Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
JUSTO IMPEDIMENTO
PRESSUPOSTOS
INQUISITÓRIO
PERÍCIA
PAGAMENTO DOS ENCARGOS
Sumário
I – De acordo com o actual redacção do artigo 23.º, n.º 1, do RCP, a falta de pagamento no prazo legal dos encargos devidos pela realização de uma perícia, sem que seja usada alguma das faculdades previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, tem como consequência a não realização da mesma, a não ser que aquele pagamento seja admitido fora de prazo à luz das regras gerais do justo impedimento, previstas no artigo 140.º do CPC. II – Para que se considere verificada uma situação de justo impedimento é necessário que a prática atempada do acto tenha sido impedida por um evento não imputável à parte nem aos seus representes ou mandatários. Para que o justo impedimento tenha relevância processual, conduzindo à admissão da prática do acto fora do prazo, a lei exige que a parte o suscite logo que cesse o impedimento. Para que o justo impedimento possa ser verificado é ainda necessário que o requerente ofereça logo a respectiva prova. III – Nem a necessidade ou a essencialidade da prova em causa, nem a circunstância de ser ou poder ser ordenada oficiosamente, dispensam o cumprimento das obrigações tributárias das partes, designadamente o pagamento dos respectivos encargos nos prazos legais. IV – O princípio do inquisitório aflorado no artigo 411.º do CPC coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da auto responsabilidade das partes, não podendo ser invocado apenas para os contornar, maxime para suprir alguma falha na instrução da causa imputável a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação ou produção de algum meio de prova. V – Não há sentenças inconstitucionais; o que pode haver é a aplicação de normas inconstitucionais ou interpretadas de forma a violar a constituição. Por conseguinte, não suscita a inconstitucionalidade de modo processualmente adequado a parte que discorda da decisão por esta alegadamente violar princípios constitucionais, sem questionar a conformidade constitucional e pedir a desaplicação de normas concretas, ou sem questionar a aplicação de normas concretas com uma determinada interpretação supostamente violadora da Constituição.
Texto Integral
Processo: 15267/23.8T8PRT-C.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Por apenso à execução que Banco 1..., S.A. moveu contra AA e A... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A., o primeiro executado veio opor-se à execução mediante embargos.
Recebidos e tramitados os embargos, veio a ser admitida e realizada a perícia requerida pelo exequente embargado.
Notificado do relatório dessa perícia e dos esclarecimentos posteriormente prestados a seu pedido, o executado embargante veio requerer a realização de segunda perícia, ao abrigo do disposto no artigo 487.º do CPC, o que foi deferido, por despacho proferido em 19.02.2025.
Na mesma data foi o embargante notificado para pagar até 06.03.2025 os encargos relativos a essa segunda perícia, conforme guia que lhe foi remetida.
Não tendo sido paga a referida quantia, foi dada sem efeito a segunda perícia e designada data para audiência de julgamento, conforme despacho proferido em 19.03.2025.
Nesse mesmo dia, o embargante juntou aos autos comprovativo do pagamento do valor dos encargos relativos à segunda perícia.
O embargado pronunciou-se, pugnando pela manutenção da data já designada para audiência de julgamento, atendendo à extemporaneidade do pagamento.
Notificado do despacho de 19.0.2025, o embargante veio requerer se realize a segunda perícia e, consequentemente, se dê sem efeito a data designada para audiência de julgamento, alegando que os encargos já estão pagos, não o tendo sido antes «mercê de problemas de liquidez financeira por parte do Executado/Embargante», mais invocando os argumentos esgrimidos pelo próprio Tribunal a quo para fundamentar a relevância dessa prova para a descoberta da verdade.
Por despacho de 25.03.2025 o Tribunal a quo julgou não verificado o alegado justo impedimento e indeferiu o requerido.
*
Inconformado, o embargante apelou desta decisão, concluindo assim a sua alegação:
«I. Do objeto do recurso
A. O presente Recurso de Apelação é interposto do Despacho proferido a 25/03/2025 (sob a referência CITIUS 470134592), no qual o Tribunal a quo indeferiu a realização da 2.ª Perícia requerida pelo aqui Recorrente.
B. Por versar sobre matéria de prova com preponderância para a decisão da causa, desde já se apronte que o Despacho ora recorrido é impugnável nos termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 644.º do CPC.
