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INCAPACIDADE JUDICIÁRIA
PROCURAÇÃO FORENSE
FALECIMENTO DE PARTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
RETIFICAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS
Sumário
I - Havendo incapacidade do autor por demência anterior à data da procuração, essa incapacidade deve ser suprida através da intervenção do representante legal com ratificação dos actos praticados. II - O falecimento do autor implica a suspensão da instância e a subsequente habilitação dos seus sucessores. Após a habilitação, cabe aos sucessores ratificar os actos praticados pelo autor incapaz, sanando a incapacidade judiciária.
Texto Integral
Processo: 1196/18.0T8PVZ-F.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa o Varzim - Juiz 5
Processo n.º 1196/18.0T8PVZ
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
AA veio intentar acção sob a forma de processo comum contra BB e CC, com data de 29/06/2018,pedindo se reconheça e se declare que: I –
a) A doação do prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., é nula, por violação do disposto no n.º 2 do Art.º 1682.º-A do Código Civil;
Caso assim não se entenda, subsidiariamente declarar-se:
b) Nula, por simulação a doação do prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
Alternativamente, sempre deverá declarar-se:
c) Nula, por se tratar de bem alheio, a doação do prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
II –
a) Reconhecer-se o A. como único dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., ordenando-se a rectificação do respectivo registo em conformidade;
Caso assim não se entenda, e alternativamente:
b) Reconhecer-se o A. como dono de todas as benfeitorias instaladas no prédio urbano sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., conferindo-lhe o direito a ser ressarcido no valor das mesmas;
Entre outros documentos, está junta com a petição inicial uma procuração, datada de 08 de Março de 2018 na qual o aqui Autor, AA confere aos filhos DD e EE os necessários poderes para, entre outros, “ representar-me perante quaisquer tribunais, neles praticando e assinando todos os actos necessários à defesa dos meus direitos e interesses, receberem citações e, caso tal se mostre obrigatório ou necessário, proporem e requererem acções, seus incidentes ou recursos, receberem primeiras citações e notificações, conferindo-lhes poderes forenses gerais e os especiais para, confessar, desistir e transigir em qualquer processo em que seja autor ou réu, assistente ou interessado, os quais deverão ser substabelecidos em advogado.”
No dia 12 de Março de 2018 foi efectuado um termo de autenticação daquela procuração no Cartório Notarial de FF.
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As Rés apresentaram contestações, sendo que, relativamente à questão que ora importa, veio a Ré BB requerer a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial ao prosseguimento destes autos.
Alegou que o autor está completamente incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens, pois padece de gravíssima doença mental progressiva e irreversível. Por esse motivo, intentou a competente acção de interdição, a qual corre os seus termos no Juiz 1, do Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o nº ....
Mais alega que, sendo decretada a interdição do Autor, resultará, necessariamente, a sua incapacidade para o exercício directo dos seus direitos, bem como a inexistência do mandato judicial conferido, o que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos, e a Ré absolvida da instância, como decorre dos artigos 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alíneas c) e h), do CPC. A 23.01.2019 foi proferido o seguinte despacho: “Questão prejudicial: Alega a ré BB, em sede de contestação, que o autor não se encontrava à data da procuração que permitiu dar entrada da presente acção, e não se encontra hoje, possuidor de todas as suas faculdades mentais, tendo-lhe sido diagnosticada demência progressiva, razão pela qual intentou acção de interdição, que corre termos sob o nº. ..., no Juiz 1 da Local Cível deste Tribunal da Póvoa de Varzim. Pede, pois, que seja suspensa a presente instância até que se mostre decidida tal acção. Em tal pedido foi acompanhada pela co-ré CC. Em contraditório, o autor pugna pelo indeferimento de tal suspensão, afirmando que até que seja decretada a sua interdição goza de plenos direitos e capacidade judiciária, não suportando tal pretensão de suspensão qualquer fundamento legal. Cumpre decidir. Nos termos do artigo 272º, nº 1, do CPC, a instância pode ser suspensa quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. Segundo Lebre de Freitas, é causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada (CPC anot., vol. I, pág. 501). Para Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, vol. III, págs. 268 e 269), “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou razão de ser da segunda”, acrescentando que tal ocorre quando “na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental”. Em anotação a este artigo, na sua obra, CPC anotado, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, vol. 1º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 544, consideram que causa prejudicial é «aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada", dando-se como exemplo o da acção de nulidade de um contrato que será prejudicial em relação a outra em que se exija o cumprimento das obrigações dele emergentes. Parece, pois, algo discutível, numa primeira leitura, que a pendência de uma acção de interdição seja suficiente para se suspender a instância neste processo ou que exista prejudicialidade entre elas. Com efeito, ainda que a sentença a ali proferir, na sua procedência, possa fixar a data do começo da incapacidade do autor, certo é que, estando nós perante uma situação de alegada incapacidade judiciária activa, por força de uma alegada anomalia psíquica do autor, independentemente da propositura daquela acção, sempre estaria este tribunal obrigado a averiguar se o autor, por incapacidade mental, não podia estar em juízo só por si, podendo, pois, nomear-lhe um curador que o representasse, ainda que restrito a esta causa. Ou seja, a questão suscitada na interdição, ainda que crucial para a presente acção, nela pode também ser decidida por via incidental, ainda que com efeitos restritos aos da causa. Suscitando-se, nesta acção, a excepção de incapacidade judiciária activa, não pode assim este tribunal deixar de proceder também à devida averiguação, para que possa decidir se é de concluir pela apontada incapacidade. Acontece, porém, que a questão está para além disso. Na verdade, está invocada também a nulidade da procuração que o autor outorgou para permitir aos seus procuradores, seus filhos, constituir mandatário para dar entrada da presente acção. A ser assim, e não obstante a posterior procuração emitida com ratificação do processado, numa altura em que está já alegada a insanidade mental do autor, estando assim alegadas razões para pôr em causa a validade das duas procurações outorgadas, e estando já pendente acção de interdição, cuja decisão influenciará naturalmente, a decisão a tomar nestes autos, não vemos por que não deve ser suspensa a presente acção até que a questão da capacidade do autor, ou falta dela, se encontre decidida. Não revestindo estes autos natureza urgente (revestindo-a apenas os autos a estes apensos - de arrolamento – onde foi ordenada a realização de exame médico às faculdades mentais do autor) o tribunal considera que deve suspender a presente acção. Tal suspensão manter-se-á até que seja realizado exame médico às faculdades mentais do autor, nos autos apensos, ou, não logrando tal realizar-se, até que seja realizado e proferida decisão no âmbito da acção de interdição intentada (onde, a decisão que vier a ser proferida, influenciará estes autos, pois que, caso venha a ser julgada procedente, contenderá com a vontade livre e esclarecida do autor para outorgar as procurações dos autos e para os termos da presente acção). Entende-se, pelo exposto, que existe motivo para a suspensão da instância nos termos aqui consignados. Deste modo, e sem mais, fica suspensa a presente instância até que seja realizado exame médico às faculdades mentais do autor,nos autos apensos, ou, não logrando tal realizar-se, até que seja proferida decisão no âmbito da acção de interdição no âmbito dosautos que correm termos sob o nº. ..., no Juiz 1 da Local Cível deste Tribunal daPóvoa de Varzim, consoante o que se vier a verificar em primeiro lugar.”
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Por requerimento de 26.11.2019 veio EE e DD deduzir incidente de habilitação de herdeiros do autor AA, falecido em 19 de Outubro de 2019.
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BB veio contestar a habilitação.
