PROVA POR RECONHECIMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
RELATÓRIO SOCIAL
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade da Relatora)
Em face dos requisitos de validade formal e substancial previstos no art. 147º do CPP e as formalidades previstas nos arts. 338º e seguintes do CPP para a audiência de discussão e julgamento, o reconhecimento de pessoas não é uma diligência compatível com os actos de produção de prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, nem as regras contidas no art. 147º do CPP são aplicáveis à audiência de discussão e julgamento, apesar da previsão do seu nº 7, que parece contemplar essa possibilidade, ao aludir à imperatividade do regime jurídico do reconhecimento de pessoas dos nºs 1 a 6 em qualquer fase do processo (segundo aquele nº 7, «o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer»).
A incompatibilidade é mais de índole prática, porque um reconhecimento do arguido feito na audiência de discussão e julgamento imporia a interrupção do depoimento da testemunha ou das declarações do assistente, a angariação de duas pessoas de características físicas semelhantes às do arguido para o alinhamento, a recolha de fotografias dos envolvidos no acto identificativo, uma vez obtidos os necessários consentimentos e em casos de pluralidade de vítimas testemunhas, a repetição destas diligências, com todas as delongas que tais procedimentos introduziriam no processo, em clara afronta a uma das vertentes do processo justo e equitativo, que é a da celeridade e das garantias de defesa, que é a da prolação de uma decisão que julgue os factos em tempo útil (arts. 20º nº 4 e 29º da CRP).
Por isso que do ponto de vista estritamente processual, a diligência de reconhecimento de pessoas deverá por regra ter lugar no inquérito, ou, eventualmente, na instrução.
E, sobretudo, porque sendo condição essencial determinante da realização do reconhecimento de pessoas uma situação de incerteza subjectiva acerca da concreta identidade do autor dos factos objecto do processo, esta é uma questão que tem de estar já resolvida, quando o processo entra na fase de discussão e julgamento da causa.
Se os elementos de informação que o relatório social é apto a fornecer tiverem sido obtidos, através de prova por declarações que até podem ser as do próprio arguido, ou por depoimentos de testemunhas ou mesmo por documentos, não haverá qualquer necessidade de elaboração e obtenção para o processo do relatório social que, tal como aqueles outros meios de prova, é valorável de acordo com a livre convicção do julgador e as regras de experiência comum, nos termos previstos nos arts. 125º e 127º do CPP
Nada obsta e aliás tudo até aconselha a que as informações exaradas no relatório social sejam obtidas a partir de relatos dos próprios familiares, amigos, vizinhos e conhecidos do arguido, que não são depoimentos testemunhais, pois que os técnicos de reinserção social não são órgãos de polícia criminal, nem autoridade judiciária com competências de investigação criminal, logo, não estão legalmente habilitados a realizar inquirições de testemunhas, na acepção que estas diligências probatórias assumem no processo penal.
Essas informações são, além do mais, interpretadas e tratadas pelos referidos técnicos e as suas percepções, assim como os resultados que fazem constar dos seus relatórios também estão sujeitos ao crivo da livre convicção do julgador, à semelhança do que sucede com os depoimentos testemunhais.
Não existe, aliás, qualquer forma alternativa de recolher informação de qualidade sobre o trajecto de vida do arguido, os seus hábitos de quotidiano, actividade profissional, modos como utiliza o tempo livre, composição do núcleo familiar, bem como outras condições pessoais, sociais e profissionais, que devem constar do relatório social, não a ser através de entrevistas a pessoas de família e do círculo de convívios com o arguido, eventualmente, complementadas com documentos.
A considerar-se que as informações prestadas por familiares do arguido aos Técnicos de Reinserção Social deveriam ser sujeitas à advertência prévia contida no art. 134º do CPP, como pretende o arguido, seria conduzir aos limites do absurdo as garantias de defesa, atribuindo competências de investigação criminal a entidades que não as têm, nem devem ter, pois que não é sua vocação natural, nem atribuição legal obterem provas da prática de crimes.

Texto Integral

ACÓRDÃO
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
A) Recurso Interlocutório:
Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 13 de Janeiro de 2025, neste processo comum colectivo nº 290/24.3PDAMD do Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi indeferido o pedido do arguido no sentido de que fosse realizada uma diligência de reconhecimento presencial, nos termos e para os efeitos previstos no art. 147º do CPP.
O arguido AA interpôs recurso desta decisão, com as seguintes conclusões:
1.
O arguido requereu, atempadamente, a realização de reconhecimento pessoal na audiência.
2.
Estando em tempo e detendo legitimidade para o fazer.
3.
Fundamentando essa necessidade e propondo as medidas práticas para que o mesmo se viesse a efetuar, no âmbito do disposto no art.º 147.º do CPP.
4.
O douto despacho recorrido, considerando que se encontrava “prevista” a produção de prova testemunhal, e não “a realização em audiência de qualquer reconhecimento pessoal,” (SIC) indeferiu, “in limine” a lídima pretensão do recorrente.
5.
A decisão recorrida ao limitar o âmbito da prova requerida pelo arguido, está a limitar, ou seja, a restringir, a defesa do mesmo.
6.
O que não é compatível com o disposto no art.º 61.º do CPP e mais concretamente do princípio constitucional consagrado no art.º 32.º n.º 1 da Lei Fundamental.
7.
O art.º 147.º do CPP se interpretado no sentido ínsito no recorrido despacho (não se encontrando “prevista” a realização de reconhecimento em audiência, o mesmo (que o arguido solicitara) não será efectuado, indeferindo-se por isso a lídima pretensão do arguido, encontra-se ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material, por violação clara e directa do disposto no art.º 32.º n.º 1 da CRP onde se assegura ao arguido, em processo penal, todas as garantias de defesa, violando ainda o disposto no art.º 6.º da CEDH nomeadamente no seu art.º 6.º que consagra o direito de o arguido ser julgado através de um processo justo e equitativo.
8.
Pelo que o douto despacho deve ser revogado e substituído por outro que dê provimento à pretensão do arguido, consistente na efetivação do aludido reconhecimento em audiência, com respeito pelo figurino contante do art.º 147.º do CPP.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. respondeu, concluindo o seguinte:
1. Por despacho proferido pelo tribunal a quo, em 13.01.2025, foi indeferida a “convocatória” de, pelo menos, duas pessoas semelhantes ao arguido para estarem persentes na audiência de julgamento, requerida pelo Recorrente nessa mesma data, dado que ali não iria ser realizado qualquer reconhecimento pessoal daquele.
2. E bem andou o tribunal a quo ao indeferir o requerido pelo Recorrente.
3. Pois não se iria proceder a qualquer reconhecimento pessoal do Recorrente em sede de audiência de julgamento.
4. O reconhecimento de pessoas deve obedecer ao procedimento previsto no art.º 147.º, do CPP.
5. Tendo sido efectuado – reconhecimento pessoal, de acordo com as regras do art.º 147.º do CPP – em sede de inquérito - cfr. fls. 42 e 42 vº (por parte do ofendido BB), fls. 90 e 90 vº (por parte do ofendido CC), fls. 123 e 123 vº (por parte do ofendido DD) e fls. 169 e 169 vº (por parte do ofendido EE).
6. Reconhecimentos estes que eram do perfeito conhecimento do Recorrente.
7. Coisa diferente é o arguido, em audiência de julgamento, vir a ser identificado pelos ofendidos e/ou pelas testemunhas.
8. Mas essa identificação não é um reconhecimento pessoal.
9. De facto, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/2005, proc. 425/05, (disponível em www.dgsi.pt) distingue o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art.º 147.º do CPP.
10. E esclarece muito bem a diferença das situações:
“Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido”.
11. Razão pela qual não se encontra ferido de inconstitucionalidade material o art.º 147.º do CPP, interpretado de acordo com o despacho proferido e ora recorrido, face ao que supra ficou referido.
12. Pelo exposto, não foi cometida qualquer ilegalidade, nem se mostram violados norma ou princípio constitucional.
13. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto despacho recorrido, será feita justiça.
Face ao exposto, deve o Despacho recorrido ser confirmado.
B) Recurso Principal:
Por acórdão proferido em 16 de Fevereiro de 2025, no processo comum colectivo nº 290/24.3PDAMD do Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi decidido:
Condenar AA pela prática, na forma consumada e em concurso efectivo, nos termos dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 30.º, n.º 1, do Código Penal, de:
- um crime de roubo agravado, em co-autoria material, p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação I., relativamente ao ofendido BB), na pena de 3 (três) anos de prisão;
- um crime de roubo agravado, em autoria material, p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação II., relativamente ao ofendido EE), na pena de 3 (três) anos de prisão;
- um crime de roubo, em autoria material, p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.ºs 2, al. f), e 4, e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação III., relativamente ao ofendido FF), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
- um crime de roubo, em autoria material, p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.ºs 2, al. f), e 4, e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação IV., relativamente ao ofendido DD), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art. 77.º do Código Penal, condenar AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a BB de 1647 mil seiscentos e quarenta e sete euros).
Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a EE de 1590 mil quinhentos e noventa euros).
Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a CC de 1060 mil e sessenta euros).
Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a DD de 1030 mil e trinta euros).
Declarar a perda a favor do Estado das vantagens obtidas por AA com a prática dos crimes pelos quais aqui vai condenado, no valor total de 1077 (mil e setenta e sete euros), nos termos do disposto no n.º 6 do art. 110.º do Código Penal.
O arguido interpôs recurso deste acórdão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente interpôs recurso interlocutório do douto Despacho Judicial proferido dias antes do início audiência. Dada a exigência contida no art.º 412.º n.º 5 do CPP o recorrente declara expressamente manter interesse na prossecução desse mesmo recurso interlocutório, o qual deverá ser julgado com o recurso ora interposto da decisão condenatória.
2. Da impugnação da matéria de facto - a) Cumprimento do art.º 412.º n.º 3 alínea a) do CPP - os concretos pontos de facto incorretamente julgados são os seguintes: ITENS Atinentes aos Factos Provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, e ainda - itens 39 e 40 - Do Relatório Social , ITEM 46 - Do Relatório Social, ITEM 48 – Do Relatório Social, ITEM 50 – Do Relatório Social e ITEM Atinente a Factos Não Provados: Item o) (a página 12) sob o capítulo “Factos respeitantes à situação IV – a pág. 22 “in fine” do acórdão.
3. Com os seguintes fundamentos de discórdia. Factos Provados: ITENS 1-28): Toda a matéria de facto considerada aprovada assentou “Prima Faciae” ou essencialmente no alegado “reconhecimento” que os ofendidos teriam feito do arguido na audiência. Nulidade do reconhecimento efetuado na audiência.
4. Tal “reconhecimento” é inválido porque desrespeitou a norma do art.º 147.º n.º 1, 2 e 7 do CPP não valendo como meio de prova.
Dando a defesa por reproduzida a argumentação explanada no seu Requerimento de ...-...-2025, com referência citius 27242842.
5. Apesar de a defesa ter solicitado que fosse efetuado um reconhecimento na forma legal no decurso da audiência, o Tribunal rejeitou “in limine” tal pretensão, parecendo confundir prova por reconhecimento com prova testemunhal.
6. Aliás, quem procede à identificação do arguido é o M.º Juiz Presidente “apud” o disposto no art.º 342.º n.º 1 do CPP, não são quaisquer testemunhas mesmo que arroladas pelo Digno MP.
7.Se interpretado noutro sentido – ou no sentido em que o Acórdão recorrido o interpretou como do mesmo consta - o art.º 147.º n.º 7 do CPP encontra-se ferido de inconstitucionalidade material, por violação do art.º 32.º n.º 1 da CRP e dos princípios constitucionais básicos que garantem um amplo direito de defesa do arguido em processo penal e também de um processo justo e equitativo, como estatui o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
8. Itens atinentes ao Relatório Social: Os itens 39.º, 40.º, 45.º, 46.º 48.º e 50.º da Matéria de Facto Provada. O denominado “RELATÓRIO SOCIAL PARA DETERMINAÇÃO DE SANÇÃO” extravasa largamente o seu âmbito legal, denigre a pessoa e o carácter do arguido antes da audiência e sem que este se possa defender, atribui, por exemplo, à sua própria Mãe dizeres que o enxovalham (dizeres que foram considerados provados no Acórdão – cf. Item 46.º dos Factos Provados) -
9. Detetada a anomalia de tão inusitado Relatório, o arguido, no exercício do contraditório, formulou um extenso requerimento sobre tão anómala, subjetiva e tendenciosa “prova” (onde se afirmam “défices” do arguido ao nível do pensamento consequencial por exemplo, dando por isso a entender que o mesmo não saberia distinguir o bem do mal) sem que tivesse sido alguma vez objeto, que se saiba, de qualquer perícia psiquiátrica ou psicológica.
