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RELATÓRIO SOCIAL
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) I. A reprodução do relatório social, com referências, amiúde, a juízos de valor, conclusões e depoimentos/declarações, como ocorreu na sentença revidenda, constitui procedimento desconforme e a erradicar e, eventualmente e em tese, susceptível de integrar o vício, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., de insuficiência da matéria de facto. II. No caso, vista a sentença na sua globalidade, não se vislumbra que o erro de forma tenha, efectivamente, condicionado a apreciação crítica do meio de prova em causa (relatório social) e/ou que tenham sido valoradas, na escolha e determinação das penas, outras circunstâncias para além das condições pessoais do arguido. III. Conclui-se, pois, que se trata de mero erro cuja alteração/eliminação não importa modificação essencial e que, assim, reclama correcção neste Tribunal, nos termos do art. 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.P. IV. A condução de veículos é, de per si, uma actividade perigosa e a concomitante ingestão de álcool potencia exponencialmente a perigosidade, sabido, ademais, o desfecho, demasiadas vezes trágico, de um tal binómio. V. Conforme resulta dos mais recentes relatórios de sinistralidade da A.N.S.R.: - Nos sete primeiros meses de 2024, face a 2023, verificaram-se aumentos em quase todos os principais indicadores: mais 626 acidentes (+3,1%), mais 49 feridos graves (+3,5%) e mais 647 feridos leves (+2,8%); - Comparativamente a 2019 (ano de referência para a análise da evolução na década, conforme estabelecido pela Comissão Europeia), registou-se no Continente um agravamento na sinistralidade, reflectida em: aumentos nos acidentes (+639; +3,2%) 20.561; nas vítimas mortais (+7; +2,7%) e nos feridos graves (+191; +15,2%). VI. Desde logo, é objectivamente revelador da concreta perigosidade o grau de álcool que foi detectado no sangue do agente, sendo certo que, no caso, como resulta da matéria de facto dada por assente, o arguido conduzia com uma taxa consideravelmente elevada, concretamente 2.420g/l. VII. Atenta a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, é, por princípio, expectável que se verifique alguma proporcionalidade na concretização e definição das mesmas. VIII. Por referência ao conjunto dos factos apurados, incluindo, necessariamente, as condições pessoais do recorrente, a concreta pena acessória aplicada desacata os critérios legais e, maxime, os de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos. IX. Na verdade, se é certo que, como uniformemente tem sido defendido na jurisprudência, «(…) em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei», não será de olvidar que, no caso, numa moldura legal de 3 (três) meses a 3 (três) anos, o Tribunal a quo fixou a pena acessória de proibição de condução em 4 (quatro) meses, ou seja e frisa-se, apenas a 1 (um) mês do limite mínimo legal. X. O contexto delituoso, designadamente a taxa de álcool no sangue, e as condições pessoais, em particular a habitualidade no consumo de bebidas alcoólicas, justificam e reclamam a aplicação da pena acessória de proibição de condução em medida menos próxima do limite mínimo da pena aplicável, concretamente em 6 (seis) meses.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, a Senhora Juíza do Tribunal a quo, por sentença de ... de ... de 2025, decidiu: «A) Condeno o arguido AA, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de €5 (cinco), o que perfaz a quantia total de €400 (quatrocentos) ou, subsidiariamente, nos termos do disposto no artigo 49º, do C. Penal, em 53 dias de prisão. B) Mais, é o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período que se fixa em 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, do Código Penal, devendo o arguido, no prazo de 10 dias, após o trânsito da sentença, entregar a sua carta de condução neste Tribunal, de molde a cumprir a pena acessória aqui aplicada, com a cominação de, não o fazendo, lhe ser a mesma apreendida e de incorrer na prática de um crime de desobediência».
2. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público interpôs recurso da sentença condenatória. Aparta da motivação as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença a quo na parte em que condenou o arguido AA, como autor material e na forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, (para além do mais não impugnado) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, do Código Penal. B. A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve obedecer aos critérios estabelecidos no artigo 71.°, do Código Penal; C. A condenação na pena acessória de proibição veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses deverá ser modificada uma vez que, no apuramento do seu quantum, não foram tidas em conta as normas relativas à determinação concreta da sua medida; D. Considerando os critérios que subjazem à determinação da medida da pena acessória, contidos nos artigos 71.º do Código Penal, e ponderando a matéria de facto provada, os bens jurídicos violados, a gravidade do ilícito e a moldura penal que lhe é abstractamente aplicável pela pena acessória, a TAS que o arguido trazia (2,420 g/l.), a medida da culpa e as necessidades de reprovação e de prevenção de futuros crimes - cada vez mais prementes - deveria o arguido ter sido condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por período não inferior a 7 (sete) meses. E. Pelo exposto, a douta Sentença a quo violou o disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea a). 40.º e 71.º, todos do Código Penal. Termos em que, se deverá ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea a), do Código Penal, por período não inferior a 7 (sete) meses».
3. O recurso foi admitido, por despacho de ... de ... de 2025, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
5. Nesta instância, a Ex.ma Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada no recurso interposto, é de parecer que o mesmo deve ser julgado procedente.
6. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P. não houve reacção.
7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame da questão de saber se a Sra. Juíza incorreu em erro de jure na determinação da medida da pena acessória.
2. A decisão trazida da instância sobre a matéria de facto é do seguinte teor: «1. No dia ... de ... de 2022 pelas 3.40 horas na ..., área desta comarca, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-GD. 2. Fazia-o, após ter ingerido bebidas alcoólicas pois submetido a teste de pesquisa de álcool no ar expirado, acusou uma TAS de 2,420 g/l correspondente à TAS de 2,63 g/l deduzido o erro máximo admissível. 3. O arguido quis conduzir o veículo após ingestão de bebidas alcoólicas. 4. Agiu deliberada, livre e conscientemente conduzindo o veículo automóvel após a ingestão de bebidas alcoólicas. 5. Bem sabia que tal conduta não lhe era permitida. 6. O arguido confessou, de forma integral e sem reservas, os factos. 7. O arguido não tem antecedentes criminais registados conforme CRC, actualizado, de fls. 60, dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 8. O teor do Relatório Social do arguido, de fls. 64 a 67, dos autos, elaborado pela DGRSP, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que apresenta como conclusão que: “AA foi criado com orientações estruturantes e de acordo com o apurado, o percurso pessoal, profissional, social e familiar não foi marcado por experiências negativas relevantes. Com 37 anos de idade, apresenta um enquadramento sociofamiliar estável. A viver em união de facto há 16 anos, identifica o seu agregado familiar como coeso, com um relacionamento harmonioso e de interajuda. Em caso de condenação, o ponto negativo que sobressai concerne ao facto de AA ter histórico de contactos com o sistema de justiça, bem como o presente processo judicial pela mesma tipologia criminal. A manutenção de consumos alcoólicos, conduta que AA não reconhece como problemática e a desinserção de ocupações laborais e/ou ocupacionais estruturadas, poderão representar uma fragilidade”. 9. O arguido é solteiro; reside com uma companheira que se encontra desempregada e com dois filhos. 10. O arguido encontra-se desempregado há cerca de 2 anos, auferindo a título de rendimento social de inserção o valor de cerca de €600. 11. O arguido tem, como habilitações literárias, o 5º ano».
3. Da questão prévia da correcção da matéria de facto atinente às condições pessoais do arguido
A reprodução do relatório social, com referências, amiúde, a juízos de valor, conclusões e depoimentos/declarações, como ocorreu na sentença revidenda, precedida, ademais, da asserção: «O teor do Relatório Social do arguido, de fls. 64 a 67, dos autos, elaborado pela DGRSP, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que apresenta como conclusão que:» constitui procedimento desconforme e a erradicar e, eventualmente e em tese, susceptível de integrar o vício, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., de insuficiência da matéria de facto1.
Com efeito, «I. O relatório social constitui uma mera «informação» (artigo 1.º, al. g) CPP), que visa habilitar o juiz na sua tarefa de escolha e graduação da medida da pena.
II. Trata-se de elemento probatório relevante do qual, através de juízo crítico, o julgador extrai factos relevantes para o julgamento da causa.
III. Só ao juiz cabe selecionar os factos e as circunstâncias nele (eventualmente) referidos, se os considerar (e na medida em que os considerar relevantes), avaliando o que nele é referido e a fonte das informações prestadas, bem assim como a credibilidade das afirmações feitas e a razoabilidade das suas conclusões»2
No caso, vista a sentença na sua globalidade, não se vislumbra que o erro de forma tenha, efectivamente, condicionado a apreciação crítica do meio de prova em causa (relatório social) e/ou que tenham sido valoradas, na escolha e determinação das penas, outras circunstâncias para além das condições pessoais do arguido.