A 04.03.2020 foi proferida sentença de habilitação. “Na sequência do falecimento do Autor AA, EE e DD requereram a sua habilitação, bem como a da Ré BB e GG alegando que são, assim como a última, filhos do demandante falecido e a Ré sua viúva. A Ré BB contestou invocando as exceções dilatórias de incapacidade do primitivo Autor e de inexistência do mandato pelo mesmo conferido dando por reproduzido o que alegara na sua contestação; invocou, também, a suspensão da instância por causa prejudicial, anteriormente declarada, associada à ação de interdição, cujo prosseguimento requereu. A habilitanda GG contestou reclamando a sua qualidade de herdeira, defendendo que apenas os filhos poderão ocupar o lugar do falecido e não a Ré por não poder litigar contra si própria. Cumpre decidir. De acordo com a prova documental que foi produzida e com o disposto no artigo 293º nº 3 em conjugação com o artigo 354º nº 1 do Código de Processo Civil, considero provados os seguintes factos: 1. O Autor AA faleceu a 19 de Outubro de 2019 [documento de fls. 172/173]. 2. O Autor faleceu no estado de casado com a Ré BB [documento de fls. 172/173]. 3. Por escritura pública outorgada a 4 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial da Dr.ª HH, sito na Rua ..., ..., Maia, Dr. II, JJ e KK declararam que AA faleceu a 19 de Outubro de 2019, no estado de casado com BB, sob o regime de separação de bens, em segundas núpcias dele e primeiras dela, deixou testamento outorgado a 15 de Abril de 2010, a fls. 57 e seguintes do Livro de notas para testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos nº 57 do Cartório do Porto da notária LL, no qual fez um legado, sucedendo-lhe, sem preferência ou concorrência de outros: - a sua esposa BB; - os filhos GG, DD e EE [documento de fls. 173 vº a 175]. Cumpre decidir. (…) Por outras palavras: o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este último competiam, ficando sujeito à sua anterior atuação processual, aceitando a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando o processo para o futuro e dentro destes limites. Em suma, conclui o citado aresto que o incidente de habilitação se destina a promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjetiva da instância, mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa, ficando o seu efeito limitado a esta última, pois que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido. Resulta da certidão do assento de óbito que AA era, à data do falecimento, casado com a Ré, extraindo-se da habilitação notarial celebrada a 4 de Novembro de 2019 que os herdeiros são a esposa e seus três filhos. A presente ação foi instaurada pelo falecido contra a sua esposa e outra Ré, o que significa que o falecimento implica uma modificação subjetiva da instância no que diz respeito à posição processual do sujeito ativo. Pela posição processual que ocupa enquanto sujeito passivo não pode a Ré, apesar da sua qualidade de herdeira, ser habilitada para o presente litígio como sucessora do falecido Autor, dada as posições antagónicas; assim, apenas os filhos podem suceder o demandante na relação material controvertida. No que tange aos argumentos esgrimidos pela Ré sobre a prejudicialidade relacionada com a pendência da ação de interdição em relação à habilitação de herdeiros, diremos que não tem razão: - a habilitação é obrigatória e sem ela a ação não prossegue, ficando a instância suspensa durante seis meses e deserta caso o incidente não seja suscitado nesse período; - por outro lado, habilitados os sucessores, ocorre outra causa de suspensão relacionada com a ação de interdição por necessidade de fixação do momento a partir do qual se verificaram as limitações das capacidades cognitivas do Autor, dado que o falecimento obstou à realização de perícia nos presentes autos e se trata de informação necessária à prolação de decisão quanto às exceções de incapacidade e irregularidade do mandato. Acresce que, passando os sucessores habilitados a ocupar a posição processual do Autor, aceitam a lide no estado em que se encontra, produzindo-se quanto a eles os efeitos da decisão que vier a ser proferida quanto a todas as questões suscitadas pela Ré. Deve referir-se, ainda, que os fundamentos da contestação da habilitação têm de estar relacionados com a falta de legitimidade de alguns dos sucessíveis para poderem ser habilitados na causa ou com a falta de identificação de outros sucessíveis que tenham essa qualidade e devam ser habilitados na causa. Pelo exposto: a) julgo improcedente a contestação apresentada pela Requerida BB; b) julgo habilitados como sucessores do Autor falecido, AA, os filhos GG, EE e DD, que assumirão a sua posição na lide. Custas do incidente a cargo da Requerida BB, nos termos do artigo 539º nº 1 segunda parte do Código de Processo Civil. Registe e notifique.”
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A 10.07.2020 foi proferido o seguinte despacho: “A instância continua suspensa ao abrigo do artigo 272º nº 2 do Código de Processo Civil, na sequência do despacho proferido em 29 de Janeiro de 2019, por estar dependente da informação sobre o estado das faculdades mentais do demandante, entretanto falecido, em data próxima da propositura da ação, a obter no processo nº ..., atualmente pendente no Juízo Local Cível de Matosinhos, diligência que tem sido realizada no procedimento cautelar. Notifique e dn.”
A 14.06.2024 foi junta a estes autos pela Ré CC, a decisão proferida no processo ... que versa, igualmente, sobre a questão da incapacidade judiciária do também, aqui, autor: “ Na contestação que apresentou, a Ré BB veio invocar a excepção dilatória de incapacidade judiciária do Autor e ainda a excepção dilatória de inexistência de mandato forense, alegando, em síntese, que, pelo menos desde Setembro de 2018, por força de um quadro demencial que o afecta, está o Autor incapaz para o exercício dos seus direitos, sendo, por isso, nula e de nenhum efeito a procuração forense que outorga para a instauração destes autos. Alegando ainda ter instaurado acção de interdição do mesmo Autor, pede a suspensão da instância até á decisão final a proferir naqueles autos de interdição.
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Por decisão de 16 de Outubro de 2019, considerando essencial a realização de prova pericial ao Autor para aferir da invocada incapacidade, foi determinada a suspensão da instância até que fosse realizada o exame com tal objecto determinado nos autos de procedimento cautelar apenso à acção nº 1196/18.0T8PVZ, que corre termos neste Tribunal (J5) no qual as partes são também parte neste processo), ou até que idêntico exame fosse levado a cabo no processo de interdição entretanto instaurado contra o aqui Autor e que corre termos nos Juízos Locais Cíveis de Matosinhos sob o n.º ... (J1).
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Por óbito do Autor foram habilitados s seus sucessores, prosseguindo aqueles autos de providência cautelar e de interdição, designadamente, com as perícias ali determinadas.
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Verificando-se que tais exames (com os sucessivos pedidos de esclarecimentos) se mostram já concluídos, conforme certidões juntas aos autos, entendemos estar em condições de decidir as supra mencionadas questões de incapacidade judiciária e de falta/inexistência da procuração junta a estes autos com a petição inicial.