10. Todavia, o Tribunal nem sequer teceu pronúncia sobre essa pretensão, fazendo incluir na matéria considerada prova “Factos Provados” e sob os itens 40.º, 45.º, 46.º, 48.º e 50.º observações soezes, simples conjeturas ou rumores, que denigrem a personalidade do arguido, como a rebuscada e não provada convicção que o arguido é “autocentrado” (SIC) ou “revela reduzido juízo crítico” - item 50.º De Factos Provados.
11. Tratam-se de simples opiniões ou pretensas convicções não constituindo qualquer meio de prova legal. Extravasando em muito os limites impostos pelo art.º 1.º alínea g) do CPP), são considerações que têm um conteúdo difamatório para o arguido.
12. Cumprimento do art.º 412.º n.º 3 alínea b) CPP: Provas que impõem decisão diversa da recorrida: - Declarações dos ofendidos
13. Cumprimento do art.º 412.º n.º 3 alínea c) do CPP: Provas que devem ser renovadas: Reconhecimentos presenciais do arguido.
14. Desenvolvimento: Pequena análise da Motivação da Matéria de Facto: (pág. 12- 23): Na valoração da prova produzida em audiência no caso “subjuditio”, o douto Tribunal usou de critério subjetivo e impressivo - com violação do art.º 127.º do CPP - quer na valoração “tout court” da prova recolhida, quer desconsiderando o pedido do arguido para que em audiência se procedesse a um reconhecimento pessoal (Requerimento atravessado nos autos em ...-...-2025, com referência citius 27242842) quer ainda desconsiderando o contraditório efetuado pelo arguido ao conteúdo do Relatório Social – requerimento apresentado em ...-...-2025, com referência citius 27205240, que a defesa entende ser prova proibida pelas razões nessa oposição amplamente explanadas),
15. Da omissão de pronúncia – o conteúdo da contestação- Nulidade prevista no art.º 379.º n.º 1 c) do CPP: Na sua contestação, o arguido elencou entre outros factos, os seguintes:
“3. Ademais, como se comprova com o Relatório Pericial junto aos autos (Relatório Lofoscópico), os vestígios digitais encontrados não pertencem ao arguido, mas sim a outro indivíduo identificado no mesmo relatório.4.Ao que é dado ver também de raça negra, com histórico criminal abundante, conhecido pela Polícia e Tribunais.5.Como resulta da ficha biográfica junta aos autos.6.O arguido é um jovem estudante.7.De apenas 18 anos8.Inserido social e familiarmente9.Tendo frequentado a ... no ...” ( In contestação apresentada ).
16. Estabelece a Lei processual penal que em sede de elaboração do acórdão devem ser elencados os factos vertidos nessa peça processual, tecendo-se pronúncia sobre os mesmos.
17. Exceção feita quando nessa parte da Contestação se elencarem apenas questões de Direito ou meramente conclusivas. O que não foi o caso.
18. Quando a defesa afirma que é importante trazer à colação o facto de pelo menos num dos táxis terem sido encontradas outras impressões digitais que não as do arguido e pertencentes a um indivíduo altamente cadastrado, tal afirmação – para mais em sede de contestação – deveria ter sido levada em conta, podendo e devendo o douto Tribunal ordenar até a comparência em Tribunal desse outro indivíduo para efeito de integrar a “linha“ de reconhecimento presencial a efetuar em sede de audiência.
19. Bem poderia o douto Tribunal ter procurado esse caminho processual, solicitando a comparência desse personagem ao abrigo do disposto no art.º 340.º do CPP, sem que nenhum mal viesse ao Mundo por via disso.
20. Ao invés, o acórdão ora em crise ignorou a mesma contestação por completo (mormente os seus itens 3 e 4 ), sem tecer qualquer pronúncia sobre o alegado a tal propósito.
21. Nesta conformidade, peca o recorrido acórdão por omissão de pronúncia ao não tecer pronúncia sobre o alegado na contestação, (mormente os itens 3 e 4 ), o que constitui a nulidade de omissão de pronúncia a que alude o disposto no art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP. Tornando nulo o mesmo Acórdão.
22. Por outro lado, nos outros itens que a dita contestação contempla, alude-se à personalidade do arguido, como um jovem estudante, de apenas 18 anos, para mais “inserido social e familiarmente” (SIC – itens 6-7-8-9) tendo inclusive frequentado a Escola Secundária. (Assim, o mui recente e douto Ac. do TRL de 10.10.2024 proferido pelo Exm.º Desembargador IVO NELSON CAIRES B. ROSA no recurso 941/21.1PLSNT.L1-9 (processo vindo do Juiz L.1 de Sintra), já citado.
23. Ora, no caso “sub juditio”, parte do alegado nos termos em que o foi, na contestação escrita, - referimo-nos “in concreto”, aos itens 3 e 4 dessa peça processual - respeita à existência (comprovada nos autos e por um Relatório Pericial que não foi posto em dúvida pelo Digno MP) existência de impressões digitais deixadas no referido táxi por um outro indivíduo, que veio comprovar-se ser também de raça negra, mas com um vasto “histórico” e cadastro anterior, como tudo consta da respetiva ficha biográfica da PJ, o que só por si poderia levar à conclusão de não ter sido o arguido o autor comprovado do roubo nele ocorrido, uma vez que mais nenhuma outra prova documental (vestígio, foto, ADN) foi encontrada que o colocasse nesse dia e hora no referido táxi
24. Mas em parte alguma o acórdão se refere a esse trecho da contestação, o que por isso torna nula a decisão.
25. Da omissão de pronúncia: Tendo sido junto aos autos um “Relatório Social Para Determinação de Sanção ” emanado por técnicos da DGRSP e referente à pessoa do arguido e que contém inúmeras anomalias, extravasando em muito o seu âmbito normal definido pelo art.º 1.º alínea g) do CPP (alude-se a problemas mentais do arguido, défices no pensamento consequencial, ausência de juízo crítico, imponderação, permeabilidade,) e a pretensas informações (não comprovadas ou certificadas) de fonte alegadamente policial não previstas na Lei como as “informações facultadas pelo OPC de que o arguido seria arguido em roubos em transportes públicos…) com ausência de consciência critica e uma “incapacidade de visão”), o arguido contestou o mesmo numa peça de 8 páginas, requerendo que o Tribunal considerasse como não escritas todas as afirmações subjetivas, irrelevantes (ou difamatórias) que no mais poderiam constituir prova proibida por se traduzir na utilização de “meio enganoso” e que o douto Tribunal considerasse que os 3 últimos parágrafos da Conclusão (a pág.3) extravasam o seu limite legal, daí retirando (o Tribunal) as legais consequências.
26.Apesar dessa oposição expressa ao mencionado Relatório, o Acórdão recorrido mostra-se inteiramente omisso quanto a esse pedido, não se pronunciando sobre facto relevante.
27. De outra banda, não se entende esta “interpretação” subjetiva feita no acórdão acerca do pretenso carácter do arguido, onde se afirma que este “falou de modo frio, artificioso e sem convicção” “negou de modo não convicto nem convincente” ( a pág.20), sendo “dotado da “esperteza” “do calculismo e da intrepidez “( a pág.13) procurando “ludibriar o tribunal” “com a atitude trapaceira” (a pag.13), (a página 12) sendo pouco convicto e pouco convincente” (pág.13),revelando “incoerência entre a negação dos factos e a frieza com que os negou” ( a pág.14), aludindo-se ainda “pela recorrência destes tipos de comportamentos e pretensos alibis em indivíduos cada vez mais jovens de modo que supõem sempre habilidoso, como o arguido, se apresentam com atitudes arrojadas e pretensas explicações afinal inconsequentes” ( a pág.14).
28.Ou ainda ao afirmar que o arguido “procurou limitar a prova testemunhal em audiência de julgamento” (SIC) (a pág.14) e abalar a prova por reconhecimento pessoal já obtida em sede de inquérito” ( a pág.14).
29. Ou na conclusão de que “sendo evidentes a habilidade com que de modo bem-falante, preparado e articulado…e o coerente carácter artificioso da defesa que sustentou” (a pág. 21). Já a pág. 22 se alude à “atitude com que as fez” (as declarações) bem como a alusão à “análise que realizou (o arguido) dos restantes elementos de prova… (a pág.22).
30. Como se vê sem esforço, trata-se tão só de uma mera interpretação subjetiva e impressiva que pouco esclarece os intervenientes processuais, uma vez que não explica em concreto por que razão se fala desse modo do arguido, quando este apenas faz uso de um direito que lhe é processual e constitucionalmente consagrado (o direito a negar a imputação).
31. A razão de ciência destas afirmações do Tribunal radica numa mera “má-impressão” que o arguido teria causado ao Tribunal, desconhecendo-se qual o “leit motiv” dessa animosidade, uma vez que o acórdão também nada esclarece ou elucida sobre essa temática.
32. E ao não se pronunciar sobre essa questão (suscitada no Requerimento atravessado nos autos pelo arguido em ...-...-2025, com referência citius 27205240) foi cometida, sem dúvida, a nulidade de omissão de pronúncia, por violação do disposto no art.º 339.º n.º 4 do CPP e 368.º n.º 2 CPP. Omissão esta que torna nulo o decidido (art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.
33. Do excesso de pronúncia – Da consideração de prova proibida
“A Mãe do arguido adota quanto a ele um discurso desculpabilizante, embora sabendo que o mesmo se juntava a grupos de pares e permanecia na rua até tarde, situação que originava conflitos familiares” (ITEM 46 DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA). Este trecho do acórdão não provém de qualquer discussão da causa, sendo que a Mãe do arguido não foi inquirida como testemunha na audiência. (O Tribunal lembrar-se-á certamente desta Mãe, mas por outro motivo: quando, após a leitura do recorrido acórdão, desmaiou e teve de ser socorrida pelo INEM…)
34. O conteúdo do item 46.º dos Factos Provados foi retirado – de modo ilegal – do conteúdo do Relatório onde as Técnicas da DGRSP afirmam que terão tido essa alegada “conversa” com a Mãe em causa. Trata-se por isso de prova proibida de alegado “depoimento de ouvir dizer” nem sequer permitido no âmbito do art.º 129.º do CPP por não provir de qualquer depoimento formal (caso em que sempre a Mãe em questão teria de ser advertida da faculdade de não prestar depoimento “apud” o disposto, a esse propósito, no art.º 134.º do CPP).
35. Essa frase, constante do item 46.º de Factos Provados, nunca deveria ser dada como provada dada a sua génese ilegal e o “modo” enganoso como certamente foi obtida. Tratando-se indubitavelmente de prova proibida. (art.º 126.º n.º 1 e 2 “in fine” do CPP).
36. Por todas estas razões, ao tomar em consideração, levando aos factos provados tal matéria – e por isso “conhecendo” do que lhe era vedado conhecer, - o recorrido acórdão cometeu a nulidade de excesso de pronúncia p. no art.º 379.º n.º 1 alínea c) CPP. O que inquina toda a decisão, o que torna nulo o recorrido acórdão.
37. Da fundamentação da matéria de facto – Dos fundamentos elencados no acórdão e relativos à existência de Autos de Notícia/Reportagens Fotográficas/ Relatórios de Inspeção Judiciária/ Imagens captadas pelo circuito de videovigilância do CC Controlo de Videoproteção da PSP ... Ora, nenhum destes elementos coloca afinal o arguido em qualquer das situações de roubo de que é acusado.
38. Nenhuma imagem de videovigilância fornece a identidade do arguido. Não bastando a frágil argumentação constante do acórdão de que se vê nessas imagens “dois indivíduos com características físicas e de indumentária semelhantes às descritas por BB”, p. exemplo, o que se afirma a pág. 17 no recorrido acórdão.