Conclui-se, pois, que se trata de mero erro cuja alteração/eliminação não importa modificação essencial e que, assim, reclama correcção neste Tribunal, nos termos do art. 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.P.
Termos em que:
a) Se elimina do ponto 8 o segmento «O teor do Relatório Social do arguido, de fls. 64 a 67, dos autos, elaborado pela DGRSP, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que apresenta como conclusão que:»;
b) Se rectifica o ponto 8 que passará a ter a redacção que segue, 8. AA foi criado com orientações estruturantes e o seu percurso pessoal, profissional, social e familiar não foi marcado por experiências negativas relevantes. Com 37 anos de idade, apresenta um enquadramento sociofamiliar estável. Vive em união de facto há 16 anos, num agregado familiar coeso, com um relacionamento harmonioso e de interajuda. Consome habitualmente bebidas alcoólicas».
4. Do recurso interposto - da medida da pena acessória
Passemos, então, à apreciação da dissensão do recorrente relativamente ao julgado, na instância, sobre a pena acessória aplicada.
Como se extrai das conclusões apresentadas, o recorrente pretende ver agravada a pena acessória de inibição de condução aplicada, concluindo que o Tribunal a quo incorreu em erro de jure, por deficiente interpretação do disposto nos art. 40.º e 71.º do C.P.
Relembremos que, em sede de escolha e medida das penas - principal e acessória - o Tribunal a quo ponderou nos seguintes termos: «Ao crime pelo qual o arguido foi julgado, cabe uma moldura penal que varia entre trinta dias e um ano de prisão ou multa de 10 a 120 dias. A determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º, do Código Penal). Elevado se mostra o grau de ilicitude do facto - T.A.S. de 2,420 g/l. Por sua vez, como circunstâncias atenuantes, da conduta do arguido, cumpre considerar a confissão integral e sem reservas dos factos, bem como o facto de não possuir antecedentes criminais registados pela prática do mesmo tipo de crime, paraalém da sua situação pessoal e económica apurada, de onde resulta ser, aparentemente, pessoa integrada. Ponderando a T.A.S. - 2,420 g/l. - a intensidade do dolo - configurado como directo - tendo agido o arguido com perfeito conhecimento que conduzia o veículo, dos autos, em estado de embriaguez e do carácter proibido do seu comportamento; as exigências de prevenção de crimes desta natureza e, atento o disposto no artigo 70º, do Código Penal, considera-se que a aplicação de pena de multa se mostra como forma necessária, porém suficiente e adequada a afastá-lo da prática do mesmo tipo de crime. Assim, tudo ponderado, factos provados, circunstâncias atenuantes e agravantes, supra referidas, bem como a moldura abstracta da pena de multa aplicável, considera-se que a sua fixação deverá ser em 80 dias de pena de multa. A taxa diária será fixada no mínimo legal, em €5, atenta a sua situação pessoal apurada. Mais, será, ainda, o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artigo 69º, do C. Penal, em que sendo ponderadas as mesmas e exactas circunstâncias atenuantes e agravantes, supra referidas, quanto à fixação da pena principal, será fixada pelo período de 4 (quatro) meses, por se mostrar pena acessória necessária, suficiente e bastante para o afastar da prática de crimes da mesma natureza».
Vejamos, então.
Tem sido entendido de forma unânime pela doutrina e pela jurisprudência que a determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. P.3
Na verdade, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Maio de 2018, processo n.º 185/17.7PFCBR.C1, in www.dgsi.pt. «IV – As penas acessórias são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).
V – São-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que significa dever, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre as medidas concretas da pena principal e da pena acessória, mas sem, todavia, esquecer, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente».4
Não obstante, e como é também pacífico, de entre os critérios gerais de determinação da pena, a fixação concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos reclama particular ponderação no espectro da perigosidade demonstrada pelo agente.5
Dir-se-á a respeito, desde já, que não nos assolam quaisquer dúvidas - é, aliás, facto notório - que, a condução de veículos é, de per si, uma actividade perigosa e que a concomitante ingestão de álcool potencia exponencialmente a perigosidade, sabido, ademais, o desfecho, demasiadas vezes trágico, de um tal binómio.
