ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Sumário

I – «Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, 2ª parte, da Lei n.º 98/2009, para que o acidente de trabalho a ele se subsuma, é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determina(s) norma(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre essa conduta (ato ou omissão) e o acidente».
II – Se da violação culposa das regras de segurança pelo empregador resultou um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2024, publicado no DR 1.ª Série, de 13-05-2024, pode afirmar-se o nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do acidente, devendo o acidente – e as suas consequências – ser imputado ao empregador de harmonia com o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, da LAT.
III – Ocorre violação das regras de segurança causal do acidente se o funcionamento da máquina (prensa hidráulica) em que ocorreu o acidente, comportava o risco efetivo de contato das mãos do trabalhador e as partes móveis da máquina, designadamente o risco de esmagamento pelo movimento descendente da prensa e a empregadora não a dotou de sistemas/mecanismos de proteção adequados a prevenir tal risco.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 2202/20.4T8MAI.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto– Juízo do Trabalho da Maia, Juiz 1

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Teresa Sá Lopes
2º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Não se tendo alcançado acordo na respetiva fase conciliatória, AA (Sinistrada/Autora) apresentou petição inicial para dar início à fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (artigo 117.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo do Trabalho) contra A...-Companhia de Seguros, SA, (Ré seguradora) e B..., SA (Ré entidade empregadora) peticionando o seguinte (transcrição):
“(…) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a 1ª Ré obrigada a reconhecer o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a sua responsabilidade pelas consequências do sinistro até ao limite do salário para si transferido, a pagar as despesas com deslocações ao Tribunal e ao INML, e a transferência da responsabilidade do acidente sofrido pela Autora a 2 de abril de 2020 pelo salário base, pelo subsídio de alimentação e pelas demais retribuições.
E, consequentemente, deverá a 1ª Ré ser obrigada a pagar à Autora as quantias que, futuramente, lhe venham a ser devidas em virtude de eventual recidiva ou agravamento das lesões sofridas pelo acidente dos autos, as quais, caso se demonstre ter havido violação das regras de segurança pela entidade empregadora, deverão ser calculadas com o agravamento que resulta do disposto no artigo 18º, n.º 1, al. c), da LAT.”
Alegou para tanto, em síntese, que sofreu um acidente de trabalho no dia 2-04-2020, de que resultaram incapacidades para o trabalho com base nas quais pede o pagamento das prestações.

Citada, a Ré seguradora apresentou contestação, alegando que o acidente em causa ficou a dever-se à violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da Ré entidade empregadora. Sem renúncia ao alegado, referiu invocar em exercício subsidiário da defesa, a descaraterização do acidente por motivo de culpa da própria Autora.

Citada, a Ré entidade empregadora invocou a exceção da respetiva ilegitimidade passiva, pugnando pela sua absolvição da instância. Mais defendeu a procedência da ação no que respeita à Ré seguradora, face à respetiva confissão judicial, devendo tal Ré ser condenada no pagamento das quantias peticionadas por ser a única e exclusiva responsável.

A Autora e a Ré entidade empregadora apresentaram resposta.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré entidade empregadora. Aí se decidiu não se verificar qualquer confissão que permitisse decidir de mérito nessa fase.
Foram consignados os factos assentes, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Depois de realizada a primeira sessão da audiência de julgamento, foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho (refª citius 442967955):

“Atenta a prova produzida em audiência e nos termos do disposto no artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, o tribunal pondera aditar os seguintes factos aos que já foram alegados pelas partes:

1. Depois do evento infortunístico envolvendo a autora, a entidade patronal alterou o modo de acionamento do êmbolo, passando o mesmo a ser activado/desactivado através de dois botões de modo a que as mãos do operador não possam estar em contacto com o êmbolo metálico.

2. Assim, se o operador não estiver com as duas mãos nos botões o embolo não desce e não sobe.

3. Depois do evento envolvendo a autora a entidade patronal colocou proteções nas laterais da máquina de modo a que só a operadora consiga ter acesso ao local pelo qual se introduzem as bobines.

4. Se em Abril de 2020 a máquina em causa tivesse o sistema de acionamento descrito em 1., e 2., a autora não teria entalado o dedo.”.

Tal despacho foi notificado às partes, sendo que apenas a Ré entidade empregadora se veio pronunciar (requerimento refª citius 34144797) no sentido de que “(…) dada a formulação ampla do único tema de prova constante do despacho saneador, certamente que o tribunal, se entender relevante para a descoberta da verdade material, não deixará de ter em consideração a factualidade que enuncia nos 4 pontos do seu despacho, sendo desnecessário, salvo melhor entendimento, proceder oficiosamente à ampliação dos temas de prova conforme previsto pelo citado art. 72º, n.º 1, do CPT”.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte (que se transcreve):

“Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno solidariamente as rés “B..., S.A.” e A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento à autora AA das seguintes quantias:

a) 20,00€ (vinte euros) a título de reembolso de despesas de transporte, tendo a ré A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., direito de regresso sobre a ré B..., S.A., sobre tal quantia, caso a venha a pagar;

b) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 15.07.2020, no montante no valor de 806,223€ (oitocentos e seis euros e vinte e três cêntimos), sendo a ré seguradora responsável pelo capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 564,3566€ (quinhentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) e tendo direito de regresso sobre a ré B..., S.A sobre a quantia que a esse título venha a pagar.


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Custas pela ré empregadora.

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Valor da acção: O valor da acção corresponderá ao valor do capital de remição da pensão atribuída somado das restantes quantias arbitradas e devidamente descritas no dispositivo.

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Registe e notifique.

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Uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, proceda ao cálculo do capital e, após, remeta os autos ao Ministério Público para entrega – arts. 148.º, n.os 3 e 4 e 149.º do Código de Processo do Trabalho.

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Notifique.”

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Não se conformando com a sentença proferida, a Ré entidade empregadora, apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem[1]):

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Terminou da seguinte forma:

“Termos em que, no provimento dos fundamentos do recurso, deverá ser anulada a sentença recorrida.

Sempre, e em todo o caso, a apelação deverá proceder, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a 2.ª Ré recorrente (…)”.

A Autora, representada pelo Ministério Público, apresentou resposta que sintetizou com as seguintes conclusões (transcrição):

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Termina pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a julgar validamente prestada a caução pela Ré entidade empregadora, e a determinar a subida do recurso de apelação nos próprios autos e com efeito suspensivo, sendo que tal recurso acabou por ser apenas remetido e distribuído neste Tribunal da Relação nos termos constantes da remessa refª citius 386924 de 1-04-2024.
Por despacho da Relatora refª citius 18149614, foi determinado que os autos baixassem à 1.ª instância para ser concretizado o valor da causa, o que foi feito, tendo sido fixado o valor de € 9 508,43 – cfr. despacho refª citius 466057081.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.


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II – Questões a resolver

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

(1) Impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal a nível dessa decisão nos termos previstos no artigo 662.º do CPC, máxime da suscitada questão de contradição intrínseca entre determinados pontos da matéria de facto provada e não provada;

(2) Saber se a sentença recorrida errou na aplicação da matéria de direito ao julgar verificados os pressupostos da afirmação da responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, ora Recorrente, nos termos e para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

“a) Factos Provados

Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:

Factos assentes

1. A Autora AA trabalhava, a 2 de abril de 2020, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré “B..., S.A.”, com a categoria e as funções de operária fabril, sendo esta uma fábrica que se dedica à composição de cordas para fins diversos.

2. Mediante a retribuição anual de €10 836,34, resultante de:

- €641, 00 x 14 meses (de retribuição base), perfazendo €8 974,00;

- €104, 94 x 11 meses (de subsídio de alimentação), perfazendo €1.154, 34; - €59,00 x 12 (a titulo de outras remunerações), perfazendo €708,00.

3. Nestas circunstâncias de tempo e lugar a Autora sofreu acidente do qual resultaram sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 7,4400%, sendo a data de consolidação médico-legal das lesões fixada a 14 de julho de 2020.

4. A entidade empregadora da Autora tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a Ré, “A... - Companhia de Seguros, S.A.” através de contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela Apólice ....

5. Participou-lhe o acidente nesse mesmo dia, vindo a Autora a receber assistência médica nos serviços clínicos da Ré seguradora.

6. A Autora esteve com ITA entre 03/04/2020 e 21/06/2020 e com ITP de 30% entre 22/06/2020 e 13/07/2020, tendo recebido da Companhia de Seguros, indemnização por incapacidades temporárias no valor total de €1.805,95.

7. A Autora nasceu em ../../1962.

8. A Autora é beneficiária da segurança social com o n.º ....


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Factos aditados pelo Tribunal:

9. Depois do evento infortunístico envolvendo a autora, a entidade patronal alterou o modo de acionamento do embolo, passando o mesmo a ser activado/desactivado através de dois botões de modo a que as mãos do operador não possam estar em contacto com o embolo metálico.

10. Assim, se o operador não estiver com as duas mãos nos botões o embolo não desce e não sobe.

11. Depois do evento envolvendo a autora, a entidade patronal colocou proteções nas laterais da máquina de modo a que só a operadora consiga ter acesso ao local pelo qual se introduzem as bobines.

12. Se em Abril de 2020 a máquina em causa tivesse o sistema de acionamento descrito em 9., e 10., a autora não teria entalado o dedo.


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Factos que decorrem dos articulados:

13. No dia 2 de abril de 2020, pelas 14h40, a Autora estava a trabalhar nas instalações da 2ª Ré, na Maia, encontrando-se a retirar tubos de bobines de fios no equipamento de extração de tubos, na zona de produção.

14. Para tanto, a bobine é posicionada na mesa da máquina, sendo depois colocada uma peça metálica por cima do tubo para o retirar da bobine.

15. A máquina é comandada pelo trabalhador através de um comando existente do lado direito, na parte inferior daquela, comando este que controla a subida e a descida de um embolo.

16. Por fim, o tubo, já separado da bobine sai pela parte inferior da mesa, tendo o trabalhador que o apanhar com as mãos.

17. No dia e hora referidos, a Autora colocou a bobine na mesa da máquina e carregou no botão para fazer com que a mesma começasse a trabalhar, não tendo retirado a mão a tempo, tendo o embolo ao descer atingido o seu dedo indicador esquerdo, provocando-lhe um traumatismo da mão esquerda, que a obrigou a receber assistência hospitalar pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros.

18. Mais lhe determinando sequelas de carácter permanente, de 7,4400%, sendo a data de consolidação médico-legal das lesões fixada a 14 de julho de 2020.

19. A responsabilidade infortunística por acidente de trabalho estava transferida pela entidade empregadora para a 1.ª Ré pelo salário anual de € 10 836, 34 (€ 641, 00 x 14 meses + € 104, 94 x 11 meses + € 59,00 x 12 meses).

20. A Autora recebeu a totalidade da indemnização por incapacidades temporárias a que tinha direito, por parte da Companhia de Seguros.

21. A autora teve a despesa de € 20, a título de deslocações ao INML e ao Tribunal.


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22. Nas instalações onde tem a sua actividade, sitas na Rua ..., ..., na cidade da Maia, pelo menos em Abril de 2020 a B..., S.A. aí dispunha dum parque de máquinas industriais, onde se incluía uma máquina de retirar tubos de bobines.

23. Pelo menos em Abril de 2020[4], a B..., S.A. dava um uso pouco frequente a essa máquina de retirar tubos de bobines, dado que a regra é vender à sua carteira de clientes bobines de metal com os tubos e só quando haja que os vender separadamente, é utilizada essa máquina.

24. Àquela altura de 2020, essa máquina de retirar tubos de bobines propriedade da B..., S.A. era já antiga, tinha aí cerca de 23 anos de uso, e não dispunha de “certificação CE”, certificação prevista e exigido nos artigos 2º, nº 1, a), 3º, 4º, nºs 1 e 2, 6º e 10º do Dec-lei nº 103/2008, na redacção dada pelo Dec-lei nº 75/2011, normativos que expressamente se invocam.