II. Da Perícia
C. Anteriormente ao Despacho ora objeto do presente Recurso, havia sido já realizada nos autos uma 1ª Perícia, com vista a aferir se as assinaturas foram ou não apostas pelo Executado, aqui Recorrente, em determinados documentos.
D. Neste seguimento, e uma vez notificado do teor do Relatório Pericial, requereu o aqui Recorrente os competentes esclarecimentos, trazendo à colação a deficiência do Relatório Pericial apresentado, denunciando cabalmente a sua obscuridade, contradição e falta de fundamentação das suas conclusões.
E. Não obstante os esclarecimentos prestados, tais incongruências e obscuridades mantiveram-se, razão pela qual o Recorrente, através do competente Requerimento datado de 30/01/2025 (sob a referência CITIUS 51200777), requereu a realização da 2.ª Perícia.
F. Mercê do circunstancialismo descrito, por Despacho datado de 10/02/2025 (sob a referência CITIUS 468889776), determinou a Mm. ª Juiz, a quo a realização da 2.ª Perícia nos seguintes termos, citando: “(…) Compulsados os autos e atento o objeto da causa e as questões essenciais a decidir, afigura-se-nos que o embargante apresentou justificação suficiente e adequada para a necessidade de uma segunda perícia. Com a segunda perícia serão dissipadas quaisquer dúvidas do embargante em relação à primeira perícia já realizada, a qual foi já afirmativa em termos de conclusões alcançadas. Em face do que se deixa dito, conclui-se que a repetição de tal diligência se mostra minimamente justificada, não se revelando impertinente nem dilatória. Em suma, verificados os requisitos legais e tendo em vista a descoberta da verdade material e a boa decisão desta causa, é de admitir nestes autos uma segunda perícia. Decisão. Pelo exposto, admito a requerida segunda perícia à letra e assinatura, nos termos do disposto nos arts. 482.º e 487.º a 489.º, todos do NCPC (…)” – [sublinhado e negrito nossos].
G. Todavia, em prejuízo da fundamentação acolhida e da decisão prévia que lhe antecedeu, baseou o Despacho, objeto da presente Apelação, o indeferimento da realização da 2.ª Perícia na alegada falta de pagamento atempado dos encargos com a perícia, não obstante o pagamento ter sido efetuado e justificado pelo Recorrente. Ora,
H. Estatui o artigo 487.º do CPC, sob a epígrafe “Realização de segunda perícia”: “1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. 2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade. 3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.”
I. Do normativo supracitado se retira, necessariamente que é só com a produção da prova requerida - e assumida pelo Tribunal como necessária e essencial - que se poderá conferir conteúdo útil aos princípios da verdade material, à cooperação funcional e a muitos outros princípios processuais, até porque em matéria de prova, deve sempre o Tribunal tomar em conta o superior interesse na descoberta da verdade e na justa decisão da causa, tendo de atender sempre aos princípios e interesses que regem o processo civil para, abraçando o espírito do sistema, alcançar os superiores interesses que este serve.
J. Pelo que, a recusa em permitir a realização da 2.ª perícia, quando a mesma já havia sido admitida e devidamente fundamentada, traduz uma limitação injustificada do direito à prova, que constitui corolário do princípio do contraditório e das garantias de defesa do Recorrente, as quais, mais do que civilmente previstas, têm respaldo constitucional (cfr. artigos 6º, 410.º e 411º, todos do CPC).
K. O Tribunal a quo não só ignorou os fundamentos legais invocados pelo Recorrente, como também se absteve injustificadamente de exercer o seu dever de impulso processual e da aplicação do princípio do inquisitório, nos termos do artigo 411.º do CPC, incorrendo, inclusive, em nulidade processual que aqui também ad cautelam se invoca.
L. Ainda que o pagamento da 2ª Perícia tenha ocorrido após o prazo fixado, tal circunstância não elimina a possibilidade (e até o dever) de o Tribunal atuar de forma oficiosa (nº 2 do art. 487º do CPC), pelo que deveria ter admitido a produção de prova requerida. Concomitantemente,
M. coadjuva a jurisprudência que a realização de uma 2.ª perícia nos autos deve ser admitida sempre que estejam presentes dúvidas fundadas sobre a suficiência, clareza ou coerência da primeira perícia, como se verificou (e verifica!) nos presentes autos.
