. Série, de2010/01/08;

* AE2013 – Clausulado – Publicado no BTE nº. 15 – 1ª. Série, de 2013/04/22;

* AE2015 – Clausulado – Publicado no BTE nº. 8 – 1ª Série, de2015/02/28;

* AE2015 – Alteração Salarial – Publicado no BTE n.º 27 – 1ª. Série, de 2017/07/22;

* AE2018 – Alteração Salarial e Texto Consolidado – Publicado no BTE n.º 27 – 1ª. Série, de 2018/07/22;

* AE2019 – Alteração Salarial – Publicado no BTE n.º 46 – 1ª. Série, de 2019/12/15, (facto assente 6).

34. A R. nunca pagou ao A. qualquer acréscimo de encargos com transportes resultante quer da deslocação, quer da transferência para o CPLN/Transportes (...), (cfr. tema da prova- artº14º da P.I.).

35. Tendo o A., em 12 de abril de 2017, mediante exposição entregue à sua chefia, solicitado o respectivo pagamento,,(cfr. tema da prova- artº15º da P.I.).”

Quanto aos factos não provados, consta da sentença recorrida o seguinte:

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que:

- tenha sido por necessidade de serviço que a R. deslocou o A. do CDP ... para o CPLN/LPL – Logística (Transportes), unidade orgânica com instalações na Rua ...-...- ... ..., nem que tal deslocação tenha sido temporária, (cfr. tema da prova- artº9º da P.I.);

- o A. não tenha obtido qualquer resposta até à data, (cfr. tema da prova- artº15º da P.I.);

- em termos médios, durante metade do mês, o A. tenha um horário entre as 02h00 e as 06h00, (cfr. tema da prova- artº19º da P.I.);

- desde junho de 2019 o autor percorresse 62,8 kms por dia entre a ida/regresso, (cfr. tema da prova- artº20º da P.I.);

- o A. percorresse 31,4 km por viagem, totalizando ida e regresso 62,8kms da residência do A. na Rua ..., ...-...-... ... até ao CPLN/LPL- Zona Industrial ..., (cfr. temas da prova- artºs 20º e 21º da P.I.);

- apesar da alteração da sua residência ocorrida a partir de Junho de 2019, o número de quilómetros que efectua diariamente para a ida para o seu local de trabalho na ... e regresso a casa, se tenha mantido inalterado, (cfr. tema da prova- artº22º da P.I.);

- no ano de 2017 o A. tenha efectuado com a sua viatura particular para se deslocar da sua residência para o CPLN/Transportes um total de 7.473,20 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº30º da P.I.);

- no ano de 2018 o A. tenha utilizado a sua viatura particular durante 153 dias para se deslocar da sua residência para o CPLN/Transportes nem que tenha efectuado um total de 9.608,40 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº31º da P.I.);

- no ano de 2019 o A. tenha efectuado com a sua viatura particular para se deslocar da sua residência para o CPLN/Transportes um total de 8.917,60 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº32º da P.I.);

- no ano de 2020 o A. tenha efectuado com a sua viatura particular para se deslocar da sua residência para o CPLN/Transportes um total de 8.415,20 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº33º da P.I.);

- no ano de 2021 o A. tenha efectuado com a sua viatura particular para se deslocar da sua residência para o CPLN/Transportes um total de 8.415,20 quilómetros, (cfr. tema da prova- artº34º da P.I.);

- em 05.02.2017 o A. tenha prestado o seu primeiro dia de trabalho no CPLN, (cfr. tema da prova- artº16º da Contestação);

- exerça funções no CPL-N desde 05 de Fevereiro de 2017, (cfr. tema da provaartº44º da Contestação);

- desde Junho de 2020 a distância diária entre a residência e o novo local de trabalho tenha passado a ser de 30,6 Km, (cfr. tema da prova- artº52º da Contestação);

-com o novo local de trabalho tenha havido um aumento da distância diária de 23,8 km para 30,6 km, (cfr. tema da prova- artº53º da Contestação).”