39. Ou o que se afirma a pág. 18 do mesmo acórdão, quando, a propósito de fls. 80 e 83 e do respetivo auto de Visionamento se diz que “aí se vê um indivíduo com compleição física compatível com a do arguido na Av.ª Dr GG, nas circunstâncias descritas por FF” (SIC).
40. Pelo que não pode colher a descrita fundamentação para a condenação do arguido.
41. Da medida da pena e da sua suspensão: Sem conceder a tudo que já se impugnou (protestando sempre o arguido a sua maior inocência) sempre se dirá que mesmo que fosse outro o entendimento prevalecente deste Alto Tribunal, a pena em concreto aplicada deveria ser reduzida –– quer por a indiciação recolhida apontar para a prática de crime continuado e já não de quatro crimes autónomos, quer dada a reduzida dimensão do dolo e das consequências dos crimes.
42. Nesta medida, a pena a aplicar, uma vez operado o respetivo cúmulo, não deveria exceder os três anos e 6 meses de prisão.
43. Nos termos do disposto no art.º 50.º do CP a pena de prisão aplicada em medida inferior a cinco anos, deve ser suspensa na sua execução sempre que o Tribunal puder formular um juízo de prognose favorável quanto ao futuro próximo do condenado tendo em conta, nomeadamente, “a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente a s finalidades da punição”.
44. Trata-se, como se sabe de um autêntico poder-dever que só deixará de ser aplicado em casos em que de modo nenhum se possa colocar a hipótese da concretização da formulação de tal juízo de prognose favorável.
45. No caso dos autos, a juventude do arguido - 19 anos - cuja personalidade não foi determinada nos termos que o acórdão refere, dada a nulidade e ilegalidade das expressões utilizadas no dito RELATÓRIO SOCIAL, não foi devidamente considerada, já que o acórdão não se encontrava em condições de se pronunciar sobre a personalidade do arguido,
46. Do mesmo modo não dispunha o Tribunal de elementos sérios para poder considerar provado que o arguido “afirma que não sabe se voltará a estudar”, uma vez que o Tribunal nada lhe perguntou a tal respeito.
47. Como o acórdão não dispunha de elementos de prova sérios, obtidos na forma legal, que o habilitassem a dar como provado:
- que o arguido consumia haxixe há cerca de um ano (art.º 45.º da MF – pag.9)
- que a Mãe do arguido sabia que “o mesmo se juntava a grupos de pares e permanecia na rua até tarde, situação que originava conflitos familiares”, (item 46.º da MF – a pág. 9 - uma vez que a Mãe não foi inquirida pelo Tribunal e a frase em referência foi extraída de um Relatório Social por depoimento de “ouvir dizer” que nada vale em processo penal.(Nem sequer se colocando a questão de subsunção ao art.º 129.º do CPP – depoimento indireto dada a não audição da referida Mãe);
- que o arguido teria, para mal dos seus pecados “uma postura autocentrada” (que nem sequer se explica qual seja ou o que significa…) falta de hábitos de trabalho, fraca capacidade de auto-reflexão, desconsideração pelos efeitos das suas condutas em terceiros, permeabilidade face a grupos de pares com práticas pró-criminais, débil interiorização do desvalor das suas condutas (o que ficou consignado, certamente por lapso manifesto no item 48.º de Factos Provados);
- Ou ainda, que o arguido revela “lacunas a nível do pensamento consequencial, revelando fraca sensibilidade…) - mesmo art.º 48.º dos Factos Provados.
48. Muito provavelmente, este retrato tenebroso elencado pelas subscritoras do apontado Relatório Social, terão influído na drástica decisão do acórdão em não suspender a pena de prisão.
49. Não se tendo devidamente considerado que: - o arguido contava, à data dos factos apenas 18 anos- sem quaisquer antecedentes registados. -sendo a intensidade do dolo e as consequências dos crimes de mediana intensidade (cf. Página 28 do acórdão).- tendo lugar a atenuação especial da pena (a pag.29)- sendo os limites mínimos, respetivamente ou de 1 mês de prisão (para o roubo simples) ou de 7 meses e 6 dias de prisão (para o roubo agravado).
50. Tudo fatores que devidamente conjugados deveriam ter conduzido o Acórdão noutro caminho, digamos menos securitário e convenhamos, mais ressocializador.
51. Ora, (a suspensão da pena) como acentua FIGUEIREDO DIAS, (citado em Anotação 5 ao art.º 50.º in Código Penal Anotado e Comentado, Victor de Sá Pereira/Alexandre Lafayette – Quid Juris, 2.ª Edição, 2014) “é mesmo, entre nós, a mais importante das penas de substituição, por dispor de “mais largo âmbito” e por ser aquela que os nosso tribunais “aplicam maior frequência” (Direito Penal II, in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág.337). E os riscos eventualmente oriundos do “suspender” em vez do “pode suspender”, não são insuportáveis ou não existem, em virtude da prognose favorável, de que nos termos do n.º 1 a suspensão depende. Não há, com efeito, um dever de suspender, existindo antes um poder-dever, funcional e vinculado, de decretar suspensão, com base nos dados recorrentes do prognóstico efetuado.”
52. Conhecido que é o panorama prisional e os efeitos criminógenos de penas desta dimensão (mais de cinco anos), cedo se deverá concluir que a pena a aplicar se deveria situar antes nos três anos e 6 meses de prisão, uma vez operado o respetivo cúmulo. Pelo que se entende serem estas as seguintes penas, mais adequadas ao concreto agir ilícito do jovem arguido:
53. Crime de roubo agravado: 2 anos de prisão (num mínimo de 7 meses e 6 dias de prisão); Crime de roubo agravado: 18 meses de prisão (num mínimo de 7 meses e 6 dias); Crime de roubo simples: 1 ano de prisão (num mínimo de um mês de prisão); Crime de roubo simples: 1 ano de prisão (num mínimo de um mês de prisão).
54. E que após a efetuação do respetivo cúmulo, se deveria quedar em 3 anos e 6 meses de prisão.
55. Ainda assim suspensa na sua execução, - eventualmente sujeita a regime de prova – cf. Art.º 53.º do CP - dados os fatores relativos à vida do arguido e a sua completa inserção socio familiar.
56. Ao assim não proceder o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto nos art. 71.º, 77.º e art.º 50.º do Código Penal.
57. O douto acórdão violou ainda, por erro de interpretação, o disposto nos art.º 127.º 355.º, 339.º n.º 4, 368.º n.º 2, e 374.º n.º 2 do CPP.
58. Por todo o exposto, deve o arguido ser absolvido ou, sempre sem concede ou subsidiariamente: Que a pena a aplicar por este Alto Tribunal não ultrapasse os 3 anos e seis meses de prisão, pena essa suspensa na sua execução.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu o seguinte:
1. O Recorrente AA foi pela prática, em concurso real, de:
um crime de roubo agravado, em co-autoria material, p. e p. pelos arts.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação I., relativamente ao ofendido BB), na pena de 3 (três) anos de prisão;
um crime de roubo agravado, em autoria material, p. e p. pelos arts.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação II., relativamente ao ofendido EE), na pena de 3 (três) anos de prisão;
um crime de roubo, em autoria material, p. e p. pelos arts.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.ºs 2, al. f), e 4, e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação III., relativamente ao ofendido FF), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
um crime de roubo, em autoria material, p. e p. pelos arts.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.ºs 2, al. f), e 4, e 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9 (situação IV., relativamente ao ofendido DD), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. Como já se referiu na resposta ao recurso interposto pelo Arguido AA do despacho proferido no dia ... de ... de 2025, com a referência Citius ..., que indeferiu o seu requerimento apresentado em e ........2025, sob a Ref. 27090721, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos, este confunde reconhecimento pessoal, a ser realizado com as regras previstas no art.º 147.º do CPP e a identificação pessoal do arguido, por parte das testemunhas, em sede de audiência de julgamento.
3. Compulsados os autos, verifica-se que, em sede de inquérito, foi realizado reconhecimento pessoal do Recorrente (efectuado com as regras previstas no art.º 147.º do CPP) por parte dos ofendidos – cfr. fls. 42 e 42 vº (por parte do ofendido BB), fls. 90 e 90 vº (por parte do ofendido CC), fls. 123 e 123 vº (por parte do ofendido DD) e fls. 169 e 169 vº (por parte do ofendido EE).
4. Não se compreende, pois, a insistência, por parte do Recorrente, na realização de novo reconhecimento pessoal em sede de audiência de julgamento.
5. Tanto mais que em tribunal não se encontram reunidas as condições para obedecer às regras previstas no art.º 147.º do CPP, pois não existem salas que permitam às testemunhas visualizar os indivíduos que se encontram na “linha” sem que sejam por estes visualizadas.
6. E, como já se referiu na anterior resposta ao recurso relativo a esta matéria, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/2005, proc. 425/05, (disponível em www.dgsi.pt) distingue-se o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art.º 147.º do CPP.
7. E esclarece muito bem a diferença das situações:
“Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido”.
8. Foi o que sucedeu em audiência de julgamento, não se tratando de uma “irregular “identificação do arguido”, como afirma o Recorrente.
9. Sendo, quer os reconhecimentos pessoais do Arguido realizados em sede de inquérito quer a identificação do Arguido realizada em sede de audiência de julgamento, prova válida.
10. No que respeita ao Relatório Social para Determinação da Pena, realizado pela DGRSP, conforme melhor consta da Acta de Audiência de Julgamento (1ª sessão), de ........2025, o tribunal a quo, após deliberação, proferiu despacho relativamente ao “extenso requerimento” apresentado pelo Recorrente, com o seguinte teor:
“O relatório social constitui um documento a apreciar pelo tribunal nos termos do disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal, pelo que nesses termos será apreciado.”.
11. No que respeita ao Relatório Social, há que concluir, como se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.05.2021 (disponível em www.dgsi.pt)), que se debruçou exactamente sobre as mesmas questões ora suscitadas pelo Recorrente, que tal prova não é inválida/nula.
12. Diz-se ali “Segundo a definição constante do artigo 1.º, n.º 1, alínea g) do Código de Processo Penal, «Relatório social» é a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborado por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos na lei.
O relatório social constitui uma informação elaborada por técnico superior de reinserção social habilitado para o efeito, nas áreas das ciências sociais, para além da formação profissional que lhe é dada.
E para que tal informação seja completa e tenha alguma utilidade, não se pode contentar com meros números que pouco podem dizer, mas fazendo incluir uma caracterização, em termos de comportamentais e de conduta nos vários meios onde o arguido interage.
Aliás, só assim, o relatório social poderá e assumir sua função, e é a própria letra da lei que o diz, ao expressamente definir no art° 1°, alínea g), do Código de Processo Penal, que serve para aferir da inserção sócio-profissional e, para além do mais, auxiliar o tribunal, para além do mais, no conhecimento da personalidade do arguido.
Trata-se portanto, de um meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido que, não tendo o valor de prova pericial, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
Uma vez que, como dissemos, o relatório social está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, nada impedia que o tribunal recorrido o tivesse valorado probatoriamente para decidir sobre a prova de factos relevantes para a escolha e determinação da medida das penas a aplicar, nomeadamente os pontos 23, 24, 25 e 26 da Matéria de Facto provada, não constituindo, pois, meios de prova inválidos.
Do mesmo modo, a argumentação do recorrente de que a utilização de expressões denegridoras da pessoa do arguido, feita por Técnicos da DGRSP – intrometendo-se em esferas que não são da sua competência como a “análise” a que tais Técnicos procederam das “peças processuais” insertas nos autos – constitue “meio enganoso de prova” previsto no art.° 126.° n.° 1 e 2 alínea a) in fine do CPP – sendo, por isso, prova proibida – não pode vingar por duas ordens de razão.
Primeiro, e como foi já referido, quanto à natureza do relatório social, não é uma prova mas tão só meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido que, não tendo o valor de prova pericial, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
Em segundo lugar, e como bem salienta o Digno Magistrado do MºPº, cabe esclarecer que para qualquer relatório social para audiência de julgamento é necessário que ao técnico da reinserção social seja facultada cópia da acusação ou do despacho de pronúncia, para desse modo, poder melhor contextualizar e dirigir a abordagem, designadamente, sobre quem deve contactar e sobre que áreas serão mais pertinentes. Não é a mesma coisa se ao arguido é imputado um crime contra o património ou um crime de violência doméstica ou de natureza sexual.