N. Mais preponderantemente ainda se justifica a sua realização quando o Tribunal reconhece da sua essencialidade e a respetivo mérito.
O. A solução aqui preconizada é, de resto, a única que permite que se alcance o objetivo delineado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, de 22/12/2012, que deu origem ao Código de Processo Civil hodierno de que a instrução decorra “(…) sem barreiras artificiais (…)”, de que, “(…) o juiz apreenda a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se apresenta nos autos”e ainda de que“mantêm-se e reforça-se o poder de direcção do juiz e o princípio do inquisitório (no activo suprimento da generalidade da falta de pressupostos processuais, na instrução da causa (…)”.
P. Nestes termos e ao abrigo do disposto no artigo 666.º, n.º 2, alínea c) do CPC, consideramos absolutamente necessária a anulação da decisão a fim de serem resolvidas as questões colocadas pelas partes, e para tanto, importa que sejam produzidos todos os meios de prova admissíveis e com utilidade no caso, designadamente a prova pericial REQUERIDA, o que expressamente se requer.
Q. Impõem-se, nolens volens, seja pela figura da anulação, seja pela da revogação, que a Decisão aqui colocada em crise seja revogada. Face ao retro exposto,
R. requer-se a V. Exas que os Juízes que constituam este Tribunal da Relação acordem em julgar procedente o Recurso, e consequentemente, anulem/revoguem o Despacho, determinando a realização da 2ª perícia com o objeto assinalado já pelas partes. Ad cautelam, e sem prescindir
III. Da Inconstitucionalidade
S. A decisão recorrida é inconstitucional, assim como a interpretação normativa nela ínsita – nos termos que infra se explicaram –, violando o direito fundamental à prova que assiste ao Requerido como corolário do direito a um processo equitativo e, assim, as garantias de defesa que lhe devem ser asseguradas pelos Tribunais, em conformidade com o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, 202.º e 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa, comportando em si um constrangimento injustificado ao direito de defesa do mesmo,
T. inconstitucionalidade que se deixa aqui invocada para os devidos efeitos. COMO COROLÁRIO DO EXPOSTO,
U. resulta evidente que a Sentença proferida violou, entre outros, os artigos 20º n.º 4, 202.º e 205º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 2.º, 6º, 7º, 410.º, 411.º, 467º, 487º, do Código de Processo Civil».
*
Nem o primitivo exequente nem B..., S.A., que entretanto se habilitou como cessionário daquele, apresentaram resposta à alegação do recorrentre.
*
II. Fundamentação
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, importa decidir se deve ser ordenada a realização da segunda perícia admitida por despacho de 19.02.2025, ainda que pagamento dos respectivos encargos tenha sido efectuado fora de prazo.
*
De harmonia com o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados nesse Regulamento, as quais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Os tipos de encargos compreendidos nas custas processuais são os descritos nas várias alíneas do artigo 16.º do RCP, entre os quais se incluem os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal – cfr. al. d).
Integram-se nesta previsão normativa os pagamentos devidos aos peritos nomeados para realizar a perícia, nos termos previstos nos artigos 474.º e seguintes do CPC.
De acordo com o preceituado no artigo 20.º, n.º 1, do RCP, os encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento. No caso concreto, estando em causa a realização de uma perícia, o prazo aplicável era de 10 dias a contar da notificação do despacho que a ordenou, como ficou a constar dessa notificação, datada de 19.02.2025, e do guia que a acompanhou.
Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do RCP, o não pagamento dos encargos nos termos fixados no n.º 1 do artigo 20.º implica a não realização da diligência requerida.
Como recorda Joel Timóteo Ramos Pereira (Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar com Nótulas Explicativas, Quid Juris Sociedade Editora, 2.ª ed., Lisboa, 2013, p. 79), na redação anterior desta norma, «o não pagamento antecipado dos encargos (nos casos em que tal era devido, na medida em que só eram pagos antecipadamente os encargos de valor igual ou superior a 1 UC) não tinha consequência imediata na tramitação processual, sendo os valores em dívida imputados na conta de custas da parte responsável pelo pagamento, acrescidos de um valor equivalente a 25% do montante devido e quando os pagamentos em causa fossem devidos a terceiras entidades, eram os mesmos assegurados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, I.P. No regime atual, o não pagamento antecipado dos encargos implica a não realização da diligência requerida (v.g., a secretaria não remete a notificação para comparência às testemunhas, não requisita o serviço de videoconferência ou não remete a carta rogatória)».