*

***


2) Aplicação de direito/Conhecimento

A factualidade a atender para o conhecimento do direito do caso é aquela que foi fixada pelo Tribunal recorrido.

A Recorrente discorda do decidido em 1.ª instância na parte em que afirmou o direito do Autor ao acréscimo de despesas com os transportes desde a sua residência até ao local de trabalho para o qual foi transferido – CPLN-LPL na ..., com a argumentação que sintetizou nas conclusões já transcritas. Defende que a decisão viola o princípio do pacta sunt servanda, consagrado no artigo 406.º do Código Civil, devendo, por isso, concluir-se no sentido de que a Recorrente não estava, nem está, obrigada ao pagamento do acréscimo de encargos, conforme o acordado. Mais defende que, atendendo aos princípios essenciais de interpretação deste acordo, previstos nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, deve reconhecer-se que as partes manifestaram expressamente a vontade de alterar o local de trabalho, pois tanto a empresa como o trabalhador tinham interesse em que este fosse para a área dos Transportes no CPL-N, e que, por via disso, o Autor seria transferido definitivamente sem qualquer encargo para a Recorrente. Sustenta ainda que o facto de o Autor vir agora peticionar o acréscimo de encargos consubstancia um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Por sua vez, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, referindo que é a própria Recorrente a apresentar uma justificação para a transferência do Autor, avançando que é no próprio interesse da empresa. Argumenta que, sendo inequívoca a declaração de que o Autor será transferido por interesse da empresa ao abrigo do artigo 194.º do Código do Trabalho e da cláusula 51.ª do AE publicado no BTE n.º 8 de 28 de fevereiro, a mesma admite, afinal, suportar as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação, pelo que não tem qualquer sustentação factual nem legal a alegação de que a pretensão do Autor configura um abuso de direito.

Consta da sentença recorrida em sede de fundamentação de direito, e no que respeita à questão a decidir no âmbito do presente recurso, o seguinte:

« 4. Mas tal implica concluir que o autor não tem direito a que lhe seja pago o acréscimo de encargos com o transporte resultante da sua transferência para a ... ?

A resposta a esta questão é-nos dada pela própria Ré quando, em 06.02.2017, comunica por ofício, que o A. fica transferido, a título definitivo, para o CPLN/LPL (Transportes)- ..., com efeitos a 27.02-2017, nos seguintes termos:

“Assunto: Transferência por interesse da Empresa Exmº Senhor Vimos pelo presente meio comunicar a V.Exª que será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/lPLL, ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.”, (cfr. facto provado 12).

Ou seja, é a própria Ré quem refere que a transferência do autor é no interesse da empresa ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.

O que significa que a própria Ré admite que, nos termos do nº4 do artº194º do CT “deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação”, uma vez que na presente situação não está em causa a mudança de residência nem se está perante qualquer transferência temporária.

Destarte, importa apurar quais as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação que a Ré deve custear nos termos do nº4 do aludido artº194º do CT.

5. E nem se diga, como pretende a Ré, que a pretensão do Autor de lhe serem pagos os custos de deslocação decorrentes da sua transferência para a ..., configura um abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Para tanto, invoca a Ré que antes da sua transferência em 01.02.2017 o A. assinou a declaração em como a sua transferência não tinha encargos para a empresa.

Vejamos.

Como é sabido, o princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.

Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, págs. 26-27].

O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Acolhe-se a concepção objectiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte.

O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, se ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário [Ob. Cit., pág. 29].

Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”.

Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações” [Código Civil Anotado, Vol.1, págs.299-300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, Ob. cit., pp. 29].

Por sua vez, Menezes Cordeiro escreve o seguinte:

O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé.

E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais.

A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”, [Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2006, págs. 91-92].

Para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil).

