VIOLAÇÃO CULPOSA DAS REGRAS DE SEGURANÇA PELO EMPREGADOR / AUMENTO DA PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA DO ACIDENTE
Sumário

I – «Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, 2ª parte, da Lei n.º 98/2009, para que o acidente de trabalho a ele se subsuma, é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determinada(s) norma(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre essa conduta (ato ou omissão) e o acidente».
II – Se da violação culposa das regras de segurança pelo empregador resultou um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2024, publicado no DR 1.ª Série, de 13-05-2024, pode afirmar-se o nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do acidente, devendo o acidente – e as suas consequências – ser imputado ao empregador de harmonia com o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, da LAT.

[Sumário elaborado pela sua relatora nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (cfr. artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho)]

Texto Integral

Apelação/Processo nº 622/23.1T8PNF.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho ...


Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes
2ª Adjunta: Rita Romeira







Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:




I - RELATÓRIO


Não se tendo alcançado acordo na respetiva fase conciliatória, AA (Sinistrada/Autora) apresentou petição inicial para dar início à fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (artigo 117.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo do Trabalho) contra A..., Lda. (Ré entidade empregadora) e B...-Companhia de Seguros, SA, (Ré seguradora) peticionando a condenação das Rés, “na quota-parte que doutamente se liquidará, se for o caso:
- Ao pagamento do valor liquidado do diferencial das incapacidades temporárias de 403,88€;
- Ao pagamento do capital de remição correspondente à pensão anual de 1.984,52€, com início em 24 de fevereiro de 2023;
- Ao pagamento das despesas de deslocação, no valor de 30,00€;
- Ao pagamento das despesas com dedeiras, até à idade da reforma, ou até que as mesmas não sejam necessárias”.
Alegou para tanto, em síntese, que sofreu um acidente de trabalho no dia 10-08-2022, de que resultaram incapacidades para o trabalho com base nas quais pede o pagamento das prestações.

Citada, a Ré seguradora apresentou contestação, alegando, em resumo, que o acidente em causa ficou a dever-se à violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da Ré entidade empregadora, uma vez que o equipamento de trabalho envolvido no acidente não possuía elementos de segurança a qualquer nível, o que foi causal do sinistro. Concluiu dizendo que a respetiva responsabilidade se encontra limitada às prestações normais calculadas sobre a remuneração anual transferida de € 11.322,00, assistindo-lhe o direito de regresso sobre a Ré entidade empregadora.

Citada, a Ré entidade empregadora referiu que na petição inicial não lhe foi objetivamente imputada qualquer factualidade de onde resulte agravamento da responsabilidade nos termos do disposto no artigo 18º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro. Sustentou que transferiu a sua responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho para a Ré seguradora, pelo que deve ser esta a assumir a reparação do acidente. Mais referiu que não lhe assiste qualquer responsabilidade agravada pela reparação infortunística, porquanto considera que o acidente ocorreu naturalisticamente, independentemente da inobservância de quaisquer regras de segurança.

Foi proferido despacho saneador, após o que foram consignados os factos assentes, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte (que se transcreve):

«III- DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos suprarreferidos, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

a) condeno a 2ª R. a pagar à A.:

aa) no lugar da residência da mesma, a título de diferença de indemnização pela incapacidade temporária absoluta (ITA) de 11.08.2022 a 23.12.2022 e pela incapacidade temporária parcial (ITP) de 50% de 24.12.2022 a 23.02.2023, a quantia de € 403,88, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 24.12.2022 até efetivo e integral pagamento da mesma;

ab) no lugar da residência da mesma, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.984,52, devida a partir de 24.02.2023, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 24.02.2023 até efetivo e integral pagamento do mesmo; e

ac) a título de despesas de deslocação, a quantia de € 30,00, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 03.07.2023 até efetivo e integral pagamento da mesma;

b) sem prejuízo do referido em a), absolvo a 2ª R. de todo o peticionado pela A.; e

c) absolvo a 1ª R. de todo o peticionado pela A..

Fixo o valor da causa em € 24.279,87 - cfr. artº 120º, nº 1, do C.P.T..


*

Custas pela 2ª R. - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C..

*

Registe e notifique.

*

Após o trânsito em julgado, proceda ao cálculo referido no artº 148º, nº 3, do C.P.T. - cfr. artº 149º, do C.P.T..».

*

Não se conformando com a sentença proferida, a Ré Seguradora, apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem[1]):

(…)

Terminou da seguinte forma:

“Termos em que deverá ser revogada a douta decisão recorrida, considerando-se suficientemente demonstrado o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança pela entidade empregadora e o acidente que vitimou a autora, com as consequências legais impostas pelos arts. 79.º, n.º 3 e 18.º, n.º 1 e 4, al. c) da LAT”.

Não foram apresentadas contra-alegações pela Autora e pela Ré entidade empregadora.

Foi proferido despacho a determinar a subida do recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87º, nº 3, do CPT, pronunciando-se como se segue (transcrição):
«[…]
2. Impugna a Recorrente a decisão sobre a matéria de facto e subsequente decisão de direito.
2.1. Entende a recorrente que deveriam dar-se como provados, os factos constantes dos factos não provados sob os n.ºs 1, 2 e 5, que seriam agora os factos 19º, 20º e 21º dos factos provados.
Porém, “No relatório do “Inquérito de acidente de trabalho n.º ...47, de 2022/08/10”, parte integrante dos referidos elementos juntos pela ACT, no ponto 8.1, relativo à “Descrição/cronograma dos factos do acidente”, vem referido que “O acidente ocorreu quando a trabalhadora sinistrada estava a operar a máquina serra de corte, ao cortar um perfil de alumínio prendeu os dedos da mão esquerda”.
Facto que também consta da douta sentença recorrida. No ponto 11º dos factos provados diz-se que “A A. estava a utilizar uma máquina de corte e a mão esquerda foi apanhada pelo disco de corte (pela serra de corte) de tal máquina.”
Cremos assim que, não merece censura a douta sentença recorrida quanto à matéria de facto (sendo, salvo melhor opinião, aspectos menores dizer-se o nome concreto do trabalho que realizava a Autora/sinistrada, ou até mesmo as medidas da peça que trabalhava).
2.2. Neste caso, a recorrida/autora não pediu na fase conciliatória nem na fase contenciosa do processo o pagamento de pensão agravada nos termos do art.º 18º da LAT.
O que não impede que possa o tribunal condenar em quantia superior, à peticionada, atento o disposto no art.º 74º do CPT, e a natureza indisponível e irrenunciável dos créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na LAT.
Tendo conhecimento do acidente, a ACT, como se provou – facto provado 14º - “Após o acidente, a ACT notificou a 1ª R. para tomada de medidas, entre as quais promover a verificação extraordinária da máquina por pessoa competente a fim de garantir o bom estado de funcionamento da mesma e apresentar o relatório de tal verificação”, o que a Ré, entidade empregadora, fez, e, em consequência comprou uma nova máquina.
É deu-se como provado – facto 17º -, que “A máquina não tinha proteções mecânicas que impossibilitassem o acesso à zona de corte estando em funcionamento o disco de corte, dispositivos auxiliares de fixação e orientação do material a cortar, barreira elétrica de segurança, relé de segurança nem comando de pedal para acionamento do disco de corte.”
Ora, como se lê no sumário do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2024, publicado no DR, I série, de 13.05.2024, «Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.»
O que, neste caso, cremos que aconteceu, pois, a falta de protecções mecânicas fez aumentar, e muito, a probabilidade de ocorrência de acidente, como se verificou. Sendo certo que aquelas protecções (nomeadamente que impossibilitassem o acesso à zona de corte estando em funcionamento o disco de corte), impediriam a sua verificação.
3. Assim sendo, e ressalvando sempre diferente e melhor opinião, deveria proceder o recurso.».

