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NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICATIVAS
ARMA
Sumário
Sumário: (da responsabilidade do Relator) I. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não toma posição ou não decide as questões que os sujeitos processuais interessados submetem à sua apreciação e as de conhecimento oficioso (artº 608.º, n.º 2, do C.P.C.) desde que, dizendo respeito à relação material processual, estejam contidas dentro do objeto do processo e dentro do objeto da prova, nos termos definidos, respetivamente, pelos arts 358º, nº 2 e 124º, ambos do C.P.P. II. É sobre tais questões (problemas) – essenciais e pertinentes para o objeto do processo - que o Tribunal se tem de pronunciar, ficando fora do vício de omissão de pronúncia a não apreciação de algum argumento, tese ou opinião aduzido por algum sujeito processual, desde que a questão essencial colocada, em cuja apreciação estejam compreendidos os referidos argumentos, seja efetivamente apreciada e decidida. III. No caso a concreta questão a decidir consistia na determinação da medida concreta da pena, estando fora do objeto da obrigação de pronúncia a apreciação de algum dos argumentos do recorrente para baixar a pena, uma vez que, dos fundamentos da decisão resulta a inadmissibilidade de baixar a pena e, portanto, sempre ficaria prejudicado o argumento usado pelo recorrente. IV. Constituindo circunstância qualificativa do roubo o agente trazer “no momento do crime, arma aparente ou oculta”, não constitui dupla valoração e como tal não é proibido que, na determinação da medida concreta da pena, ao nível do grau de ilicitude do facto, se tome em conta que a arma era de fogo e que estava municiada, porquanto, dentro das diversas armas compreendidas no tipo de roubo agravado, as armas de fogo são as mais perigosas e, quando municiadas, ainda mais perigosas se tornam, o que igualmente agrava a ilicitude do facto.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
AA, arguido e recorrente nos presentes autos, notificado que foi do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, que julgou improcedente o recurso por si interposto da decisão final condenatória proferida pelo Tribunal de 1ª instância, veio agora, por douto requerimento do dia vinte e cinco do quinto mês do corrente ano, arguir a nulidade do mais recente acórdão proferido nos autos, por alegada omissão de pronúncia, com o fundamento de que, “deixou de atentar e analisar criticamente todos os argumentos aduzidos pelo recorrente em sede de recurso”, uma vez que não se pronunciou sobre o argumento do recorrente a “utilização de arma de fogo”, por já fazer parte do tipo, não podia ser novamente ponderada na determinação da medida da pena, por tal ser proibido “pelo disposto no art. 71.º, n.º 1, 1ª parte do Código Penal”.
Termina pedindo a declaração de nulidade do acórdão desta Relação e a sua substituição por outro que “se debruce diretamente sobre os argumentos apresentados pelo recorrente”.
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O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do requerido, por entender não ocorrer qualquer nulidade por omissão de pronúncia, porquanto, “como decorre da leitura do acórdão proferido, o tribunal pronunciou-se expressamente, apreciando tal questão que enumerou como sendo objeto do recurso delimitado pelas conclusões apresentadas, concretamente no ponto 3, referente à determinação da medida da pena, quando se refere ao grau da ilicitude onde deve ser ponderado o tipo de arma utilizado, enquanto que a agravante do tipo apenas se reporta ao porte, no momento da prática do crime, de arma aparente ou oculta, sem especificar o tipo de arma”.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos do artº 379.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do Código de Processo Penal, a sentença é nula “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Trata-se de norma aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma.
A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não toma posição ou não decide sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artº 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual, mas desde que contidas dentro do objeto do processo e dentro do objeto da prova, nos termos definidos, respetivamente, pelos artigos 358º, nº 2 e 124º, ambos do Código de Processo Penal, que constituem normas vigentes, e que, não obstante diversas tentativas nesse sentido, ao longo de mais de duas décadas de vigência (do Código de Processo Penal), não foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional.
Como tem sido jurisprudência sábia, uniforme e constante, e que acompanhamos, “a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença” (cfr. Acórdão do STJ de 15/12/2011, relatado pelo Senhor Conselheiro Raúl Borges, proferido no processo nº 17/09.0TELSB.L1, e acessível in dgsi).