No caso, se é verdade que em 01/02/2017 o A., referindo ter a categoria profissional de carteiro, declarou que aceita a sua transferência por acordo e sem encargos para a Empresa, para o CPLN/LPLL, tendo o A. assinado a dita declaração imediatamente antes da sua transferência, depois de contactado pela Empresa, também não é menos verdade que a própria Ré., por interesse da empresa, inicialmente a 06.02.2017, desloca o A. do CDP ... para o CPLN/LPL – Logística (Transportes), unidade orgânica com instalações na Rua ...-...- ... ....

Resultou ainda provado que a R., em 06.02.2017, comunica por ofício, que o A. fica transferido, a título definitivo, para o CPLN/LPL (Transportes)- ..., com efeitos a 27.02-2017, nos seguintes termos:

“Assunto: Transferência por interesse da Empresa

Exmº Senhor

Vimos pelo presente meio comunicar a V.Exª que será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/lPLL, ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.

Sem outro assunto de momento”.

Por outro lado, em 22 de Fevereiro de 2017 a Administradora da Ré proferiu o seguinte despacho, a produzir efeitos a partir de 27 de Fevereiro de 2017:

“Na sequência da reorganização de serviços, com a concordância do respectivo Director e da ADDF, transfiro por interesse da empresa, do CDP ... para o CPLN/Centro de Produção e Logística ... (...36), o CRT AA (...38);

Ou seja, a própria Ré apresenta como justificação da transferência do autor o próprio interesse da empresa, nada referindo quanto à aceitação pelo autor da sua transferência por acordo e sem encargos para a Empresa, sendo inequívoca a declaração da própria Ré de que o Autor será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/lPLL, ao abrigo do artº194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE nº8, de 28 de Fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017, assim admitindo, assim, inequivocamente custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação.

O que significa que o autor, ao vir intentar a presente acção e deduzir a pretensão peticoonada, não actuou em abuso de direito, mas apenas no exercício legítimo e constitucional do seu direito de ação.

Não se reconhece, pois, razão à ré neste ponto, inexistindo qualquer abuso do direito por parte do aqui autor.”.

Ponderando a transcrita fundamentação, tendo por base a factualidade provada e o quadro normativo aplicável, diremos, desde já adiantando a solução que, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, consideramos não assistir razão à Recorrente na sua pretensão de ver alterado o julgado, concordando-se com o sentido decisório da sentença recorrida ao reconhecer ter o trabalhador Autor direito ao acréscimo de despesas com os transportes desde a sua residência até ao local de trabalho para o qual foi transferido – CPLN-LPL na ... e, bem assim, ao condenar a Ré no respetivo pagamento [ou seja, ao concluir pela existência do direito em referência e ao considerar inexistir abuso de direito do Autor no respetivo exercício].

Explicitemos, então, as razões deste nosso entendimento.

No caso sub judice, e tendo em conta a relação laboral mantida entre as partes, e a data em que se concretizou a transferência do Autor – em 2017 –, tem aqui aplicação o Código do Trabalho de 2009[4], aprovado pela Lei n.º 7/2009 (artigo 7.º daquela Lei), como, aliás, foi pressuposto na sentença recorrida e a Recorrente não coloca em crise.

O quadro normativo convencional aplicável, é também o que foi tido em conta pelo Tribunal a quo – ou seja, o Acordo de Empresa entre os CTT-Correios de Portugal, SA e o Sinditelco-Sindicato Democrático dos Trabalhadores dos Correios, Telecomunicações, Media e Serviços e outros, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2015[5], sendo que a Recorrente no presente recurso também não coloca em crise que o seja.

Inexiste, aliás, controvérsia entre as partes quanto à aplicação à relação laboral dos instrumentos de regulamentação coletiva melhor identificados no ponto 33 dos factos provados.

O Tribunal recorrido reconheceu o direito do Autor ao acréscimo dos custos de deslocação decorrentes da sua transferência definitiva de local de trabalho, com apelo ao disposto no artigo 194.º do Código do Trabalho e à cláusula 51.ª do AE de 2015, dizendo que foi a própria Ré que qualificou a transferência do Autor como sendo no interesse da empresa e ao abrigo de tais normativos.