A Recorrida Ré entidade empregadora respondeu ao indicado parecer,

(…)

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.


***


II – Questões a resolver

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

(1) Impugnação da decisão da matéria de facto;

(2) Saber se a sentença recorrida errou na aplicação da matéria de direito ao julgar não estarem verificados os pressupostos da afirmação da responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, ora Recorrente, nos termos e para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, mais precisamente no que se refere ao nexo de causalidade.


***


III – FUNDAMENTAÇÃO

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

“Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1º- A A. nasceu no dia ../../1965 (alínea A), dos factos considerados assentes).

2º- No dia 10.08.2022, cerca das 10:30 horas, em ..., ..., a A. foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de ajudante de serralheiro sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª R., mediante a retribuição anual de € 705,00 x 14 + € 132,00 x 11 (alínea B), dos factos considerados assentes).

3º- Do acidente resultou esfacelo da mão esquerda, amputação de D2 por F2 e ferida no D3 e D4 (alínea C), dos factos considerados assentes).

4º- À data de 10.08.2022, a 1ª R. tinha a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho em que fosse interveniente a A. transferida para a 2ª R., pela retribuição anual de € 705,00 x 14 + € 132,00 x 11, mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº ...78 (alínea D), dos factos considerados assentes).

5º- Em consequência direta e necessária do acidente, resultou para a A. uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 11.08.2022 a 23.12.2022 e uma incapacidade temporária parcial (ITP) de 50% de 24.12.2022 a 23.02.2023 (alínea E), dos factos considerados assentes).

6º- A data da alta é 23.02.2023 (alínea F), dos factos considerados assentes).

7º- Em consequência direta e necessária do acidente, resultou para a A. uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25,04% (alínea G), dos factos considerados assentes).

8º- A 2ª R. pagou à A. a quantia de € 3.200,55, a título de indemnização por um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 11.08.2022 a 23.12.2022 e por um período de incapacidade temporária parcial (ITP) de 20% de 24.12.2022 a 23.02.2023, períodos por ela fixados (alínea H), dos factos considerados assentes).

9º- Na fase conciliatória do processo, a A. despendeu a quantia de € 30,00 em deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de ... e a este Tribunal (alínea I), dos factos considerados assentes).

10º- Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual as R.R. estiveram representadas, teve lugar no dia 03.07.2023 (alínea J), dos factos considerados assentes).

11º- A A. estava a utilizar uma máquina de corte e a mão esquerda foi apanhada pelo disco de corte (pela serra de corte) de tal máquina.

12º- O acidente ocorreu nas instalações da 1ª R. sitas na Rua ..., ..., em ..., ....

13º- A máquina era da marca Elumatec, do modelo TS 161 e do ano 1996 e tinha o nº ...74.

14º- Após o acidente, a ACT notificou a 1ª R. para tomada de medidas, entre as quais promover a verificação extraordinária da máquina por pessoa competente a fim de garantir o bom estado de funcionamento da mesma e apresentar o relatório de tal verificação.

15º- Em cumprimento da notificação da ACT, a 1ª R. promoveu a verificação da máquina pela empresa “C...”, sendo que de tal verificação foi elaborado um relatório.

16º- Em tal relatório, está referido o seguinte: “(…) Em função da simplicidade do equipamento e ano de fabrico o mesmo não possui elementos de segurança a qualquer nível, pelo que torna-se urgente a implementação dos mesmos, não só para prevenir acidentes bem como para capacitar o equipamento em causa das conformidades legais em vigor. (…) dado que o equipamento em causa apresenta um risco elevado no seu manuseio para o operador terá de ser implementados os dispositivos a seguir mencionados (…) Dispositivos a implementar - Proteções mecânicas que impossibilitem o acesso à zona de corte estando em funcionamento a serra. - Dispositivos auxiliares de fixação e orientação do material a cortar. - Botão de emergência para paragem do equipamento. - Barreira elétrica de segurança. - Relé de segurança. - comando de pedal para acionamento da serra. - Alteração da instalação elétrica de modo a acomodar as alterações atrás referidas. (…)”.

17º- A máquina não tinha proteções mecânicas que impossibilitassem o acesso à zona de corte estando em funcionamento o disco de corte, dispositivos auxiliares de fixação e orientação do material a cortar, barreira elétrica de segurança, relé de segurança nem comando de pedal para acionamento do disco de corte.

18º- Após o acidente, a 1ª R. adquiriu uma máquina de corte de modelo mais recente para substituir a referida máquina.

Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

1º- A A. estava a sarrafear uma peça de alumínio, na máquina de sarrafear, estando dotada de luvas anti-corte.

2º- A peça em questão tinha 30 cm de comprido e 5,5cm de largura, sendo que era para sarrafear 4 mm.

3º- A necessária utilização de dedeira para a execução de qualquer trabalho.

4º- Quantia para aquisição, a cada 6 meses, até pelo menos á idade da reforma, que se quantifica em pelo menos 20 dedeiras, cujo valor á data atual se cifra em cerca de 10,00€ a unidade.

5º- Quando a A. estava a cortar um perfil de alumínio na serra de corte, a máquina apanhou-lhe o dedo e feriu outros da mão esquerda.

6º- O equipamento de trabalho envolvido no acidente denomina-se “máquina de corte/serra de mesa”, do ano de 12/1996.

7º- A 1ª R. não tinha registo das manutenções/intervenções efetuadas no equipamento.

8º- O equipamento não tinha botão de emergência para paragem do equipamento.”.


*


2) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto


Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do CPT, que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da matéria de facto proferida pela 1.ª instância, impondo-se-lhe no que concerne à prova sujeita à livre apreciação do julgador, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus legalmente definidos pelo artigo 640.º do CPC.
Com efeito, nessas situações, resulta da conjugação dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que, na impugnação da matéria de facto, e sob pena de rejeição do recurso (total ou parcial) deve o recorrente, nas conclusões de recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em questão que considera incorretamente julgados (enquanto delimitação do objeto do recurso) e, pelo menos, na motivação, deve identificar com precisão quais os meios probatórios que fundamentem essa pretensão, sendo que, tratando-se de prova pessoal, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso e, bem assim, qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em causa[4].

Como sublinha António Abrantes Geraldes[5], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Nesta decorrência, e a propósito do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, como também é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, existem casos em que, apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a blocos de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando o conjunto de factos impugnados respeitem à mesma realidade ou tratando-se de matéria conexa e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2021[6], 27-10-2021[7] e de 1-06-2022[8].
Por outro lado, como também refere António Santos Abrantes Geraldes[9], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.
A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também salienta António Santos Abrantes Geraldes[10], «(…) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».
Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[11] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão de 17-04-2023[12] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente.
A Recorrente manifesta a respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, resultando das conclusões da apelação que dirige impugnação aos pontos 1.º, 2.º e 5.º dos factos não provados, pretendendo que os mesmos passem a integrar o elenco dos factos provados com a redação modificada que indica também nas conclusões (cfr. pontos 4 e 5. das conclusões).

Especifica ainda na motivação os elementos probatórios constantes do processo e que considera devem conduzir à alteração daqueles pontos impugnados, sendo que quanto à prova pessoal gravada a que apela indica com exatidão, na motivação, as passagens da gravação em que funda o seu recurso, transcrevendo esses excertos.