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Para o efeito, consideramos demonstrados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: 1 – Com a petição inicial da presente acção foi junta procuração datada de 10 de maio de 2019, subscrita pelo Autor, que confere poderes forenses ao I. Mandatário subscritor da mencionada peça processual; 2 - O Autor AA nasceu em ../../1935; 3 – Pelo menos desde 8 de Março de 2018, inclusive, o mencionado AA padece de síndrome demencial que, de forma irreversível, compromete a compreensão do alcance e propósito da procuração supra referida em 1); 4 - O Autor AA faleceu em 19 de Outubro de 2019, tendo sido habilitados para intervir para prosseguirem os autos, como seus sucessores, os EE, DD e GG e GG;
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A convicção do tribunal relativamente aos factos supra indicados assentou nos documentos juntos, designadamente no teor da procuração junta com a petição inicial e na escritura pública de habilitação de herdeiros que instruiu o incidente de habilitação instaurado nestes autos. Relevaram também os relatórios de exame medico do Autor no âmbito do mencionado procedimento cautelar do J5 deste tribunal, que no âmbito do processo especial de interdição dos Juízos Locais Cíveis de Matosinhos, bem como dos sucessivos esclarecimentos aos mesmos, oportunamente notificados às partes. Deles se extrai que o Autor, pelo menos desde o ano de 2014, padece de demência. É certo que os esclarecimentos solicitados no âmbito dessa(s) perícia(s) tiveram por objectivo saber da situação de incapacidade de facto do aqui Autor à data da procuração junta aos processo n.º 1196/18.0T8PVZ (8 de Março de 2018), tendo concluído que, à data da outorga da dita procuração, tal demência estava já instalada e já havia já atingido a sua fase “intermédia”, o que significa que estava comprometida a compreensão, propósito e alcance daquele documento (procuração datada de 8 de Março de 2019). Cremos, porém que, face ao tipo de doença (degenerativa) já instalada e ao estado do Autor que, no relatório de 20 de Agosto de 2019, apresentado no processo de interdição supra mencionado, era qualificado como “crónico, progressivo e definitivo”, “com limitações de desemprenho, em termos volitivos cognitivos e motores e determinantes de uma incapacidade para reger a sua pessoa e bens”, é possível ao tribunal, com a necessária segurança, considerar assente quem à data da outorga da procuração com base na qual e instaurada a presente acção (Maio de 2019), o Autor não tinha capacidade para querer e entender o sentido do documento que outorgou. Fundamentação de Direito: Face aos factos supra elencados, é patente a incapacidade de facto do Autor AA à data em que outorgou a procuração junta com a petição inicial e que em seu nome foi instaurada a presente acção, o que, além, do mais, constitui um vício que inquina o mandato judicial em seu nome conferido. Ainda que se entenda não ser possível, salvo em caso de urgência (que não se vislumbra na situação vertente), a nomeação oficiosa de um curador provisório ao Autor para o representar nos ulteriores termos da acção, posto que tal situação, a nosso ver, não estará abarcada pela previsão do art. 17º do CPC, não podemos olvidar que, em virtude do óbito do autor na pendência da acção, foram habilitados a intervir nos autos os seus sucessores (que não figuravam do lado passivo do litígio) Parece-nos, assim, por aplicação do disposto no art. 6º do CPC, que, quer a situação de incapacidade de facto do Autor, quer irregularidade do mandato judicial, poderão ser supridas com a notificação dos sucessores habilitados do lado activo para, em 10 dias, querendo, ratificarem a procuração e o processado, com a advertência de que se todos eles não manifestarem vontade nessa ratificação (uma vez que estamos perante uma situação de litisconsórcio do lado activo – art. 2091º do CC), se considerar sem efeito tudo o que foi praticado pelo Ilustre Mandatário em nome do Autor – art. 48, n.º 2 do CPC. Póvoa de Varzim, 11.06.2024”
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A 08.10.2024 foi proferido o despacho recorrido que reza o seguinte “Atento o facto das partes nesta ação e no procedimento cautelar serem as mesmas, e retendo o teor da documentação junta aos autos apensos A, designadamente pericial e teor da decisão proferida a 15-7-2024, cumpre apreciar. De facto, da aludida documentação decorre que à data da outorga da procuração conferindo poderes especiais aos outorgantes da procuração forense junta, para intentarem ação em seu nome, o A. estaria incapacitado de o fazer, verificando-se uma situação de incapacidade judiciária. Assim, retendo que a ação foi intentada antes do falecimento do A., à data da sanação da aludida falta deve obter tratamento semelhante à falta de poderes do mandatário para representar o Mandante, logo, deve ser objeto de convite à sanação, por analogia com o disposto no artigo 27.º, 1 e 2 do CPC, isto na falta de norma especifica que trate da questão (artigo 10.º, 1 e 2 do CC). Face ao exposto, determina-se a notificação dos herdeiros habilitados do falecido A. para, em dez dias, declararem se ratificam o processado por este, em conjunto, no prazo de dez dias, com a cominação de, nada dizendo, ou não vindo todos ratificar o processado, ficar sem efeito o mesmo, nos termos do citado artigo 27.º, 2 do CPC. Notifique.”
A 22.10.2024 MM, advogado na cidade de Oliveira de Azeméis, vem, tal como solicitado, requerer a junção aos autos das procurações forenses, bem como, da ratificação do processado, dos actos por si praticados nos presentes, pelos herdeiros habilitados do falecido AA. São juntas aos autos procurações de DD e EE, com ratificação do processado, bem como de GG a favor de outro advogado
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RECURSO
Não se conformando com o despacho de 08.10.2024 veio BB interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1 – O despacho recorrido violou o princípio do contraditório plasmado no art. 3º, nº 3, do C.P.C., consubstanciando uma verdadeira DECISÃO-SURPRESA. 2 – A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre factos e respectivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos), por excesso de pronúncia, nos termos arts. 615º, nº 1, al. d), 666º, nº1, e 685º do mesmo diploma, aplicáveis aos despachos ex-vi o disposto no art. 613º, nº 3, do C.P.C. 3 – Quando a nulidade está acobertada por uma decisão judicial – despacho ou sentença – o meio de reacção próprio é o recurso. 4 – No caso vertente, a pretensa sanação – que não se concede - da incapacidade judiciária do Autor, nos termos decididos no douto despacho recorrido, não foi suscitada por nenhuma das partes, nem pelo Tribunal, em momento prévio ao proferimento do despacho recorrido. 5 – Tendo a Recorrente arguido a excepção em apreço – bem como a da inexistência de mandato - em sede de Contestação - na qual concluiu peticionando a absolvição dos Réus da instância - o Autor, não obstante tenha deduzido Réplica, nada respondeu.
6 – No excurso processual, foram pelo Tribunal a quo proferidas decisões que contradizem o que, a final, veio a decidir: o despacho proferido em 29/01/2019, com a referência 400286773 e a Sentença proferida no incidente de habilitação (referência 412891648, de 04/03/2020).
7 – A decisão proferida não era expectada pela Recorrente, nem foi por ela configurada como possível, não podendo ser assacada à parte qualquer obrigação de a prever: tanto mais que a mesma não emerge de qualquer norma legal que aquela tivesse de conhecer, mas baseou-se na analogia.
8 – Ao invés, a decisão proferida pelo Tribunal a quo consubstancia um contorcionismo jurídico que afasta a única e óbvia solução de Direito que emerge dos preceitos legais aplicáveis: a imediata procedência das excepções alegadas pela Ré na sua Contestação e a consequente absolvição da instância.
9 – O recurso ao poder-dever ínsito no art. 6º, do C.P.C., não legitima o julgador a criar soluções jurídicas diversas daquelas que impõem o Direito aplicável e assentes num absoluto vácuo jurídico.
10 – Atentando no concreto teor da Sentença já transitada em julgado do incidente de habilitação – em que o Tribunal a quo considerou que os “sucessores habilitados” teriam de aceitar a lide no estado em que se encontrava e que quanto a eles se produziriam os efeitos da decisão que viesse a ser proferida quanto a todas as questões suscitadas pela Ré – é frontalmente contrariado pela decisão recorrida que determina a sanação, por via de uma ratificação retroactiva, daquilo que anteriormente determinou se lhes imporia – tudo do que resulta que a decisão recorrida violou o caso julgado formal que se formou quanto àquela Sentença, impondo-se, assim, a sua revogação.
11 – Na sua Contestação, a Recorrente para além da excepção dilatória de incapacidade judiciária do Autor, mais arguiu a excepção dilatória de inexistência de mandato.
12 – Através do despacho proferido em 29/01/2019, com a referência 400286773, o Tribunal individualizou e reconheceu as duas apontadas excepções e a necessidade de acerca delas decidir, nos termos que dele melhor constam e em sede de alegações foram transcritos.
13 – Constata-se, contudo, que o douto despacho recorrido apenas se pronunciou acerca da excepção de incapacidade judiciária do Autor, não se pronunciando, nem proferindo qualquer decisão acerca da inexistência de mandato gizada, precisamente, na nulidade da procuração plenipotenciária junta aos autos, com base na qual foi emitido substabelecimento por DD e EE a conferir poderes para a interposição da presente acção (substabelecimento que está inquinado da nulidade com que está fulminada a referida procuração plenipotenciária).
14 – Ao ignorar e não proferir qualquer decisão acerca da pela Ré suscitada excepção de inexistência de mandato, o Tribunal violou o dever que sobre si impende de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (cfr. nº 2, do art. 608º, do C.P.C.).
15 – Do que decorre que o despacho recorrido está inquinado do vício de omissão de pronúncia, padecendo, em consequência, da nulidade prevista na al. d), do nº 1, do art. 615º, do C.P.C..
16 – No douto despacho recorrido, a Senhora Juiz a quo não autonomiza a sua decisão relativamente à matéria de facto, parecendo remeter e integrar a decisão proferida nos autos de arrolamento apensos em 15/07/2024.