Assim, a menção em causa quer tão só indicar que o técnico superior da reinserção social teve contacto com o teor da acusação, nada mais, sendo em termos metodológicos e para melhor decisão da causa, o mais adequado.”.
13. É o caso dos autos.
14. Como uniformemente tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.
15. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante. (vd. Ac. do STJ de 15.12.2011, disponível em www.dgsi.pt).
16. No caso dos autos, insurge-se o Recorrente pelo facto do acórdão recorrido não se ter pronunciado relativamente ao teor de uma Informação Pericial junta aos autos em ........2024, de acordo com o qual os vestígios lofoscópicos recolhidos na face interna do puxador interno da porta traseira, do lado esquerdo, no veículo marca Volkswagem, modelo Jetta, matrícula ..-LA-.., pertencem a HH, já referenciado pela Policia Judiciária pela prática de diversos crimes e por não ter ordenado a comparência daquele para ser objecto de reconhecimento pessoal.
17. Porém, não obstante tal posição assumida pelo recorrente na motivação do recurso, questão que já havia suscitado na altura da audiência de julgamento, quer por requerimento junto aos autos em ........2024, quer em sede de alegações, o certo é que tal facto não relevou para afastar o Recorrente como sendo um dos autores do crime de roubo em causa e pelo qual veio a ser condenado, tendo em consideração que este crime, ocorrido no dia ........2024, do qual foi vitima BB, condutor do supra referido veículo, ao serviço de transporte de táxi, foi praticado por três (3) indivíduos – o Arguido/Recorrente e mais dois indivíduos não identificados (na altura) -, sendo que o Recorrente se fez transportar naquele veículo, no lugar da frente de passageiro e os vestígios lofoscópicos foram recolhidos na face interna do puxador interno da porta traseira, do lado esquerdo.
18. Consequentemente, a existência desses vestígios apenas vem corroborar a presença de mais autores, para além do Recorrente, não se revelando relevante para a decisão.
19. Logo, como foi decidido nos acórdãos supra referidos, o tribunal a quo não tinha que se pronunciar sobre essa questão, que mais não é do que um mero «argumento» para que o tribunal viesse a decidir de outro modo.
20. Sendo que o levou à “Motivação da matéria de facto” – cfr. fls. 16 e 21 do acórdão.
21. No que respeita à factualidade dada como provada nos pontos 30.º a 50.º, a mesma resulta, não só do teor do Relatório Social, mas também da conjugação da análise do teor dos relatórios de incidentes ocorridos estando o Recorrente sujeito à medida de coacção de O.P.H.V.E., do seu comportamento e declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, conjugadas de acordo com as regras da experiência e da lógica.
22. O crime de roubo é um ilícito complexivo, de concurso entre a vertente patrimonial e pessoal, em que se fusionam as componentes do ataque ao património alheio e à pessoa do sujeito passivo, manifestada polimorficamente nos valores jurídicos da liberdade, integridade física e até mesmo da vida humana (neste sentido vd. Ac. STJ, de 02.05.2007, disponível em www.dgsi.pt).
23. Ora, o n.º 3 do art.º 30.º do CP estabelece que o regime do crime continuado “não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
24. “Bens jurídicos eminentemente pessoais são, sem dúvida, aqueles que se ligam imediatamente com a personalidade, e constituem direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição: vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual, honra, reserva da vida privada. Todas as incriminações tutelares destes bens estão contidas no Título I da Parte Especial do CP, com a epígrafe “dos crimes contra as pessoas”, e, em relação a elas, nenhuma dúvida se pode colocar sobre o seu caráter eminentemente pessoal.
25. Conclui-se, pois, que o crime de roubo protege bens eminentemente pessoais, de forma que não é suscetível de integrar uma continuação criminosa, ainda que sucessivamente praticado contra o mesmo ofendido, por força do disposto no nº 3 do art. 30º do CP.” (neste sentido, vd. acórdão do STJ de 09.03.2017, disponível em www.dgsi.pt).
26. Assim, concluindo-se que o crime de roubo não é suscetível de integrar uma continuação criminosa, afastada se encontra a possibilidade do Recorrente ser condenado pela prática de um crime de roubo continuado.
27. Tendo em consideração que o tribunal a quo, com vista a uma melhor reintegração do Arguido, decidiu que as penas a aplicar deveriam ser especialmente atenuadas, de acordo com o disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/9, a moldura abstracta da pena:
pelo crime de roubo passa a ser de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão; e pelo crime de roubo agravado passa a ser de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão.
28. Na determinação da medida da pena a aplicar há que considerar:
O dolo, sendo direto, revela acentuada intensidade, traduzida no empenho revelado na execução dos atos que praticou;
A culpa do Recorrente tem de se considerar como de elevada intensidade;
A ilicitude da actuação do Recorrente mostra-se elevada, tendo em consideração o modo de actuação, com exibição de faca e o valor dos bens assim subtraídos, bem como as consequências psicológicas sofridas pelos ofendidos e o número de crimes cometidos;
Que o Recorrente não demonstrou qualquer arrependimento pelos actos que praticou, negando-os, o que é revelador que este não interiorizou as consequências dos seus atos, revelando fraca consciencialização do dano;
As necessidades de prevenção geral são prementes, pois os crimes de roubo são socialmente temidos pela violência que envolvem e pela intensidade do grau de insegurança relativamente à propriedade dos bens;
As exigências de prevenção especial de socialização são de considerar médias-altas, porquanto, embora o Arguido não tenha antecedentes criminais registados, praticou os crimes em datas distintas, na primeira das quatro situações durante a noite e com dois indivíduos, nas restantes três situações já sozinho e dura;
O arguido não tem antecedentes criminais;
Beneficia de apoio familiar e a sua idade à data da prática dos crimes.
29. Por tudo isto, consideram-se correctas as penas em que foi condenado, designadamente:
3 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado de que foi vítima BB, em ........2024 (situação I.);
3 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado de que foi vítima EE, em ........2024 (situação II.);
2 anos de prisão quanto ao crime de roubo de que foi vítima FF, em ........2024 (situação III.);
1 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de roubo de que foi vítima DD, em ........2024 (situação IV.).
30. No presente caso, a pena única a aplicar ao Recorrente pelos crimes em causa terá como limite mínimo 3 anos, e como máximo 9 anos e 6 meses de prisão.
31. Tendo em conta os vários aspectos que, no presente caso, foram tidos em conta na fixação da medida concreta das penas parcelares, e aplicando-os, também, no que toca à graduação da medida concreta da pena única a aplicar pelos dois crimes em concurso, entendeu o tribunal a quo como adequado, dentro da moldura referida, fixar a pena única em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
32. Mais próximo do limite mínimo.
33. Pelo que nada há a censurar à pena única aplicada.
34. Logo, e sem necessidade de mais considerações, concordando-se com a pena aplicada, não existindo razões para que as penas parcelares sejam especialmente atenuadas, prejudicada fica a possibilidade da sua suspensão por inadmissibilidade legal.
35. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
36. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sra. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos:
Quanto ao recurso interlocutório:
Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a completude, pertinência, correção jurídica e clareza da sua fundamentação, a realçar, com total acerto e proficiência, também ancorada em jurisprudência relevante, os fundamentos de facto e de direito que levam a concluir pela improcedência do recurso.
Em total concordância com a resposta a recurso apresentada em 1ª. Instância pelo Mº. Pº., emitimos assim parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.
Quanto ao recurso principal:
Também neste sede, subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância, atenta a pertinência, completude, proficiência, correção jurídica e clareza da sua fundamentação que, outrossim ancorada em jurisprudência, realça, com total acerto, os fundamentos de facto e de direito determinantes do entendimento de que não deve ser procedente o recurso.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DO ÂMBITO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito.
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 e Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, por referência às conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
No recurso interlocutório:
Se devia ter sido deferido o pedido de reconhecimento presencial, com observância do formalismo previsto no art. 147º do CPP;
Se o art. 147º do CPP interpretado no sentido ínsito no recorrido despacho (não se encontrando “prevista” a realização de reconhecimento em audiência, o mesmo (que o arguido solicitara) não será efectuado, é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no art.º 32.º n.º 1 da CRP onde se assegura ao arguido, em processo penal, todas as garantias de defesa, violando ainda o disposto no art.º 6.º da CEDH nomeadamente no seu art.º 6.º que consagra o direito de o arguido ser julgado através de um processo justo e equitativo.
No recurso principal:
Se o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido tomada qualquer posição sobre os factos alegados na contestação, especialmente nos itens 3, 4, 6, 7, 8 e 9;
Se o acórdão é nulo por excesso de pronúncia quanto ao facto provado nº 46 porque o seu conteúdo foi retirado – de modo ilegal – do conteúdo do Relatório onde as Técnicas da DGRSP afirmam que terão tido essa alegada “conversa” com a Mãe do arguido e por isso, trata-se de prova proibida de alegado “depoimento de ouvir dizer” nem sequer permitido no âmbito do art. 129.º do CPP por não provir de qualquer depoimento formal (caso em que sempre a Mãe em questão teria de ser advertida da faculdade de não prestar depoimento “apud” o disposto, a esse propósito, no art. 134.º do CPP);
Se houve erro de julgamento, em relação aos factos provados 1º a 28º, 39º, 40º, 46º, 48º e 50º, que devem ser considerados não provados e quanto ao facto não provado o) que deve passar para os factos provados;
Se a pena única aplicada deverá ser reduzida para três anos e seis meses de prisão, quer por a indiciação recolhida apontar para a prática de crime continuado e já não de quatro crimes autónomos, quer dada a reduzida dimensão do dolo e das consequências dos crimes;
Se estão verificados os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No que se refere ao recurso interlocutório, os factos relevantes para a sua apreciação são os seguintes:
No dia ... de ... de 2024, BB foi inquirido como testemunha perante a ..., no âmbito do NUIPC 290/24.3..., que descreveu os factos por si vivenciados e referiu que «consegue descrever o suspeito como trata-se de um cidadão do sexo masculino, com idade por volta dos 16 anos, possui aparência africana, trajava ao momento um casaco do tipo kispo, de cor preta ou azul escura, calças de cor escura possivelmente preta e possuía pequenas rastas no cabelo de cor preto» (auto de inquirição anexo à participação e ao processo com a referência Citius 25414261 de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, pelas 10h30m, o arguido AA foi sujeito a um reconhecimento fotográfico feito por BB, no âmbito do NUIPC 290/24.3... (auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
Desse auto de reconhecimento consta o seguinte (transcrição integral):
Aos 4 dias do mês de Abril do ano de ..., pelas 10H30, na Esquadra de Investigação Criminal da Divisão ..., no âmbito do NUIPC referido em epígrafe, compareceu o ofendido BB (devidamente identificado nos autos), perante mim, II - Agente Principal M/…, a fim de proceder ao reconhecimento fotográfico do autor do ilícito em investigação.