Pese embora a Recorrente tenha agrupado a matéria em causa, considerando que se trata de matéria intimamente conexa, que à mesma se reportam os mesmos meios de prova invocados e a Recorrente faz a conexão dos elementos de prova com os pontos impugnados, conclui-se não se verificar obstáculo ao conhecimento da impugnação.
No caso dos autos, analisadas as conclusões e a motivação da alegação, consideram-se cumpridos os ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.

Isto posto, haverá que apreciar a impugnação apresentada.

Deixa-se desde já consignado que nesta sede recursiva, se procedeu à reanálise de toda a prova produzida na matéria em causa, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização dos elementos de prova convocados em sede de recurso e na fundamentação da decisão recorrida.

Para melhor alcance da modificação pretendida, relembre-se a redação dos pontos não provados objeto de impugnação:
“1º- A A. estava a sarrafear uma peça de alumínio, na máquina de sarrafear, estando dotada de luvas anti-corte.
(…)
2º- A peça em questão tinha 30 cm de comprido e 5,5 cm de largura, sendo que era para sarrafear 4mm.
(…)
5º- Quando a A. estava a cortar um perfil de alumínio na serra de corte, a máquina apanhou-lhe o dedo e feriu outros da mão esquerda.”.

A Recorrente pretende que tal materialidade deve passar a integrar o elenco dos factos provados, passando agora a ser os pontos 19º, 20º e 21º dos factos provados, com a seguinte redação modificada:
“19º - A A. estava a sarrafear uma peça de alumínio, na máquina de corte.
20º - A peça em questão tinha entre 20 e 25 cm de comprimento, e tinha entre 4,5 cm e 7 cm de largura.
21º - Quando estava a sarrafear um perfil de alumínio na serra de corte, a máquina apanhou-lhe o dedo indicador e feriu outros da mão esquerda”.

Para sustentar a sua posição, a Recorrente cita e transcreve excertos das declarações de parte da Autora e do depoimento da testemunha BB, que localiza na gravação, e, bem assim, apela aos documentos juntos aos autos pela ACT (onde se inclui o relatório do AT e o relatório do inquérito do acidente de trabalho). Defende que do cotejo de tal prova concatenada com a matéria dada como provada na sentença em crise é seguro extrair que: a Autora estava a sarrafear uma peça de alumínio na máquina de corte; a peça em questão tinha entre 20 e 25 cm de comprimento e tinha entre 4,5 e 7 cm de largura; quando a Autora estava a sarrafear um perfil de alumínio na serra de corte, a máquina apanhou-lhe o dedo indicador e feriu outros da mão esquerda.

Consta na sentença recorrida, em sede de motivação quanto aos factos não provados, o seguinte:
« […]
As provas produzidas não permitiram que os factos dos pontos 1º a 8º fossem dados como provados.
Em especial quanto aos factos dos pontos 1º e 2º, é de referir que, nas partes a eles relativas, as declarações de parte da A. e o depoimento da testemunha BB não foram valorados como verdadeiros, por não se terem mostrado congruentes nem com nenhum dos factos dos pontos 2º e 3º, ambos dos factos provados, nem com nenhuma das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59 nem com o que foi constatado em sede da inspeção judicial nem com nenhuma das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial nem com o vídeo feito no contexto da inspeção judicial nem com nenhum dos depoimentos das testemunhas CC e DD.
Em especial quanto aos factos dos pontos 3º e 4º, há que evidenciar que, nas partes a eles relativas, as declarações de parte da A. não foram valoradas como verdadeiras, por não se terem mostrado congruentes nem com nenhum dos factos dos pontos 2º e 3º, ambos dos factos provados, nem com nenhuma das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59 nem com o que foi constatado em sede da inspeção judicial nem com nenhuma das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial nem com o vídeo feito no contexto da inspeção judicial nem com nenhum dos depoimentos das testemunhas CC e DD.
Em especial quanto ao facto do ponto 8º, importa referir que o mesmo é infirmado pelas fotos de fls. 34, 58 e 59 e pelo que foi constatado em sede da inspeção judicial, do que decorre que a máquina em causa nos autos tinha um botão de emergência, o qual, se pressionado, faz parar a serra de corte.».

Por outro lado, na parte da motivação da matéria de facto quanto aos factos provados, mostram-se ainda explicitadas razões para a sobredita valoração no que respeita às declarações de parte da Autora e ao depoimento da testemunha BB.

Assim, consta ainda da motivação o seguinte:
«[…]
A este passo, importa deixar consignado que emerge da análise, crítica, conjugada e à luz das regras da experiência comum, das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59, do que foi constatado em sede da inspeção judicial, das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e do vídeo feito no contexto da inspeção judicial a seguinte factualidade:
- na máquina em causa nos autos, as peças a cortar têm que entrar da esquerda para a direita e
- na nova máquina que veio substituir a máquina em causa nos autos, as peças a cortar têm que entrar da direita para a esquerda.
Na verdade, se os dentes da serra de corte (do disco de corte) da máquina em causa nos autos estão virados para o lado esquerdo (como decorre das fotos de fls. 34 e 59, das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e do que foi constatado em sede da inspeção judicial), as peças a cortar em tal máquina têm que entrar da esquerda para a direita por forma a serem cortadas por tais dentes; e se os dentes da serra de corte da nova máquina que veio substituir a máquina em causa nos autos estão virados para o lado direito (como decorre do vídeo feito no contexto da inspeção judicial e do que foi constatado em sede da inspeção judicial), as peças a cortar em tal máquina têm que entrar da direita para a esquerda por forma a serem cortadas por tais dentes.
Sucede que as declarações de parte da A. apenas foram valoradas como verdadeiras nas partes em que se mostraram congruentes com algum dos factos dos pontos 2º e 3º, ambos dos factos provados, e/ou com alguma(s) das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59 e/ou com o que foi constatado em sede da inspeção judicial e/ou com alguma(s) das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e/ou com o vídeo feito no contexto da inspeção judicial e/ou com algum dos depoimentos das testemunhas CC e DD.
Na verdade, a A. mostrou-se bastante comprometida com a defesa dos seus interesses e, como tal, as suas declarações de parte revelaram-se parciais.
A propósito da circunstância de as declarações de parte da A. se terem revelado parciais, importa destacar, a título exemplificativo, que a A., a propósito do modo de funcionamento da máquina em causa nos autos, afirmou que a peça entra da direita para a esquerda, que a mão direita empurra a peça e a mão esquerda vai buscar a peça senão a peça foge e que, para cortar, tem que ser da direita para a esquerda, sendo que o disco não corta se for da esquerda para a direita.
Acontece que as afirmações da A. acabadas de mencionar são incongruentes com a factualidade “na máquina em causa nos autos, as peças a cortar têm que entrar da esquerda para a direita” que foi acima referida como emergindo da análise, crítica, conjugada e à luz das regras da experiência comum, das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59, do que foi constatado em sede da inspeção judicial, das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e do vídeo feito no contexto da inspeção judicial.
Já o depoimento de cada uma das testemunhas CC e DD mereceu credibilidade uma vez que foi prestado de forma espontânea, lógica e objetiva.
Quanto ao depoimento da testemunha BB, o mesmo apenas foi valorado como verdadeiro nas partes em que se mostrou congruente com algum dos factos dos pontos 2º e 3º, ambos dos factos provados, e/ou com alguma(s) das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59 e/ou com o que foi constatado em sede da inspeção judicial e/ou com alguma(s) das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e/ou com o vídeo feito no contexto da inspeção judicial e/ou com algum dos depoimentos das testemunhas CC e DD. Efetivamente, a testemunha BB mostrou-se de tal forma comprometida com a defesa dos interesses quer da A. quer da 1ª R. que o seu depoimento acabou por se caracterizar pela falta de lógica e de objetividade.
Acerca de tal falta de lógica e de objetividade, importa evidenciar, a título exemplificativo, que a testemunha BB, a propósito do modo de funcionamento da máquina em causa nos autos, declarou que o corte inicia-se da direita para a esquerda e que é impossível iniciar o corte da esquerda para a direita pois o disco gira na direção contrária.
Acontece que as declarações da testemunha BB acabadas de mencionar são incongruentes com a factualidade “na máquina em causa nos autos, as peças a cortar têm que entrar da esquerda para a direita” que foi acima referida como emergindo da análise, crítica, conjugada e à luz das regras da experiência comum, das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59, do que foi constatado em sede da inspeção judicial, das fotos tiradas no âmbito da inspeção judicial e do vídeo feito no contexto da inspeção judicial. […].».