No recurso não está em crise que ocorreu uma situação de transferência definitiva de local de trabalho para o CPLN-LPL, na ....

Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, alínea f), do CT de 2009, é proibido ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos nesse Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou ainda caso haja acordo.

O artigo 194.º do CT de 2009, sob a epígrafe “Transferência de local de trabalho”, o seguinte:

“1 – O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:

a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;

b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.

2 – As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.

3 – A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.

4 – O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária de alojamento.

5 – No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º.

6 – O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

7 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.”

O AE de 2015 regula a matéria da transferência definitiva de local de trabalho na Secção II (cláusulas 49.ª a 54.ª) do Capítulo VI (prestação do trabalho)

A respetiva cláusula 49.ª prevê as modalidades dessa transferência, estabelecendo que os “trabalhadores podem mudar de local de trabalho, por acordo, por interesse da empresa, por conveniência de serviço ou permuta, nos termos da lei e do presente AE”.

A cláusula 50.ª, sob a epígrafe “Transferência por acordo da iniciativa do trabalhador”, prevê o seguinte:

“1- As transferências por acordo podem resultar da iniciativa do trabalhador.

2- Quando haja mais de um candidato para o mesmo posto de trabalho, a seleção será feita segundo os seguintes critérios de preferência, pela ordem estabelecida:

1.º Maior antiguidade na categoria profissional;

2.º Maior antiguidade na empresa;

3.º Melhor avaliação de desempenho;

4.º Juntar-se ao agregado familiar.

3- No caso de estar em causa candidatura a um posto de trabalho num serviço da área de influência do CARC, e em caso de igualdade relativamente aos 1.º, 2.º e 3.º critérios referidos no número anterior, preferirá o candidato que já se encontrar a prestar serviço na referida área.

4- Os postos de trabalho vagos em serviço sede do CARC serão preenchidos por trabalhador com maior antiguidade no CARC preferindo, em caso de igualdade, o de maior antiguidade na categoria profissional.

5- Para efeitos do disposto nos números 3 e 4, a empresa anunciará as vagas a preencher, através dos meios de comunicação interna, de modo a que todos os trabalhadores possam ter conhecimento.”.

Por sua vez, a cláusula 51.ª, sob a epígrafe “Transferência por interesse da empresa”, estabelece o seguinte:

“1- A empresa pode, sempre que o seu interesse o exija, proceder à mudança de trabalhadores para outro local de trabalho, desde que essa mudança não implique prejuízo sério para o trabalhador ou quando tal alteração resulte de mudança total ou parcial do estabelecimento em que aquele presta serviço.

2- A empresa está obrigada a comunicar ao trabalhador, por escrito, a mudança definitiva de local de trabalho, com justificação dos motivos determinantes, com uma antecedência mínima nos termos seguintes:

a) 30 dias, se a distância entre o anterior local de trabalho e no novo local for superior a 50 km;

b) 15 dias, se a distância entre o anterior local de trabalho e novo local de trabalho for igual ou inferior a 50 km.”.

Na cláusula 52.ª é regulada a transferência por conveniência de serviço, estabelecendo o n.º 1 que nos casos em que se visar a eliminação de excedentes de pessoal resultantes de reorganização ou extinção de serviços ou aproveitamento de trabalhadores com incapacidades parciais, a empresa pode recorrer a transferência por conveniência de serviço nos termos dos números seguintes. O n.º 2 estabelece as regras a observar quando exista mais de um trabalhador da mesma categoria profissional a transferir. O n.º 7 prevê que se o trabalhador não concordar com a transferência por conveniência de serviço poderá fazer cessar o contrato de trabalho, mediante comunicação escrita à empresa, com direito a uma indemnização de acordo com a respetiva antiguidade e correspondente a um mês de retribuição por cada ano, sendo a fração calculada proporcionalmente, não podendo em qualquer caso ser inferior ao equivalente a 3 meses.