Confrontado com os fotogramas reconheceu, de forma peremptória, o fotograma com o nº 1, de fls. seguintes, como tendo sido o autor do roubo que é JJ (auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
Para além do fotograma nº 1, foram-lhe mostrados sob os nºs 2 e 3 os fotogramas de outros dois indivíduos de raça negra (folha de suporte com os três fotogramas anexa ao auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, o arguido AA, foi também sujeito a reconhecimento presencial pelo mesmo BB, no âmbito do mesmo NUIPC 290/24.3... (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
Nesse reconhecimento presencial, foram colocadas em alinhamento para eventual identificação:
Na posição 1, KK;
Na posição 2, LL;
Na posição 3, o arguido AA, sendo que nenhum dos três consentiu a utilização de fotografia sua para ser junta ao auto (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
Nesse acto, BB declarou nunca ter visto o suspeito em data anterior aos factos e antes do reconhecimento (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
Esteve presente o defensor do suspeito, MM com o n° de cédula …, morada: ..., contacto: ... (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
BB reconheceu o suspeito dos factos que havia denunciado e identificou como tal o arguido colocado na posição 3 (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius 25414261 de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, pelas 11h45m, no NUIPC 17/24.0... PJAMD, o arguido AA, foi também sujeito a reconhecimento presencial feito por EE (auto de reconhecimento presencial de ........2024, com a referência Citius 25416679);
Nesse reconhecimento presencial, foram colocadas em alinhamento para eventual identificação:
Na posição 1, NN
Na posição 2, OO
Na posição 3, o arguido AA, sendo que nenhum dos três consentiu a utilização de fotografia sua para ser junta ao auto (auto de reconhecimento presencial com a referência Citius 25416679);
Nesse acto, EE declarou nunca ter visto o suspeito em data anterior aos factos e antes do reconhecimento (auto de reconhecimento presencial de ........2024, com a referência Citius 25416679);
Esteve presente o defensor do suspeito, PP com o nº de cédula …, morada: ..., n.º …, 2.º direito, ... ..., contacto: .... (auto de reconhecimento presencial de ........2024, com a referência Citius 25416679);
EE reconheceu o suspeito dos factos que havia denunciado e identificou como tal o arguido colocado na posição 1 (auto de reconhecimento presencial de ........2024, com a referência Citius 25416679);
Já antes, aquando da participação dos factos, EE havia descrito o suspeito como um «indivíduo de aparência africana, com cerca de 18 a 25 anos de idade, estatura média, morfologia magra, tom de pele escura, com o cabelo do estilo vulgarmente denominado por "locks" até ao ombro, trajando roupa desportiva de cor escura. Afirma que consegue vir a reconhecê-lo futuramente» (auto de notícia inserto no processo digitalizado com a referência Citius ...);
No dia ... de ... de 2024, o arguido AA, foi também sujeito a reconhecimento presencial por CC, no âmbito do mesmo NUIPC 345/24.4... (auto de reconhecimento presencial inserto no processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
Nesse reconhecimento presencial, foram colocadas em alinhamento para eventual identificação:
Na posição 1, o arguido AA;
Na posição 2, LL;
Na posição 3, KK, sendo que nenhum dos três consentiu a utilização de fotografia sua para ser junta ao auto (auto de reconhecimento presencial inserto no processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
Nesse acto, CC declarou nunca ter visto o suspeito em data anterior aos factos e antes do reconhecimento (auto de reconhecimento presencial inserto no processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
Esteve presente o defensor do suspeito, MM com o n° de cédula …, morada: ..., contacto: ... (auto de reconhecimento presencial inserto no processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
CC reconheceu o suspeito dos factos que havia denunciado e identificou como tal o arguido colocado na posição (auto de reconhecimento presencial inserto no processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
Já antes, aquando da participação dos factos, CC havia descrito o suspeito como «sendo de ascendência africana, com cerca de 16 anos, estatura magra, cerca de 1,60mt de altura, cabelo curto, vestindo de preto, com calças de fato de treino pretas com 3 riscas vermelhas na sua lateral, ténis brancos e camisola de carapuço preta» (participação que deu origem ao processo digitalizado com a referência Citius ... de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, DD foi inquirido como testemunha perante a ..., no âmbito do NUIPC 350/24.0..., descreveu os factos por si vivenciados e referiu que «consegue descrever o suspeito como trata-se de um cidadão do sexo masculino, com idade por volta dos 16 anos, possui aparência africana, trajava ao momento um casaco do tipo kispo, de cor preta ou azul escura, calças de cor escura possivelmente preta e possuía pequenas rastas no cabelo de cor preto» (auto de inquirição anexo à participação e ao processo com a referência Citius ... de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, pelas 10h30m, o arguido AA foi sujeito a um reconhecimento fotográfico feito por DD, no âmbito do NUIPC 350/24.0..., (auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
Desse auto de reconhecimento consta o seguinte (transcrição integral):
Aos 4 dias do mês de Abril do ano de ..., pelas 10H30, na ..., no âmbito do NUIPC referido em epígrafe, compareceu o ofendido DD (devidamente identificado nos autos), perante II - Agente Principal M/…, a fim de proceder ao reconhecimento fotográfico do autor do ilícito em investigação.
Confrontado com os fotogramas reconheceu, de forma peremptória, o fotograma com o nº 1, de fls. seguintes, como tendo sido o autor do roubo que é JJ (auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
Para além do fotograma nº 1, foram-lhe mostrados sob os nºs 2 e 3 os fotogramas de outros dois indivíduos de raça negra (folha de suporte com os três fotogramas anexa ao auto de reconhecimento fotográfico anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
No dia ... de ... de 2024, o arguido AA, foi também sujeito a reconhecimento presencial pelo mesmo DD, no âmbito do mesmo NUIPC 350/24.0... (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
Nesse reconhecimento presencial, foram colocadas em alinhamento para eventual identificação:
Na posição 1, o arguido AA;
Na posição 2, LL;
Na posição 3, KK sendo que nenhum dos três consentiu a utilização de fotografia sua para ser junta ao auto (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
Nesse acto, DD declarou nunca ter visto o suspeito em data anterior aos factos e antes do reconhecimento (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
Esteve presente o defensor do suspeito, MM com o n° de cédula …, morada: ..., contacto: ... (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
DD reconheceu o suspeito dos factos que havia denunciado e identificou como tal o arguido colocado na posição 1 (auto de reconhecimento presencial anexo com a participação com a referência Citius ... de ........2024);
No dia ... de ... de 2025, o arguido dirigiu um requerimento ao processo com o seguinte teor:
AA, Arguido nos presentes autos, notificado da data da realização da audiência, vem alegar e a final, requerer como segue:
1.º
Afigura-se como previsível que no decurso da audiência o arguido seja “exibido” às testemunhas (motoristas de táxis ofendidos no autos) para que os mesmos possam - ou não – reconhecer o arguido como o autor dos perpetrados roubos.
2.º
De acordo com o que dispõe o art.º 147.º n.º 7 do CPP aos reconhecimentos em audiência devem ser aplicadas as normas deste normativo (art.º 147.º n.º 1, 2 e 3 CPP) sob pena de a prova desse modo obtida não ter eficácia legal ou valor probatório.
3.º
Requer-se assim que antecipadamente ao dia designado para a audiência sejam convocadas pelo menos duas pessoas semelhantes ao arguido (na raça, e na idade, respectivamente) afim de poder ser efectuado o necessário reconhecimento no decurso da audiência, respeitando os requisitos ínsitos disposto no art.º 147.º n.º 2 do CPP.
4.º
Comprometendo-se o arguido a levar essas duas pessoas referidas em 3.º ao Tribunal, no dia designado para o início da audiência.
Sendo o fundamento legal do requerido o constante do art. 147.º do CPP, art. 61.º n.º 1 alínea a) e g) do CPP e art.º 32.º n.º 1, 2 e 7 da Constituição da República (requerimento com a referência Citius 27090721);
Sobre este requerimento recaiu o despacho recorrido que tem o seguinte teor (transcrição integral):
Ref. 27090721, de ........2025: Está prevista a produção de prova testemunhal em audiência de julgamento, e não a realização em audiência de qualquer reconhecimento pessoal (meio de prova previsto no art. 147.º do Código de Processo Penal), pelo que indefiro o requerido (despacho com a referência Citius ...).
Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria provada e não provada e a forma como o Tribunal a quo fundamentou a mesma (transcrição parcial):
1°. No dia ... de ... de 2024, pelas 02h15, o arguido AA e dois indivíduos não identificados, depois de um plano previamente elaborado e em comunhão de esforços, dirigiram-se à ..., em Lisboa, com o propósito de aí solicitarem um serviço de transporte de táxis e, nessa sequência, abordarem taxistas e obterem objectos com valor económico.
2°. Nessa ocasião, após solicitarem o serviço de transporte de táxi a BB, que conduzia o veículo de matrícula ..-LA-.., marca Volkswagen Jetta, o arguido e os outros dois indivíduos comunicaram-lhe a sua pretensão de se deslocarem até à ..., na ..., ao que BB acedeu.
3°. Assim, na execução do referido plano, o arguido e outros dois indivíduos não identificados, já junto da ..., na ..., transmitiram a BB a pretensão de aí ficarem, como local de destino.
4°. Aquando da imobilização do veículo por BB, o arguido, que se encontrava no lugar da frente de passageiro, retirou do bolso das calças uma faca, de características não concretamente apuradas, que exibiu e empunhou na direcção de BB e disse-lhe para lhe dar tudo.
5°. Nessa sequência, BB temeu pela sua vida e integridade física.
6°. Nesse instante, o arguido, empunhando a faca, desligou o veículo, tirou-lhe a respectiva chave e disse a BB “levanta mas é o cú, para ver onde é que tens a carteira, e um dos indivíduos que acompanhava o arguido remexeu no veículo e retirou a impressora e, da porta dianteira esquerda, três telemóveis, tendo estes o valor total de cerca de 597 € (quinhentos e noventa e sete euros) e sendo um deles da marca ... e outro da marca ..., tendo ainda retirado a quantia de 50 € (cinquenta euros).
7°. Então, o arguido e os outros indivíduos abandonaram o local em fuga, na posse daqueles três telemóveis e quantia monetária, fazendo-os seus.
II.
8°. No dia ... de ... de 2024, pelas 12h07, o arguido AA deslocou-se à praça de táxis junto da ..., em Lisboa, onde solicitou ao taxista EE o serviço de transporte para a ..., na ....
9°. Nessa ocasião, o arguido acedeu ao interior do táxi conduzido por EE, sentando-se no banco traseiro.
10°. Já junto da ..., na ..., parte superior da ..., o arguido transmitiu a EE que pretendia terminar a viagem e este imobilizou o veículo.
11°. Acto contínuo, o arguido entregou uma nota de 20 € para pagamento e, quando EE se preparava para entregar o troco, o arguido empunhou uma faca, de características não concretamente apuradas, encostou-a junto do pescoço de EE e solicitou-lhe dinheiro.
12°. Nessa sequência, o arguido fez um golpe com a faca no pescoço de EE, causando-lhe aí uma escoriação.
13°. O arguido aproveitou esse momento e retirou a EE a quantia de 140 € (cento e quarenta euros) em numerário e um telemóvel, da marca ..., no valor de 200 € (duzentos euros).
14°. Após, o arguido, na posse da quantia monetária em numerário e do telemóvel, saiu do veículo e abandonou o local em fuga, fazendo-os seus.
III.
15°. No dia ... de ... de 2024, pelas 15h20, o arguido AA deslocou-se à praça de táxis sita no ..., em Lisboa, onde solicitou ao taxista FF o serviço de transporte para a ..., na ....
16°. Nessa ocasião, o arguido acedeu ao interior do táxi conduzido por FF, sentando-se no banco traseiro.
17°. Já na ..., na ..., o arguido transmitiu a FF que pretendia terminar a viagem e este imobilizou o veículo.
18°. Acto contínuo, o arguido, empunhando uma faca, de características não concretamente apuradas, encostou-a junto do pescoço de FF, ordenou-lhe que lhe desse o dinheiro, e FF acedeu, entregando-lhe a quantia de 60 € (sessenta euros) que tinha no bolso.
19°. O arguido agarrou então nessa quantia e,
20°. de seguida, em fuga, saiu do interior do veículo e do local, levando essa quantia de 60 € (sessenta euros), que fez sua.
IV.
21°. No dia ... de ... de 2024, pelas 19h30, o arguido AA deslocou-se à praça de táxis sita na ..., em Lisboa, onde solicitou o serviço de transporte para a ..., na ..., ao taxista DD, que conduzia o veículo de matrícula ..-QB-.., marca Dacia, modelo Sandero.
22°. Nessa ocasião, o arguido acedeu ao interior do táxi conduzido por DD, sentando-se no banco traseiro.
23°. Já junto da ..., na ..., o arguido solicitou a DD que se deslocasse até à ..., na ..., e DD imobilizou aí o veículo.
24°. Nesse instante, o arguido entregou uma nota de 20 € a DD para efectuar pagamento e, quando este abriu a sua carteira para entregar troco, sem que nada o fizesse prever, o arguido empunhou uma faca, de características não concretamente apuradas, que apontou ao corpo de DD e comunicou-lhe que se tratava de um assalto e que lhe faria mal se este arrancasse com o carro.