A Recorrente, reconhecendo a incongruência entre o que a Autora e a testemunha BB declararam quando à forma de entrada das peças na máquina antiga e o que foi constatado na diligência de inspeção judicial à máquina, sustenta que a mesma não tem o alcance que o Tribunal a quo lhe deu para dar como não provado que a Sinistrada estava a sarrafear uma peça de alumínio. Até porque, argumenta a Recorrente, ainda assim, o Tribunal recorrido achou-se confortável para dar como provado que “a A. estava a utilizar uma máquina de corte e a mão esquerda foi apanhada pelo disco de corte (pela serra de corte) de tal máquina.

Vejamos.

Sublinhe-se, em primeira linha, que tendo em conta o recurso apresentado, não foi objeto de impugnação a circunstância de se ter considerado como não provado:

- que a Autora estava dotada de luvas anti-corte;

- que era para sarrafear/cortar 4mm da peça em questão.

Refere-se na motivação da decisão recorrida que as declarações de parte da Autora e o depoimento da testemunha BB apenas foram valorados como verdadeiros nas partes em que se mostraram congruentes com algum dos factos dos pontos 2º e 3º dos factos provados, e/ou com alguma(s) das fotos de fls. 34, 35, 58 e 59 e/ou com o que foi constatado em sede da inspeção judicial e/ou com alguma(s) das fotos tiradas no âmbito dessa inspeção e/ou com o vídeo feito no contexto da inspeção judicial e/ou com algum dos depoimentos das testemunhas CC e DD.

Os pontos 2º e 3º dos factos provados constituem factos que já estavam considerados assentes nos termos do artigo 131.º, n.º 1, alínea c), do CPC e têm a seguinte redação:
2º- No dia 10.08.2022, cerca das 10:30 horas, em ..., ..., a A. foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de ajudante de serralheiro sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª R., mediante a retribuição anual de € 705,00 x 14 + € 132,00 x 11 (alínea B), dos factos considerados assentes).
3º- Do acidente resultou esfacelo da mão esquerda, amputação de D2 por F2 e ferida no D3 e D4 (alínea C), dos factos considerados assentes).”.

Estava, pois, assente que do acidente resultou para a Autora esfacelo da mão esquerda, amputação de D2 por F2 e ferida no D3 e D4. Ou seja, não estava controvertido que as lesões resultantes do acidente foram na mão esquerda, mais precisamente naqueles três dedos da mão esquerda.

Acresce que a Julgadora, tendo em conta tal factualidade já assente e os elementos de prova produzidos, adquiriu convicção positiva quanto à factualidade vertida sob o ponto 11º dos factos provados - “A A. estava a utilizar uma máquina de corte e a mão esquerda foi apanhada pelo disco de corte (pela serra de corte) de tal máquina -, sendo certo que tal factualidade não foi objeto de impugnação no recurso.

Ora, se a Autora, quando exercia as funções de ajudante de serralheiro para a Ré entidade empregadora e utilizava uma máquina de corte, a sua mão esquerda foi apanhada pelo disco de corte (pela serra de corte) de tal máquina e daí resultou esfacelo da mão esquerda, amputação de D2 por F2 e ferida no D3 e D4, ditam as regras da racionalidade e da lógica que a máquina lhe apanhou aquele dedo que foi amputado por F2 e feriu os outros dois dedos, todos da mão esquerda.

Daqui decorre que, desde logo a última parte da materialidade constante do ponto 5º- dos factos não provados – a máquina apanhou-lhe o dedo e feriu outros da mão esquerda – terá necessariamente que ser considerada provada, compatibilizando-se com o já assente no ponto 3.º dos factos provados quanto a estarem em causa o dedo D2 e os dedos D3 e D4.

Por outro lado, se está já assente que a Autora sofreu o acidente quando exercia as suas funções de ajudante de serralheiro e estava a utilizar uma máquina de corte (máquina essa que tinha um disco de corte, ou mais precisamente uma serra de corte), ditam igualmente as regras da lógica que estaria no exercício das suas funções profissionais a executar uma operação de corte, sendo certo que o termo “sarrafear” se pode enquadrar também numa operação de corte [ou seja, pode ser utilizado também nesse contexto e nomeadamente relacionado com peças de alumínio, embora existam outros significados nomeadamente ao nível da construção civil como seja sarrafear massa de reboco – ato de nivelar a argamassa de reboco].

Por outro lado, ainda, se atentarmos nos articulados apresentados, verifica-se que, na realidade, inexistia controvérsia entre as partes quanto à circunstância de a peça objeto da operação que a Autora estava a levar a cabo aquando do acidente ser uma peça de alumínio, mais precisamente um perfil de alumínio. A Ré Entidade Empregadora aceitou expressamente o invocado pela Autora quanto à operação que estava a ser executada e ao facto de se tratar de uma peça de alumínio – cfr. artigo 12.º da petição inicial [12.º Concretamente a Autora estava a sarrafear uma peça de alumínio, na máquina de sarrafear, estando dotada de luvas anti-corte], tendo, porém, impugnado o artigo 13.º da petição inicial [o artigo 13.º com a seguinte redação - 13.º A peça em questão tinha 30 cm de comprido e 5,5cm de largura, sendo que era para sarrafear 4mm]. Já a Ré Seguradora, convergindo na sua alegação quanto ao facto de se tratar de uma peça de alumínio e de se tratar da execução de uma operação de corte [artigo 9.º da sua contestação com a seguinte redação: No dia 10/08/2022, pelas 11:30 horas, nas instalações da 1.ª ré sitas na Rua ..., ..., ..., quando a autora estava a cortar um perfil de alumínio na serra de corte, a máquina apanhou-lhe o dedo e feriu outros da mão esquerda], impugnou por desconhecimento o mais invocado nos artigos 12.º e 13.º da petição inicial (cfr. artigo 23.º da sua contestação).

Por último, reanalisados todos os elementos de prova nesta matéria convocados pela Recorrente - seja as declarações de parte da Autora e o depoimento da testemunha BB, seja a documentação junta aos autos pela ACT (onde se inclui o relatório do AT e o relatório do inquérito do acidente de trabalho) – e concatenando os mesmos com a matéria de facto que já se encontrava assente e aquela relativamente à qual foi adquirida convicção positiva e não foi objeto de impugnação no recurso (já acima indicada), conclui-se, à luz das regras da racionalidade lógica, que dessa conjugação se impõe julgar provado o seguinte:

- A Autora estava a cortar uma peça de alumínio (um perfil de alumínio) na máquina de corte referida nos pontos em 11º e 13º dos factos provados, quando a serra de corte de tal máquina lhe apanhou o dedo indicador e feriu outros dedos da mão esquerda.