25. Pelo menos em Abril de 20202[5], essa máquina de retirar tubos de bobines em uso e da B..., S.A. não dispunha de blindagem ou quaisquer protecção do operador do risco de contacto com os elementos móveis quando em funcionamento, de modo a salvaguardar, nomeadamente, os membros superiores de quem nela laborasse.

26. A mando do seu empregador, a Co-RR B..., S.A., no dia 2.04.2020 a AA laborava naquela máquina de retirar tubos de bobines, trabalho esse que, aliás, conhecia porquanto, embora sendo operadora ocasional, tinha, antecedentemente àquela data experiência no respectivo funcionamento.

27. Nesse dia 2.04.2020 e ali a trabalhar, quando a AA., na sua mão esquerda, segurava uma peça metálica, com a sua mão direita accionou o embolo hidráulico dessa máquina de retirar tubos de bobines, o que fez com que esse embolo automaticamente imprimisse um movimento descendente, num movimento que atingiu dedos da sua mão esquerda, causando-lhe as lesões cuja reparação aqui reclama.

28. Se aquela máquina de retirar tubos de bobines da Co-RR B..., S.A.¸ pelo menos no dia 2.04.2020, estivesse recondicionada na sua composição física, nomeadamente estivesse equipada com o sistema de acionamento anteriormente descrito o acidente que a AA sofreu não se verificaria.


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29. As bobines, em cujo interior se encontram os tubos a extrair pela acção da prensa hidráulica, não são em metal, mas de fio sintético.

30. O embolo extractor dos tubos existentes no interior das bobines não funcionava automaticamente.

31. Para que efectuasse o movimento descendente em direcção ao tubo, por forma a extraí-lo, tinha que ser previamente accionado pelo trabalhador através de um comando (alavanca manual) existente na parte inferior direita do tabuleiro da máquina, utilizando, para o efeito, a sua mão direita.

32. A alavanca manual funcionava em duplo sentido: um accionando o movimento descendente do embolo, o outro, em sentido inverso, accionando o movimento de subida do embolo.

33. O embolo só assumia o sentido descendente quando era accionado para o efeito pelo operador da máquina, utilizando a sua mão direita.

34. Donde, esse movimento mecânico descendente, estava sempre dependente da decisão, acção e controlo, em cada momento, pelo próprio trabalhador.

35. Nunca funcionava em modo automático, pois a prensa hidráulica não possuía nenhum dispositivo que o permitisse.

36. A A. tinha formação específica para operar com a prensa hidráulica.

37. Em 10-11-2014, a A., enquanto trabalhadora ao serviço da 2ª R., participou numa Formação Específica em Instruções de Segurança, designadamente nas operações de funcionamento da Prensa Hidráulica.

38. A A. operava com essa máquina há mais de 23 anos.

39. A referida alavanca manual também permitia ao trabalhador interromper o movimento descendente do embolo, parando-o totalmente.

40. Como permitia, se movimentada em sentido contrário, fazer o embolo subir, afastando-se da patela metálica até atingir a posição inicial.


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b) Factos Não Provados

Não se provaram os seguintes factos:

1. A prensa hidráulica estava equipada com um sistema de comando concebido e fabricado para que o trabalhador a operar com ela estivesse sempre no domínio do seu funcionamento.

2. Antes daquele dia 2.04.2020, para poder funcionar com aquela máquina de retirar tubos de bobines num modo que, por um lado, permitia as funcionalidades dessa máquina e, por outro lado, o fizesse com segurança sua, a Co-RR B..., S.A. deu específica formação à Demandante.

3. Nessa concreta formação de segurança de uso e manipulação da máquina de retirar tubos de bobines que a Co-RR B..., S.A. deu à AA, instruiu-a, nomeadamente, para que, com a máquina em funcionamento, em caso algum deveria posicionar qualquer dos seus membros superiores ou outra parte do seu corpo na zona de movimentação vertical do cilindro, peça móvel componente da máquina.

4. Ainda nessa acção de formação de segurança ainda a Co-RR B..., S.A. entregou à AA luvas de protecção que disse sempre deveriam ser usadas em quaisquer trabalhos a efectuar naquela máquina de retirar tubos de bobines.

5. Naquele dia 2.04.2020 a AA posicionou a sua mão esquerda na área de movimentação do cilindro da máquina, além de que nesse dia trabalhava nesse equipamento sem usar as luvas de protecção que a Co-RR B..., S.A. lhe entregara, por isso e com isso, incumprindo concretas instruções e desrespeitando modo trabalho em segurança que o seu empregador, antes desse dia, lhe havia dado.

6. Por sua vez, a prensa hidráulica não tinha utilização pouco frequente pela 2ª R., bem pelo contrário.

7. Essa máquina era a única utilizada nas instalações da 2ª R. para realizar a operação de extracção dos tubos interiores das bobines de fio sintético.

8. A sua utilização era frequente pelos trabalhadores de qualquer um dos três turnos de laboração especialmente habilitados para o efeito.

9. Assim, no ano de 2020, a média mensal de produção de bobines de onde foram retirados os tubos plásticos interiores através da prensa hidráulica foi de aproximadamente 62 toneladas por mês, num total de 750 toneladas anuais.

10. O peso de cada bobine varia entre os 2, os 6 e os 7,2Kg.

11. Donde, num raciocínio minimalista, correspondente apenas à produção de bobines de 7,2Kg, foram retirados, durante o ano em que ocorreu o sinistro infortunístico, 104.166 tubos plásticos.

12. Num raciocínio maximalista, tendo por base bobines de 2Kg, foram nesse ano retirados 375.000 tubos plásticos.A prensa hidráulica encontrava-se nas instalações industriais da C... BV, sediada na cidade ..., na Holanda, onde era utilizada para retirar tubos plásticos do interior de bobines de fio sintético.

13. A máquina foi transferida para Portugal, para as instalações industriais da 2ª R. no início da década de 1990, passando a ser utilizada para a execução da mesma tarefa de extracção de tubos plásticos do interior de bobines de fio sintético.

14. Pelo que o trabalhador só podia decidir pelo accionamento do embolo depois de previamente se certificar que o podia fazer em segurança para si e para terceiros.

15. Designadamente, só depois de se certificar que no espaço a percorrer pelo embolo até ao contacto com o tubo a extrair não se encontrava nenhuma parte do seu corpo.

16. Entre o momento em que o embolo era accionado pela A. para assumir o sentido descendente e entrar em contacto com a peça metálica colocada em cima do tubo plástico a extrair, decorriam, em média, cerca de 4 segundos.

17. Na execução dessa tarefa, o trabalhador tinha apenas que colocar centrada sobre o tabuleiro a bobine de fio, e, na sua parte superior, imediatamente sobre o tubo plástico a extrair, a colocação de uma peça metálica (patela) onde o embolo iria embater e empurrar o referido tubo.

18. Efectuadas que fossem essas duas operações, e sem que estivesse qualquer parte do seu corpo em contacto com nenhuma dessas peças, é que o trabalhador podia accionar com a sua mão direita a alavanca manual que desencadeava a descida do embolo.

19. Em nenhuma circunstância o trabalhador tinha que ficar com as mãos quer em contacto com a bobine de fio quer com a patela metálica.

20. Pelo que não havia qualquer impedimento, nem impossibilidade, de o trabalhador realizar a tarefa em total segurança, afastando qualquer tipo de risco para a sua saúde e integridade física.

21. Nunca tendo sofrido qualquer acidente em consequência da sua utilização ao longo de todos esses anos.

22. O que vale dizer em relação a todos os seus colegas de trabalho igualmente habilitados a operar com a referida prensa hidráulica.

23. De facto, a A. não ignorava, porque sabia e lhe foi transmitido pela 2ª R., que:

- A operação tinha por principais riscos, entre outros, “esmagamento / arrastamento” e “cortes e perfurações várias”;

- “Antes de colocar a máquina em marcha verifique: 12.2. Que os dispositivos de paragem de emergência se encontram acessíveis e em funcionamento (rearmados)”;

- “A prensa só deve ser utilizada nas operações para a qual foi concebida e respeitando as limitações específicas do equipamento”;

- “Há medida que vai baixando o cilindro com a alavanca manual, faça-o com o máximo cuidado. Atenção nunca coloque a mão, ou outra parte do corpo, na zona entre a peça e o cilindro.”

24. A introdução de uma “blindagem” na prensa hidráulica não é uma alteração tecnicamente adequada e exequível, tendo em consideração as especificidades do seu funcionamento para executar as tarefas a que se destina.

24. Essa “solução”, alvitrada pela 1ª R. no art. 8º da contestação, tornava a máquina imprestável para a função de retirar os tubos plásticos do interior das bobinas de fio sintético.

25. As bobines utilizadas pela 2ª R. no seu sistema produtivo têm dimensões dispares, variando os seus diâmetros até ao máximo de 26cm.

26. Variando igualmente em altura entre os 15,2cm (6’’) e os 30,5cm (12’’).

27. Circunstâncias que impedem o seu “encarceramento” por blindagem ou qualquer outro tipo de protecção semelhante.

28. Sendo certo que, como antedito, o trabalhador não tinha, como continua a não ter, que contactar fisicamente com o embolo em funcionamento para executar a função de colocar na prensa

29. A prensa hidráulica utilizada pela 2ª R. era possuidora de um sistema de comando que foi concebido e fabricado para evitar a ocorrência de situações perigosas.

30. Por último, resta afirmar com clareza que o uso de luvas, enquanto EPI, durante a utilização da prensa hidráulica, é ocasional.

31. Pelo que não é EPI de utilização obrigatória pela A..

32. De resto, o uso de luvas no caso sub judice era inidóneo para acautelar a produção de luxação do indicador esquerdo da A..

33. Se aquela máquina de retirar tubos de bobines da Co-RR B..., S.A.¸ pelo menos no dia 2.04.2020, estivesse recondicionada na sua composição física, nomeadamente estivesse equipada com um qualquer componente de protecção aos seus elementos móveis, de modo a assegurar que estivessem blindados e sem o risco de contacto físico por um qualquer operador em uso nessa máquina, o acidente que a AA sofreu não se verificaria.”


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2) Impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal a nível dessa decisão nos termos previstos no artigo 662.º do CPC, máxime da suscitada questão de contradição intrínseca entre determinados pontos da matéria de facto provada e não provada.

Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do CPT, o seguinte:

“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 – A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considera indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal da 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

3 – Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:

a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;

b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelos mesmos juízes, procede-se à repetição da produção da prova na parte da decisão que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

d) Se não foi possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.

4 – Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”.

Como constitui jurisprudência pacífica, uma das situações em que se impõe a intervenção oficiosa do Tribunal da Relação em sede de decisão de facto é a de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de facto (seja a provada, seja a não provada), subsumindo-se de forma relevante ao thema decidendum (entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir).

É entendimento uniforme desta Secção Social, em linha com a posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2024[6], «(…) que a matéria conclusiva e/ou vaga/genérica, bem como as afirmações com cariz jurídico, não pode integrar a factualidade a considerar para decidir o objeto da ação.

Podemos dizer que os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria questão ou de parte da questão, ou, visto de outra forma, se tais factos ficam como provados ou não provados resolvem a ação ou parte dela (em termos de procedência ou improcedência), porque determinam o desfecho sem necessidade de “trabalhar os factos”, de fazer o seu enquadramento jurídico»[7].

As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na fundamentação da sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, encerrando um juízo valorativo, interpretativo, integrando mesmo o thema decidendum, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[8].

No caso, analisada a decisão da matéria de facto, considera-se que a mesma padece de tal patologia, na medida em que existe matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de facto (seja a provada, seja a não provada), impondo-se, pois, uma preliminar intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação a esse nível.