25°. Acto contínuo, o arguido puxou com força das mãos de DD a carteira, que continha a quantia monetária de 30 € (trinta euros) e, de seguida, abandonou o local, levando-a consigo e fazendo-a sua.
26°. Ao agir da forma supra descrita nos pontos 1.° a 7.°, o arguido e os dois indivíduos não identificados, em comunhão de esforços e em execução de um plano previamente delineado entre si, sabiam que a quantia monetária e os telemóveis ali mencionados que subtraíram não lhes pertenciam e que, estando em superioridade numérica e ao exibirem uma faca com lâmina corto-contundente a BB para lhe retirar os objectos que este trazia, o mesmo estava e ficava com menor capacidade de resistir, em posição de não reagir, o que facilitaria a retirada daqueles objectos, contra a vontade do proprietário, o que quiseram e conseguiram.
27°. Ao agir da forma supra descrita nos pontos 8.° a 14.°, 15.° a 20.° e 21.° a 25.°, o arguido sabia que ao exibir a faca que trazia consigo, com lâmina corto-contundente, a EE, FF e DD lhes causava medo pelas respectivas integridade física e vida, que os mesmos ficariam em posição de não reagir, de não oferecer resistência aos seus intentos, e que tal facilitaria a retirada das quantias monetárias e telemóvel ali mencionados, contra a vontade dos seus donos, o que quis e conseguiu.
28°. O arguido agiu como supra descrito nos pontos 1.° a 7.° e 26.° e 8.° a 25.° e 27.° de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
29°. Nada consta do CRC do arguido.
30°. O arguido nasceu em ........2005, em ... e tem nacionalidade ….
31°. Imigrou para ... em ..., vindo da ..., com o objectivo de prosseguir os estudos.
32°. Quando chegou a ..., deparou-se com a separação dos pais, estando o pai a residir no concelho da ..., onde já tinha constituído outra família.
33°. O pai é uma figura presente na sua vida, mantendo bom relacionamento com o mesmo.
34°. A mãe reside metade do ano em ..., junto dos filhos, e os restantes seis meses na ..., onde trabalha na colheita de fruta, trabalho sazonal; quando se ausenta de ..., quem fica responsável pela supervisão do agregado familiar é a sua filha mais velha.
35°. Às datas dos factos supra descritos a que se refere este processo, o agregado familiar do arguido era composto pelo próprio, pela sua mãe, por duas irmãs uterinas e por um sobrinho bebé, o que se mantém.
36°. Residia, como actualmente, na ..., ... Agualva-..., em habitação arrendada, com contrato de arrendamento em nome da mãe do arguido, com todas as condições de habitabilidade, salubridade e privacidade necessárias à composição e características do agregado familiar residente e inserida numa área geográfica onde não existem problemas significativos.
37°. O arguido tinha, como actualmente, o 10.° ano de escolaridade, concluído na ....
38°. Tendo vindo para ... em ..., e após o pedido de equivalência da escolaridade realizada no país de origem, matriculou-se na ..., no ..., tendo repetido o 10.° ano por questões de adaptação ao sistema de ensino português.
39°. Às datas dos factos supra descritos a que se refere este processo encontrava-se no 11.° ano; tendo revelado absentismo e desinvestimento escolar, não prosseguiu os estudos.
40°. Afirma que não sabe se voltará a estudar.
41°. Não exercia qualquer actividade laboral, situação que se mantém; anteriormente teve apenas uma experiência profissional, na colheita de fruta, no ...; era sustentado pelas suas mãe e irmã mais velha.
42°. O arguido foi detido em ........2024 e esteve preso preventivamente à ordem destes autos, no ..., desde ........2024, tendo, por decisão proferida em ........2024, a respectiva prisão preventiva sido substituída pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância (OPHVE), à qual se encontra sujeito desde ........2024, na ..., ... Agualva-....
43°. Em OPHVE, o arguido, que tem o apoio da mãe e da irmã mais velha, contribui para a realização das tarefas domésticas e cuida do sobrinho bebé.
44°. Os rendimentos do seu agregado familiar provêm dos vencimentos da sua mãe - empregada de limpeza -, e da sua irmã mais velha - segurança aeroportuária -, dos abonos de família e da pensão de alimentos do seu sobrinho, no valor total de 1800 € (mil e oitocentos euros) mensais; o agregado familiar detém uma situação económica confortável e capaz de responder às despesas correntes, nomeadamente à renda da habitação, no valor de 750 € (setecentos e cinquenta euros) mensais, não existindo dívidas por satisfazer; os valores auferidos na ... estão a ser acumulados para a compra de habitação própria em ....
45°. Às datas dos factos supra descritos a que se refere este processo o arguido consumia haxixe há cerca de um ano, consumos que manteve até ser privado da liberdade à ordem deste processo.
46°. A mãe do arguido adopta quanto a ele um discurso desculpabilizante, embora sabendo que o mesmo se juntava a grupos de pares e permanecia na rua até tarde, situação que originava conflitos familiares.
47°. Actualmente, devido à medida de coacção a que está sujeito, as relações de sociabilização do arguido restringem-se aos elementos do agregado familiar e à convivência com amigos que frequentam a sua casa.
48°. O arguido tem uma postura autocentrada, falta de hábitos de trabalho, fraca capacidade de auto-reflexão, desconsideração pelos efeitos das suas condutas em terceiros, permeabilidade face a grupos de pares com práticas pró-criminais, débil interiorização do desvalor das suas condutas supra descritas a que se refere este processo e lacunas a nível do pensamento consequencial, revelando fraca sensibilidade também relativamente às potenciais consequências que para si próprio poderão resultar dos seus comportamentos, incluindo de sucessivos incumprimentos da medida de coacção de OPHVE.
49°. No decurso da execução da medida de coacção de OPHVE o arguido ausentou-se repetidamente da habitação - nomeadamente em ........2024, ........2024, ........2024, ........2025, ........2025 e ........2025 -, sem a devida autorização e sem qualquer justificação lícita e, quanto àquelas ausências posteriores a ........2024, apesar da advertência que lhe foi feita no despacho datado de ........2024, de que foi pessoalmente notificado em ........2024, de que na ocorrência de novos incidentes de incumprimento podia vir a ser decidido o seu retorno à situação de prisão preventiva.
50°. O arguido revela reduzido juízo crítico no que tange aos factos supra descritos a que se refere este processo, relativamente aos quais não manifesta arrependimento.
2. Factos não provados
Não se provou que:
Factos respeitantes à situação I.:
a) aquando do descrito no ponto 4.° dos factos provados, foi na direcção do tórax que o arguido empunhou a faca;
b) aquando do descrito no ponto 4.° dos factos provados, o arguido disse a BB “dá-me as notas”\
c) na sequência do descrito no ponto 4.° dos factos provados, BB entregou ao arguido o valor de 50 € (cinquenta euros) em numerário;
d) aquando do descrito nos pontos 5.° e 6.° dos factos provados, o arguido remexeu o veículo e retirou da porta dianteira esquerda uma impressora e três telemóveis das marcas ..., ... note e ...;
Factos respeitantes à situação II.:
e) era “QQ” o nome da avenida onde ocorreu o descrito no ponto 10.° dos factos provados;
f) na sequência do descrito no ponto 11.° dos factos provados, EE tentou aliviar o cinto de segurança;
g) na sequência do descrito no ponto 11.° dos factos provados, o arguido causou escoriações na mão esquerda de EE;
h) foi do bolso do casaco de EE que o arguido retirou a quantia e o telemóvel referidos no ponto 13.° dos factos provados;
i) esse telemóvel tinha o valor de 220 €;
Factos respeitantes à situação III.:
j) era “QQ” o nome da avenida onde ocorreu o descrito no ponto 17.° dos factos provados;
k) aquando do descrito no ponto 18.° dos factos provados, as palavras do arguido foram “dá-me o dinheiro que tens e não mintas”]
l) aquando do descrito no ponto 19.° dos factos provados, o arguido disse “vê lá se não tens mais, senão levas uma facada!”]
Factos respeitantes à situação IV.:
m) era “QQ” o nome da avenida onde ocorreu o descrito no ponto 23.° dos factos provados;
n) aquando do descrito no ponto 24.° dos factos provados, as palavras do arguido foram “Isto é um roubo! Se arrancas, fodo-te”.
o) o arguido deixou de frequentar a ... por imposição do tribunal.
3. Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada vertida nos pontos 1.° a 28.° resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, nomeadamente das declarações do arguido - em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e em audiência de julgamento, em suma negando a prática dos factos imputados, prestadas de modo frio, artificioso e sem convicção -, dos depoimentos das testemunhas - prestados de forma que se revelou espontânea, franca, coerente, isenta e convincente -, e da restante prova concretamente mencionada na fundamentação específica, nos termos de seguida expostos:
Nas declarações que prestou em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em ........2024, cujo auto consta de fls. 182 a 188, estando gravadas no sistema Citius, e das quais o arguido e o Ministério Público afirmaram em audiência de julgamento estarem inteirados, considerando-as aí reproduzidas nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 357.°, n.° 1, al. b), e 355.° do Código de Processo Penal, o arguido negou genericamente os factos imputados.
Sustentou possuir “snapchats”/imagens/vídeos, que tinha o hábito de realizar, comprovativos de que nas respectivas datas/horas não estava nos locais indicados como sendo os da ocorrência de tais factos.
Apesar de lhe ter sido dada a oportunidade de o fazer, não exibiu, nem requereu a junção, nem então, nem posteriormente, de imagens captadas/gravadas nos horários daqueles factos.
Para além do exposto, referiu que no mês de ... (de ...) não carregou o seu passe, sendo grande utilizador de Uber, uma vez que muitos amigos seus tinham essa aplicação, cujo uso lhe era permitido.
Como logo constatado na decisão de aplicação das medidas de coacção, tal utilização possibilitou que fosse menor a janela temporal necessária para as suas deslocações desde casa ou de outros locais onde se encontrasse, designadamente na ..., para perpetrar os factos contra motoristas de táxi da cidade de Lisboa determinando-os a deslocarem-se até freguesias da ..., nomeadamente a da ... e a da ....
Em audiência de julgamento, o arguido igualmente negou os factos em causa; sustentou que não conhece nenhuma das outras pessoas a que se referem, que nunca teve problema com qualquer taxista e que desde que chegou a ... só andou “para aí dez vezes de táxi”; disse - como o mais, sem convicção -, ter guardado “snapchat/s” comprovativo/s de que se encontrava em local distinto aquando da 1.a ocorrência imputada e não exibiu, nem requereu a junção da/s correspondente/s imagem/ns.
Como se extraiu da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, o arguido não exibiu, nem requereu a junção de tal/tais imagem/ns porque a/s mesma/s não existe/m verdadeiramente, sem prejuízo de eventualmente existir/em outra/s, de período/s temporal/is anterior/es e/ou posterior/es ao/s do/s facto/s em causa, (precisamente) registada/s com vista à subsequente negação de qualquer participação nos mesmos (sendo até actualmente possível, com edição do registo de imagens, a criação de falsos registos de data/hora e conteúdo).
Ao invocar a sua existência, o arguido - dotado da “esperteza”, do calculismo e da intrepidez que lhe permitiram levar a cabo os factos que se provaram, como pelas razões supra e infra expostas o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que levou -, procurou ludibriar o tribunal, com a atitude trapaceira que lhe permitiu enganar 4 taxistas que se encontravam a trabalhar, nos dias 13, 20, 23 e ........2024, surpreendendo-os com os respectivos assaltos.
Todavia, para o tribunal isso já não foi surpreendente, quer pela constatação da incoerência entre a negação dos factos pelo arguido e a frieza com que os negou, quer pela recorrência destes tipos de comportamentos e pretensos álibis em indivíduos cada vez mais jovens que, de modo que supõem sempre habilidoso, como o arguido se apresentam com atitudes arrojadas e pretensas explicações afinal inconsequentes.
As testemunhas BB, EE, CC e DD evidentemente relataram em audiência de julgamento aquilo que vivenciaram, percepcionaram e se lembram, essencialmente em conformidade com a dinâmica vertida na correspondente factualidade provada e claramente identificando o arguido, pela memória que dele retêm, pela respectiva participação nesses factos que descreveram (cfr., correspondentemente, pontos 1.° a 7.°, 26.° e 28.° (situação I.), 8.° a 14.°, 27.° e 28.° (situação II.), 15.° a 20.°, 27.° e 28.° (situação III.) e 21.° a 25.°, 27.° e 28.° (situação IV.).