Quanto a esta matéria, a prova produzida foi absolutamente consistente, razão pela qual, aliás, a Julgadora adquiriu convicção positiva quanto à materialidade que deu como provada no ponto 11.º dos factos provados. Atente-se que as incongruências de que deu nota a motivação da decisão de facto no que respeita aos depoimentos da Autora e da testemunha BB, quanto à forma como entravam as peças na máquina que estava a ser utilizada não invalidaram o alicerçar dessa convicção positiva, como também não conduzem a que a factualidade a que aludimos se considere como não provada.

Ouvidos os depoimentos convocados no recurso, conjugando-os com a matéria já assente e acordada e a referida prova documental, não subsistem a este Tribunal quaisquer dúvidas que a Autora estava a cortar uma peça de alumínio (um perfil de alumínio) na referida máquina de corte, quando a serra de corte de tal máquina lhe apanhou o dedo indicador e feriu outros dedos da mão esquerda.

Refira-se que tais depoimentos, na matéria em questão, foram consonantes e mostraram-se plausíveis com as regras da lógica e da experiência e a matéria já assente [da análise conjugada de tais depoimentos verifica-se que é utilizada a expressão sarrafear, percebendo-se quando chamadas a concretizar que se trata afinal da operação de cortar a peça, como aliás vem descrito na supra identificada documentação]. As apontadas incongruências, salvo melhor opinião, podem encontrar explicação na circunstância de a esse nível ter ocorrido uma mudança entre a máquina anterior e a que após o acidente foi adquirida pela Ré entidade empregadora para a substituir, denotando-se nos depoimentos da Autora e da testemunha BB já alguma confusão sobre a forma de operar a anterior máquina em termos da entrada das peças por contraponto com a máquina atual.

Ademais, reanalisados os depoimentos das testemunhas CC e DD, a que se alude na motivação como merecedores de credibilidade, importa referir que os mesmos em nada colocaram em crise a matéria acima indicada como devendo considerar-se provada. A testemunha DD, inspetora da ACT, pronunciou-se no sentido já constante da documentação junta aos autos por aquela entidade (auto de notícia, notificação para tomadas de medidas, relatório de inspeção de equipamento, inquérito de acidente de trabalho elaborado pela ACT – cfr. referências citius datadas de 19-05-2023) e que, reitere-se, em nada coloca em crise a matéria em referência. Quanto à testemunha CC, a mesma sequer foi questionada sobre a matéria indicada (refira-se que também não o foi em relação à matéria referente às medidas da peça).

Doutro passo, e no que se refere à matéria constante do ponto 2º dos factos não provados, diremos, desde já adiantando a conclusão, que reanalisados os elementos de prova produzidos, não temos dúvidas em concluir que os mesmos não impõem decisão diversa.

Neste particular, importa salientar que no seu depoimento a testemunha BB, apesar de aqui e ali ter atirado algumas medidas no que concerne à peça em questão (entre vinte/vinte e cinco mais ou menos… não lhe posso ser correto… é capaz de ter para aí uns sete centímetros, acho eu, cinco/seis centímetros), não deixou no final de reconhecer que na altura não atentou nas medidas, referindo não se lembrar bem porque a sua preocupação foi assistir a Autora.

Já no que se refere às medidas da peça de alumínio, as declarações da Autora foram extremamente vagas e imprecisas [quando questionada pela medida da peça diz (sic) vinte/vinte e qualquer coisa, é por aí…; vinte centímetros, era pequenina. Vinte/vinte e um, o comprimento vinte e… - não terminando a frase – questionada sobre a largura diz qualquer coisa… para depois o Ilustre Mandatário perguntar “Quatro/cinco centímetros” e a Autora aí já responder quatro e meio]. A verdade é que quem alegou as medidas da peça foi a Autora na petição – artigo 13.º -, as quais foram impugnadas pelas Rés.

A documentação junta e a que apela a Recorrente, nada esclarece quanto a esta questão em concreto, sendo certo que não são mencionadas as medidas da peça de alumínio (seja no inquérito de acidente de trabalho, seja no auto de notícia, seja no relatório de acidente de trabalho juntos pela ACT).

Assim, e tal como sucedeu com a 1.ª instância da conjugação dos elementos de prova produzidos, e perante a sua clara insuficiência, não logramos obter a necessária certeza subjetiva quanto à matéria vertida sob o ponto 2.º dos factos não provados, o mesmo se verificando em relação às medidas que a Recorrente ora pretende sejam dadas como provadas na alteração da decisão da matéria de facto proposta na conclusão 5.º quanto ao facto pretendido aditar aos factos provados como ponto 20.º.

Como tal, e neste conspecto, improcede a impugnação da Recorrente.

Em conclusão, procede apenas parcialmente o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto e pretendida alteração da mesma nos moldes atrás afirmados.


*

3) Por decorrência do decidido em 2), a factualidade a atender para o conhecimento do direito no caso é aquela que foi fixada pelo Tribunal recorrido com as alterações atrás determinadas, ou seja:

Eliminação do ponto 5.º dos factos não provados e alteração da redação do ponto 1.º dos factos não provados, aditando-se um novo ponto 19º à matéria de facto provada, mais precisamente

- Aditando-se o seguinte ponto à matéria de facto provada:

“19º- A Autora estava a cortar uma peça de alumínio (um perfil de alumínio) na máquina de corte referida em 11º e 13º, quando a serra de corte de tal máquina lhe apanhou o dedo indicador e feriu outros dedos da mão esquerda;

- Eliminando-se o ponto 5.º dos factos não provados;

- Alterando-se a redação do ponto 1.º dos factos não provados, que passa a ser a seguinte:

“1º - Aquando do referido em 11º e 19º, a Autora estava dotada de luvas anti-corte”.


*


3) Aplicação do direito - Saber se a sentença recorrida errou na aplicação da matéria de direito ao julgar não estarem verificados os pressupostos da afirmação da responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, ora Recorrente, nos termos e para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, mais precisamente no que se refere ao nexo de causalidade.
Analisadas as conclusões do recurso, que ficaram já acima transcritas, verifica-se que a Recorrente defende, em substância, que da factualidade apurada resulta inequívoco o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança pela entidade empregadora (violação essa afirmada na sentença recorrida e que não foi objeto de impugnação no recurso apresentado) e o acidente de trabalho, a justificar a responsabilidade agravada a Ré entidade empregadora nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4-09, com as consequências legais impostas nesse normativo e no artigo 79.º, n.º 3, do mesmo diploma.
No mesmo sentido se pronuncia o Ilustre Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, apelando ao disposto no artigo 74.º do CPT e ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 6/2004, para concluir que, no caso, a falta de proteções mecânicas fez aumentar, e muito, a probabilidade de ocorrência do acidente, como se verificou.
Por sua vez, a Recorrida Ré entidade empregadora, apesar de não ter apresentado contra-alegações, respondeu ao dito parecer, sustentando que a sentença se encontra bem fundamentada e não deve ser alterada.
A sentença recorrida, apesar de considerar verificada a violação de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da Ré entidade empregadora, decidiu não ser viável concluir pela existência de um nexo de causalidade entre essa não observância das regras de segurança e a produção do acidente, aí constando, para além do mais, o seguinte:
«[…]
Ora, ante todo o exposto e os pontos 2º, 3º, 5º a 7º, 11º a 13º e 17º, todos dos factos provados, é lícita a ilação que, relativamente à máquina referida nos pontos 11º e 13º, ambos dos factos provados, ou seja, à máquina de corte da marca Elumatec, do modelo TS 161, do ano 1996 e com o nº ...74, a 1ª R. estava obrigada a observar as regras sobre segurança e saúde no trabalho previstas nos artºs 281º, nº 2, do C.T., 15º, nº 1, da Lei nº 102/2009, de 10.09, e 3º, alíneas a), b) e e), 4º, nº 1, 10º e 16º, nº 1, todos do DL nº 50/2005, de 25.02, mas não as observou.
Não obstante, ante os vários pontos dos factos provados, não é viável concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a não observância por parte da 1ª R. das regras sobre segurança e saúde no trabalho previstas nos artºs 281º, nº 2, do C.T., 15º, nº 1, da Lei nº 102/2009, de 10.09, e 3º, alíneas a), b) e e), 4º, nº 1, 10º e 16º, nº 1, todos do DL nº 50/2005, de 25.02, e a produção do acidente suprarreferido.
Efetivamente, não emerge sequer dos factos provados que a não observância por parte da 1ª R. das referidas regras seja condição sem a qual o acidente suprarreferido não se teria verificado.
Sendo que cabia à 2ª R. o ónus da prova da existência de um nexo de causalidade entre a não observância por parte da 1ª R. das mencionadas regras e a produção do acidente suprarreferido.
Ante todo o exposto, não é possível concluir que o acidente suprarreferido resultou de falta de observação pela 1ª R. das regras sobre segurança e saúde no trabalho. Consequentemente, nem pode a 1ª R. ser condenada a pagar à A. qualquer quantia ao abrigo do disposto no artº 18º, nºs 1 e 4, da Lei nº 98/2009, de 04.09 (designadamente a título de danos não patrimoniais), nem tem aplicação o disposto no artº 79º, nº 3, da Lei nº 98/2009, de 04.09.».