17 – Assim, duas hipóteses se perfilam: (i) ao remeter para o teor da decisão de 15/07/2024 dos autos de arrolamento apensos, a Senhora Juiz a quo está a dar a mesma por reproduzida e integrada no despacho recorrido e, portanto, a decisão acerca da matéria de facto naquele despacho – Apenso A – proferida aplica-se e está integrada no despacho recorrido; (ii) a referida remissão não comporta a integração da decisão da matéria de facto constante da decisão de 15/07/2024.
18 – Na verificação da segunda das apontadas hipóteses, constata-se que do douto despacho recorrido não resultam especificados os fundamentos de facto que enformam a decisão proferida.
19 – Neste caso, estamos perante um vício de formação ou actividade que afecta a regularidade do silogismo judiciário, pelo que a decisão se encontra irremediavelmente inquinada de falta de fundamentação quanto à matéria de facto, do que decorre a sua NULIDADE, nos termos da al. b), do nº 1, do art. 615º, do C.P.C., que, por cautela, se invoca.
20 – Se, ao invés, se entender que a decisão acerca da matéria de facto constante do despacho proferido em 15/07/2024 nos autos de arrolamento se encontra reproduzida e integrada no despacho recorrido, atentos os elementos dos presentes autos e dos autos de arrolamento para os quais a Senhora Juiz a quo remete, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada.
21 – Face aos elementos constantes dos autos e dos autos de arrolamento impõe-se o aditamento aos factos dados como provados da seguinte matéria de facto, a qual se reputa essencial para a boa decisão da causa:
• “13. A Petição Inicial deu entrada em juízo no dia 29/06/2018.”
• “14. A partir de 12 de Fevereiro de 2018 o Requerente passou a viver com a sua filha EE.”
• “15. Antes de subscrever a procuração datada de 8 de Março e com termo de autenticação de 12 de Março de 2018, o falecido AA não tinha intentado qualquer acção contra os aqui RR.”
• “16. Foi com base na procuração datada de 8 de Março e com termo de autenticação de 12 de Março de 2018 que os procuradores outorgaram substabelecimentos a favor dos Srs. advogados Dr. II, C.P. ... e Dr. MM, C.P. ... para estes instaurarem, para além dos presentes autos de arrolamento, os Procs. nºs ... e 1196/18.0T8PVZ e o processo de divórcio ...”.
22 – O facto 13 resulta do teor da P.I. e da data certificada pelo Citius.
23 – O facto 14 resulta do acordo das partes quando cotejados os arts. 27º e 28º da P.I. e os arts, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º e 36º da Contestação da Ré e os arts. 35º, 36º, 37º, 38º e 39º da P.I. do arrolamento com os arts. 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31 e 32º da Oposição nos autos apensos.
24 – Os factos 15 e 16 resultam comprovados por acordo do que decorre do teor da P.I. e da Oposição do arrolamento, mormente os seus arts. 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º e 46º, da falta de resposta à Oposição, bem como do aduzido nos arts. 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º e 50º da Contestação destes autos, falta de impugnação dos documentos com este articulado juntos, da procuração plenipotenciária e do substabelecimento que instruíram a P.I., mais sendo do conhecimento funcional do Tribunal, nos termos dos arts. 412º e 413º, do C.P.C..
25 – Face à matéria de facto dada como provada, incluindo aquela que resulta da sua impugnação, é patente o erro de julgamento de Direito em que incorre a Senhora Juiz a quo.
26 – Atenta a matéria de facto dada como provada e o teor do relatório pericial para que a Senhora Juiz a quo remete no despacho recorrido é inequívoco que o Autor padecia de demência incapacitante e irreversível, quer à data da outorga da procuração datada de 8 de Março de 2018, objecto de autenticação no dia 12 de Março de 2018, quer à data da interposição da acção
27 – A incapacidade de facto de que padecia o Autor resulta na sua incapacidade jurídica que está a montante e precede a incapacidade judiciária enquanto pressuposto processual.
28 – Em 29 de Junho de 2018 – data da interposição da presente acção -, estava completamente comprometida a capacidade do Autor para compreender o próprio alcance da interposição da presente acção, bem como o seu conteúdo e consequências, como comprometida estava a sua vontade de livre, esclarecida e conscientemente a intentar.
29 – Em 29 de Junho de 2018, o Autor não tinha capacidade para avaliar: a) A validade ou invalidade do próprio acto postulativo; b) Se pretendia ou não pretendia propor a acção; c) Se acção deveria ter aqueles ou outros fundamentos; d) Que pretensão em concreto colocar ao Tribunal.
30 – Em 29 de Junho de 2018, o Autor não tinha capacidade de entender, querer, saber e ter consciência da interposição da presente acção.
31 – E tanto assim é que os verdadeiros mentores desta acção são os seus filhos DD e EE, como se retira do teor da P.I., quer destes autos, quer dos autos de arrolamento, todo ele centrado na pessoa destes e carregado de fel e azedume, dos próprios, contra a Recorrente.
32 – Irremediavelmente inquinada estava também a capacidade do Autor para compreender o alcance, propósito e efeitos da procuração plenipotenciária que outorgou a favor dos seus referidos filhos e com base na qual estes substabeleceram poderes forenses no Ilustre Mandatário subscritor da P.I., o que era do conhecimento destes filhos, (cfr. art. 47º da Oposição), e resulta comprovado pelo teor do relatório clínico junto aos autos pelo Senhor Dr. NN – e é reconhecido na motivação da decisão da matéria de facto da decisão proferida, em 15/07/2024, nos autos de arrolamento, quando refere que o filho do Autor lhe pediu um relatório clínico – e pelos relatórios clínicos pela A... juntos aos autos.
33 – De tudo decorrendo a NULIDADE quer da própria Petição Inicial, enquanto acto jurídico e postulativo, quer da procuração plenipotenciária, quer do substabelecimento outorgado com base naquela, cfr. arts. 246º, 247º e 295º, do C.C., o que se alega para os devidos e legais efeitos.
34 – Pelo que sendo nulos esses actos, não são passíveis de qualquer sanação – muito menos pelos herdeiros habilitados do Autor que, aproveitando-se da demência do seu Pai, dele obtiveram a referida procuração plenipotenciária, no uso da qual dissiparam todo o seu património – incluindo a metade que pertencia à Recorrente - em seu proveito e imbuídos de ódio figadal promoveram uma sanha persecutória contra a aqui Recorrente, com o claro intuito de a deixar na mais extrema penúria, sem tecto e arredada da herança do Autor, e levando, também, em consideração que todos os herdeiros têm interesses conflituantes com a Recorrente.
35 - O C.P.C. não regula, como princípio, a incapacidade judiciária de facto no lado activo; apenas define o que é incapacidade no art. 15º e no art. 16º refere que os incapazes devem estar em juízo através dos seus representantes, pressupondo que os mesmos estejam já nomeados.
36 – A incapacidade judiciária do lado activo encontra regulação no art. 17º, do C.P.C., que trata da nomeação de curador provisório em casos de urgência.
37 – No caso dos autos, à data da interposição da acção o Autor estava num estado já de absoluta incapacidade demencial de que padecia, completamente desacompanhado de representante nomeado em processo próprio para o efeito.
38 – Os presentes autos não revestem carácter urgente.
39 – Não foi acautelada a nomeação de representante ao Autor na pendência dos autos.
40 – Na nomeação de representante ou de curador provisório ao incapaz, para efeitos de interposição de uma acção, é avaliada a idoneidade do nomeado, bem como se o mesmo tem qualquer conflito de interesses, já que a estes é cometida a consideração do acto processual que o incapaz pretende praticar e a ponderação de se deve ratificá-lo ou não
41 – O Autor faleceu na pendência dos autos.
42 – Perante tais circunstancialismos, a solução de Direito é uma só: a absolvição da
instância.
43 – A solução de Direito adoptada pela Senhora Juiz a quo é absolutamente esdrúxula e não tem qualquer sustentáculo e enquadramento legal.