Mas a parte que não efectuou o pagamento pontual dos encargos pode, se ainda for oportuno, realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.º, mediante o pagamento de uma sanção de igual valor ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC (cfr. artigo 23.º, n.º 2, do RCP), como também ficou a constar da notificação acima referida.
Querendo usar desta faculdade, o pagamento desta sanção deve ser objecto de autoliquidação pela parte responsável pelo pagamento omitido.
Nos termos do n.º 3, do mesmo artigo 23.º, à parte contrária é permitido pagar o encargo que a outra não realizou, solicitando guias para o depósito imediato nos cinco dias posteriores ao termo do prazo referido no número anterior.
Na falta de pagamento dos encargos no prazo legal e não sendo usada nenhuma das faculdades previstas nos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do RCP, a consequência será a não realização da diligência, a não ser que referido pagamento seja admitido fora de prazo, à luz das regras gerais do justo impedimento, previstas no artigo 140.º do CPC.
No caso concreto, foi o ora recorrente que solicitou a realização da segunda perícia, ao abrigo do disposto no artigo 487.º do CPC, pelo lhe incumbia pagar os respectivos encargos. Porém não fez esse pagamento no prazo previsto no artigo 20.º, n.º 1, do RCP, nem lançou mão do mecanismo previsto no n.º 2, do artigo 23.º, do RCP.
Por sua vez, o recorrido também não usou a faculdade prevista no n.º 3, do mesmo artigo 23.º.
Já depois de decorridos todos os prazos previstos neste artigo 23.º, precisamente no dia em que o Tribunal a quo deu sem efeito a segunda perícia e designou data para audiência de julgamento, o recorrente veio comprovar o pagamento do valor dos encargos devidos, nada mais alegando ou requerendo.
Dois dias mais tarde, depois de ter sido notificado do despacho que deu sem efeito a referida diligência, veio o recorrente justificar o atraso no pagamento dos encargos, invocando problemas de liquidez financeira, mais invocando a relevância da diligência em causa para a descoberta da verdade material, conforme já havia sido reconhecido pelo próprio Tribunal a quo.
Em nenhum destes requerimentos é pedido, de forma explícita, que o Tribunal admita o embargante a efectuar o pagamento do encargo fora do prazo com fundamento em justo impedimento.
Tal alegação do justo impedimento não é feita, desde logo, no requerimento de 19.03.2025, no qual o embargante se limita a praticar o acto fora do prazo, juntando comprovativo do pagamento do valor dos encargos devidos, sem apresentar qualquer razão para esse atraso.
Mais duvidoso é se a alegação do justo impedimento está implícita no requerimento de 21.03.2025, no qual o embargante justifica o atraso nos problemas de liquidez financeira (para além de invocar a relevância da diligência a que se refere o encargo e insistir pela sua realização).
Seja como for, não estão verificados os pressupostos para que o recorrente possa beneficiar daquele mecanismo processual.
O artigo 140.º, n.º 1, do CPC define justo impedimento como o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
A verificação e a relevância processual do justo impedimento está, assim, dependente de diversos requisitos, de natureza substantiva e adjectiva.
Para que se considere verificada uma situação de justo impedimento é necessário, antes de mais, que a prática atempada do acto – no caso, o pagamento dos encargos relativos à segunda perícia – tenha sido impedida por um evento não imputável à parte nem aos seus representes ou mandatários. Como recorrentemente se afirma na doutrina e na jurisprudência, é essencialmente nesta não imputabilidade do evento impediente à parte e aos seus representantes ou mandatários que assenta o conceito legal de justo impedimento.
Para que o justo impedimento tenha relevância processual, conduzindo à admissão da prática do acto fora do prazo, o artigo 140.º, n.º 2, do CPC, exige que a parte o suscite logo que cesse o impedimento.