O arguido, naturalmente, tendo em conta o que se revelou ser característico da sua postura, reflectida na defesa que apresentou, procurou limitar a prova testemunhal em audiência de julgamento e abalar a prova por reconhecimento pessoal já obtida em sede de inquérito.
Para tal, apesar de com a contestação apenas ter arrolado testemunhas - as arroladas na acusação -, sem indicar ou requerer qualquer outra prova, veio depois, ainda antes do início da audiência de julgamento, procurando gerar confusão entre a prova testemunhal e a prova por reconhecimento, requerer a “realização” desta última em audiência - cfr. referência Citius 27090721, de ........2025.
Sobre tal requerimento recaiu despacho constante sob a referência Citius ..., de ........2025, que indeferiu o requerido, por estar prevista a produção de prova testemunhal em audiência de julgamento, e não a realização em audiência de qualquer reconhecimento pessoal (meio de prova previsto no art. 147.° do Código de Processo Penal).
Desse despacho foi interposto recurso pelo arguido, admitido sob a referência Citius ..., de ........2025.
Posteriormente, no decurso da audiência de julgamento, em que cada uma das testemunhas olhou para o arguido, a defesa deste persistiu em procurar evitar que depusessem no sentido de que se recordavam do mesmo pela sua participação nos factos em causa.
Assim, persistiu em procurar fazer confusão entre a prova testemunhal e a prova por reconhecimento, interrompendo inclusivamente a inquirição da primeira testemunha pelo tribunal e, antes da inquirição das duas últimas, apresentou o requerimento constante sob a referência Citius 27242842, de ........2025, requerendo que:
“a) Seja declarada a nulidade da prova de reconhecimento realizada em audiência, com fundamento na violação do artigo 147.° do Código de Processo Penal e 32° n° 1 da Constituição da República Portuguesa;
b) Não sejam tidas em conta - para o efeito da valoração da prova a efectuar de acordo com o disposto no art° 127.° e 355.° do CPP - as declarações prestadas pelas testemunhas acerca do “reconhecimento” ilegal efectuado na audiência de julgamento;”.
Sobre esse requerimento decidiu o tribunal que seria proferida decisão nesta sede, em acórdão.
É o que agora faz:
Não foi produzida qualquer prova por reconhecimento em audiência de julgamento, pelo que vai indeferido o requerido naquela al. a).
A prova testemunhal foi validamente produzida, baseada no conhecimento directo das testemunhas, sem violação de qualquer garantia de defesa do arguido, nomeadamente, entre as demais, as constitucionalmente previstas no art. 32.° da Constituição da República Portuguesa, e foi e é apreciada, como a restante prova em causa (salvo a pericial - cfr. art. 163.° do CPP), nos termos estabelecidos no art. 127.° do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, pelo que vai indeferido o requerido na al. b) sob a referência Citius 27242842, de ........2025.
Assim, a par das declarações prestadas pelo arguido e dos mencionados depoimentos, o tribunal considerou ainda, analisando-a crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, a seguinte prova:
Em especial no que se refere à situação I. (pontos 1.° a 7.°, 26.° e, na medida em que se lhes refere, 28.° dos factos provados), datada de ........2024:
- o auto de notícia e o aditamento constantes de fls. 16 e 19 verso e o auto de denúncia constante de fls. 51, quanto à data e ao local da ocorrência e da sua comunicação, à identificação das pessoas ali mencionadas e aos objectos referenciados;
- a reportagem fotográfica de fls. 245 a 247, respeitante ao veículo a que se reporta o ponto 2.° dos factos provados e à impressora que, como descreveu BB, dali começou por ser retirada pelo indivíduo que se encontrava atrás do banco do “pendura” - neste banco se encontrando sentado o arguido, sobre o qual se debruçou aquele indivíduo -, impressora essa que aquele indivíduo acabou por deixar no local;
- o relatório de inspecção judiciária de fls. 243 e 244 e o relatório do exame pericial lofoscópico junto de fls. 454 a 461 (também sob a referência 26774912, de ........2024), que possibilitaram a verificação de que apenas foram recolhidos 4 vestígios lofoscópicos - 2 na face interna do puxador interno da porta traseira do lado esquerdo (vestígios A e B) e 2 na impressora de talões que se encontrava em cima do banco dianteiro direito (vestígios C e D) -, dos quais apenas 2 (os A e C) possuem valor identificativo e 1, o C, encontrado na impressora, pertence a indivíduo que não o arguido;
Tal evidencia que ter estado no veículo não implica ter deixado nele qualquer vestígio digital, identificativo ou não, e corrobora o relato de BB de que quem segurou naquela impressora, tal como nos telemóveis e na carteira contendo o dinheiro, foi o indivíduo que se encontrava no lugar atrás do banco dianteiro direito e que para retirar os referidos bens se debruçou para a frente, sobre o arguido, enquanto este, ainda sentado nesse banco (“do pendura”) continuava a empunhar a faca na direcção de BB, que se encontrava ao seu lado, no banco do condutor.
Os vestígios encontrados no puxador interno da porta traseira do lado esquerdo (lugar atrás do do condutor) não permitiram a identificação do terceiro indivíduo, que BB revelou ter estado sempre calado e que saiu do veículo por esse lado;
- as imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro de Comando e Controlo de Videoprotecção da Divisão da PSP ..., referentes ao dia ........2024, entre as 02:16:07 e as 02:41:23, gravadas nos 2 DVD contidos no envelope azul com referência apenas ao NUIPC 290/24.3... agrafado na contracapa do 1.° volume do processo, e o respectivo relatório de visionamento, constante de fls. 30 a 36; aí se vêem dois indivíduos com características físicas e de indumentária semelhantes às descritas por BB, sendo também possível constatar que os locais por onde se deslocaram estavam praticamente sem movimentação;
- o auto do reconhecimento pessoal do arguido por BB, constante de fls. 42 e 43.
Em especial no que se refere à situação II. (pontos 8.° a 14.° e, na medida em que se lhes referem, 27.° e 28.° dos factos provados), respeitante ao dia ........2024:
- o auto de notícia constante de fls. 134 a 136, quanto à data e ao local da ocorrência e da sua comunicação, à identificação das pessoas nele mencionadas e aos objectos referenciados;
- as imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro de Comando e Controlo de Videoprotecção da Divisão da PSP ..., referentes ao dia ........2024, pelas 12h07, gravadas no DVD contido no envelope branco com referência ao NUIPC 17/24.0..., e o respectivo relatório de visionamento, constante de fls. 162 a 164; aí apenas se vê o veículo referido nos pontos 9.° e 10.° dos factos provados a chegar à ... (as câmaras daquele circuito são rotativas e na sequência da sua rotação automática nada mais foi visto);
- o reconhecimento fotográfico, seguido do reconhecimento pessoal do arguido por EE, como vertido nos autos de fls. 165 e 166 e de fls. 169, 170 e 175, nesta se fazendo referência ao lapso existente no auto a fls. 170 na parte em que ali ficou a constar a palavra “não” em resposta à questão sobre se o reconhecimento foi positivo e à razão de ser desse lapso, consistente em, sendo aquela a palavra que por defeito aparece no sistema, ter sido esquecida a respectiva substituição por “sim”; no depoimento em audiência de julgamento, quer antes, quer depois de ser confrontado com fls. 169, 170 e 175, EE espontaneamente revelou ter procedido em sede de inquérito ao reconhecimento pessoal do arguido, sem qualquer dúvida, assim tendo corroborado a mencionada ocorrência daquele lapso.
Em especial no que se refere à situação III. (pontos 15.° a 20.° e, na medida em que se lhes referem, 27.° e 28.° dos factos provados), respeitante ao dia ........2024:
- o auto de notícia constante de fls. 71 e 72, quanto à data e ao local da ocorrência e da sua comunicação, à identificação das pessoas nele mencionadas e aos objectos referenciados;
- as imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro de Comando e Controlo de Videoprotecção da Divisão da PSP..., referentes ao dia ........2024, pelas 15h37, gravadas no CD contido no envelope azul com referência ao NUIPC 345/24.4... agrafado na contracapa do 1.° volume do processo, e o respectivo relatório de visionamento, constante de fls. 80 a 83; aí se vê um indivíduo com compleição física compatível com a do arguido na ..., nas circunstâncias descritas por FF;
- o auto de reconhecimento pessoal do arguido por FF, constante de fls. 90 e 91.
Em especial no que se refere à situação IV. (pontos 21.° a 25.° e, na medida em que se lhes referem, 27.° e 28.° dos factos provados), respeitante ao dia ........2024:
- o auto de denúncia constante de fls. 97 a 99, quanto à data e ao local da ocorrência e da sua comunicação, à identificação das pessoas nele mencionadas e aos objectos referenciados;
- as imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro de Comando e Controlo de Videoprotecção da Divisão da PSP ..., referentes ao dia ........2024, pelas 19h59, gravadas no DVD contido no envelope branco com referência ao NUIPC 350/24.0... agrafado na contracapa do 1.° volume do processo, e o respectivo relatório de visionamento, constante de fls. 118 a 120; aí se vê o veículo referido nos pontos 21.° e 22.° dos factos provados a dirigir-se e a chegar à ... (as câmaras daquele circuito são rotativas e na sequência da sua rotação automática nada mais foi visto);
- o auto de reconhecimento pessoal do arguido por DD, constante de fls. 123 e 124, precedido do respectivo reconhecimento fotográfico, realizado em ........2024, cujo auto consta de fls. 121 e 122 (note-se que a testemunha DD referiu que no dia em que apresentou “queixa” lhe mostraram fotografias na esquadra e que nesse dia - ........2024 - não identificou ninguém).
Importa ainda referir o seguinte:
As testemunhas depuseram de forma escorreita, vívida, não tendo o tribunal qualquer dúvida de que o fizeram em conformidade com o que recordam do que vivenciaram.
Evidentemente não andaram a preparar-se ou a ser preparadas, a estudar os autos para se assegurarem de que se lembravam de tudo o que tinham dito ou feito ou de que tinham dito ou feito tudo aquilo de que se lembravam.
Foram espontâneas.
O decurso do tempo tem naturalmente efeito na memória, mas esse efeito não é apenas um: há factos que se esquecem, há outros que se lembram com maior precisão à medida que se alivia o impacto físico e/ou emocional do que se viveu; há factos em que a atenção de cada pessoa se foca, e que por isso se retêm na memória, há outros que se perdem naquele contexto; há quem retenha na memória palavras que foram ditas e quem apenas retenha o seu intrínseco significado.
É assim perfeitamente natural que pessoas comuns, como se revelaram as quatro testemunhas, também tenham manifestado esses impactos - nomeadamente quanto às concretas palavras que em cada situação foram ditas, à marca do “terceiro” telemóvel e ao concreto montante da quantia retirados na situação I., à falta de memória quanto a diligências de reconhecimento fotográfico, à falta de atenção ao referido lapso a fls. 170 -, e resultou para o tribunal perfeitamente claro que tal, pelas razões supra expostas, apenas evidenciou o carácter espontâneo e essencialmente lembrado dos seus depoimentos em audiência de julgamento, que, pela sua patente honestidade, reforçaram a força probatória dos reconhecimentos que realmente realizaram em sede de inquérito.
Resultou, pois, evidente que nenhuma das testemunhas pretendeu em algum momento relatar mais do que o que lhes aconteceu e verificaram aquando dos factos que lhes respeitam.
O arguido negou a prática dos factos de modo não convicto, nem convincente, e as testemunhas mostraram lembrar-se dele das correspondentes situações em que pelo mesmo foram assaltadas, revelando a existência de semelhantes modus operandi, embora na 1.a situação (em ........2024, concluída na ..., na ...) o arguido tenha participado na prática dos factos com outros dois indivíduos e nas restantes três situações (em 20, 23 e ........2024, concluídas na ..., na ...) tenha já actuado sozinho.