44 – A Senhora Juiz a quo decidiu conferir àqueles que foram habilitados em incidente processado numa acção reconhecidamente intentada por um incapaz já falecido legitimidade para suprirem a incapacidade judiciária do Autor e ratificarem todo o processado – esquecendo e ignorando a Senhora Juiz a quo a excepção de inexistência de mandato arguida pela Ré, aqui Recorrente.
45 – Ora, esta solução mais que uma impossibilidade lógica é uma impossibilidade ontológica!
46 – Pergunta-se: que norma é que confere aos sucessores habilitados as prerrogativas e poderes conferidos ao representante nomeado em sede de acção própria para o efeito, nos termos do art. 27º, do C.P.C.?
47 – Como podem os habilitados num incidente inquinado pelo pecado original de que padece a própria interposição da acção serem, eles mesmos, a ratificarem o processado e a sanarem os vícios que geram a invalidade da sua habilitação?
48 – Tal solução é, com o devido respeito, destituída de qualquer mérito jurídico e de Direito.
49 – A falta de representante e/ou de curador provisório não constitui, obviamente, um caso omisso que possa ser suprido por via de uma arrevesada e infundada interpretação que passa por conferir legitimidade para a ratificação não ao representante do incapaz – como o prevê o art. 27º, do C.P.C. – mas sim aos seus sucessores habilitados em incidente processado numa acção intentada por um incapaz entretanto falecido.
50 – Sucessores que não têm qualquer idoneidade para o efeito, face aos actos que pelo menos dois deles praticaram aproveitando o estado de demência do Autor, e cujo único propósito é o de prejudicarem a aqui Recorrente, numa sádica e cruel cruzada com vista a deixá-la na mais triste penúria, depois de lhe terem usurpado o seu Marido e companheiro de mais de 50 anos e que têm um manifesto conflito de interesses com a Recorrente – incluindo a nível sucessório - que impõe que sejam arredados da ratificação do processado.
51 – O legislador previu, no art. 27º, do C.P.C., a forma de sanação da incapacidade judiciária ou irregularidade de representação do incapaz – mediante a intervenção do seu representante legítimo, sendo que esta norma está pensada para quando existe representante que possa ratificar o processado e, naturalmente, incapaz vivo a quem suprir a incapacidade.
52 - Está vedado ao Tribunal a quo, tanto mais por a presente acção não ser o processo próprio para o efeito, designar/nomear representante(s) ao incapaz posteriormente ao seu decesso.
53 – A acção própria seria a de maior acompanhado, que, com o decesso do Autor, apenas prosseguiu para a verificação da sua incapacidade e fixação da data do seu início, porquanto, precisamente, era impossível nomear representante/acompanhante a um falecido.
54 – Não tendo sido nomeado, antes ou depois da interposição da presente acção, representante e/ou curador provisório ao Autor incapaz, não se está perante um caso omisso que careça da rebuscada interpretação que a Senhora Juiz a quo promoveu na sua decisão.
55 – O sistema tem resposta clara para a situação em apreço, através do que dispõem os arts. 17º e 27º, ambos do C.P.C., não carecendo, como se fez neste processado, de dar cobertura a um acto em tudo ilícito, suportado em procurações outorgadas por quem, manifestamente, não se encontrava capaz de compreender o alcance, propósito e efeitos dessa outorga.
56 – A resposta é cristalina: a absolvição da instância!
57 – A douta decisão recorrida errou manifestamente na aplicação do Direito – ou melhor, decidiu frontalmente contra o Direito aplicável!
58 – A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 246º, 257º e 295º, do C.C., bem como nos arts. 3º, nº 3, 6º, 17º, 27º, na al. c), do nº 1, do art. 278º, nº 2, do art. 608º e art. 620º todos do C.P.C..
59 – Merece assim a decisão recorrida a censura deste Venerando Tribunal, com a sua revogação.
Nestes Termos, e nos mais de Direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser dado como provado e procedente e em consequência ser revogado o despacho recorrido e proferida decisão que:
a) julgue provada a arguida nulidade de excesso de pronúncia/decisão-surpresa e determine a prolação de decisão a notificar as partes para exercerem o seu direito ao contraditório quanto à previsível decisão do Tribunal;
b) julgue provada a arguida nulidade de omissão de pronúncia e determine ao Tribunal a quo profira decisão acerca da arguida excepção de inexistência de mandato;
Sem prejuízo,
c) julgue as arguidas excepções de incapacidade judiciária e de inexistência de mandato procedentes, com a consequente absolvição da instância.
Assim decidindo farão V. Exas., como sempre, a mais lídima e sã JUSTIÇA! NB. Bold e sublinhado da nossa autoria.
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Houve contra-alegações.
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No despacho que admitiu o recurso a Sr.ª Juiz pronuncia-se a propósito das nulidades invocadas “ Quanto às invocadas nulidades do despacho recorrido, cumpre dizer o seguinte, nos termos do artigo 641.º, 1 do CPC: O convite à sanação de uma incapacidade, não consubstancia decisão de mérito sobre a causa nem decisão final sobre a existência ou não da incapacidade, pelo que, além de não ter necessariamente que seguir a forma atinentes a uma sentença, pese embora tenha que ser fundamentado, como o foi, também não encerra a apreciação de todas as questões suscitadas pelas partes, nem tem de encerrar, devendo as mesmas ser objeto de apreciação em momento próprio, designadamente fase de audiência prévia. Assim, não se verifica nem vício de nulidade por falta de fundamentação, nem omissão de pronúncia. Por seu turno, tratando-se de convite a sanar uma incapacidade, não se vislumbra motivo para ser objeto de contraditório prévio, sendo o mesmo enquadrado nos poderes judiciais ao abrigo dos artigos 6.º, 547.º 590.º, 2, a) do CPC. Pelo exposto, mantém-se o despacho recorrido, na íntegra.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a decidir prendem-se com:
· Falta de autonomização dos factos no despacho recorrido; aditamento de factos para a decisão;
· Excesso de pronúncia/decisão-surpresa: não cumprimento do contraditório e o facto da incapacidade judiciária do autor não ter ido suscitada por nenhuma das partes, nem pelo tribunal; A contradição entre o despacho recorrido de 08.10.2024 e o proferido em 29/01/2019, com a referência 400286773 e a Sentença proferida no incidente de habilitação (referência 412891648, de 04/03/2020 ).
· Omissão de pronúncia no que respeita à excepção de inexistência de mandato;
· Consequências da incapacidade do autor;
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS
Os factos a atender são aqueles que constam do relatório supra.
Ao contrário do que diz a recorrente não é necessário que a matéria de facto que esteve na base da tomada de decisão esteja autonomizada.
O despacho em crise remete para os autos de providência cautelar. Porém, mesmo que não o fizesse, os factos a apreciar decorrem da própria tramitação do processo, não sendo exigível ao julgador que estruture aquele despacho como se de uma sentença se tratasse.
Os factos constantes do procedimento cautelar são manifestante suficientes.
A circunstância de “A partir de 12 de Fevereiro de 2018 o Requerente passou a viver com a sua filha EE.” “Antes de subscrever a procuração datada de 8 de Março e com termo de autenticação de 12 de Março de 2018, o falecido AA não tinha intentado qualquer acção contra os aqui RR.” é manifestamente irrelevante para estes autos.
A data de entrada da petição em juízo e a procuração, autenticação e substabelecimento resultam da própria tramitação dos autos, sendo igualmente indiferente, para o que agora nos ocupa, que tenha sido com base na dita procuração que tenham sido instaurados os processos ... e ...
Na verdade, o âmago dos factos com relevo e que resulta dos autos é o seguinte:
- no dia 08 de Março de 2018 o autor AA outorgou uma procuração a favor dos filhos, DD e EE, procuração essa que foi objecto de um termo de autenticação no dia 12 de Março de 2018 no Cartório Notarial de FF.
- à data da outorga da dita procuração, o autor tinha um quadro demencial já instalado, estando comprometida a compreensão, propósito e alcance daquele documento.
- O Autor AA faleceu em 19 de Outubro de 2019.