Por fim, para que o justo impedimento possa ser verificado é ainda necessário que o requerente ofereça logo a respectiva prova.
A doutrina e a jurisprudência, alertando para a necessidade de combater o uso abusivo dos direitos ou faculdades processuais, vêm preconizando uma aferição rigorosa dos pressupostos do justo impedimento. E compreende-se que assim deva ser, tendo em conta a natureza excepcional desta figura e as consequências processuais da permissividade nessa matéria.
Voltando ao caso concreto, salta à vista que que o ora recorrente não suscitou o justo impedimento logo que o mesmo cessou, sendo extemporânea a sua posterior alegação, como bem concluiu a decisão recorrida. Na verdade, como vimos, apesar de ter sido expressamente notificado para pagar os encargos devidos dentro do prazo legal, o ora recorrente apenas efectuou esse pagamento em momento posterior, sem ter então invocado qualquer facto que o tivesse impedido de proceder ao pagamento naquele prazo.
Só mais tarde, confrontado com o despacho que determinou a não realização da segunda perícia, veio alegar que não fez o pagamento antes «mercê de problemas de liquidez financeira por parte do Executado/Embargante».
Ainda assim, o recorrente limitou-se a esta alegação conclusiva, não apresentando qualquer prova que a sustente.
Ora, como decorre do antes exposto, a parte ou o mandatário que invoca o justo impedimento tem, naturalmente, o ónus de alegar e provar os factos susceptíveis de integrar os respectivos pressupostos, maxime a ocorrência de um evento fortuito ou de força maior, a impossibilidade de praticar o acto omitido daí decorrente e a ausência de culpa da parte e do respectivo mandatário (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do CC; embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a questão da distribuição do ónus da prova coloca-se nos mesmos termos).
Para além de não ter apresentado qualquer prova, o embargante não alegou quaisquer factos de onde se possa extrair que os aludidos problemas de liquidez financeira tivessem impedido o pagamento no prazo legal por motivos não imputáveis à parte nem aos seus representes ou mandatários, designadamente que esses problemas fossem temporários e imprevisíveis e, por isso, não pudessem ter sido acautelados, inclusivamente por via do recurso ao apoio judiciário.
Pelas razões expostas, bem andou o Tribunal a quo ao julgar não verificado o justo impedimento.
De resto, na alegação de recurso, o recorrente não invoca o justo impedimento, focando a sua argumentação na relevância da segunda perícia para a descoberta da verdade material e nos poderes oficiosos do Tribunal previstos no artigo 487.º, n.º 2, do CPC.
Importa, antes de mais, deixar claro que o Tribunal a quo não nunca afirmou que, na sua perspectiva, a segunda perícia fosse necessária e essencial.
Aquele Tribunal limitou-se a aferir os pressupostos legais de admissibilidade da segunda perícia requerida pelo embargante, enunciados no artigo 487.º, n.º 1, do CPC, entre eles a alegação fundada das razões da discordância relativamente ao relatório da primeira perícia.
Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, p. 547), «[a] expressão “fundadamente” significa que as razões da dissonância têm de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia (STJ 25-11-04, CJ t. III, p. 124). A parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica. Não cabe ao tribunal aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia (RP 10-7-13, 1357/12 e RE 18-9-12, 4162/09). Fundamentando o requerente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao juiz uma avaliação do mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo o juiz determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem carácter impertinente ou dilatório (RP 11-1-16, 4135/14)».
No caso, o Tribunal a quo verificou «que o embargante apresentou justificação suficiente e adequada para a necessidade de uma segunda perícia», que esta permitirá dissipar «quaisquer dúvidas do embargante em relação à primeira perícia, a qual foi já afirmativa em termos de conclusões alcançadas» e que «a repetição de tal diligência se mostra minimamente justificada, não se revelando impertinente nem dilatória». Assim, concluiu que, «verificados os requisitos legais e tendo em vista a descoberta da verdade material e a boa decisão desta causa, é de admitir nestes autos uma segunda perícia».
Neste contexto, como facilmente se compreende, afirmar que o recorrente justificou de forma suficiente o seu pedido, que a realização da segunda perícia se mostra adequada a dissipar as dúvidas do recorrente quanto à primeira e que não se mostra impertinente nem dilatória, ou seja, afirmar que estão verificados os requisitos legais para a realização da segunda perícia, sem os quais esta nunca poderia ser deferida, não equivale a afirmar a essencialidade dessa prova para a descoberta da verdade.