A cláusula 53.ª, sob a epígrafe “Despesas decorrentes de mudança definitiva de local de trabalho”, dispõe que:

1- No caso de mudança definitiva de local de trabalho por interesse da empresa ou por conveniência de serviço, o trabalhador terá direito a que lhe sejam custeadas as despesas decorrentes de tal mudança, nos termos previstos no número seguinte.

2- Quando da mudança definitiva de local de trabalho implicar a mudança de localidade e de domicílio, a empresa obriga-se aos seguintes encargos e deveres:

a) O transporte do trabalhador e do seu agregado familiar, entendendo-se por este os familiares, parentes e afins que vivam em comunhão de mesa e habitação com o trabalhador;

b) O transporte e seguro de móveis e bagagens;

c) O alojamento condigno a expensas da empresa para o trabalhador e seus familiares desde a data da sua chegada até ao 15.º dia, inclusive, salvo se o trabalhador tiver conseguido, entretanto, habitação;

d) Considerar em regime de ajudas de custo, no caso de acréscimo de encargos para o trabalhador, os seis primeiros meses de permanência do trabalhador transferido no novo local ou, por opção da empresa, assegurar-lhe mensalmente o pagamento do excedente entre a renda de casa paga pelo trabalhador no último mês no local donde é transferido, e aquela que, com o acordo da empresa, vier a pagar no primeiro mês na localidade para onde é transferido, até atingir o prazo de um ano após a transferência;

e) Conceder ao trabalhador dispensa de comparência ao serviço durante cinco dias úteis consecutivos dentro do prazo de trinta dias, fixado para a apresentação no novo local de trabalho. Por acordo entre a empresa e o trabalhador, a referida dispensa pode ser gozada noutro período;

f) Pagar, em casos especiais a definir pela empresa, antecipadamente o quantitativo a que se refere a primeira opção referida na alínea d), numa primeira prestação no montante igual a três meses de ajudas de custo, e o restante em três prestações mensais, a vencer no final de cada um dos meses seguintes.

3- Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando-se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes:

a) Pagamento da diferença do custo de transporte ou da diferença do passe de transporte coletivo que, sendo necessário e suficiente, implique menores encargos;

b) Por acordo entre as partes e em alternativa ao previsto na alínea anterior, um mês de vencimento.”.

A cláusula 54.ª regula a situação de permutas - troca de posto de trabalho efetuada entre dois trabalhadores que desempenhem funções da mesma categoria profissional -, estabelecendo que nas situações decorrentes dessa cláusula as despesas decorrentes da alteração de local de trabalho correm por conta dos permutantes.

Revertendo ao caso dos autos, resulta dos factos provados que:

- O Autor manifestou interesse em ser transferido para o CPLN, concorrendo a concurso interno para preenchimento de postos de trabalho de condutor de pesados, que o Autor integrou e não ficou em primeiro lugar;

- Uma vez que o seu interesse ficou registado, a Ré contactou-o no sentido de vir a integrar aquele posto de trabalho;

- A Ré, por interesse da empresa, inicialmente a 6-02-2017, desloca o A. do CDP ... para o CPLN/LPL-Logística (Transportes), unidade orgânica com instalações na ...;

- A Ré, em 6-02-2017, comunica por ofício, que o Autor fica transferido, a título definitivo, para tal CPLN/LPLL na ..., sendo que tal ofício tinha o seguinte teor:

Assunto: Transferência por interesse da Empresa

Exmº Senhor

Vimos pelo presente meio comunicar a V. Exª que será transferido por interesse da Empresa para o OP/OPRN/CPLN/LPLL, ao abrigo do artº 194º do Código do Trabalho e da cláusula 51ª do AE publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2015, com data e efeitos a 27/02/2017.

Sem outro assunto de momento.”

- Em 22 de fevereiro de 2017 a Administradora da Ré proferiu o seguinte despacho, a produzir efeitos a 27/02/2017:

Na sequência da reorganização de serviços, com a concordância do respetivo Diretor e da ADDF, tranfiro por interesse da empresa, do CDP ... para o CPLN/Centro de Produção e Logistica ... (...36), o CRT AA (...38).