- Por sentença de 04.03.2020 foram habilitados como sucessores do Autor falecido, AA, os filhos GG, EE e DD, que assumirão a sua posição na lide.
B. O DIREITO
EXCESSO DE PRONÚNCIA/DECISÃO-SURPRESA. Não cumprimento do contraditório e o facto da incapacidade judiciária do autor não ter ido suscitada por nenhuma das partes, nem pelo tribunal; A contradição entre o despacho recorrido de 08.10.2024 e o proferido em 29/01/2019, com a referência 400286773 e a Sentença proferida no incidente de habilitação (referência 412891648, de 04/03/2020 ).
Como se pode ler in “O contraditório e a proibição das decisões-surpresa” escrito pelo Sr. Desembargador Luís correia de Mendonça – cfr. Site do Tribunal da Relação de Lisboa - “são duas as teses que, entre nós, se confrontam quanto ao que se deve entender por uma decisão-surpresa. Para uma primeira corrente, que se pode chamar antiformalista, a decisão-surpresa não se confunde com a suposição ou expectativa que as partes possam ter feito ou acalentado quanto à decisão; não se pode falar em decisão-surpresa quando as decisões, de facto ou de direito, devam ser conhecidas pelas partes como viáveis, como possíveis; só há decisão-surpresa «quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela». Para uma outra corrente, garantista, o escopo principal do princípio do contraditório «é a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo»(30); consequentemente se deve garantir a «participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão». Toda a decisão que não passe por este crivo deverá ser considerada decisão-surpresa ou solitária do juiz. (…) sintetizando: «não deverá, na nossa perspectiva, “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do preceito ora em análise, de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art. 3.º, n.º 3. Na verdade, a negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer “razões de direito”, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal — movendo-se, no momento da decisão dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões — a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa». Cfr. José Lebre de Freitas, introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª ed., Coimbra editora, Coimbra, 2013, 125 (…)Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro pronunciam-se também sobre esta matéria, muito claramente na linha da corrente antiformalista ou substancialista: «para que o tribunal deva proceder à audição complementar das partes não basta (…) que pretenda aplicar uma norma por estas não invocadas.É necessário que o enquadramento legal realizado seja manifestamente diferente do sustentado pelos litigantes. Deverá ser uma subsunção notada pela sua originalidade, pelo seu carácter invulgar e singular, objectivamente considerado»- cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. i, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, 32.; «se o tribunal, debruçando-se sobre uma determinada realidade processual, está em condições de a perspectivar juridicamente, a parte obreira dessa realidade processual ou que dela foi notificada teve igual possibilidade de sobre ela se pronunciar. O patrocínio forense obrigatório não visa a tutela de interesses corporativos, mas sim garantir, além do mais, esta possibilidade. Não faz sentido exigir para o advogado uma posição que peça meças à do juiz no diálogo jurídico, para, no passo seguinte, defender que seja tratado como um leigo, incapaz de lançar um olhar jurídico elementar sobre a relação processual, se para tanto não for convocado por uma espécie de projecto de decisão» . Demarcando-se desta posição mais restritiva, e assumindo posição claramente garantista, encontramos José Lebre de Freitas «o princípio do contraditório não é, por exemplo, apenas aquele que parece resultar dos arts 3.º e 517.º do CPC, mas mais latamente, a garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influência em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo se pressintam como potencialmente relevantes para a decisão» - cfr. . José Lebre de Freitas, “em torno da revisão do direito processual civil”, roA-1995, Vol. i, 10. (…) Desenvolvendo o seu pensamento, o autor acrescenta: «a regra do contraditório é uma das traves mestras do direito processual civil e como tal aparece consignada no art. 4.º do Projecto. É seu corolário a de prévia audiência das partes antes da decisão, mesmo quando esta tenha por fundamento uma questão de conhecimento oficioso (art. 4.º, 3) ou se baseie em norma jurídica que as partes manifestamente ignoraram ou consideraram inaplicável ao caso (…), mesmo que a audiência final tenha já tido lugar à data em que se põe ao juiz a questão de a aplicar”.
Lapidar é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2023, tirado no processo 1314/20.9T8CBR.C1.S1 e relatado pelo Sr. Conselheiro Júlio Gomes com o seguinte sumário “I. Se o Tribunal considera que um documento é ilegível deve dar à parte a possibilidade de se pronunciar, antes da decisão sobre a matéria de facto. II. Há também violação do contraditório quando tendo a parte pedido a inversão do ónus da prova a recusa só tem lugar na decisão e não se dá à parte a possibilidade de suprir os documentos que a outra parte sem apresentar sem qualquer justificação não forneceu. III. Tais violações do contraditório devem conduzir à repetição do julgamento.
Tal como preceitua o artigo 3º nº 3 do CPC “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Como se pode ler no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 06-07-2023, tirado no processo 248/19.4T8FNC.L1-6 “ 1. Cabe ao juiz, por imposição do artº 3º, do CPC, respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa. 2.–Por decisão - surpresa deve entender-se aquela que envereda por solução dada a questão relevante para a decisão da causa e que, embora naturalmente previsível, não foi em todo o caso configurada pela parte, e sem que a mesma tivesse obrigação de a prever, maxime porque não deduziu a parte contrária qualquer oposição. 3.–Tendo o julgador considerado admitidos por acordo todos os factos alegados na petição inicial, em razão de ausência de contestação, é compreensível que tenha o demandante criado fundada expectativa de que a pretensão que deduziu viesse a ser atendida. 4.–Em razão do referido em 5.3., mais sentido faz [maxime porque em causa está uma questão que não foi discutida pelas partes e que ademais esteve na base da decisão de improcedência da acção] em perviamente ouvir o demandante sobre questão susceptível de, ainda assim, e segundo solução plausível da questão de direito, conduzir à improcedência da Açcão..
Não percebemos a invocação da “surpresa” por parte da Recorrente.
Além de tal questão ter sido invocada nos apensos (não vamos referir a decisão proferida o processo ... onde, mais uma vez, foi discutido o tema), a verdade é que os despachos que antecederam a decisão recorrida têm um sentido unívoco – apreciar a capacidade do A. para estar em juízo só por si, designadamente, verificando se tem algum déficit cognitivo, retirando, no caso de resposta positiva à questão, as consequências no que toca à validade da procuração.
Por mais que a recorrente pretenda dar uma nova roupagem a esta situação, o certo é que, confirmando-se que o autor padecia de demência incapacitante e irreversível, estamos perante uma questão de incapacidade judiciária.
Refere a recorrente a existência de incapacidade jurídica. A distinção entre incapacidade jurídica e incapacidade judiciária é fundamental no direito português, sendo que ambas se relacionam com a capacidade de uma pessoa no âmbito jurídico, mas com âmbitos de aplicação distintos. A Incapacidade Jurídica refere-se à limitação ou restrição da capacidade de gozo ou de exercício de direitos e está intrinsecamente ligada à capacidade civil, que é a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. Por seu turno, a incapacidade judiciária, refere-se à susceptibilidade de estar, por si, em juízo, conforme definido no artigo 15.º do Código Processo Civil. Esta capacidade está directamente ligada à capacidade de exercício de direitos. A incapacidade jurídica abrange a capacidade de ser titular de direitos (gozo) e de os exercer (exercício), enquanto a incapacidade judiciária se refere especificamente à capacidade de estar em juízo. A incapacidade jurídica tem como base a protecção da pessoa incapaz e a sua falta de aptidão para gerir os seus interesses. A incapacidade judiciária está ligada à capacidade de exercício de direitos. Em suma, a incapacidade jurídica é um conceito mais amplo que engloba a capacidade de gozo e de exercício de direitos, enquanto a incapacidade judiciária é uma consequência da incapacidade de exercício, referindo-se à aptidão para estar em juízo. Ambas são importantes para garantir a proteção dos interesses das pessoas incapazes e a segurança jurídica. Diz a recorrente que a pretensa sanação da incapacidade judiciária do Autor, nos termos decididos no douto despacho recorrido, não foi suscitada por nenhuma das partes, nem pelo Tribunal, em momento prévio ao proferimento do despacho recorrido.