Já em 2006, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão (entre outros) de 02/02/2006 (proferido no processo n n.º 05P2646, e relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos), nos dava conta que é entendimento pacífico e generalizado, a nível jurisprudencial que, só se verifica nulidade do acórdão por omissão de pronuncia, quando o Tribunal se deixe de pronunciar sobre questões pertinentes para o objeto do processo, escapando a tal vício a não ponderação de algum argumento ou tese ensaiado, de forma mais ou menos habilidosa, por algum sujeito processual, desde que a questão essencial colocada, em cuja apreciação estejam compreendidos os referidos argumentos, seja efetivamente apreciada e decidida.
Na mesma linha - diga-se novamente - de forma uniforme e constante, o Acórdão do STJ de 14/05/2009 (acessível in dgsi) esclarecia e reafirmava que, “questões” para tal efeito, são “os problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos ou doutrinas expendidas pelos interessados na apresentação das respetivas posições, na defesa das teses em presença”.
No caso, este Tribunal da Relação, no acórdão proferido nos autos, pronunciou-se efetivamente sobre a questão suscitada – que é a determinação da medida concreta da pena - relativamente à qual o recorrente pretende seja apreciado o seu argumento da proibição da dupla valoração do uso da arma, apreciando-a e decidindo-a e até se pronunciou sobre o argumento referido, conforme uma leitura minimamente atenta do acórdão deste Relação permitiria percecionar.
Na verdade, a pronúncia ocorreu, e nos seguintes termos (que passamos a sublinhar as partes relevantes):
“O acórdão, ao nível do grau de ilicitude do facto, das suas consequências e da culpa do agente, tomou em conta que o arguido atuou em conjunto com outros (o que agrava o grau de ilicitude dos factos), agiu com dolo direto (a forma mais grave e intensa de dolo), transportando uma arma de fogo e municiada (ou seja, dentro das diversas armas compreendidas no tipo de roubo agravada, as armas de fogo são as mais perigosas e, quando municiadas, ainda mais perigosas se tornam, o que igualmente agrava a ilicitude do facto), o objeto roubado consistiu numa chave de carro, no valor de €143,91 (cento e quarenta e três euros e noventa e um cêntimos), que não chegou a ser recuperada.
Ora, as penas mais próximas do mínimo legal (que no caso são 3 anos de prisão), devem ser deixadas para a forma menos grave e intensa de dolo (o dolo eventual), para armas que não sejam tão perigosas (ou por não serem de fogo ou por não estarem municiadas), para quem atua sozinho (e não em grupo) e para casos em que os objetos roubados tenham sido, ao menos parcialmente, recuperados.”
Deste modo , o acórdão desta Relação pronunciou-se, não só sobre a questão suscitada (que é “a determinação da medida concreta da pena”) mas ainda sobre o argumento, aduzido pelo recorrente, para concluir que não houve dupla valoração da circunstancia qualificativa, uma vez que, esta é tão só a posse de arma, enquanto, o concreto tipo de arma e o facto de estar ou não municiada, relevante para a maior ou menor perigosidade da sua posse, pode e deve ser valorado em sede de determinação da medida concreta da pena.
O reclamante está no seu direito em discordar do decidido por esta Relação, e bem assim de discordar dos fundamentos da decisão, mas tal não constitui vício de nulidade, por omissão de pronuncia e, muito menos se insere no âmbito de uma arguição de nulidade, nem constitui preliminar para introdução de requisitos de admissibilidade de eventual recurso de constitucionalidade.
Efetivamente, basta a simples leitura do acórdão proferido nos autos por esta Relação para se perceber que este Tribunal pronunciou-se de forma expressa, exaustiva e fundamentada, sobre as “questões” suscitadas pelo recorrente, no recurso por si interposto e que, a procederem, poderiam levar à procedência do seu recurso, quanto aos segmentos impugnados recursivamente. Só não o fez foi no sentido pretendido pelo recorrente e ora reclamante/arguente.
Na esteira do referido no douto Acórdão do STJ de 26/10/2016 (in dgsi), só a falta total de pronúncia sobre as questões suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, desde que dentro do objeto do processo, constitui omissão de pronúncia, e apenas se a decisão de tais questões não ficar prejudicada pela solução dada a outras.
Termos em que, se conclui pela não verificação de qualquer omissão de pronúncia, improcedendo, assim, a arguição de nulidade.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em indeferir a nulidade arguida.
Custas do incidente pelo reclamante/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artº 513º do Código de Processo Penal e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Lisboa, 10 de julho de 2025
Os Juízes Desembargadores, Eduardo de Sousa Paiva Manuela Trocado André Alves