Vejamos.

Relembre-se a redação do ponto 24. dos factos provados:

“24. Àquela altura de 2020, essa máquina de retirar tubos de bobines propriedade da B..., S.A. era já antiga, tinha aí cerca de 23 anos de uso, e não dispunha de “certificação CE”, certificação prevista e exigido nos artigos 2º, nº 1, a), 3º, 4º, nºs 1 e 2, 6º e 10º do Dec-lei nº 103/2008, na redacção dada pelo Dec-lei nº 75/2011, normativos que expressamente se invocam.”

O constante na segunda parte da redação do ponto 24. dos factos provados, mais precisamente “certificação prevista e exigida nos artigos 2º, nº 1, a), 3º, 4º, nºs 1 e 2, 6º e 10º do Dec-lei nº 103/2008, na redacção dada pelo Dec-lei nº 75/2011”, constitui desde logo matéria de direito, uma asserção meramente jurídico-valorativa que se subsume ao thema decidendum, e, por isso, não se pode manter, devendo ser eliminada da decisão de facto essa parte do ponto 24. dos factos provados, o que se decide. No que respeita à última parte “normativos que expressamente se invocam”, só por mero lapso material terá essa expressão ficado a constar da decisão de facto já que corresponde a menção da invocação feita pela Ré seguradora no artigo 7 do seu articulado de contestação, impondo-se também a eliminação desse segmento do ponto 24. dos factos provados.

Nesta conformidade, em sede de intervenção oficiosa decide-se que o ponto 24. dos factos provados passe a ter a seguinte redação:

“24. Àquela altura de 2020, essa máquina de retirar tubos de bobines propriedade da B..., S.A. era já antiga, tinha aí cerca de 23 anos de uso, e não dispunha de “certificação CE”.”

Por outro lado, os pontos 1. e 29. dos factos não provados têm a seguinte redação:

“1. A prensa hidráulica estava equipada com um sistema de comando concebido e fabricado para que o trabalhador a operar com ela estivesse sempre no domínio do seu funcionamento.”

“29. A prensa hidráulica utilizada pela 2ª R. era possuidora de um sistema de comando que foi concebido e fabricado para evitar a ocorrência de situações perigosas”.

Ora, afigura-se que o constante nestes pontos dos factos não provados constitui asserção meramente conclusiva e jurídico-valorativa que, por se subsumir de forma relevante ao thema decidendum, não se pode manter, devendo ser eliminados esses pontos da decisão da matéria de facto.

Na verdade, será perante a factualidade concreta apurada nessa matéria, ou seja, quanto ao modo de funcionamento da prensa hidráulica e nomeadamente funcionamento do sistema de comando existente à data do acidente dos autos, que depois poderá ser formulado um juízo conclusivo-valorativo em sede de fundamentação de direito.

Assim, oficiosamente, este Tribunal ad quem tem como não escritos os pontos 1. e 29. que constavam do elenco dos “factos não provados”, pontos esses que assim se têm por eliminados da decisão da matéria de facto.

Por outro lado, ainda, o ponto 2. dos factos não provados tem a seguinte redação:

“ 2. Antes daquele dia 2.04.2020, para poder funcionar com aquela máquina de retirar tubos de bobines, num modo que, por um lado, permitia as funcionalidades dessa máquina e, por outro lado, o fizesse com segurança sua, a Co-RR B..., SA deu específica formação à Demandante”.

Tal foi alegado no artigo 15 do articulado de contestação da Ré seguradora, sendo que a asserção conclusiva no mesmo contida – de que foi dada formação específica à Autora para poder funcionar com aquela máquina de retirar tubos de bobines, num modo que, por um lado, permitia as funcionalidades dessa máquina e, por outro lado, o fizesse com segurança sua - foi depois concretizada nos artigos 16 e 17 do mesmo articulado, que, por sua vez, correspondem aos pontos 3. e 4. dos factos não provados. Nesses artigos é que se alegou em concreto as instruções que terão sido dadas à Autora pela co-Ré empregadora nessa alegada formação ocorrida antes do dia 2-04-2020.

De facto, os pontos 3. e 4. dos factos não provados tem a seguinte redação:

“3. Nessa concreta formação de segurança de uso e manipulação da máquina de retirar tubos de bobines que a Co-RR B..., S.A. deu à AA, instruiu-a, nomeadamente, para que, com a máquina em funcionamento, em caso algum deveria posicionar qualquer dos seus membros superiores ou outra parte do seu corpo na zona de movimentação vertical do cilindro, peça móvel componente da máquina.

4. Ainda nessa acção de formação de segurança ainda a Co-RR B..., S.A. entregou à AA luvas de protecção que disse sempre deveriam ser usadas em quaisquer trabalhos a efectuar naquela máquina de retirar tubos de bobines.”

Por forma a expurgar a decisão de facto do referido conteúdo conclusivo, haverá que o retirar dessa decisão, eliminando-o, podendo apenas ficar na matéria de facto a questão da delimitação temporal alegada em termos de formação (antes do dia 2-04-2020), o que pressupõe a consequente alteração da redação do ponto 3. dos factos não provados por forma a que se inclua a referida delimitação temporal – antes do dia 2-04-2020 e, bem assim, a que a mesma apenas comporte factos materiais concretos.

Assim, e sem prejuízo da posterior apreciação da questão invocada pela Recorrente quanto à apontada existência de contradição intrínseca entre determinados pontos da matéria de facto (onde se incluem os pontos 2. e 3. dos factos não provados), desde já se considera como não escrito o ponto 2. que constava do elenco dos “factos não provados”, ponto esse que assim se tem por eliminado da decisão da matéria de facto, com exceção da parte atinente ao segmento temporal (antes do dia 2-04-2020) que passa a integrar a redação do ponto 3. dos factos não provados, alterando-se a redação deste último ponto para o seguinte:

“3. Antes do dia 2.04.2020, na formação de segurança de uso e manipulação da máquina de retirar tubos de bobines que a co-RR B..., S.A. deu à AA., instruiu-a, nomeadamente, para que, com a máquina em funcionamento, em caso algum deveria posicionar qualquer dos seus membros superiores ou outra parte do seu corpo na zona de movimentação vertical do cilindro, peça móvel componente da máquina.”.

Por último, o ponto 20. dos factos não provados tem a seguinte redação:

“20. Pelo que não havia qualquer impedimento, nem impossibilidade, de o trabalhador realizar a tarefa em total segurança, afastando qualquer tipo de risco para a sua saúde e integridade física.”

Quanto a este ponto valem aqui inteiramente as considerações anteriormente tecidas a propósito do ponto 1. e 29. dos factos não provados, consubstanciando o ponto 20. asserção meramente conclusiva e jurídico-valorativa que, por se subsumir de forma relevante ao thema decidendum, não se pode manter, devendo ser eliminado esse ponto da decisão da matéria de facto.

Com efeito, será perante a factualidade concreta apurada nessa matéria, ou seja, quanto à tarefa a levar a cabo, onde se incluem as especificidades e o modo de funcionamento do equipamento de trabalho à data do acidente dos autos, que depois poderá ser formulado um juízo conclusivo-valorativo em sede de fundamentação de direito.

Pelo exposto, oficiosamente, este Tribunal ad quem tem como não escrito o ponto 20. que constava do elenco dos “factos não provados”, ponto esse que assim se tem por eliminado da decisão da matéria de facto.

Isto posto, invoca a Recorrente que a decisão de facto padece de vício de contradição intrínseca entre determinados pontos da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC), sustentando que tal inviabiliza a solução jurídica do pleito pelo que deve ser anulada a decisão recorrida e determinada a remessa dos autos à 1.ª instância para se proceder a novo julgamento e subsequente decisão de mérito.

Alega a Recorrente, em primeira linha, que tal vício se verifica em relação às questões de facto relativas ao controle e ao domínio do funcionamento da prensa hidráulica pela Autora durante a sua utilização e ao modo de funcionamento dessa prensa, e à circunstância de se ter dado como provada a materialidade constante dos pontos 15., 17., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 39. e 40. do elenco dos factos provados e, simultaneamente, se ter considerado não provada a matéria constante do ponto 1. do elenco dos factos não provados.

Ora, a apreciação deste alegado vício quanto às indicadas questões de facto mostra-se prejudicada, tendo em conta que em sede de preliminar intervenção oficiosa deste Tribunal e pelos motivos explicitados supra se decidiu ter como não escrito o ponto 1. que constava do elenco dos “factos não provados”, ponto esse que se encontra, pois, eliminado da decisão da matéria de facto.

Por outro lado, refere a Recorrente que, no que diz respeito à questão de facto relativa à formação específica, às ações de formação e às operações de funcionamento com a prensa hidráulica, o Tribunal a quo incorreu em contradição intrínseca entre a matéria de facto provada e não provada, uma vez que deu como provada a matéria dos pontos 36., 37. e 38. e, em simultâneo, deu como não provada a matéria dos pontos 2., 3. e 23.

Argumenta que, embora sejam as mesmas questões de facto, o Tribunal a quo respondeu-as com sentidos diametralmente opostos e reciprocamente excludentes, contradição que impede, por si só, a determinação e fixação do regime jurídico aplicável ao litígio.

Quanto aos pontos 2. e 3. dos factos não provados, atente-se que em sede de preliminar intervenção oficiosa deste Tribunal foi já determinada a eliminação do ponto 2. (com exceção do elemento temporal que passou a integrar a redação do ponto 3.) e a alteração da redação do ponto 3.

Para melhor alcance da questão colocada, relembre-se então a redação dos apontados pontos da decisão da matéria de facto, já com a alteração determinada.

Ficou provado que:

“36. A A. tinha formação específica para operar com a prensa hidráulica”.

“37. Em 10-11-2014, a A., enquanto trabalhadora ao serviço da 2ª R., participou numa Formação Específica em Instruções de Segurança, designadamente nas operações de funcionamento da Prensa Hidráulica.”

“38. A A. operava com essa máquina há mais de 23 anos.”

Por sua vez, no elenco dos factos não provados consta:

“3. Antes do dia 2.04.2020, na formação de segurança de uso e manipulação da máquina de retirar tubos de bobines que a co-RR B..., S.A. deu à AA., instruiu-a, nomeadamente, para que, com a máquina em funcionamento, em caso algum deveria posicionar qualquer dos seus membros superiores ou outra parte do seu corpo na zona de movimentação vertical do cilindro, peça móvel componente da máquina.”.

“23. De facto, a A. não ignorava, porque sabia e lhe foi transmitido pela 2ª R., que:

- A operação tinha por principais riscos, entre outros, “esmagamento / arrastamento” e “cortes e perfurações várias”;

- “Antes de colocar a máquina em marcha verifique: 12.2. Que os dispositivos de paragem de emergência se encontram acessíveis e em funcionamento (rearmados)”;

- “A prensa só deve ser utilizada nas operações para a qual foi concebida e respeitando as limitações específicas do equipamento”;

- “Há medida que vai baixando o cilindro com a alavanca manual, faça-o com o máximo cuidado. Atenção nunca coloque a mão, ou outra parte do corpo, na zona entre a peça e o cilindro.”

Diremos desde já adiantando a conclusão que, salvo o devido respeito por distinto entendimento, não se afirma a apontada contradição intrínseca.