Tal como resulta do artigo 27º do Código de Processo Civil, a incapacidade judiciária é susceptível de sanação, não prevendo a lei que, antes do despacho em que se convide a parte a suprir a dita incapacidade, tenha que, previamente, dar-se a conhecer essa intenção e indagar a posição da outra parte. Como resulta do artigo 28º do Código de Processo Civil, impõe-se ao juiz esse convite. Caso a parte não corresponda ao convite, aí sim, haverá absolvição da instância - cfr. Artigo 577º alínea c) do Código Processo Civil.
Diz, ainda, a recorrente que há contradição entre o despacho recorrido de 08.10.2024 e o proferido em 29/01/2019, com a referência 400286773 e a Sentença proferida no incidente de habilitação (referência 412891648, de 04/03/2020 ), mais concretamente quando nesta se escreveu que “ os “sucessores habilitados” teriam de aceitar a lide no estado em que se encontrava e que quanto a eles se produziriam os efeitos da decisão que viesse a ser proferida quanto a todas as questões suscitadas pela Ré” e na decisão recorrida é determinada a sanação, por via de uma ratificação retroactiva
Escalpelizando a situação, temos como certo que os habilitados aceitam a lide no estado em que esta se encontrava, ou seja, à data tinha-se chegado à conclusão que o autor era incapaz de estar por si em juízo e que havia que suprir essa incapacidade.
Se o autor fosse vivo, a incapacidade judiciária seria suprida pela nomeação de um curador que teria que vir ratificar o processado.
Uma vez que o autor morreu, os habilitados assumem o seu lugar na acção. Logo, já não fazia qualquer sentido nomear curador porque o incapaz faleceu. Porém, continuava a existir incapacidade judiciária do autor, agora representado pelos habilitados. Como suprir essa incapacidade ? Juntando procuração e ratificação do processado.
Esta é a solução que resulta da lei. Não há, a nosso ver, qualquer analogia.
· omissão de pronúncia no que respeita à excepção de inexistência de mandato;
A incapacidade do autor, atenta a data em que a mesma foi fixada tinha implicações, necessariamente, na validade da procuração, ou seja, à data em que foi passada a procuração a favor do ilustre mandatário o autor não tinha capacidade para tal.
O que acontece à procuração? É anulável. Logo, os representes do autor, in casu, os habilitados, têm que juntar procuração e ratificar o processado.
Pese embora o despacho recorrido não ter dito expressamente a consequência que a incapacidade do autor teve em termos de procuração, a decisão tomada no sentido de notificar os habilitados para juntarem procuração com ratificação do processado, pressupõe que não se considere válida a dita procuração.
É exactamente a situação que existiria se o autor não tivesse falecido – em vez dos habilitados teríamos o curador.
· Consequências da incapacidade do autor;
Sabendo que nos estamos a repetir, mas para que a solução fique clara, resultando dos autos a incapacidade judiciária do autor, cumpre supri-la – artigo 15º, 16º, 17º e 28º do Código de Processo Civil.
Se neste entretanto o autor morre, a nomeação de curador para o representar não tem qualquer sentido uma vez que, por força do óbito e da subsequente habilitação de herdeiros, estes serão os representantes “naturais” do incapaz falecido.
A este propósito passamos a citar o que se escreveu no Acórdão desta Relação do Porto de 05-12-2024, relatado pelo Sr. Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida num dos processos apensos em que a questão levantada era exactamente a mesma “ Apurou-se que era essa a situação do requerente, isto é, que ele se encontrava de facto num estado de saúde mental que o espoliou da capacidade de compreender o alcance da procuração que subscreveu e com base na qual o procedimento cautelar foi instaurado. Que vício decorre daqui? Possivelmente a chamada incapacidade acidental. Nos termos do artigo 257.º do Código Civil «a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário», sendo que se considera notório o facto quando «uma pessoa de normal diligência o teria podido notar». Ao contrário do que teimam em defender as recorrentes, a procuração subscrita por quem se encontrava acidentalmente (ou seja, de facto, e não pontualmente pois a incapacidade acidental pode ser duradoura ou prolongada) incapacitado (no sentido de não ter capacidade para entender o significado da procuração outorgada ou decidir livremente outorgá-la) não é um acto nulo, é um acto anulável. Não é um acto que não produza quaisquer efeitos e cuja invalidade possa ser invocada por qualquer interessado (como sucede com a nulidade: artigo 286.º do Código Civil). É antes um acto cuja invalidade só pode ser arguida pelas «pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento» (artigo 287.º, n.º 1) ainda que «se o negócio não estiver cumprido» o vício possa ser arguido a todo o tempo e tanto por via de acção como por via de excepção (artigo 287.º, n.º 2). E um acto cuja invalidade pode ser sanada «mediante confirmação» (artigo 288.º, n.º 1) a qual «compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação» e «tem eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiro» (artigo 288.º, nº 4, do Código Civil). Daqui resulta que mesmo estando a procuração (rectius, a constituição de representante voluntário) viciada de anulabilidade por incapacidade acidental do mandante ou representado, esse vício só podia ser arguido pelo próprio mandante ou representado até um ano após a cessação da incapacidade ou, mantendo-se a incapacidade acidental deste, por pessoa que viesse a adquirir a qualidade de seu representante legal ou curador ad litem para a própria acção de anulabilidade. A requerida BB era mulher do requerente, os representantes voluntários do requerente eram seus filhos, mas, precisamente por a incapacidade do requerente ser apenas de facto (rectius, acidental), nenhum deles era seu representante legal. Logo, com fundamento na incapacidade acidental do requerente, a requerida não podia arguir a invalidade da procuração com base na qual (nos poderes representativos outorgados pela mesma) o procedimento cautelar foi instaurado, mesmo que se entendesse que o podia fazer por via de excepção no próprio procedimento cautelar. O que a mesma podia arguir era apenas a falta de capacidade judiciária activa (para a instauração do procedimento) do requerente uma vez que a incapacidade acidental existia, o requerente não tinha representante legal nomeado, não foi pedida ao tribunal competente a nomeação de um representante legal, a acção não foi instaurada por um representante legal do requerente e não foi pedida a nomeação de um curador provisório ao juiz do próprio procedimento com fundamento na urgência do procedimento (artigos 15.º e 17.º do Código de Processo Civil). A excepção arguida pela requerida no procedimento cautelar só pode ser admitida com esta configuração. Com essa configuração, a excepção radica na falta de um pressuposto processual susceptível de sanação, conforme dispõe o artigo 27.º do Código de Processo Civil (e dispunha, na versão em vigor à data da instauração do procedimento cautelar). Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, 1985, pág. 104, afirmam que os pressupostos processuais «são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa». Entre esses pressupostos conta-se a capacidade judiciária (activa e passiva). A capacidade judiciária é o equivalente na relação processual à capacidade do exercício de direitos no plano do direito material e traduz-se na possibilidade de a pessoa estar directamente em juízo, por si mesmo ou mediante um representante escolhido por si, ou seja, sem necessidade de qualquer representação legal ou assistência (artigo 15.º do Código de Processo Civil). A incapacidade judiciária pode decorrer de uma situação de incapacidade do exercício dos direitos natural (menores) ou factual (anomalia psíquica); pode ser prévia à intervenção processual ou surgir no decurso da acção; pode ser temporária ou permanente; pode estar já declarada judicialmente ou ser meramente de facto. O artigo 17.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, começa precisamente por prever a hipótese de a incapacidade ser apenas de facto e não se encontrar declarada judicialmente, ou seja, não estar ainda nomeado um represente legal que possa exercer os direitos da parte incapaz, em nome desta. Uma pessoa que está afectada de incapacidade acidental, que por motivos de anomalia psíquica não tem o livre exercício da sua vontade nem aptidão para compreender o sentido e o significado dos seus actos, não dispõe de capacidade judiciária. A falta do pressuposto processual da capacidade judiciária constitui uma excepção dilatória (artigo 577.º, alínea c), do Código de Processo Civil). Porém, constatada a falta de capacidade do autor, o juiz só deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando o autor, «sendo incapaz, não está devidamente representado ou autorizado» (artigo 278.