Tendo em conta a data da ocorrência do acidente de trabalho (2-04-2020 – não está em crise tal qualificação do evento), é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4/09[13] (cfr. os respetivos artigos 187.º e 188.º).

O artigo 18.º da LAT dispõe que:

“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

(…)

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

(…)”.

Como se mostra sintetizado no sumário do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-04-2025[14], «[n]os termos do artigo 18.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei 98/2009 (LAT), para que o acidente de trabalho a ele se subsuma, é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determinada(s) norma(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre essa conduta (ato ou omissão) e o acidente».

Importa também referir que, conforme orientação jurisprudencial que se julga pacífica, máxime ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal[15], que se acompanha, ao sinistrado/beneficiário e/ou seguradora incumbe o ónus de alegação e prova dos factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da LAT.

Quanto à violação de regras de segurança, e em termos de quadro normativo aplicável, haverá que ter presente que, como decorre de diversas disposições legais, constitui um direito basilar dos trabalhadores o prestar o trabalho em condições de segurança e saúde (artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa e artigo 281.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009[16]).

Nessa decorrência, sob o empregador recai o dever de assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção, sendo que na aplicação dessas medidas de prevenção deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (cfr. n.º 2 e 3 do citado artigo 281.º).

A Lei n.º 102/2009, de 10-09[17], estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, aí se reiterando o direito do trabalhador à prestação de trabalho em condições de segurança e saúde, que deverá assentar no princípio geral de prevenção, com a eliminação, desde logo, dos fatores de risco e de acidente (artigo 5.º da citada lei sob epígrafe Princípios Gerais), donde decorrem as inerentes obrigações que recaem sobre o empregador (artigo 15.º da citada Lei sob epígrafe Obrigações gerais do empregador).

Nos termos do artigo 15.º da Lei 102/2009, de 10-09:

“1 – O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 – O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; (…)

g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;

h) Adaptação ao estado de evolução técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;

j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.

3 – Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.

(…)”.

É hoje, pois, inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual.

Por sua vez, no que respeita à utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, importa ter presente o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-024, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30-11, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 05-12, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27-06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho (cfr. artigo 1.º).

O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 dispõe que, para efeitos do diploma, se entende: “a) «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho; b) «Utilização de um equipamento de trabalho» qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza; c) «Zona perigosa» qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde; d) «Trabalhador exposto» qualquer trabalhador que se encontre, totalmente ou em parte, numa zona perigosa; e) «Operador» qualquer trabalhador incumbido da utilização de um equipamento de trabalho; (…)».

O artigo 3.º do mesmo diploma estabelece as obrigações gerais do empregador para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, aí se prevendo, para além do mais, que o empregador deve: assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização [alínea a)]; atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e caraterísticas específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos da sua utilização [alínea b)]; tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos [alínea c)]; quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes [alínea d)]; assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo a que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º e 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores [alínea e)].

Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º.

O capítulo II do diploma em análise dedica-se aos requisitos mínimos de segurança dos equipamentos de trabalho, estabelecendo o artigo 10.º, inserido na Secção I Princípios Gerais, que os requisitos mínimos previstos nesse capítulo são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.

O artigo 16.º insere-se na Secção II referente aos requisitos mínimos gerais de segurança aplicáveis a equipamentos de trabalho.

Neste último normativo, sob a epígrafe Riscos de contato mecânico, prevê-se que:
“1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2 - Os protetores e os dispositivos de proteção:
a) Devem ser de construção robusta;
b) Não devem ocasionar riscos suplementares;
c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.
3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada.”
Não se desconhece também a regulamentação prevista no Regulamento Geral e de higiene e Segurança nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3-02, com as alterações constantes da Portaria n.º 702/80, de 22-09, diploma que tem em vista a prevenção técnica dos riscos profissionais e a higiene nos estabelecimentos industriais (artigo 1.º), que aponta no mesmo sentido dos normativos atrás citados (quer em termos de obrigações gerais do empregador – artigo 3.º -, quer ao nível da proteção e seguranças nas máquinas, nomeadamente na zona de operação – artigos 40.º, 56º e 56.º-A).
De todo o quadro normativo que antecede resulta inequivocamente que a obrigação de prevenção da ocorrência de acidentes de trabalho constitui obrigação e encargo do empregador, que deverá adotar as medidas que, na conceção do seu processo produtivo e da utilização do seu equipamento, eliminem ou, se tal não for totalmente possível, minimizem o risco de ocorrência de acidentes de trabalho. E, de entre essas disposições, existem normas, há muito em vigor, de caráter não apenas geral, mas especial, prevendo expressamente o risco da utilização de equipamentos de trabalho e, especificamente, de máquinas com elementos móveis que possam causar acidentes por contacto mecânico, como é o caso de uma máquina de corte com uma serra de corte.
Seja como for, revertendo ao caso dos autos, ficou já decidido, sem que tal se mostre impugnado no âmbito do presente recurso, que a Ré entidade empregadora se encontrava obrigada a observar as regras sobre segurança e saúde no trabalho previstas nos artigos 281.º, n.º 2, do CT/2009, 15.º, n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10-09 e artigos 3.º, alíneas a), b) e e), 4.º, n.º 1, 10.º, e 16.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02, mas que não as observou.

De facto, resultou apurado que o equipamento de trabalho onde ocorreu o acidente consiste numa máquina de corte do ano de 1996 (com uma serra de corte), que estava a ser utilizada pela Sinistrada no exercício das suas funções profissionais de ajudante de serralheiro, enquanto trabalhadora ao serviço da Ré empregadora, sendo que estava a cortar uma peça de alumínio (um perfil de alumínio), quando a serra de corte de tal máquina lhe apanhou o dedo indicador e feriu outros dedos da mão esquerda, do que resultou esfacelo da mão esquerda com amputação de D2 por F2 e ferida no D3 e D4. Ficou também provado que a máquina em referência não tinha proteções mecânicas que impossibilitassem o acesso à zona de corte estando em funcionamento o disco de corte, nem dispositivos auxiliares de fixação e orientação e fixação do material a cortar, nem barreira elétrica de segurança, nem relé de segurança, nem comando de pedal para acionamento do disco de corte.
Da referida factualidade decorre que efetivamente foram violadas normas de segurança, desde logo as mencionadas normas específicas de segurança no trabalho previstas no citado artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, que no caso se lhe impunham, como decidido e não impugnado no presente recurso.