E assim se compreende que o Tribunal a quo não tenha determinado oficiosamente essa segunda perícia, com base no artigo 487.º, n.º 2, do CPC.
De todo o modo, nem a necessidade ou a essencialidade da prova em causa, nem a circunstância de ser ou poder ser ordenada oficiosamente, dispensam o cumprimento das obrigações tributárias das partes, designadamente o pagamento dos respectivos encargos nos prazos legais. Isso mesmo é corroborado pelo artigo 16.º, n.º 1, al. d), do RCP, onde se preceitua que as custas compreendem os encargos correspondentes aos pagamentos devidos a quaisquer entidades pela prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente.
E a verdade é que o recorrente não cumpriu essas obrigações, nos termos já expostos, o que levou o Tribunal a quo a extrair as ilações legalmente previstas.
Apesar desta omissão, o recorrente entende que, tendo sido, entretanto, pago o valor dos encargos devidos, o Tribunal devia ter lançado mão dos poderes inquisitórios previstos nos artigos 411.º e 487.º, n.º 2, do CPC, e ordenado oficiosamente a realização da segunda perícia. Baseia este entendimento nas razões que levaram o Tribunal a quo a deferir o pedido de realização de uma segunda perícia.
Porém, já vimos que o Tribunal a quo não baseou a admissão desta segunda perícia na sua necessidade ou essencialidade para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio, como afirma o recorrente, mas apenas no cumprimento, por parte do embargante, dos requisitos legais enunciados no artigo 487.º, n.º 1, do CPC.
Não está, assim, justificado o recurso aos poderes oficiosos previstos no n.º 2 do mesmo artigo e no artigo 411.º do CPC, em detrimento dos princípios, igualmente válidos, da preclusão e da auto responsabilidade das partes.
O princípio do inquisitório aflorado no artigo 411.º do CPC coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da auto responsabilidade das partes, não podendo ser invocado apenas para os contornar, maxime para suprir alguma falha na instrução da causa imputável a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação ou produção de algum meio de prova (ob. cit., p. 484).
No caso concreto, não decorrendo da argumentação esgrimida pelo Tribunal a quo para deferir a segunda perícia, reiterada pelo recorrente, nem de outros elementos carreados para os autos, que aquela diligencia probatória se revela necessária para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio, a sua determinação ao abrigo dos poderes conferidos pelos artigos 411.º e 487.º, n.º 2, do CPC traduzir-se-ia na produção de um meio de prova precludido, por facto imputável ao ora recorrente.
Não está, assim, justificado o recurso a esses poderes inquisitórios, pelo que não merece censura a decisão recorrida.
*
O recorrente veio ainda arguir a inconstitucionalidade da decisão recorrida e da interpretação normativa nela ínsita, alegando que a mesma viola o direito fundamental à prova como corolário do direito a um processo equitativo e, assim, as garantias de defesa que lhe devem ser asseguradas pelos Tribunais, em conformidade com o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, 202.º e 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), comportando em si um constrangimento injustificado ao direito de defesa do mesmo.
Mais alegou que, atenta a vertente do princípio do contraditório que subjaz ao direito à prova, o juiz não pode rejeitar um meio de prova com base na sua irrelevância, baseado na convicção que já tenha formado quanto à não verificação do facto que se pretende provar através desse meio de prova.
Alegou ainda que, ao indeferir, pelo motivo que indeferiu, a realização da 2.ª perícia, está a perpetrar uma prática reprovável do ponto de vista valorativo, que tem por ensejo penalizar infundadamente o recorrente porque este não tinha meios imediatos para pagar a perícia por si solicitada.
Importa começar por referir que não suscita adequadamente a inconstitucionalidade a parte que discorda da decisão por esta alegadamente violar princípios constitucionais, sem questionar a conformidade constitucional e pedir a desaplicação de normas concretas, ou sem questionar a aplicação de normas concretas com uma determinada interpretação, supostamente violadora da Constituição – cfr. ac. do TRG, de 07.10.2021 (proc. n.º 1782/20.9T8BRG.G1).