Do ponto 38. dos factos provados, integrado com a restante factualidade provada máxime quanto à máquina a que se está a reportar, apenas se retira que a Autora operava com a prensa hidráulica/também designada como máquina de retirar tubos de bobines há mais de 23 anos, sendo certo que do ponto 26. dos factos provados – que não foi impugnado – resulta que a Autora conhecia o trabalho de retirar tubos de bobines naquela máquina porquanto, embora sendo operadora ocasional, tinha, antecedentemente, à data de 2.04.2020 experiência no seu funcionamento. É neste contexto de conjugação da materialidade dos pontos 26., 36. e 38. que tem que ser lida a questão da experiência e conhecimento da trabalhadora quanto ao trabalho e para operar a máquina em questão. Nesses pontos não se está sequer a abordar a questão sob o ponto de vista de formação em termos de segurança, muito menos em termos de concretas regras e instruções de segurança que lhe tenham sido transmitidas, de que tivesse sido instruída pela Ré entidade empregadora.

Como tal, nenhuma contradição intrínseca pode ser afirmada entre os referidos pontos provados e a matéria não provada sob os pontos 3. e 23. dos factos não provados.

Do mesmo passo, e no que se reporta ao ponto 37. dos factos provados, apenas pode retirar-se o que de concreto daí consta, ou seja, que, em 10-11-2014 enquanto trabalhadora ao serviço da Ré entidade empregadora, a Autora participou numa Formação Específica em Instruções de Segurança, designadamente nas operações de funcionamento da Prensa Hidráulica. Desse facto não se retira que concretas instruções/regras de segurança foram transmitidas nessa formação de 2014.

Nessa medida, nenhuma contradição intrínseca pode também ser afirmada entre tal ponto da matéria de facto provada e os pontos 3. e 23. dos factos não provados.

Saliente-se que a alegada afirmação de que é inconciliável com o facto de a instrução referida no ponto 3. dos factos não provados resultar “expressamente do n.º 23 do documento 13 da contestação da 1.ª Ré, valorado pelo tribunal a quo para alicerçar a sua convicção probatória, como melhor resulta da motivação da sentença recorrida”, já situa a análise num outro nível, ou seja em sede de erro de julgamento, que não cabe agora tratar.

Em conclusão, e tendo em conta o atrás exposto, não existe vício de contradição intrínseca ao nível da decisão da matéria de facto, entre a matéria de facto provada e não provada, improcedendo assim o recurso quanto a pretendida anulação da decisão recorrida nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

Aqui chegados, importa reiterar que distinta é a questão de saber se ocorre erro de apreciação ou de julgamento, e, concretamente, se a prova produzida impunha decisão diversa.

Nesta sede, recai sobre o recorrente um ónus de impugnação que está concretizado nos termos previstos no artigo 640.º do CPC.

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da matéria de facto proferida pela 1.ª instância, impondo-se-lhe no que concerne à prova sujeita à livre apreciação do julgador, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus legalmente definidos pelo artigo 640.º do CPC.

Com efeito, nessas situações, resulta da conjugação dos artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que, na impugnação da matéria de facto, e sob pena de rejeição do recurso (total ou parcial) deve o recorrente, nas conclusões de recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em questão que considera incorretamente julgados (enquanto delimitação do objeto do recurso) e, pelo menos, na motivação, deve identificar com precisão quais os meios probatórios que fundamentem essa pretensão, sendo que, tratando-se de prova pessoal, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso e, bem assim, qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em causa[9].

Haverá que ter presente que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto[10]. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2025[11], de 6-02-2024[12] e de 23-01-2024[13]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[14].

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[15], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também salienta António Santos Abrantes Geraldes[16], «(…) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[17] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão de 17-04-2023[18] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente.

Para além da questão da contradição, já acima apreciada e não afirmada, a Recorrente manifesta ainda respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo com base em erro de julgamento, resultando da motivação e das conclusões da apelação que pretende a alteração dos factos provados por via do seu aditamento com a matéria que indica na conclusão 13.ª e que se reconduz a parte da matéria que foi considerada não provada sob os pontos 3., 23. e 7. do elenco dos factos não provados. Mais refere que, concomitantemente, em nome da coerência lógica entre os factos provados e não provados, deverão ser retirados dos factos não provados os que se encontram enunciados sob os n.ºs 1., 2., 3., 5., 7., 14., 15., 18., 19., 20., 21., 23., 24., 24. (numeração repetida), 28. e 29. – cfr. conclusão 14.ª.

Da conjugação das sobreditas conclusões com a motivação da apelação, é possível depreender a alteração pretendida ao nível da matéria de facto, para efeitos de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto e cumprimento dos ónus previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.

Para fundamentar essa alteração a Recorrente refere que se lê na motivação da sentença recorrida «que o tribunal formou a sua convicção probatória com base na prova testemunhal e documental produzida (e também com os depoimentos de parte e declarações de parte, quer-se crer, pois não o diz expressamente)». Para depois, referir: o que o Tribunal a quo terá considerado ter resultado do depoimento de parte prestado do Dr. BB, transcrevendo excertos da motivação da sentença recorrida em sede de fundamentação de facto, mais precisamente da parte em que é mencionado o depoimento de parte do Diretor de Recursos Humanos da Ré que depôs na qualidade de legal representante da mesma; o que se lê na motivação da sentença recorrida em sede de fundamentação de facto na parte referente ao depoimento de parte e declarações de parte da Autora e do depoimento da testemunha CC, transcrevendo algumas frases da motivação de facto.

No que respeita à prova pessoal gravada, constata-se, pois, que a Recorrente não menciona na “fundamentação/corpo” da alegação ou nas respetivas “conclusões” (entendendo-se que seria suficiente a concretização na respetiva fundamentação) quaisquer passagens da gravação tidas por relevantes para a pretendida modificação da matéria de facto, sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não procede à transcrição de qualquer excerto desses depoimentos que tivesse por relevante.

No que respeita a tal prova a Recorrente, aliás, nem sequer indica a sessão de julgamento em que terá sido gravada, muito menos identificam o ficheiro em que terão sido gravados os referidos depoimentos das partes e da testemunha indicada. A Recorrente sequer invoca as gravação em bloco (com indicação do início e do fim), sendo certo que não procede a qualquer transcrição de qualquer gravação dessa prova (nem global, nem parcial). Na motivação, como se referiu, consta apenas transcrição de excertos da motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida onde são referidos os depoimentos de parte e da testemunha CC e tecidas considerações sobre o que terão referido/dito/falado… Nas partes transcritas, ao contrário do que parece ser o entendimento pressuposto pela Recorrente, o Tribunal a quo não enuncia factos, limitando-se a indicar o que as partes terão referido [A parte mencionou …; A autora refere … Contudo, referiu… A testemunha clarificou ainda …].

A convicção do tribunal, como é consabido, resulta da globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas, analisadas criticamente, imperando no processo civil o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5, do CPC).

A motivação de facto da sentença não se fica pelas frases transcritas pela Recorrente, salientando-se especificamente no que respeita ao aspeto da formação que aí consta o seguinte: «Relativamente aos comprovativos de participação em ações de formação, tais documentos, em cotejo com a prova testemunhal produzida em audiência, serviram para o tribunal ficar convencido de que a ação de formação relativa ao modo de funcionamento da máquina foi efetuada muito embora não se tenha feito prova do que foi ministrado especificamente».

Daqui decorre que o Tribunal a quo, na sua livre apreciação da prova, ponderando a prova documental junta atinente ao aspeto da formação e a prova testemunhal produzida em audiência – que, a julgar pela motivação se terá reconduzido nessa matéria aos depoimentos das testemunhas CC e DD -, apenas adquiriu a necessária certeza subjetiva quanto à materialidade constante dos factos provados, designadamente do ponto 37., mas já não em sede das concretas instruções e regras de segurança transmitidas, o que motivou a resposta negativa máxime quanto aos pontos 3. e 23. dos pontos não provados. Neste particular, valem as considerações tecidas a propósito da invocada e não afirmada contradição intrínseca.

Adiante-se que, analisada a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, a mesma apresenta-se com racionalidade lógica [atente-se que as partes transcritas pela Recorrente da motivação da sentença são apenas meramente parcelares, reportando-se apenas ao que terá sido dito, sendo certo que o Tribunal referiu depois ao fundamentar a convicção a apreciação crítica que efetuou sobre o que terá sido transmitido pela prova pessoal, no cotejo com a prova documental].

Seja como for, constitui realidade incontornável que inexiste por parte da Recorrente qualquer indicação quanto à gravação da indicada prova testemunhal e por depoimento de parte e declarações de parte.

Nesta conformidade, terá de concluir-se que, quanto à prova por depoimento de parte, declarações de parte e testemunhal que menciona, a Recorrente não especificou os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, não fazendo qualquer delimitação por mínima que seja de tal prova [não se trata apenas de não especificar a concreta passagem da gravação da prova em causa que imporia distinta decisão que visa, a Recorrente não faz qualquer indicação da gravação, nem invoca sequer a data do depoimento/a sessão do julgamento, nem a hora de início e fim de cada depoimento], sendo ainda certo que também não procede à transcrição de qualquer excerto (da gravação) que considerem relevante.

Não se olvide que o artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. O recorrente tem, pois, que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada. E, no que respeita a tal ónus previsto na alínea b), determina o legislador na alínea a), do n.º 2, do mesmo artigo que se observe o seguinte: “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Perante o descrito regime jurídico quanto à prova pessoal gravada indicada pela Recorrente na impugnação, verifica-se no caso em apreciação ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, inviabilizando ao tribunal de recurso a determinação dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para sustentar o invocado erro de julgamento com base nessa prova.

Reitere-se que não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto.

Estamos, pois, perante um claro incumprimento por parte da Recorrente das obrigações processuais especificamente exigidas no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e nº 2, alínea a), do CPC, quanto à prova pessoal gravada a que alude (depoimento de parte do legal representante da Ré, depoimento de parte e declarações de parte da Autora e depoimento da testemunha CC), rejeitando-se o recurso nessa parte, ou seja, na parte em que se fundamenta na prova gravada, como expressamente cominado no citado artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

Tendo em conta que a Recorrente apela também a elementos de prova documental que identifica, cumprindo minimamente nesta parte o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, será conhecida a impugnação, mas, conforme já decidido, não poderá para tanto ser considerada a mencionada prova gravada.

Estamos a falar especificamente do apelo feito pela Recorrente aos documentos 12 e 13 da contestação da Ré seguradora e, bem assim, aos documentos n.ºs 2 e 3 do articulado de resposta da Ré entidade empregadora.

Refira-se que, no recurso, a Recorrente fala em documentos nºs. 2 e 3 da contestação da Ré empregadora, mas tal ficou a dever-se a lapso material manifesto, uma vez que com o seu articulado de contestação a Ré empregadora apenas juntou procuração forense e duc correspondente à taxa de justiça, tendo sido na resposta com a refª citius 32666213 que juntou documentação, máxime a referida no artigo 65.º da resposta que apelidou de docs. n.ºs 2 e 3. Depreende-se, apesar de os documentos juntos pela Ré empregadora não estarem numerados, que o documento nº 2 será um documento que tem a designação de “SST-Instruções de Segurança Novembro de 2014”, com 73 páginas (falando a Ré na resposta nas páginas 46 e 47), e que o documento n.º 3 será um que tem a designação “Registo de Formação/Sensibilização”, “Acção de Formação/Sensibilização: Instruções de Segurança e WI 6005” [neste documento n.º 3: consta sob o item sumário - “Instruções de Segurança, apresentação dos riscos gerais e especificas da tarefa (de acordo com a IS); Apresentação da WI6005, distância de segurança e regras aplicáveis; Reciclagem da formação sobre ferramentas de corte e equipamentos de proteção individual; Ilustração dos últimos acidentes de trabalho registados;” e consta ainda manuscrito “Entrega de documentação IS e Wi distancia de segurança”; no item correspondente à data consta manuscrito “10/11/2014”; na primeira folha consta ainda manuscrito o nome da Autora seguido no item correspondente de um rubrica manuscrita e o número 366; a seguir à expressão formador constam dois nomes manuscritos “DD” e “EE”].