Conforme resulta dos mais recentes relatórios de sinistralidade da A.N.S.R.6:
- Nos sete primeiros meses de 2024, face a 2023, verificaram-se aumentos em quase todos os principais indicadores: mais 626 acidentes (+3,1%), mais 49 feridos graves (+3,5%) e mais 647 feridos leves (+2,8%);
- Comparativamente a 2019 (ano de referência para a análise da evolução na década, conforme estabelecido pela Comissão Europeia), registou-se no Continente um agravamento na sinistralidade, reflectida em: aumentos nos acidentes (+639; +3,2%) 20.561; nas vítimas mortais (+7; +2,7%) e nos feridos graves (+191; +15,2%).
Vale por dizer que, as necessidades de prevenção geral são, inequivocamente, muitíssimo elevadas.
Por outro lado, desde logo, é objectivamente revelador da concreta perigosidade o grau de álcool que foi detectado no sangue do agente, sendo certo que, no caso, como resulta da matéria de facto dada por assente, o arguido conduzia com uma taxa consideravelmente elevada, concretamente 2.420g/l.
Ademais, como ficou assente na matéria atinente às condições pessoais, o arguido está desempregado e consome bebidas alcoólicas habitualmente.
Ou seja, neste concreto contexto, impõe-se a conclusão de que, a par das elevadíssimas razões de prevenção geral, não são também despiciendas as razões de prevenção especial.
Por outro lado, atenta a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, é, por princípio, expectável que se verifique alguma proporcionalidade na concretização e definição das mesmas7.
Ora, in casu, como resulta do trecho acima transcrito, o Tribunal a quo fixou a pena de multa em 80 (oitenta) dias, ou seja, já no limite do segundo terço da moldura legal – de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias.
E assim sendo, por referência ao conjunto dos factos apurados, incluindo, necessariamente, as condições pessoais do recorrente, estamos em crer que, a concreta pena acessória aplicada desacata os critérios legais e, maxime, os de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos8.
Na verdade, se é certo que, como uniformemente tem sido defendido na jurisprudência, «(…) em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei»9, não será de olvidar que, no caso, numa moldura legal de 3 (três) meses a 3 (três) anos, o Tribunal a quo fixou a pena acessória de proibição de condução em 4 (quatro) meses, ou seja e frisa-se, apenas a 1 (um) mês do limite mínimo legal.
Ante todo o exposto, e sem desconsideração pela sensibilidade da Sra. Juíza do Tribunal a quo, afigura-se que o contexto delituoso, designadamente a taxa de álcool no sangue, e as condições pessoais, em particular a habitualidade no consumo de bebidas alcoólicas, justificam e reclamam a aplicação da pena acessória de proibição de condução em medida menos próxima do limite mínimo da pena aplicável, concretamente em 6 (seis) meses.
Termos em que, o recurso merece parcial procedência.
III. DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se, na parcela atinente à pena acessória, a sentença recorrida, que se substitui pela decisão de condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de condução, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, por um período de 6 (seis) meses.
Notifique.
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Ana Marisa Arnêdo
Ana Paula Guedes
Isabel Maria Trocado Monteiro
____________________________________________________
1. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 6/6/2023, processo n.º 15/22.8JDLSB.E1e de 22/11/2018, processo n.º 981/15.0PBSTR.E2, ambos in www.dgsi.pt.
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/4/20222, processo n.º 381/20.0PCSTB.E1, in www.dgsi.pt.
3. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição, pág. 348, «Tal como no direito germânico, a sanção de proibição de conduzir veículos com motor é, no direito nacional, uma verdadeira pena acessória. Desde logo, a sua aplicação depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e, por isso, a pena deve ser graduada no âmbito de uma moldura (…) devendo a graduação da pena atender ao grau de censurabilidade da conduta do agente e, nomeadamente, ao valor apurado da taxa de álcool no sangue».
4. No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/1/2015, in www.dgsi.pt. «“XVI - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal».
5. «A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação», Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232.
6. Consultáveis in www.ansr.pt.
7. Apesar de não ser exigível uma correspondência na duração, como assinalado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, « (…) a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais».
8. Art. 18º, n. º 2 da C.R.P.
9. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2021, processo n.º 88/16.2PASTS.S2, in www.dgsi.pt.