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil). A incapacidade judiciária não é por isso um vício que determine a invalidade em qualquer caso dos actos praticados pelo (representante voluntário do ou pelo) incapaz. Ao invés, a incapacidade pode ser sanada (artigos 16.º e seguintes, e 278.º, n.º 3) e a sua sanação pode ser determinada oficiosamente e ter lugar a todo o tempo (artigos 6.º, n.º 2, e 28.º do Código de Processo Civil), inclusive na Relação se a sua falta só for detectada (ou surgir) quando o processo já se encontrar neste Tribunal para apreciação de algum recurso. Sanada a falta de capacidade, todos os actos praticados pelo incapaz são aproveitados e a instância prossegue o seu curso considerando-se tais actos como validamente praticados. No dizer de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 46, a verificação de uma qualquer situação de incapacidade judiciária, tal como a detecção de alguma situação de incapacidade natural, não pode prejudicar a parte. Para cada situação de incapacidade judiciária, em sentido amplo, prescreve a lei o adequado instrumento de suprimento, (…) À falta do pressuposto processual corresponde urna excepção dilatória, envolvendo a incapacidade judiciária stricto sensu, a irregularidade de representação ou a falta de deliberação ou de autorização. Mas trata-se de uma falha processual sem efeitos imediatos, já que, independentemente da sua arguição pela contraparte, o juiz deve ordenar oficiosamente as diligências necessárias a assegurar o referido pressuposto processual, nos termos dos arts. 6º, nº 2, 27º a 29º e 590º, nº 2, al. a), de tal modo que os efeitos da excepção dilatória apenas poderão ser extraídos depois de realizadas tais diligências com vista a assegurar o preenchimento do pressuposto processual, ainda assim sem prejuízo do que dispõe o art. 278º, nº 3 …». A sanação desse vício exige duas coisas: a intervenção de representante legal do incapaz; a ratificação por este dos actos anteriormente praticados, total ou parcialmente (artigo 27.º do Código de Processo Civil). A questão curiosa que o caso coloca é o que sucede se antes de se diligenciar pela sanação da incapacidade a parte incapaz falecer? Se ainda assim se deve diligenciar pela sanação da incapacidade e, nesse caso, quem deve ser chamado a, querendo, intervir no processo e a ratificar os actos anteriormente praticados. A morte da parte só determina a extinção da instância quando torne impossível ou inútil a continuação da lide (artigo 269.º, n.º 3), ou seja, nomeadamente, quando a lide tenha por objecto direitos pessoais que se extinguem por morte do respectivo titular e que a lei não consinta que sejam continuados a exercer pelos seus sucessores. Não sendo esse o caso, falecendo a parte a instância é apenas suspensa até que se mostre notificada a habilitação do sucessor da pessoa falecida (artigos 269.º, n.º 1, alínea a), e 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil). O incidente de habilitação de sucessores é o meio processual de operar a modificação subjectiva da instância, através da substituição da parte primitiva pelos respectivos sucessores na relação substantiva em litígio (artigo 262.º do Código de Processo Civil). Trata-se, portanto, de uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, caracterizada pelo falecimento da parte e pela transmissão por via sucessória da posição que ela ocupava na relação substantiva. São requisitos da habilitação de sucessores o falecimento de uma parte na acção e que a relação substantiva de que ele era titular não se tenha extinto com o respectivo óbito. Os sucessores da parte falecida são chamados a substituir a parte falecida porque lhe sucederam na titularidade da relação substantiva em litígio e, por isso, têm interesse em ocupar a posição de parte. Como a instância não se extingue e, feita a habilitação dos sucessores da parte falecida, prossegue com estes (artigo 351.º do Código de Processo Civil), é forçoso concluir que os actos anteriormente praticados pela parte falecida são aproveitados. Esse aproveitamento pressupõe que eles tenham sido validamente praticados (rectius, praticados por quem tinha capacidade judiciária) ou, se não tiver sido o caso, que o vício de que eles enfermam, nos casos em que isso é possível, seja sanado.
A sanação da incapacidade judiciária da parte que, por incapacidade acidental, estava privada da susceptibilidade de estar por si mesma em juízo, devia fazer-se através da intervenção de um representante legal nomeado pelo tribunal competente ou de um curador provisório nomeado pelo juiz da causa urgente instaurada pelo incapaz (artigo 17.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Tendo a parte falecido, entretanto, a nomeação desse representante torna-se inútil pela simples razão de que através da habilitação dos sucessores a posição da parte na lide passa a ser ocupada por estes, no lugar dele, ou seja, são eles que passam a representar, por força da sucessão mortis causa, os interesses da parte falecida e a tomar decisões sobre os mesmos. Em rigor, os sucessores passam a actuar em representação da parte falecida à qual sucedem, uma vez que a herança pode permanecer indivisa, não estar ainda partilhada, e, consequente, os herdeiros ainda não encabeçaram a titularidade dos direitos patrimoniais de que era titular o falecido. Ora se eles ocupam essa posição, se a sua posição da lide tem essa amplitude de intervenção, não se vê motivo para que sejam privados dos poderes que assistiriam ao representante legal ou ao curador provisório que tivesse sido nomeado ao incapaz em vida dele. Isto é, inexiste motivo para nomear um representante legal ou um curador porque isso já não é necessário, o incapaz passou a estar representado na lide pelos sucessores habilitados … para todos os efeitos. Por isso mesmo, a decisão de chamar os sucessores habilitados a ratificar os actos anteriormente praticados pelo incapaz e a apresentarem nova procuração forense que permita a continuação da lide não apenas não é “esdruxula”, como sustenta a recorrente, como, a nosso ver, é mesmo correcta. Repete-se que a incapacidade judiciária não é um vício insanável e não é causa de invalidade dos actos praticados, pelo que estes actos desde que sejam ratificados por quem de direito são aproveitados e a lide prossegue com eles como se a incapacidade nunca existisse. A morte do incapaz não impossibilita a sanação do vício porque ao não extinguir a lide e permitir que ela prossiga com outras pessoas a actuar no lugar da parte e em representação dela, faz com que haja outras pessoas que podem actuar no lugar do incapaz, suprindo a sua incapacidade e decidindo em primeiro lugar sobre o aproveitamento dos actos praticados por ele. É certo que a requerida BB também é sucessora do autor. Todavia, porque o procedimento cautelar foi instaurado contra si, ela ocupa a outra posição de parte na lide, razão pela qual, face ao princípio da dualidade de partes que caracteriza o nosso processo civil, estando num dos lados, não pode estar no outro, nem em ambos em simultâneo. Foi por isso que ela não chegou a ser habilitada como sucessora do requerente para passar a ocupar a posição dele na lide, o que determina que ela não o representa afinal nos actos processuais a praticar … na presente lide. O entendimento contrário consubstanciaria a criação de uma situação notória de conflito de interesses: a requerida seria levada a não ratificar os actos praticados pelo incapaz para dessa forma obter vencimento na lide, sem esta chegar a ser julgada. Falecido o requerente o conflito na sucessão do respectivo património desenvolve-se entre os filhos do requerente, dum lado, e a requerida e viúva, do outro lado. A sanação da incapacidade do requerente pelos sucessores que têm interesse na continuação da lide permite que a lide continue a ter, em ambos os respectivos polos, quem tem interesse em ocupar essa posição. Outra solução que potenciasse a extinção da lide apenas implicaria a necessidade de os herdeiros do falecido instaurarem uma nova acção, para o que não se defrontariam sequer com o obstáculo da caducidade (artigo 27.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), o que é contrário ao objectivo da configuração da excepção da falta de capacidade judiciária como sanável a todo o tempo e mesmo oficiosamente pelo tribunal. Por todas estas razões, a decisão recorrida é correcta e deve ser confirmada, razão porque improcedem os recursos.” NB. Bold da nossa autoria.
Concluindo e sem necessidade de mais considerações, julga-se totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente
Registe e notifique.
DN
Porto, 10 de Julho de 2025
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia de Lima
João Ramos Lopes
Artur Dionísio Oliveira