Quanto aos identificados documentos juntos pela Ré seguradora com a sua contestação – designados autonomamente como doc. 12 e doc. 13 -, verifica-se que se trata na realidade, juntamente com o doc. também designado autonomamente como doc. 14, de um único documento com três páginas, que tem a designação de “Instrução de Segurança” “B..., SA”, “Operação Prensa Hidráulica”, no qual estão depois identificados os principais riscos, as medidas preventivas gerais, as medidas preventivas com a prensa hidráulica em marcha (desmontagem do tubo da bobine) e as medidas preventivas na limpeza da prensa hidráulica. Consta desse documento, em cada uma das suas páginas, na parte final dos designados documentos 12 a 14 o seguinte: “Nr. IS MA-29/Revision:02/Writen by: DD/Approved by: CC/Date: 17/10/2018”.

Já tivemos oportunidade de dizer que a motivação da decisão de facto se apresenta com racionalidade lógica e tendo em conta a já decidida rejeição quanto à prova gravada, em termos de meios probatórios haverá apenas que apreciar se os documentos invocados pela Recorrente impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Nesta sede, e analisados os identificados documentos, não temos quaisquer dúvidas em concluir que os mesmos não impõem decisão diversa quanto aos pontos impugnados.

Retira-se da motivação da decisão de facto que o Tribunal a quo, cotejando o comprovativo da participação em ação de formação em 10-11-2014 – que é o documento n.º 3 junto com a resposta da Ré entidade empregadora com o qual, aliás, a Autora, terá sido confrontada no seu depoimento – com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (onde se incluem as testemunhas CC e DD, identificados como responsável pela segurança e saúde no trabalho na ré e coordenador de higiene e segurança na entidade patronal, respetivamente), apenas logrou adquirir convicção positiva de que a ação de formação foi efetuada, não tendo adquirido a necessária certeza subjetiva do que foi ministrado especificamente. Está assim justificada a resposta afirmativa ao ponto 37. dos factos provados e a resposta negativa aos pontos da matéria de facto que contendiam com a temática da formação no seu aspeto concreto de instruções, regras, riscos transmitidos pela Ré entidade empregadora à trabalhadora Autora.

Importa salientar que do registo documental de participação na formação em novembro de 2014, não se pode retirar, o que foi especifica e concretamente ministrado, transmitido à Autora, para além de que da documentação junta pela Ré empregadora como documento n.º 2 não se pode sequer concluir que se trate da formação ministrada e muito menos de documentação entregue pela Ré à Autora.

Por outro lado, quanto ao documento “Instrução de Segurança” junto pela Ré seguradora – designado como docs. 12, 13, e 14. -, o mesmo está datado de 17-10-2018, ou seja, data muito posterior a novembro de 2014, sendo que aí está também consignado que se trata de revision 02, ou seja, de uma revisão ao nível de instrução de segurança. Se compararmos, aliás, o documento n.º 2 onde consta a data de novembro de 2014 junto pela Ré empregadora com a referida instrução junta pela Ré seguradora onde consta a data de 17-10-2018, no que respeita a prensa hidráulica, verificamos que este último tem uma enumeração muito mais detalhada. Seja como for, não pode também retirar-se de tal documento junto pela Seguradora que o aí contido tenha sido transmitido à Autora pela Ré entidade empregadora e/ou que o documento tivesse sido entregue à trabalhadora Autora, relembrando-se que o documento em causa, atinente à revisão de instruções de segurança, tem data posterior a novembro de 2014. Atente-se que, em termos de documento comprovativo de participação em ação de formação por parte da Autora apenas foi junta a identificada documentação referente à formação em 10-11-2014, nenhuma outra formação ulterior, aliás, tendo sido invocada pela Ré entidade empregadora.

Os elementos probatórios documentais indicados e analisados não impõem decisão diversa da proferida, máxime não impõem o pretendido aditamento do elenco da matéria de facto provada e, consequentemente, inexiste fundamento para a pretendida eliminação de factos não provados, sem prejuízo do já oficiosamente decidido quanto à eliminação da decisão da matéria de facto dos pontos 1., 2. (com exceção da delimitação temporal que passou a integrar a redação do ponto 3. dos factos não provados), 20. e 29. dos factos não provados e à alteração da redação dos pontos 24. dos factos provados e 3. dos factos não provados.

Em conclusão, e sem prejuízo do decidido em sede de intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, improcede também o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto e pretendida alteração desta.


*

3) Por decorrência do decidido em 2), a factualidade a atender para o conhecimento do direito no caso é aquela que foi fixada pelo Tribunal recorrido com as alterações oficiosamente determinadas e que antecedem quanto

* à eliminação da decisão da matéria de facto dos pontos 1., 2. (com exceção da parte atinente ao segmento temporal - antes do dia 2-04-2020 - que passou a integrar a redação do ponto 3. dos factos não provados nos termos determinados e a seguir enunciados), 20. e 29. do elenco dos factos não provados;

* à redação do ponto 24. do elenco dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

“24. Àquela altura de 2020, essa máquina de retirar tubos de bobines propriedade da B..., S.A. era já antiga, tinha aí cerca de 23 anos de uso, e não dispunha de “certificação CE”.”

* à redação do ponto 3. do elenco dos factos não provados, que passa a ser a seguinte:

“3. Antes do dia 2.04.2020, na formação de segurança de uso e manipulação da máquina de retirar tubos de bobines que a co-RR B..., S.A. deu à AA., instruiu-a, nomeadamente, para que, com a máquina em funcionamento, em caso algum deveria posicionar qualquer dos seus membros superiores ou outra parte do seu corpo na zona de movimentação vertical do cilindro, peça móvel componente da máquina.”.


***

4) Aplicação do direito - Saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito ao julgar verificados os pressupostos da afirmação da responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, ora Recorrente, nos termos e para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro

Analisadas as conclusões do recurso, que ficaram já acima transcritas, verifica-se que a Recorrente defende que não existe fundamento legal para a sua condenação nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4-09. Invoca, em substância, que: a trabalhadora Autora adotou um comportamento temerário relevante, desrespeitando normas de segurança determinadas pela empregadora para a utilização da prensa hidráulica com que operava; a Autora atuou temerariamente, com descuido grosseiro, próprio de quem desconsidera os riscos físicos envolvidos na utilização de uma prensa hidráulica e não ser exigível à Ré entidade empregadora prever a negligência dos trabalhadores ao seu serviço; a prensa hidráulica estava munida de um manípulo que permitia à Autora comandar voluntariamente o funcionamento e a paragem imediata e segura do movimento do êmbolo, pelo que a máquina cumpria o disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02, sendo que o disposto nos artigos 16.º, n.º 1, 1º trecho, desse mesmo diploma e no artigo 44.º da Portaria nº 53/71, de 3-02 são inaplicáveis à prensa hidráulica dos autos, sob pena da sua utilização para a execução das tarefas a que se destina se tornar inviável e imprestável; tendo em conta a existência do referido manípulo de comando do movimento do êmbolo, não tem aplicação o segundo trecho do nº 1 do artigo 16.º do citado Decreto-Lei n.º 50/2005, nem o disposto no artigo 40.º da citada Portaria n.º 53/71; flui da literalidade expressa dos preceitos em referência, bem como da economia dessas normas, que os protetores nelas previstos são aqueles – e apenas aqueles – que estejam aptos a impedir o contacto com as partes mecânicas do equipamento, os quais conforme a lei os definiu e prevê, são de ordem física, ou material, de molde a vedar, ou impedir, que o trabalhador a eles aceda fisicamente, por contacto com alguma parte do seu corpo; as proteções previstas nos artigos 16.º, n.º 1, do DL n.º 50/2005 e no artigo 40.º, n.º 1, da Portaria n.º 53/71, inaplicáveis por tornarem a prensa hidráulica imprestável para executar as tarefas para que foi concebida, não podem ser transmutadas numa proteção à negligência da Autora e, sem lei e contra lei, aperfeiçoar e encaixar a responsabilidade da Recorrente; o que vale mutatis mutandis, relativamente aos dois botões que passaram a equipar a prensa hidráulica, para serem acionados e fazer o êmbolo não funcionar.

Por sua vez, a Recorrida Autora defende que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente. Sustenta, em síntese, que: a Ré entidade empregadora não agiu com o zelo e diligência que lhe eram exigíveis, no cumprimento dos requisitos mínimos de segurança na utilização do equipamento de trabalho em questão, dotando a máquina de protetor que impedisse o acesso à zona perigosa; não se provou que a Autora tenha desrespeitado as instruções transmitidas pela sua entidade empregadora, nem que a sua atuação tenha sido ao arrepio das instruções expressas ministradas pela sua entidade empregadora.

A sentença recorrida, depois de afirmar que nenhum comportamento censurável pode ser imputado à trabalhadora - por não ter ficado demonstrado que tenha violado qualquer norma ou procedimento de segurança, nem existir negligência grosseira da sua parte -, considerou que se verificou, por parte da Ré Recorrente (entidade empregadora), violação de normas de segurança e que o acidente decorreu de tal violação, com a seguinte fundamentação (transcrição):

«Vejamos agora a questão da violação de regras de segurança por parte da empregadora:

Alega a seguradora que a máquina onde o sinistrado sofreu o acidente não estava equipada com elementos de segurança que impedissem o contacto do corpo da sinistrada com as suas partes móveis, o que teria sido fator determinante para a eclosão do acidente.

Dispõe o art.º 18.º do RJAT:

“Artigo 18.º

Atuação culposa do empregador

1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.

3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º

6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.”

Face às regras do ónus da prova, cabia à ré seguradora a prova não apenas da existência de violação sem causa justificativa de regras de segurança, mas também do nexo de causalidade entre essa violação e a eclosão do acidente.


*

Para a análise do caso aqui em apreço, é necessário atentar no Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro, relativo às prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, bem como na Portaria n.º 53/71, de 03 de fevereiro (alterada pela Portaria n.º 702/80, de 22 de setembro).

O artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro dispõe o seguinte:

“Artigo 16.º

Riscos de contacto mecânico

1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2 - Os protetores e os dispositivos de proteção:

a) Devem ser de construção robusta;

b) Não devem ocasionar riscos suplementares;

c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;

d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;

e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada.”

Já o art.º 40.º da Portaria 53/71, de 03 de fevereiro estabelece:

“Artigo 40.º

Proteção e segurança das máquinas

1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que acionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objetos.

2 - As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.”

Por sua vez o artigo 44º que:

“ARTIGO 44.º

(Protectores de máquinas)

1. Os protectores e os resguardos devem ser concebidos, construídos e utilizados de modo a assegurar uma protecção eficaz que interdite o acesso à zona perigosa durante as operações; não causar embaraço ao operador, nem prejudicar a produção; funcionar automaticamente ou com um mínimo de esforço; estar bem adaptados à máquina e ao trabalho a executar, fazendo, de preferência, parte daquela; permitir a lubrificação, a inspecção, a afinação e a reparação da máquina.

Poderão ser constituídos por elementos metálicos, de madeira, material plástico ou outro que resista ao uso normal, não apresentando arestas vivas, rebarbas ou outros defeitos que possam ocasionar acidentes.

2. Todos os protectores devem ser solidamente fixados à máquina, pavimento, parede ou tecto e manter-se aplicados enquanto a máquina estiver em serviço.”

Face à dinâmica do acidente poder-se-ia equacionar uma de duas possibilidades para concluir pela existência de uma violação de regras de segurança: ter a empregadora introduzido alguma alteração na máquina, retirando-lhe mecanismos de segurança de que dispusesse; não ter atualizado a máquina com mecanismos de segurança mais recentes, tendo sido essa falta de atualização que causou o acidente.