Compreende-se que assim seja, pois não há sentenças inconstitucionais; o que pode haver é a aplicação de normas inconstitucionais ou interpretadas de forma a violar a constituição.
Neste sentido, escreve-se o seguinte na Decisão Sumária n.º 178/2024, de 13.04.2024, do TC (proc. n.º 686/2023, rel. Rui Guerra Fonseca):
«O sistema português de controlo da constitucionalidade é de natureza estritamente normativa (cfr. o n.º 1 do artigo 71.º da LTC e artigo 280.º da Constituição), contrariamente a outros sistemas que consagram a possibilidade de um controlo jurisdicional imediatamente dirigido às decisões dos restantes tribunais. No caso específico do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o legislador exige, i) a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa, “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LTC), e ii) a aplicação, na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso, pois “[...] só assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão” (cfr. Acórdão n.° 372/2015)».
No caso concreto, o recorrente limita-se a afirmar que a decisão recorrida e a interpretação normativa nela ínsita violam o direito fundamental à prova, como corolário do direito a um processo equitativo, e as garantias de defesa que lhe devem ser asseguradas pelos Tribunais, em conformidade com o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, 202.º e 205.º da CRP, sem esclarecer qual a norma aplicada e qual a concreta interpretação adoptada pelo Tribunal a quo correspondente à dimensão normativa que considera violadora dos preceitos constitucionais por si invocados.
Deste modo, a arguição da inconstitucionalidade não foi feita de modo processualmente adequado, em termos de obrigar este Tribunal a dela conhecer.
Mas sempre se dirá, com necessária brevidade, não se vislumbrar em que medida a decisão recorrida possa violar o direito do recorrente a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP (que preceitua assim: «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo») e, muito menos, os princípios gerais consagrados nos artigos 202.º (cujo n.º 2 prescreve o seguinte: «Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados») e 205.º da mesma Lei Fundamental (cujo n.º 1 dispõe nos seguintes termos: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»).
A propósito do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da CRP, refere-se no ac. do Tribunal Constitucional n.º 771/2017 (proc. n.º 225/17, rel. Maria de Fátima Mata Mouros) que, de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, «“o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas” (cfr. Acórdão n.º 839/2013)».
No caso concreto, não está comprometida nenhuma destas vertentes do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, nem tal foi alegado pelo recorrente.
O que o recorrente parece afirmar é que está comprometido o princípio da proibição da indefesa, ínsito no mesmo comando constitucional, o que acaba por ser corroborado pela alusão ao artigo 202.º da CRP, na medida em que esta norma atribui aos tribunais, enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, a incumbência de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. (Mais difícil de compreender é a alusão ao artigo 205.º da CRP, relativo às decisões dos tribunais, designadamente ao dever de fundamentação das mesmas, pois nada foi alegado pelo recorrente que evidencie a violação desse comando constitucional.)
Ora, como se refere no ac. do TC antes citado, «“o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88 […]. Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96)» (cfr. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2)».
Acrescenta-se no mesmo acórdão que o princípio da proibição da indefesa, enquanto «dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva, (…) afirma uma proibição da limitação intolerável do direito de defesa perante o tribunal». Citando outros arestos do mesmo tribunal, afirma-se ali ainda que o princípio da proibição da indefesa «tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da “privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito”».
No caso concreto, decorre do que ficou exposto anteriormente que o recorrente não foi impedido de oferecer as suas provas, designadamente a segunda perícia, pois esta foi expressamente admitida pelo Tribunal a quo, por estarem verificados os respectivos requisitos legais, apenas não se tendo realizado por razões imputáveis ao próprio recorrente, em consonância com o regime previsto no RCP, nos termos já antes expostos, e não por carência de recursos financeiros, que o recorrente só tardiamente alegou e nunca demonstrou.
Nestes termos, improcede também a invocada violação dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente, designadamente o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, na sua dimensão de proibição da indefesa.
*
Em suma, improcede totalmente a apelação, pelo que as respectivas custas serão suportadas pelo recorrente, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
*
Sumariando (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
III. Decisão
Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam totalmente improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
*
Porto, 10 de Julho de 2025
Artur Dionísio Oliveira
Anabela Miranda
Pinto dos Santos