- Com a determinação da Ré, por interesse seu, que obrigou o trabalhador a deslocar-se para a ..., este, para cumprir os horários de trabalho para os quais estava escalado tem de recorrer ao seu veículo particular, até porque não tem transportes públicos compatíveis, mormente sempre que realiza o horário entre as 02h00 e as 06h00.

Não se olvida que ficou também provado que:

- Em 1-02-2017, o Autor, referindo ter a categoria profissional de carteiro, declarou que aceita a sua transferência por acordo e sem encargos para a Empresa, para o CPLN-LPLL, tendo assinado tal declaração imediatamente antes da sua transferência, depois de contactado pela Empresa.

Ora, se é certo que, em momento temporal anterior à transferência, o Autor concorreu a concurso interno para preenchimento de postos de trabalho de condutor de pesados no CPLN, a verdade é também que a alteração do local de trabalho do Autor em causa no presente recurso não ocorreu por processo concursal interno ao qual o Autor se tenha proposto - cfr. pontos 7. a 13. e 24. dos factos provados.

Do mesmo passo, perante a referida materialidade provada, forçoso é concluir que a transferência de local de trabalho do Autor não resultou da iniciativa do trabalhador, nos moldes prevenidos na transcrita cláusula 50.ª (transferência por acordo da iniciativa do trabalhador).

Em face da identificada matéria de facto provada, só podemos integrar a transferência definitiva de local de trabalho em causa nos autos na situação de transferência por interesse da empresa prevista na cláusula 51.ª do AE de 2015 e que, por sua vez, é reconduzível à situação prevista no artigo 194.º, n.º 1, alínea b), do CT de 2009.

É verdade que o Autor, antes da transferência, em 1-02-2017, assinou a sobredita declaração, mas, face ao posterior circunstancialismo fáctico sob os pontos 11., 12., 13. e 24., com especial relevo para a(s) declaração(ões)/comunicação e decisão posteriormente emitidas pela Ré, tendo presentes as regras de interpretação das declarações negociais previstas nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, não pode qualificar-se a transferência de local de trabalho ocorrida como sendo uma transferência por acordo das partes (trabalhador e entidade empregadora).

No circunstancialismo apurado, a declaração do trabalhador apenas se pode prefigurar como uma declaração de aceitação da decisão da Ré de o transferir por interesse da empresa. O que está na base da transferência é uma decisão unilateral da empresa fundamentada no seu interesse. As declarações escritas emitidas pela Ré, após a emissão daquela declaração do trabalhador, maxime com apelo ao disposto no artigo 194.º do CT de 2009 e à cláusula 51.ª do AE de 2015, e o procedimento seguido, não permitem outra interpretação. Tenha-se presente que nos termos da lei e da regulamentação coletiva aplicável, o empregador está obrigado a comunicar ao trabalhador por escrito a mudança definitiva de local de trabalho (cfr. artigo 196.º do CT de 2009 e cláusula 51.º, n.º 2, do AE de 2015). Sublinhe-se ainda que a cláusula 51.ª - transferência por interesse da empresa - é distinta da cláusula 50.ª – transferência por acordo da iniciativa do trabalhador. Acresce que o facto de a transferência ser por interesse da empresa não implica que o trabalhador não possa também ter interesse na transferência, reiterando-se que, no caso, a transferência não resultou da iniciativa do trabalhador mas por interesse da empresa (o interesse da empresa assim o exigiu).

Em suma, no caso dos autos, estamos perante uma transferência definitiva de local de trabalho por determinação e interesse da empresa, a convocar a disciplina legal do artigo 194.º do CT de 2009 e convencional das cláusulas 51.ª e 53.ª do AE de 2015.