No que diz respeito à primeira possibilidade enunciada, nada foi alegado pela seguradora nesse sentido: limitou-se a dizer que a máquina não dispunha de mecanismo de segurança, mas nunca alegou que tivesse a empregadora introduzido alguma alteração na máquina em relação ao estado em que se encontrava quando foi adquirira. Ora, ficou claro (até do próprio relatório pericial junto pela seguradora com a contestação) que estamos perante uma máquina com mais de vinte anos, desconhecendo-se até se à data da sua construção e aquisição pela empregadora estaria devidamente certificada. Não se pode afirmar, por isso, que a máquina não cumprisse com todos os requisitos legais à data da sua aquisição, nada se tendo apurado quanto a qualquer alteração que a ré empregadora tivesse feito e que pudesse estar na origem do acidente aqui em apreço.

Por outro lado, no que diz respeito à obrigação imposta pelo supra citado art.º 40.º, n.º 2 da Portaria 53/71, de 03 de fevereiro, poder-se-ia dizer que estava a ré empregadora obrigada a atualizar a máquina, dotando-a de mecanismos de segurança que permitissem evitar o contacto com as partes móveis da mesma.

Relativamente a esta matéria provou-se que:

1. Depois do evento infortunístico envolvendo a autora, a entidade patronal alterou o modo de acionamento do embolo, passando o mesmo a ser activado/desactivado através de dois botões de modo a que as mãos do operador não possam estar em contacto com o embolo metálico.

2. Assim, se o operador não estiver com as duas mãos nos botões o embolo não desce e não sobe.

3. Depois do evento envolvendo a autora a entidade patronal colocou proteções nas laterais da máquina de modo a que só a operadora consiga ter acesso ao local pelo qual se introduzem as bobines.

4. Se em Abril de 2020 a máquina em causa tivesse o sistema de acionamento descrito a autora não teria entalado o dedo.

5. No dia e hora referidos, a Autora colocou a bobine na mesa da máquina e carregou no botão para fazer com que a mesma começasse a trabalhar, não tendo retirado a mão a tempo, tendo o embolo ao descer atingido o seu dedo indicador esquerdo, provocando-lhe um traumatismo da mão esquerda, que a obrigou a receber assistência hospitalar pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros.

6. Pelo menos em Abril de 20202, essa máquina de retirar tubos de bobines em uso e da B..., S.A. não dispunha de blindagem ou quaisquer protecção do operador do risco de contacto com os elementos móveis quando em funcionamento, de modo a salvaguardar, nomeadamente, os membros superiores de quem nela laborasse.

7. A mando do seu empregador, a Co-RR B..., S.A., no dia 2.04.2020 a AA laborava naquela máquina de retirar tubos de bobines, trabalho esse que, aliás, conhecia porquanto, embora sendo operadora ocasional, tinha, antecedentemente àquela data experiência no respectivo funcionamento.

8. Nesse dia 2.04.2020 e ali a trabalhar, quando a AA., na sua mão esquerda, segurava uma peça metálica, com a sua mão direita accionou o embolo hidráulico dessa máquina de retirar tubos de bobines, o que fez com que esse embolo automaticamente imprimisse um movimento descendente, num movimento que atingiu dedos da sua mão esquerda, causando-lhe as lesões cuja reparação aqui reclama.

9. Se aquela máquina de retirar tubos de bobines da Co-RR B..., S.A.¸ pelo menos no dia 2.04.2020, estivesse recondicionada na sua composição física, nomeadamente estivesse equipada com o sistema de acionamento anteriormente descrito o acidente que a AA sofreu não se verificaria.

Destarte, torna-se claro que a entidade patronal violou o disposto no artigo 40º da Portaria 53/71 uma vez que tinha a obrigação de dotar a máquina do sistema de acionamento que impedisse que o operador colocasse uma das mãos em contacto com a bobine e próxima do embolo. De igual modo, provou-se o nexo causal entre essa violação e o acidente uma vez que se provou que com essa alteração o acidente não se teria verificado.

Sendo essa a conclusão, deve a ré empregadora responder pela totalidade dos prejuízos sofridos pelo autor, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do RJAT, sendo as prestações calculadas nos termos definidos no n.º 4 dessa mesma norma.»

Ponderando a transcrita fundamentação, tendo por base a factualidade provada e o quadro normativo aplicável, diremos, desde já adiantando a solução que, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, consideramos não assistir razão à Recorrente na sua pretensão de ver alterado o julgado, concordando-se com o sentido decisório da sentença recorrida ao afirmar a responsabilidade da Recorrente pela reparação do acidente nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 5-09.

Explicitemos, então, as razões deste nosso entendimento.

Tendo em conta a data da ocorrência do acidente de trabalho (2-04-2020 – não está em crise tal qualificação do evento), é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4/09[19] (cfr. os respetivos artigos 187.º e 188.º).

O artigo 18.º da LAT dispõe que:

“1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

(…)

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

(…)”.

Como se mostra sintetizado no sumário do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-04-2025[20], «[n]os termos do artigo 18.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei 98/2009 (LAT), para que o acidente de trabalho a ele se subsuma, é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determina(s) norma(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre essa conduta (ato ou omissão) e o acidente».

Importa também referir que, conforme orientação jurisprudencial que se julga pacífica, máxime ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal[21], que se acompanha, ao sinistrado/beneficiário e/ou seguradora incumbe o ónus de alegação e prova dos factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da LAT.

Quanto à violação de regras de segurança, e em termos de quadro normativo aplicável, haverá que ter presente que, como decorre de diversas disposições legais, constitui um direito basilar dos trabalhadores o prestar o trabalho em condições de segurança e saúde (artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa e artigo 281.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009[22]).

Nessa decorrência, sob o empregador recai o dever de assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção, sendo que na aplicação dessas medidas de prevenção deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (cfr. n.º 2 e 3 do citado artigo 281.º).

A Lei n.º 102/2009, de 10-09[23], estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, aí se reiterando o direito do trabalhador à prestação de trabalho em condições de segurança e saúde, que deverá assentar no princípio geral de prevenção, com a eliminação, desde logo, dos fatores de risco e de acidente (artigo 5.º da citada lei sob epígrafe Princípios Gerais), donde decorrem as inerentes obrigações que recaem sobre o empregador (artigo 15.º da citada Lei sob epígrafe Obrigações gerais do empregador).

Nos termos do artigo 15.º da Lei 102/2009, de 10-09:

“1 – O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 – O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; (…)

g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;

h) Adaptação ao estado de evolução técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;

j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.

3 – Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.

(…)”.

É hoje, pois, inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual.

Por sua vez, no que respeita à utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, importa ter presente o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-024, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30-11, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 05-12, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27-06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho (cfr. artigo 1.º).

O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 dispõe que, para efeitos do diploma, se entende: “a) «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho; b) «Utilização de um equipamento de trabalho» qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza; c) «Zona perigosa» qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde; d) «Trabalhador exposto» qualquer trabalhador que se encontre, totalmente ou em parte, numa zona perigosa; e) «Operador» qualquer trabalhador incumbido da utilização de um equipamento de trabalho; (…)».

O artigo 3.º do mesmo diploma estabelece as obrigações gerais do empregador para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, aí se prevendo, para além do mais, que o empregador deve: assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização [alínea a)]; atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e caraterísticas específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos da sua utilização [alínea b)]; tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos [alínea c)]; quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes [alínea d)]; assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo a que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º e 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores [alínea e)].

Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º.

O capítulo II do diploma em análise dedica-se aos requisitos mínimos de segurança dos equipamentos de trabalho, estabelecendo o artigo 10.º, inserido na Secção I Princípios Gerais, que os requisitos mínimos previstos nesse capítulo são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.

Os artigos 11.º a 13.º e 16.º inserem-se na Secção II referente aos requisitos mínimos gerais de segurança aplicáveis a equipamentos de trabalho.

O artigo 11.º, sob a epígrafe Sistemas de Comando dispõe o seguinte:

“1 – Os sistemas de comando de um equipamento de trabalho que tenham incidência sobre a segurança devem ser claramente visíveis e identificáveis e ter, se for o caso disso, uma marcação apropriada.

2 – Salvo nos casos de reconhecida impossibilidade, os sistemas de comando devem ser colocados fora das zonas perigosas e de modo a que o seu acionamento, nomeadamente por uma manobra não intencional, não possa ocasionar riscos suplementares.

3 – O operador deve poder certificar-se a partir do posto de comando principal da ausência de pessoas nas zonas perigosas ou, se tal não for possível, o arranque deve ser automaticamente precedido de um sistema de aviso seguro, nomeadamente de um sinal sonoro ou visual.

4 – Após o aviso previsto no número anterior, o trabalhador exposto deve dispor de tempo e, se necessário, dos meios indispensáveis para se afastar imediatamente da zona perigosa.

5 – Os sistemas de comando devem ser seguros e escolhidos tendo em conta as falhas, perturbações e limitações previsíveis na utilização para que foram projetados.”.

No artigo 12.º, com a epígrafe Arranque do equipamento, prevê-se que:

“1 – Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma ação voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam:

a) Ser postos em funcionamento;

b) Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;

c) Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão;

2 – O disposto no número anterior não é aplicável se esse arranque ou essa modificação não representar qualquer risco para os trabalhadores expostos ou se resultar da sequência normal de um ciclo automático.”.

O artigo 13.º, sob a epígrafe Paragem do equipamento, estabelece o seguinte:

“1 – O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.

2 – Os postos de trabalho devem dispor de um sistema de comando que permita, em função dos riscos existentes, parar todo ou parte do equipamento de trabalho por forma a que o mesmo fique em situação de segurança, devendo a ordem de paragem ter prioridade sobre as ordens de arranque.

3 – A alimentação de energia dos acionadores do equipamento de trabalho deve ser interrompida sempre que se verifique a paragem do mesmo ou dos seus elementos perigosos.”.

E, no artigo 16.º, sob a epígrafe Riscos de contato mecânico, prevê-se que:

“1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2 - Os protetores e os dispositivos de proteção:

a) Devem ser de construção robusta;

b) Não devem ocasionar riscos suplementares;

c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;

d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;

e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada.”

Por último, estando no caso em causa a utilização de equipamento de trabalho em estabelecimento industrial, há que atentar no Regulamento Geral e de higiene e Segurança nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3-02, com as alterações constantes da Portaria n.º 702/80, de 22-09, diploma que tem em vista a prevenção técnica dos riscos profissionais e a higiene nos estabelecimentos industriais (artigo 1.º).

Do artigo 3.º de tal Portaria constam as obrigações gerais do empregador, designadamente, “[c]umprir as disposições do presente Regulamento, demais preceitos legais e regulamentares aplicáveis, bem como as diretivas das entidades competentes no que se refere à higiene e segurança do trabalho” [alínea a)], “[a]dotar as medidas necessárias, de forma a obter uma correta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afetar a vida, integridade física e saúde dos trabalhadores ao seu serviço” [alínea b)], “[p]romover as ações necessárias à manutenção das máquinas, dos materiais, das ferramentas e dos utensílios de trabalho em devidas condições de segurança» [alínea c)].

O Capítulo III do Regulamento em análise versa sobre a proteção de máquinas, inserindo-se na respetiva Secção I Disposições Gerais, o artigo 40.º, sob a epígrafe Proteção e segurança nas máquinas.

Estabelece este último normativo o seguinte:

“1 – Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que acionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o contacto com pessoas ou objetos.

2 – As máquinas antigas, construídas e instaladas sem dispositivos de segurança eficientes, devem ser modificadas ou protegidas sempre que o risco existente o justifique.”

Nesse mesmo capítulo e secção se insere o artigo 44.º, sob a epígrafe Protetores de máquinas, que estabelece o seguinte:

“1 – Os protetores e os resguardos devem ser concebidos, construídos e utilizados de modo a assegurar uma proteção eficaz que interdite o acesso à zona perigosa durante as operações; não causar embaraço ao operador, nem prejudicar a produção; funcionar automaticamente ou com um mínimo de esforço; estar bem adaptados à máquina e ao trabalho a executar, fazendo, de preferência, parte daquela; permitir a lubrificação, a inspeção, a afinação e a reparação da máquina.