No recurso interposto, como vimos, a Recorrente sustenta que, para além da já afirmada violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora, se deverá também concluir no sentido da verificação do necessário nexo causal entre a violação de normas de segurança e o acidente.

No que respeita ao nexo causal, não poderá deixar de se ter presente o recente Acórdão do Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2024[18] de 13-05, que uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação».

Como se assinala no já citado Acórdão do STJ de 2-04-2025, este Acórdão surge atenta a controvérsia jurisprudencial instalada para efeitos do disposto no artigo 18.º da LAT quanto à «questão de saber se a prova do nexo causal se bastava com a demonstração de que o acidente é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, traduzindo-se, pelo menos, num aumento da probabilidade da sua ocorrência tal como ele se veio a verificar, ou, ao invés, se é exigível, no caso concreto, perante a sua fenomenologia naturalística, a demonstração de que a violação das regras de segurança tenha sido conditio sine qua non da verificação do acidente.».

O Acórdão Uniformizador decidiu no primeiro dos sentidos apontados.

Assim, mesmo que não se possa afirmar, com toda a certeza, que se a empregadora tivesse cumprido com as citadas regras o dano teria sido evitado, tal não se perfila como necessário para se afirmar o nexo de imputação.

Na fundamentação do Acórdão Uniformizador pode ler-se o seguinte:

“O artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro (doravante designada por LAT) contempla duas hipóteses - sendo que uma delas é precisamente a violação de regras de segurança - em que ocorre um agravamento da medida da responsabilidade, já que havendo culpa de uma das pessoas nele referidas (o empregador, o seu representante ou pessoa por ele contratada) passa a existir responsabilidade solidária por todos os danos sofridos pelo sinistrado e já não apenas pelos danos resultantes da perda da capacidade de trabalho ou de ganho. Acresce que por este agravamento não responderá o segurador de acidentes de trabalho, o qual somente poderá ser demandado pelo sinistrado quanto ao dano que seria reparável se não tivesse ocorrido uma atuação culposa (artigo 79.º n.º 3 da LAT). A norma tem, assim, um claro escopo preventivo, mormente nesta hipótese de violação culposa de regras de segurança.

Importa, ainda, ter presente que da existência de um acidente de trabalho não se pode inferir, sem mais, a violação de regras de segurança. Com efeito, e como alguma doutrina tem destacado, o cumprimento das regras de segurança diminui, em muitos casos de maneira sensível, o risco, mas não o exclui por completo. Em suma, mesmo que as regras de segurança sejam escrupulosamente observadas, podem ocorrer acidentes de trabalho. E, por isso mesmo, não se poderá frequentemente afirmar que a violação culposa de uma regra de segurança foi conditio sine qua non de um acidente, porquanto nem sempre se pode afastar liminarmente que um dado acidente não poderia ter igualmente ocorrido sem a referida violação, ainda que a possibilidade de tal suceder, e/ou de ter aquelas consequências danosas, fosse, porventura, muito menor.

Um caso decidido por este Supremo Tribunal de Justiça ilustra o problema. Se um trabalhador que não teve formação profissional para trabalhar com explosivos, morre num rebentamento, as circunstâncias do acidente tornam extremamente difícil apurar se o trabalhador cometeu um erro e, em caso afirmativo, qual, sendo certo que mesmo os trabalhadores com a formação profissional exigível e adequada também cometem erros e podem morrer ao manusear explosivos. Assim, não se pode, em rigor, afirmar que a falta de formação foi conditio sine qua non do acidente.

No entanto, negar a imputação frustra o escopo preventivo da norma. Acresce que esta questão de nos interrogarmos sobre o que teria hipoteticamente sucedido se não tivesse ocorrido uma violação culposa da regra de segurança implica, como se viu, um juízo contrafactual marcado frequentemente por uma acentuada margem de incerteza.” [fim de citação].

Nesta consonância, conclui-se no identificado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que a demonstração do nexo causal se basta com a demonstração de que “a violação [das regras de segurança] se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”[19].

No caso, perante a factualidade provada e atenta a mencionada jurisprudência uniformizadora, não temos dúvidas de que a violação das mencionadas regras de segurança se traduziu, pelo menos, num inequívoco aumento da probabilidade do risco da ocorrência do acidente em apreciação.

Tal como se evidencia no citado Acórdão de 2-04-2025, «[a]s normas sobre segurança no trabalho têm precisamente como escopo evitarem ou minimizarem o risco da ocorrência de acidentes de trabalho (e a gravidade das suas consequências), devendo pois considerarem-se como aptas para tal efeito».

Na situação em apreciação, o acidente ocorreu por via de contacto físico da mão esquerda da Autora com uma zona perigosa da máquina (disco de corte/serra de corte) que não se encontrava, ao contrário do que deveria, dotada de proteção que impedisse (ou sequer dificultasse essa possibilidade) esse contacto.

Considerando as caraterísticas e modo de funcionamento do equipamento de trabalho em causa - dotado de uma serra de corte e, portanto, com um elemento móvel de corte, sem dispor de qualquer proteção que impossibilitasse o acesso à zona de corte estando em funcionamento o disco de corte, na operação de corte de uma peça e sem dispositivos auxiliares de fixação e orientação do material a cortar -, com inequívocos riscos de contacto mecânico do operador com a zona perigosa, não pode haver dúvidas de que a violação de dotar a máquina de sistemas proteção adequados, que eliminassem ou reduzissem, até onde era possível, os riscos profissionais derivados do dito equipamento, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho, como aquele que sofreu a Autora.

A afirmada violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora amplificou inequivocamente o risco associado à utilização do equipamento de trabalho em causa e potenciou largamente a probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, a justificar a afirmação do referido nexo de imputação, ou seja, a afirmação da existência de nexo causal entre a violação de regras de segurança e o acidente.

A apelação é, pois, procedente, declarando-se a responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da LAT.

Como tal, uma vez que o direito a indemnização por acidente de trabalho consubstancia matéria de conhecimento oficioso, que foi já discutida nos autos (atenta a oportuna invocação da exceção na contestação da Ré seguradora e o objeto do presente recurso), estando assim cumprido o contraditório, importa extrair as devidas consequências, com a reapreciação da questão da indemnização a arbitrar à Sinistrada, em função da responsabilidade agravada da Empregadora.

Na verdade, e como já tivemos oportunidade de afirmar em outros arestos[20], no domínio do processo emergente de acidente de trabalho existe um dever de conhecimento oficioso, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis – em que, como se sabe, a condenação pode ser em quantidade superior ao pedido, ou em objeto diverso dele (artigo 74.º do CPT) -, tratando-se de matéria subtraída à disponibilidade das partes (artigo 12.º da NLAT)[21]. O direito do trabalhador, vítima de acidente de trabalho, à “justa reparação” tem assento no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (cfr. ainda os artigos 283.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o artigo 78.º da NLAT[22] e o artigo 127.º, n.º 1, do CPT[23]). Temos assim por inequívoco que, tratando-se de direitos indisponíveis, o montante devido pela reparação do acidente é de conhecimento oficioso[24], devendo o juiz fixá-lo de acordo com as normas legais aplicáveis aos factos provados, independentemente do enquadramento jurídico que as partes tenham efetuado[25] e dos valores peticionados.