Da análise de tais normativos, no que concerne ao pagamento do acréscimo de custos de deslocação resultantes da transferência do trabalhador por interesse da empresa e tendo em conta que, no caso, a transferência não implicou mudança de residência/domicílio, extrai-se o seguinte regime:

- O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação, podendo tal regime ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (n.ºs 4 e 6 do artigo 194.º do CT de 2009);

- nos termos do n.º 3 da cláusula 53.ª do AE aplicável, verificando-se acréscimo de encargos com o transporte entre o novo local de trabalho e o domícilio, a empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes:

* pagamento da diferença do custo de transporte ou da diferença do passe de transporte coletivo que, sendo necessário e suficiente, implique menores encargos (alínea a));

* por acordo entre as partes e em alternativa ao previsto na alínea a), um mês de vencimento.

Daqui decorre que o instrumento de regulamentação coletiva aplicável não afastou o regime do Código do Trabalho que impõe ao empregador custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo de custos de deslocação, tendo mantido tal regime com a concretização da forma de compensação do acréscimo de encargos. Prevê duas compensações em alternativa, uma delas tendo por base o acordo entre as partes.

No caso em análise, resulta inequivocamente da matéria de facto provada que se verificou um acréscimo de encargos com o transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio (cfr. pontos 6., 16., 19. a 24., 27. a 31.).

Contrapõe a Ré que não estava, nem está, obrigada ao pagamento do acréscimo de encargos, tendo em conta que o Autor assinou uma declaração que a transferência se dava com o seu acordo e sem encargos para a empresa.

A questão é que o regime previsto no n.º 4 do artigo 194.º do CT de 2009, nos termos expressamente previstos na lei (n.º 6 do mesmo normativo) apenas pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o que no caso, como vimos, não sucede, prevendo o AE expressamente a obrigação do empregador compensar o trabalhador pelo acréscimo de custos de deslocação decorrentes da transferência de local de trabalho por interesse da empresa.

Por outro lado, e prevendo expressamente o n.º 6 do artigo 194.º do CT de 2009 que o disposto no nº 4 desse mesmo normativo apenas pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva, isso significa que está em causa norma que não pode ser afastada por contrato de trabalho, e, consequentemente, não pode ser afastada por acordo das partes.

De facto, como prescreve o artigo 3.º, nº 5, do CT de 2009, “[s]empre que uma norma legal reguladora do contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho”.

Atente-se que, nessa matéria, verificando-se acréscimo de encargos com o transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, o próprio AE aplicável apenas admite acordo das partes no que respeita à adoção de uma das formas de compensação alternativa convencionalmente previstas, mas não já no sentido do afastamento da obrigação de compensação.

No que respeita à referida obrigação da empregadora não podia, assim, incidir acordo das partes em contrário, ou seja, no sentido do seu afastamento, nem renúncia por parte do trabalhador. A declaração do Autor, emitida depois de contactado pela Ré, no sentido de aceitar a sua transferência para o CPLN/LPLL sem encargos para a Empresa Ré, por contrária à lei, não é válida, é nula, não podendo produzir quaisquer efeitos (artigo 280.º do Código Civil).

Tudo para concluir que a Ré, por força da transferência do Autor de local de trabalho por interesse da empresa, estava obrigada ao pagamento de acréscimo de encargos com o transporte entre o local de trabalho para onde o Autor foi transferido por interesse da empresa e o seu domicílio.

Aqui chegados, importa agora apreciar se o Autor atua em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, ao vir peticionar o sobredito acréscimo de encargos, quando antes da transferência assinou a declaração em como a sua transferência não tinha encargos para a empresa.

A sentença recorrida faz pertinentes considerações gerais sobre o instituto do abuso do direito, com a apelo à doutrina, o que nos dispensa de grandes desenvolvimentos nesse conspecto.

Nos termos do artigo 334.º do Código Civil, «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Em síntese, poderemos dizer que se configurará uma situação de abuso do direito quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.

Uma das manifestações mais características da figura em referência é o venire contra factum proprium, cuja estrutura pressupõe duas condutas, sucessivas, mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o ‘factum proprium’, seguido, em contradição, do ‘venire’.

A proibição do venire trata-se de uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, de uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé.