Poderão ser constituídos por elementos metálicos, de madeira, material plástico ou outro que resista ao uso normal, não apresentando arestas vivas, rebarbas ou outros defeitos que possam ocasionar acidentes.

2 – Todos os protetores devem ser solidamente fixados à máquina, pavimento, parede ou tecto e manter-se aplicados enquanto a máquina estiver em serviço.”

A Secção IV do mesmo capítulo reporta-se à proteção de máquinas na zona de operação, aí se inserindo o artigo 56.º que, sob a epígrafe Disposições Gerais, estabelece que:

“Os órgãos de máquinas e as correspondentes zonas de operação devem estar protegidos por forma eficaz, sempre que possam constituir um perigo para os trabalhadores.

Quando não seja possível, por razões de ordem técnica, conseguir uma proteção eficaz da zona de operação das máquinas ou afastar os respetivos órgãos em movimento para local inacessível, devem adotar-se outras medidas para diminuir ou reduzir o perigo, tais como dispositivos mecânicos de alimentação e de ejeção, dispositivos suplementares de arranque e paragem e outros, limitando ao mínimo a zona de operação não protegida.”

As disposições específicas estão previstas no artigo 56.º-A, estabelecendo o seu n.º 4 que:

“4 – As prensas devem ter proteções em grade ou de outro tipo, de forma a envolverem completamente a ferramenta e a torna-la inacessível às mãos do trabalhador quando a punção desce. Os comandos devem ser de preferência bimanuais para que as mãos do trabalhador estejam sempre afastadas da ferramenta quando esta desce”.

Do quadro normativo que antecede resulta, pois, inequivocamente que a obrigação de prevenção da ocorrência de acidentes de trabalho constitui obrigação e encargo do empregador, que deverá adotar as medidas que, na conceção do seu processo produtivo e da utilização do seu equipamento, eliminem ou, se tal não for totalmente possível, minimizem o risco de ocorrência de acidentes de trabalho. E, de entre essas disposições, existem normas, há muito em vigor, de caráter não apenas geral, mas especial, prevendo expressamente o risco da utilização de máquinas e, especificamente, de prensas.

Revertendo ao caso dos autos, ficou provado que o equipamento de trabalho onde ocorreu o acidente consiste numa prensa hidráulica e que a Autora tinha colocado a bobine de fio na mesa da máquina e quando na sua mão esquerda segurava uma peça metálica, com a sua mão direita acionou na alavanca manual o embolo hidráulico da máquina, o que fez com que esse embolo automaticamente imprimisse um movimento descendente, não tendo a Autora retirado a mão esquerda a tempo, e atingindo o embolo dedos dessa mão esquerda, causando-lhe lesões. Na execução da tarefa de retirar tubos de bobines de fio no referido equipamento de trabalho, a bobine era posicionada na mesa da máquina, sendo depois colocada uma peça metálica por cima do tubo para o retirar da bobine (os tubos eram extraídos pela ação da prensa hidráulica). A máquina era comandada pelo trabalhador através de uma alavanca manual existente na parte inferior direita do tabuleiro da máquina, utilizando para o efeito a sua mão direita. A alavanca manual funcionava em duplo sentido: um acionando o movimento descendente do embolo, o outro, em sentido inverso, acionando o movimento de subida do embolo. A referida alavanca manual também permitia ao trabalhador interromper o movimento descendente do embolo, parando-o totalmente, como permitia, se movimentada em sentido contrário, fazer o embolo subir, afastando-se da patela metálica até atingir a posição inicial. Pelo menos em abril de 2020 o equipamento de trabalho em referência não dispunha de blindagem ou quaisquer proteção do operador de risco de contato com os elementos móveis quando em funcionamento, de modo a salvaguardar, nomeadamente os membros superiores de quem nela laborasse.

Ora, estando-se em presença de uma prensa hidráulica, ao caso eram aplicáveis as supra transcritas disposições legais que, desde logo, impunham que a parte perigosa da ferramenta estivesse protegida de modo a tornar inacessível o seu contato com as mãos da Autora, que a operava, proteção essa que a máquina não dispunha.

É certo que a máquina à data do acidente estava dotada da referida alavanca manual, com as funcionalidades atrás referidas, mas sequer esse sistema era um sistema de comando bimanual de tal modo que exigisse que as mãos do trabalhador estivessem sempre afastadas da ferramenta quando esta descia.

Na verdade, o sistema de comando existente à data do acidente exigia apenas a utilização de uma das mãos do operador.

Além do mais, sequer se pode dizer que nesse sistema de comando existente à data do acidente a ordem de paragem tivesse prioridade sobre a ordem de arranque, já que se tratava de alavanca manual em que o operador movia num sentido para descer e em sentido inverso para subir, o que poderá ser permeável a erros humanos, enganos, imprudências, que sempre poderão ocorrer e têm que ser acautelados e prevenidos num contexto de atividade laboral com movimentos repetitivos e com o cansaço e distrações inerentes.

Não se olvide que nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do DL n.º 50/2005, os sistemas de comando devem ser seguros e escolhidos tendo em conta as falhas, perturbações e limitações previsíveis na utilização para que foram projetados. E, no caso específico das prensas, nos termos do artigo 56.º-A, n.º 4, da Portaria nº 53/71, os comandos devem ser de preferência bimanuais precisamente para que as mãos do operador estejam sempre afastadas da ferramenta quando a mesma desce. Essa circunstância, um mecanismo que exige um movimento voluntário de dupla pressão do operador da máquina, serve precisamente para evitar que uma mera distração do trabalhador pudesse acionar e fazer descer de imediato a prensa. Isto porque tendo o trabalhador que aceder à zona de operação da prensa, desde logo para colocar a bobine e a peça metálica, ditam as regras gerais e específicas de prevenção em matéria de segurança que logo à partida o sistema de comando de acionamento da prensa, máxime do seu movimento descendente, seja o mais seguro possível e de modo a evitar as próprias falhas e distrações do operador, reclamando, pois, um mecanismo de acionamento consistente num sistema de comando bimanual. Um sistema bimanual obriga a utilizar as duas mãos sempre que se pretende colocar a prensa em funcionamento, o que constitui um sistema de segurança com vista a garantir a integridade física do operador.

Tal sistema de comando bimanual não existia na máquina à data do acidente dos autos, sendo certo que nenhum impedimento existia na adaptação do equipamento de trabalho em causa com um tal sistema.

Neste particular, ficou provado que depois do acidente dos autos, a Ré entidade empregadora alterou o modo de acionamento do embolo, passando a mesmo a ser ativado/desativado através de dois botões de modo a que as mãos do operador não possam estar em contato com o embolo metálico, sendo que com esse sistema se o operador não estiver com as duas mãos nos botões o embolo não desce e não sobe. Daqui decorre que, quando aciona o movimento descendente da ferramenta, o operador não pode estar com nenhuma das suas mãos na zona de operação da prensa, assim se prevenindo as falhas e distrações do operador na utilização da máquina.

A implantação desse sistema de comando bimanual era uma específica obrigação de segurança em termos de adaptação da máquina que, no caso concreto, se impunha que a empregadora tivesse adotado como medida de segurança na conceção do seu processo produtivo e da utilização do equipamento de trabalho em causa, sendo que estamos a falar de normas legais já há muito vigentes (o n.º 2 do artigo 40.º e o artigo 56º-A da Portaria 53/71, foram introduzidas com a Portaria 702/80; os artigos 40.º, n.º 1, 44.º e 56.º da Portaria já existiam desde a redação originária; o artigo 11.º, n.º 5, do DL n.º 50/2005).

Ademais, o risco de esmagamento na utilização da prensa hidráulica era um risco efetivo e incontornável, a reclamar desde logo a adoção dessa medida de segurança de proteção coletiva, sendo que o próprio legislador já há largos anos identificou o risco de utilização desse específico equipamento de trabalho, com diretrizes claras ao nível de medidas de prevenção, designadamente ao nível do sistema de comando.

Isto para já não falar do disposto no artigo 16.º do DL nº 50/2005 e 56.º-A, n.º 4, da Portaria n.º 53/71, na redação introduzida pela Portaria nº 702/80, quanto à exigência de mecanismos de proteção/bloqueio que prevenissem o risco efetivo de contacto entre as mãos do trabalhador e as partes móveis da máquina, designadamente o risco de esmagamento pelo movimento descendente da prensa.

Sublinhe-se que, ao contrário do que parece ser o pressuposto da Recorrente, o legislador não se atém a mecanismos de proteção consistentes em barreiras físicas/materiais, falando claramente o Decreto-Lei 50/2005, e em alternativa, em ou dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas (às zonas perigosas). E, como a Recorrente enquanto entidade empregadora não pode desconhecer, existem sistemas de segurança como sejam fotocélulas, um sistema fotoelétrico, sensores de aproximação, que previnem uma possível distração do operador parando automaticamente quando são interrompidos, sendo certo que não resulta dos factos provados que não fosse possível implementação de tais medidas de proteção.

Nenhum dos sobreditos elementos de prevenção do efetivo risco de contacto mecânico presente na utilização do equipamento de trabalho em questão – prensa hidráulica – existia à data do acidente dos autos.

Em obediência ao determinado no artigo 40.º, n.º 2, da Portaria n.º 53/71, com a redação introduzida pela Portaria n.º 703/80, independentemente do concreto ano da construção da máquina, que se desconhece, por se tratar de uma máquina antiga (tinha já cerca de 23 anos de uso), sem certificação CE, sem dispositivos de segurança eficientes, devia a Empregadora tê-la modificado ou protegido, pois o risco existente com o seu funcionamento assim o justificava e exigia, colocando-lhe dispositivos de segurança para prevenir ou impedir o risco de contato mecânico com o respetivo operador, nomeadamente com a prensa.

A Ré entidade empregadora violou, pois, as referidas específicas obrigações de segurança que, no caso concreto, se lhe impunham.

Em conclusão, existiam normas legais de segurança que regulavam concretamente a situação em apreço nos autos e que a Recorrente, ao não cumprir os dispositivos delas constantes, as violou.

Isto posto, e no que respeita ao nexo causal, não poderá deixar de se ter presente o recente Acórdão do Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2024[24] de 13-05, que uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação».

Como se assinala no já citado Acórdão do STJ de 2-04-2025, este Acórdão surge atenta a controvérsia jurisprudencial instalada para efeitos do disposto no artigo 18.º da LAT quanto à «questão de saber se a prova do nexo causal se bastava com a demonstração de que o acidente é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, traduzindo-se, pelo menos, num aumento da probabilidade da sua ocorrência tal como ele se veio a verificar, ou, ao invés, se é exigível, no caso concreto, perante a sua fenomenologia naturalística, a demonstração de que a violação das regras de segurança tenha sido conditio sine qua non da verificação do acidente.».

O Acórdão Uniformizador decidiu no primeiro dos sentidos apontados.

Assim, mesmo que não se possa afirmar, com toda a certeza, que se a empregadora tivesse cumprido com as citadas regras o dano teria sido evitado, tal não se perfila como necessário para se afirmar o nexo de imputação.

Na fundamentação do Acórdão Uniformizador pode ler-se o seguinte:

“O artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro (doravante designada por LAT) contempla duas hipóteses - sendo que uma delas é precisamente a violação de regras de segurança - em que ocorre um agravamento da medida da responsabilidade, já que havendo culpa de uma das pessoas nele referidas (o empregador, o seu representante ou pessoa por ele contratada) passa a existir responsabilidade solidária por todos os danos sofridos pelo sinistrado e já não apenas pelos danos resultantes da perda da capacidade de trabalho ou de ganho. Acresce que por este agravamento não responderá o segurador de acidentes de trabalho, o qual somente poderá ser demandado pelo sinistrado quanto ao dano que seria reparável se não tivesse ocorrido uma atuação culposa (artigo 79.º n.º 3 da LAT). A norma tem, assim, um claro escopo preventivo, mormente nesta hipótese de violação culposa de regras de segurança.