Nos termos do artigo 18.º da LAT, relembre-se, quando o acidente resultar da falta de observação, pelo empregador, das regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade do empregador pela indemnização do acidente abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador, nos termos gerais (n.º 1). E, nos termos do n.º 4 desse mesmo normativo, nesse caso, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, fixada, na parte que aqui releva, segundo as seguintes regras: quanto à incapacidade temporária absoluta (ITA) é devida indemnização diária igual à retribuição; quanto à incapacidade parcial, temporária e permanente ITP e IPP, tendo por base a retribuição e a redução da capacidade resultante do acidente.

No que se refere às chamadas prestações normais, por confronto com as prestações agravadas, as mesmas encontram-se já fixadas na sentença recorrida, e não foram impugnadas, mostrando-se consonantes com as prestações legalmente previstas nos artigos 48.º, n.ºs 1, 2, 3, alíneas c), d) e e), 50.º, 71.º, 75.º e 39.º da LAT.

Na procedência da apelação, em sede de reparação do acidente dos autos é a Ré empregadora responsável pelo pagamento à sinistrada Autora:

a) de € 5.149,18, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta [ITA durante 135 dias (de 11-08-2022 a 23-12-2022)] e parcial [ITP 50% durante 62 dias (de 24-12-2022 a 23-02-2023)] sofridos [(ITA - € 11.322,00:365x135 dias = € 4.187,59)+(ITP 50% - € 11.322,00:365x50%x62 dias =€ 961,59)]; sendo que destes deve subtrair € 3.200,55, a entregar diretamente à Recorrente seguradora, por já terem sido pagos pela mesma conforme consta do ponto 8º dos factos provados;

b) do capital de remição da pensão anual que ascende ao valor de € 2.835,03 [€ 11.322,00x25,04%];

c) da quantia de € 30,00 despendida pela Autora em deslocações ao Gabinete Médico-Legal e ao Tribunal na fase conciliatória do processo;

d) dos juros de mora sobre as prestações referidas em a) a c), em atraso, à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

A Recorrente seguradora, responde solidariamente pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do disposto no artigo 79.º, n.º 3, da LAT, ou seja, nos termos e até aos montantes em que foi condenada a satisfazer na sentença sob recurso.


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Tendo em conta os valores das prestações agravadas, o valor da ação é alterado, como previsto no artigo 120.º, nºs 1 e 3 do CPT, para o valor de € 36.044,35.


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IV – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto nos moldes afirmados no presente acórdão, mas julgar totalmente procedente a apelação, com a revogação parcial da decisão recorrida no segmento em que absolveu a Ré entidade empregadora do pedido (quanto à indemnização por incapacidades temporárias, ao capital de remição e às despesas de deslocação) e, em consequência:

- Condena-se a Ré entidade empregadora A..., Lda., a pagar à sinistrada Autora:

a) € 5.149,18 (cinco mil cento e quarenta e nove euros e dezoito cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial [ITA de 11-08-2022 a 23-12-2022 e ITP 50% de 24-12-2022 a 23-02-2023]; sendo que destes deve subtrair € 3.200,55, a entregar diretamente à Recorrente seguradora;

b) o capital de remição da pensão anual que ascende ao valor de € 2.835,03 (dois mil oitocentos e trinta e cinco euros e três cêntimos), devida desde 24-02-2023;

c) a quantia de € 30,00 (trinta euros) despendida pela Autora em deslocações ao Gabinete Médico-Legal e ao Tribunal na fase conciliatória do processo, devida desde 3-07-2023;

d) os juros de mora sobre as prestações referidas em a) a c), em atraso, à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

- A Ré seguradora responde solidariamente até aos valores em que foi condenada em primeira instância, sem prejuízo do direito de regresso contra a Ré empregadora sobre as prestações que, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, da LAT, aquela pague à Autora.

- Altera-se o valor da ação para € 36.044,35.

- Custas em ambas as instâncias pela Recorrida A..., Lda.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 10 de julho de 2025

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Nelson Fernandes [1º Adjunto]
Rita Romeira [2ª Adjunta]


__________________________________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Neste sentido, António Santos Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, págs. 200 e 201, que indica o elenco de situações que justificam a rejeição do recurso (total ou parcial), tendo por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A propósito do cumprimento dos ónus em referência, importa ter presente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicada no DR, Série I, de 28-11-2023. De facto, apesar de apenas ter sido ficada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação de tal Acórdão contém um conjunto de considerações que são inequivocamente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2024 (Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º Adjunto, no qual interveio como Adjunta a ora Relatora – ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos).
[5] Obra citada, págs. 201 e 202.
[6] Processo nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[7] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[8] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[9] In obra citada, pág. 195.
[10] Obra citada, página 350.
[11] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira), acessíveis in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[12] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão.
[13] Adiante LAT.
[14] Processo n.º 13102/18.9T8PRT.P1.S1, Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho.
[15] Disso dando conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-09-2022, processo n.º 940/15.2T8VFR.P1.S1, Relator Pedro Branquinho Dias, em cujo sumário consta que “(…) segundo jurisprudência constante do STJ, a prova dos pressupostos do agravamento da responsabilidade pelos danos causados em acidente de trabalho, nos termos do art. 18.º, n.º 1, da LAT, recai sobre a parte que o invoca”. Mais recentemente, veja-se o citado Acórdão do STJ de 2-04-2025, onde se reafirma a constância de tal entendimento.
[16] Adiante CT/2009.
[17] Já com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/2014, de 28-01.
[18] Publicado no DR, Série I, n.º 92/2024, de 13-05-2024 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[19] Sobre a questão do nexo de causalidade, à luz da jurisprudência do Acórdão de Uniformizador e no sentido apontado, vejam-se os subsequentes e recentes Acórdãos do STJ de 27-11-2024 (processo n.º 1816/18.7T8AGD.P1.S1, Relator Conselheiro José Eduardo Sapateiro), 12-02-2025 (processo n.º 12823/20.0T8SNT.L1.S1, Relatora Conselheira Albertina Pereira), o já citado e identificado de 2-04-2025 e, bem assim, de 28-05-2025 (processo n.º 1060/22.9T8TMR.E1.S1, Relator Conselheiro José Eduardo Sapateiro). Também sobre a mesma questão e no mesmo sentido podem ver-se os recentes Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 7-04-2025 (processo n.º 3477/21.T8VFR.P1, relatado pela Desembargadora Maria Luzia Carvalho, em que foi também Adjunto o Desembargador Nelson Fernandes) e de 10-07-2024 (processo n.º 229/20.5T8PNF.P1, relatado pela ora Relatora e com intervenção dos também aqui Adjuntos Desembargadores Nelson Fernandes e Rita Moreira).
[20] Vejam-se os Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2024 (processo n.º 1498/22.1T8PNF.P1, relatado pela aqui Relatora e também com intervenção do aqui 1º Adjunto Desembargador Nelson Fernandes) e de 28-06-2024 (processo n.º 1816/18.7T8AGD.P1, Relator Desembargador Rui Penha, com intervenção como Adjuntos da aqui Relatora e 1.º Adjunto, Acórdão confirmado pelo Acórdão do STJ de 27-11-2024 citado na nota de rodapé 19).
[21] Nos termos do artigo 12.º da NLAT, é nula a convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos por essa lei ou com eles incompatível (n.º 1). São igualmente nulos os atos e contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos nessa mesma lei (n.º 2).
[22] Nos termos do artigo 78.º da NLAT, os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida nessa lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.
[23] A questão da determinação da entidade responsável tem um tratamento específico na legislação processual laboral, estabelecendo o artigo 127.º, n.º 1, do CPT que, quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável,  o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável.
[24] Sobre esta matéria veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2018, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso, processo n.º 620/16.1T8LMG.C1.S1.
[25] Até porque nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.