A propósito desta matéria escreve-se no Acórdão do STJ de 12-06-2012[6], citando o Prof. Baptista Machado «o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito».

Existe abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado.

Nas palavras de BAPTISTA MACHADO[7], o ponto de partida do venire é «uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira», podendo «tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico».

Como se sintetiza no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-03-2023[8], «a situação de abuso de direito, em que se traduz o venire contra factum proprium, depende da verificação: de uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita na conduta alheia (no factum proprium); de uma justificação para essa confiança (plausível e sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis), de um investimento de confiança (ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma atividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade, pelo venire, e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara) e de uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante».

Na situação em apreciação, como vimos, não podendo haver acordo das partes, nem renúncia do trabalhador, no sentido de afastar a obrigação que recai sobre a empregadora de compensar o trabalhador pelo acréscimo de despesas no caso de transferência definitiva de local de trabalho por interesse da empregadora, nenhum efeito produz a sobredita declaração do trabalhador de que a transferência seria sem encargos para a empresa.

A posição do Autor não pode sequer ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura, tanto mais quando é certo que foi a própria Ré que, em momento ulterior à emissão da sobredita declaração, assumiu um comportamento e procedimento que consubstancia uma decisão sua de proceder à transferência definitiva do trabalhador por interesse da própria empresa, apelando expressamente ao regime previsto no artigo 194.º do CT de 2009 e na cláusula 51.ª do AE de 2015, o qual, como a Ré não poderia deixar de conhecer enquanto entidade empregadora e subscritora do sobredito AE, implicava para si a obrigação de garantir ao trabalhador a compensação pelo acréscimo de encargos com o transporte entre o novo local de trabalho e o domícilio, prevista na regulamentação coletiva aplicável. Inexiste, portanto, uma situação objetiva de confiança que reclame proteção.

Doutro passo, nenhum investimento de confiança pode também reclamar a Ré em face do procedimento que seguiu, sendo certo que resulta da factualidade provada que se verificou acréscimo de encargos com o transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio do Autor, e não tendo a Ré pago ao Autor acréscimo de encargos com transportes resultante quer da deslocação, quer da transferência para o CPLN na ..., ocorrida em fevereiro de 2017, logo em 12 de abril de 2017, o Autor solicitou o respetivo pagamento, mediante exposição à sua chefia (cfr. pontos 34. e 35. dos factos provados).

Este comportamento do Autor, sim, é que está justificado pela conduta da Ré vertida nos pontos 11. a 13. dos factos provados, que, de facto, só pode ser entendida como uma tomada de posição vinculante no que respeita à natureza da transferência de local de trabalho, como sendo no interesse da empresa, reconduzível à situação prevista no artigo 51.ª do AE de 2015 e, consequentemente, legitimadora do solicitado pagamento.

Em conclusão, inexiste qualquer abuso de direito por parte do Autor, concretamente na variante venire contra factum proprium, ao intentar a presente ação, peticionando o acréscimo de encargos de despesas com os transportes desde a sua residência e o local para o qual foi transferido na ....

Improcede, pois, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, toda a argumentação da Recorrente, e, consequentemente, improcede o recurso.

As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527.º do CPC).


*


IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade da relatora.

Notifique e registe.


*

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 10 de julho de 2025

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Rui Manuel Barata Penha[1º Adjunto]
Maria Luzia Carvalho [2ª Adjunta]

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[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Adiante CT/2009.
[5] Adiante designado por AE 2015. Consigna-se que a alteração de 2017 no que se refere ao AE de 2015 e os AE de 2018 e AE 2019,  todos identificados no ponto 33 dos factos provados, não introduziram mudanças na matéria em causa no presente recurso.
[6] Processo nº 1267/03.8 TTBBGC.P1S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra.
[7] «Tutela da Confiança» e «Venire contra factum proprium», in Obra Dispersa, vol. I, página 416, e in RLJ, n.º 3726 e seguintes.
[8] Processo n.º 1558/21.6T8VIS.C1.S1 R, Relator Vieira e Cunha.