Importa, ainda, ter presente que da existência de um acidente de trabalho não se pode inferir, sem mais, a violação de regras de segurança. Com efeito, e como alguma doutrina tem destacado, o cumprimento das regras de segurança diminui, em muitos casos de maneira sensível, o risco, mas não o exclui por completo. Em suma, mesmo que as regras de segurança sejam escrupulosamente observadas, podem ocorrer acidentes de trabalho. E, por isso mesmo, não se poderá frequentemente afirmar que a violação culposa de uma regra de segurança foi conditio sine qua non de um acidente, porquanto nem sempre se pode afastar liminarmente que um dado acidente não poderia ter igualmente ocorrido sem a referida violação, ainda que a possibilidade de tal suceder, e/ou de ter aquelas consequências danosas, fosse, porventura, muito menor.

Um caso decidido por este Supremo Tribunal de Justiça ilustra o problema. Se um trabalhador que não teve formação profissional para trabalhar com explosivos, morre num rebentamento, as circunstâncias do acidente tornam extremamente difícil apurar se o trabalhador cometeu um erro e, em caso afirmativo, qual, sendo certo que mesmo os trabalhadores com a formação profissional exigível e adequada também cometem erros e podem morrer ao manusear explosivos. Assim, não se pode, em rigor, afirmar que a falta de formação foi conditio sine qua non do acidente.

No entanto, negar a imputação frustra o escopo preventivo da norma. Acresce que esta questão de nos interrogarmos sobre o que teria hipoteticamente sucedido se não tivesse ocorrido uma violação culposa da regra de segurança implica, como se viu, um juízo contrafactual marcado frequentemente por uma acentuada margem de incerteza.” [fim de citação].

Nesta consonância, conclui-se no identificado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que a demonstração do nexo causal se baste com a demonstração de que “a violação [das regras de segurança] se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”[25].

No caso, considerando o modo de funcionamento do equipamento em causa (a descida da prensa era acionada por uma alavanca manual, para cujo acionamento era necessária a utilização de apenas uma das mãos do operador – alavanca essa que funcionava em duplo sentido, um acionando o movimento descendente e outro, em sentido inverso, acionando o movimento de subida do embolo), o modo como a tarefa de retirar tubos das bobines de fio em curso no momento do acidente tinha que ser executada (a sinistrada tinha que posicionar a bobine de fio na mesa da máquina e depois tinha que colocar uma peça metálica por cima do tubo para que depois este fosse extraído pela ação da prensa hidráulica), o risco que daí advinha em caso de distração (ou mesmo de qualquer falha/avaria mecânica da máquina – por exemplo do sistema hidráulico), não pode haver dúvidas de que a violação de dotar a máquina de sistemas de acionamento e proteção adequados, designadamente que garantissem que as mãos do operador aquando o acionamento estivessem sempre afastadas da ferramenta quando ela descia, como seja o sistema de comando bimanual com as valências daquele que foi introduzido após o acidente, para já não falar da inexistência de sistema que impedisse o acesso do operador à zona da prensa e/ou de mecanismos que interrompessem o movimento descendente da prensa em caso de falha ou avaria, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele veio efetivamente a acontecer e se deixou descrito.

De resto, na situação dos autos, ainda que tal não fosse imprescindível à luz da mencionada jurisprudência uniformizadora, resulta da matéria de facto provada que se a máquina tivesse o sobredito sistema de comando bimanual, em que a ferramenta/embolo não desce sem que o operador esteja com as suas duas mãos no botão de comando – em que a botoneira dupla obriga a utilizar as duas mãos do operador sempre que se pretende acionar o movimento descendente do embolo -, a mão esquerda da trabalhadora não teria sido atingida pelo movimento descendente já que para que o embolo descesse as duas mãos da Autora teriam que estar no comando bimanual e assim nunca a mão esquerda poderia estar na zona de operação.

A afirmada violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora amplificou inequivocamente o risco associado à concreta tarefa em causa e potenciou largamente a probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.

A Recorrente afirma que o acidente teria ocorrido por conduta temerária da própria Autora, com violação e desprezo de instruções, procedimentos e regras de segurança ministradas pela Recorrente. No entanto, tal argumentação não procede.

Neste conspecto, tal como se considerou na sentença recorrida, não resulta dos factos apurados que a Autora tenha violado as condições/regras de segurança estabelecidas pelo empregador, que tenha violado qualquer norma ou procedimento ditado pela Ré entidade patronal, no que concerne à utilização da máquina. Importa ainda sublinhar que não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo necessário que essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador, que tenha consciência da violação, não relevando os casos de “culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários resultantes ou não da habituação ao risco”[26] [27].

A matéria de facto apurada é insuficiente para concluir que a Autora violou de forma consciente e sem justificação quaisquer instruções ou regras de segurança, encontrando-se arredada a hipótese de preenchimento da segunda parte da alínea a), do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.

Da matéria de facto provada resulta que as funções da Autora compreendiam as tarefas referidas 13. a 16. dos factos provados, ou seja operar com a máquina em causa; e foi a operar com a mesma que o acidente ocorreu.

Acresce que a matéria de facto provada não fornece elementos suficientes que sustentem a conclusão de ter a Autora atuado de forma negligente e particularmente, como exigido por lei, com negligência grosseira.

Realce-se que o legislador exclui do âmbito da negligência grosseira comportamentos alicerçados numa habituação ao risco, na confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão.

De facto, a noção legal de negligência grosseira dada pelo n.º 3 do artigo 14.º da LAT consiste num comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão. Carlos Alegre[28], sublinha que o legislador ao qualificar a negligência de grosseira está a afastar, implicitamente, a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e contras.

Nesta matéria, como se dá nota no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2017[29]a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido consistente «ao exigir que estejamos perante uma conduta do sinistrado que se possa considerar temerária em alto e relevante grau e que não se materialize em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão». Saliente-se que, tal como em relação à alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, também em relação à alínea b) do mesmo normativo compete à entidade que invoca a negligência grosseira do sinistrado alegar e provar os respetivos factos.

A factualidade apurada não permite que se considere preenchida a hipótese legal da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.

Sem prejuízo do antedito, apelando aqui de novo ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2025, «sempre se diga que não é indispensável, para que haja causa adequada, com a consequente responsabilidade prevista no art. 18º, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade das entidades aí referidas afastada na hipótese de concorrência de causas – Acórdão do STJ de 23.09.2009, Processo nº 107/05.8TTLRA.C1, in www.dgsi.pt.».

Em síntese conclusiva, perante a factualidade provada e à luz da mencionada jurisprudência uniformizadora, não restam dúvidas de que a violação por parte da Ré entidade empregadora das já apontadas regras de segurança no trabalho se traduziu num inequívoco aumento da probabilidade do risco da ocorrência do acidente em apreço, a justificar a afirmação do referido nexo de imputação, ou seja, a afirmação da existência de nexo causal entre a violação de regras de segurança e o acidente.

Assim, a sentença recorrida, tendo afirmado a responsabilidade agravada da Ré entidade empregadora, ora Recorrente, nos termos do artigo 18.º da LAT, não merece censura e não tendo sido deduzida impugnação quanto à natureza e valor das prestações devidas à Autora sinistrada tal como na mesma fixadas, improcede o recurso.


***

O recurso é totalmente improcedente, sendo consequentemente da responsabilidade da Ré empregadora recorrente a responsabilidade pelas respetivas custas (artigo 527.º do CPC).

***

IV – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente Ré entidade empregadora, mantendo-se a sentença recorrida, apenas com as alterações oficiosamente determinadas em sede de decisão da matéria de facto nos termos definidos neste acórdão [ponto III), 2) e 3)].

Custas do recurso pela Recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


*

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 10 de julho de 2025
Germana Ferreira Lopes
Teresa Sá Lopes
Rui Penha
______________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Consigna-se que foi corrigido um lapso material evidente, já que constava “20202”, quando é inequívoco da leitura conjunta da decisão e do seu confronto com a matéria invocada nos autos que o que se pretendia escrever era “2020”.
[5] Consigna-se que foi corrigido um lapso material evidente, já que constava “20202”, quando é inequívoco da leitura conjunta da decisão e do seu confronto com a matéria invocada nos autos que o que se pretendia escrever era “2020”.
[6] Processo n.º 2189/23.1.T8AVR.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão - acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[7] Nota de rodapé (12) do Acórdão citado com o seguinte teor: Vd. Helena Cabrita, “A Sentença Cível – fundamentação de facto e de direito”, Almedina, 2.ª edição revista e atualizada, 2022, págs. 101.
[8] Veja-se, a título meramente exemplificativo: o Acórdão desta Secção Social de 13-07-2022, processo n.º 3642/20.4T8VFR.P1, Relatora Desembargadora Teresa Sá Lopes, aqui 1.º Adjunta; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 (processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis), 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[9] Neste sentido, António Santos Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, págs. 200 e 201, que indica o elenco de situações que justificam a rejeição do recurso (total ou parcial), tendo por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A propósito do cumprimento dos ónus em referência, importa ter presente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicada no DR, Série I, de 28-11-2023. De facto, apesar de apenas ter sido ficada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação de tal Acórdão contém um conjunto de considerações que são inequivocamente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2024 (Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, no qual interveio como Adjunta a ora Relatora – ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos).
[10] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 199.
[11] Processo n.º 2015/23.1T8AVR.P1.S1, Relatora Conselheira Albertina Pereira, acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[12] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[13] Processo n.º 2605/20.4L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[14] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, relatado Desembargador Nelson Fernandes.
[15] In obra citada, pág. 195.
[16] Obra citada, página 350.
[17] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira), acessíveis in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[18] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão.
[19] Adiante LAT.
[20] Processo n.º 13102/18.9T8PRT.P1.S1, Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho.
[21] Disso dando conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-09-2022, processo n.º 940/15.2T8VFR.P1.S1, Relator Pedro Branquinho Dias, em cujo sumário consta que “(…) segundo jurisprudência constante do STJ, a prova dos pressupostos do agravamento da responsabilidade pelos danos causados em acidente de trabalho, nos termos do art. 18.º, n.º 1, da LAT, recai sobre a parte que o invoca”. Mais recentemente, veja-se o citado Acórdão do STJ de 2-04-2025, onde se reafirma a constância de tal entendimento.
[22] Adiante CT/2009.
[23] Já com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/2014, de 28-01.
[24] Publicado no DR, Série I, n.º 92/2024, de 13-05-2024 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[25] Sobre a questão do nexo de causalidade, à luz da jurisprudência do Acórdão de Uniformizador, vejam-se os subsequentes e recentes Acórdãos do STJ de 12-02-2025 (processo n.º 12823/20.0T8SNT.L1.S1, Relatora Conselheira Albertina Pereira), o já citado e identificado de 2-04-2025 e, bem assim, de 28-05-2025 (processo n.º 1060/22.9T8TMR.E1.S1, Relator Conselheiro José Eduardo Sapateiro).
[26] Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2.ª edição, pág. 61.
[27] Sobre esta matéria e neste sentido podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2021 (processo n.º 103/16.0T8TMR.C1.S2, Relator Conselheiro Júlio Gomes) e de 12-12-2017 (processo n.º 2763/15.0T8VFX.L1.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso) e, bem assim, desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto o Acórdão de 20-03-2023 (processo n.º 1746/21.5T8AGD.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes).
[28] In obra citada, página 63.
[29] Processo n.º 1205/10.1TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.