O facto de não terem sido encontrados vestígios lofoscópicos do arguido (cfr. também o relatório de inspecção judiciária a fls. 326, quanto à situação IV., que menciona que no correspondente veículo, a que respeita a reportagem fotográfica de fls. 115 a 117, não foram recolhidos quaisquer vestígios) apenas significa que o arguido os não deixou (bastando para tal, entre outras possibilidades, ou não tocar ou usar luvas, sendo que a produção e a duração dos vestígios latentes estão dependentes das condições físicas e psicológicas do autor - v.g. nervosismo, desgaste das cristas -, das condições atmosféricas - v.g. humidade, calor, vento -, e do tipo de superfícies - v.g. rugosa), sendo, para além disso, evidentes a habilidade com que, de modo bem-falante, preparado e articulado, desenvolveu a prática dos factos e o coerente carácter artificioso da defesa que, inconsequentemente - pelas razões supra expostas -, sustentou.
Pelo exposto, tendo analisado, crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, toda a prova produzida, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou o descrito nos pontos 1.° a 28.° dos factos provados.
A factualidade descrita no ponto 29.° resultou provada com base no CRC constante sob a referência Citius ..., de ........2025.
Para a prova dos factos relativos à situação pessoal do arguido - pontos 30.° a 50.° -, foram decisivos o respectivo relatório social, constante sob a referência Citius 27173248, de ........2025, os relatórios de incidentes, despacho e notificação constantes sob as referências Citius 26512444, de ........2024, ..., de ........2024 (cfr. fls. 423 a 425, 441, 442, 444, 465 e 466), 26815084, de ........2024, 26914621, de ........2024, e 27081157, de ........2024 - cfr. ponto 49.° -, a informação da DGRSP constante sob a referência Citius 25835255, de ........2024 (cfr. fls. 282), e o publicamente comunicado no portal identificado no despacho sob a referência Citius ..., de ........2024, considerados os mencionados relatórios e informações apenas na medida em que se revelaram credíveis, em face dos elementos em que se baseou a elaboração de tais documentos e da correspondente análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com toda a acima mencionada prova produzida no que tange à restante factualidade provada, a que nesta sede o tribunal também atendeu.
As declarações prestadas pelo arguido, em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e em audiência de julgamento, pelo seu conteúdo e pela atitude com que as fez, revelaram o seu carácter frio e calculista e a sua tentativa de ludibriar o tribunal para afastar - na medida do que o arguido entendeu que poderia ter viabilidade em face da análise que realizou dos restantes elementos de prova -, a sua responsabilização pela prática dos factos em causa.
Em momento algum o arguido revelou ter interiorizado o efectivo desvalor das correspondentes condutas, sendo evidente, em face da personalidade que manifestou nos factos e do seu comportamento até ao presente, que, apesar de autocentrado, nem consigo se preocupa muito, sendo ostensiva a sua fraca sensibilidade no que tange às vítimas das actuações em causa - que, para além de desapossadas dos referidos bens, quando em trabalho serviam o arguido, sentem até ao presente o medo decorrente das actuações contra cada uma delas levadas a cabo pelo mesmo, como resultou claro da globalidade dos respectivos depoimentos -, e à intervenção da justiça, como evidenciam os mencionados incumprimentos da medida de coacção de OPHVE a que está sujeito, depois de ter começado por estar em prisão preventiva - cfr. fls. 48, 182 a 188, 212, 238, 256 e 257 -, tudo revelador do seu reduzido juízo crítico e da falta de arrependimento.
No que tange aos factos não provados, e tendo presente a globalidade do acima exposto, cabe referir que:
- não foi produzida prova do vertido nas als. a), b), f) a h), k), l) e n);
- o vertido nas als. c) e d) resultou infirmado pelo depoimento de BB, nos termos supra expostos a respeito do que se provou;
Importa ainda explanar que BB revelou já não se recordar com precisão da marca de um dos três telemóveis e do preciso valor da quantia (que mencionou ser de cerca de 70 €) retirados do veículo referido no ponto 6.° dos factos provados, pelo que, tendo presente o princípio in dubio pro reo, o tribunal concluiu que a tal respeito apenas se apurou o vertido naquele ponto;
- o vertido nas als. e), j) e m) resultou infirmado pelo teor dos autos de notícia e de denúncia e pelas imagens acima referenciados relativamente às situações II., III. e IV.;
- EE referiu que o seu telemóvel valia “duzentos e qualquer coisa euros”, pelo que, à falta de maior definição do respectivo valor e por aplicação do princípio in dubio pro reo, o tribunal concluiu ser seguro que valia 200 € e que não se provou que tinha o valor de 220 €, referido na al. i);
- o vertido na al. o) resultou infirmado em face do que, na sequência do requerimento apresentado pelo arguido a fls. 268 - cfr. referência Citius 25654029, de ........2024 -, foi informado pela DGRSP a fls. 282 - cfr. f Citius 25835255, de ........2024 -, informação em que se baseou o despacho constante de fls. 285 - cfr. ref.a Citius ..., de ........2024 -, constatando-se que o arguido tinha já reprovado por faltas, tendo revelado absentismo e desinvestimento escolar, o que determinou o indeferimento daquele requerimento de autorização para poder “continuar a frequentar a mesma escola, a fim de não perder o ano”, e do que, na sequência do requerimento para deslocação presencial à escola para se matricular, constante de fls. 343 - cfr. ref.a citius 26200222, de ........2024 -, se expôs e decidiu a fls. 350 - cfr. ref.a citius ..., de ........2024 -, revelador de que aquela deslocação presencial realmente não era necessária, porque a renovação da matrícula era automática, o que determinou o indeferimento desse requerimento. De tudo resultou evidente que o que o arguido realmente pretendeu foi aliviar a limitação da sua liberdade decorrente da medida de coacção de OPHVE aplicada por força das actuações criminosas que o mesmo sempre soube ter levado a cabo, e não - como falsamente invocou e igualmente sustentou na sua contestação e, em modo persistentemente desafiador, na audiência de julgamento, “fazendo-se de vítima” -, investir nos estudos.
A restante matéria alegada é conclusiva, genérica e irrelevante (porquanto apenas há que considerar os factos com interesse para a decisão), meramente argumentativa, de direito ou referente a elementos probatórios, razão pela qual não foi considerada como factualidade provada ou não provada.
Na Contestação, o arguido alegou, entre o mais, o seguinte:
3. Ademais, como se comprova com o Relatório Pericial junto aos autos (Relatório Lofoscópico) os vestígios digitais encontrados não pertencem ao arguido. Mas sim a outro indivíduo identificado no mesmo Relatório.
4. Ao que é dado ver também de raça negra, com histórico criminal abundante conhecido pela Polícia e Tribunais.
5. Como resulta da respectiva ficha biográfica junta aos autos.
6. O arguido é um jovem estudante.
7. De apenas 18 anos.
8. Inserido social e familiarmente.
9. Tendo frequentado a ... no ... (contestação com a referência Citius 26948039).
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Quanto ao recurso interlocutório:
O recorrente pretende que deveria ter sido realizada uma diligência de reconhecimento presencial com observância do formalismo previsto no art. 147º do CPP, no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Do texto do art. 147º do CPP, resulta evidente que no reconhecimento, enquanto meio autónomo de prova, se podem distinguir três modalidades: o reconhecimento por descrição (n.º 1), o reconhecimento presencial (n.º 2) e o reconhecimento com resguardo (n.º 3). Esta última modalidade apenas se autonomiza da anterior pela presença de um resguardo ou proteção visual ao reconhecedor, por razões que apenas se prendem com a sua segurança.
Ao reconhecimento fotográfico deve seguir-se o reconhecimento pessoal em banda, com observância das formalidades ali previstas, sob pena não ter valor como meio de prova, em qualquer fase do processo.
Do mesmo modo que o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do nº 2, nos termos do nº 5 e que, se este formalismo não for cumprido, o reconhecimento não poderá ser valorado como meio de prova.
Este meio de prova pressupõe, desde logo, que não esteja identificado o autor dos factos integradores do crime sob investigação e a necessidade de a determinar, pois é para apurar a identidade do agente do crime que o reconhecimento está previsto e regulado.
«O pressuposto específico - que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova - traduzido num inequívoco juízo de necessidade, direccionado, como se disse, ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa» (Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo penal: notas à margem de jurisprudência (quase) constante", in AA. VV. - organização de Manuel da Costa Andrade et alii - Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, p. 1413 e Ac. do Tribunal Constitucional nº 425/2005 de 25 de Agosto de 2005, in Diário da República n.º 195/2005, Série II de 11.10.2005).
Pressupõe também uma ou várias pessoas, vítimas ou testemunhas da prática de um crime, que são quem vai realizar o reconhecimento. Estas pessoas irão estabelecer uma interligação das suas percepções sensoriais acerca das características físicas e, a partir delas, da identidade do autor dos factos objecto do processo, reportadas a dois momentos temporais distintos – o da prática do crime e o da realização dos procedimentos que envolvem a diligência do reconhecimento, designadamente, nos momentos da descrição verbal e, de seguida, de observação das pessoas com as características físicas correspondentes a essa descrição.
«O reconhecimento é um meio de prova que consiste na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa, 1999, p. 174. No mesmo sentido, C. Taormina, Diritto Processuale Penale, vol. II, Turim, p. 543).
E essa sua força impressionística é a fonte da sua importância crucial (Nicola Triggiani, "La ricognizione personale: struttura ed efficacia", in Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1996, fasc. 2-3, p. 730, n. 8; G. Foschini, Sistema del Diritto Processuale Penale, vol. II, 1, La Istruzione, Milão, 1961, p. 79), pois é dela que emerge a sua «elevada eficácia de convencimento» ou «intensa eficácia persuasiva» (cf. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos 'atípicos' em processo penal: notas à margem de jurisprudência (quase) constante", in AA. VV. - organização de Manuel da Costa Andrade et alii - Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, p. 1400), bem assim a possibilidade de assumir um peso determinante, no acervo de meios de prova disponíveis e na sua valoração crítica, para alicerçar o juízo acerca da culpabilidade penal.
Assim, são requisitos de validade e eficácia do reconhecimento pessoal e da possibilidade da sua utilização como meio de prova legalmente admissível, nos termos do nº 7 do citado art. 147º do CPP, um conjunto de procedimentos que se iniciam com a descrição pela pessoa que deva fazer a identificação de todas as características físicas e outros pormenores que permitam determinar a identidade do autor do crime, a que se seguem os esclarecimentos sobre se já alguma vez antes havia visto a pessoa a reconhecer e em que circunstâncias, assim como perguntas sobre outros factos que se mostrem adequados a dar maior consistência ou fidedignidade à identificação, nos termos do nº 1 do art. 147º do CPP.
Se, das respostas a estas questões, persistir a incerteza ou a dúvida acerca da identidade do autor do crime, é que, segundo o que dispõe o nº 2, se segue a chamada identificação em banda, ou seja: afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº 3 do artigo 147º é realizado sempre que existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, com a diferença de que a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
Por sua vez, o nº 4 do mesmo art. 147º prevê a possibilidade de os intervenientes no processo de reconhecimento pessoal serem fotografadas e as fotografias correspondentes serem juntas ao auto, porém, apenas se os visados nisso consentirem.
No presente processo, durante o inquérito, o arguido foi sujeito a sucessivos reconhecimentos pessoais por parte dos ofendidos BB, CC, DD e EE. Os correspondentes autos, foram elaborados por OPC, ou seja, oficial público, dotado de fá pública e nos limites das suas competências de investigação criminal, têm a natureza jurídica de documentos autênticos (segundo a definição contida no art. 369º do CC e os efeitos jurídicos quanto à presunção de genuinidade contidos nos arts. 370º e 371º do CC), com a especial força probatória que lhes é atribuída pelo art. 169º do CPP, sendo certo que nem sequer nunca foi posta em causa a veracidade dos mesmos.
De qualquer forma, o recorrente esteve sempre acompanhado da sua Ilustre Defensora e do seu Ilustre Defensor que assistiram aos actos e não se insurgiram contra os procedimentos utilizados, nem denunciaram, em tempo oportuno, alguma inobservância de alguma formalidade das previstas no art. 147º do CPP.
Os reconhecimentos pessoais são, portanto, válidos e eficazes.
Então, o que que cumpre perguntar é: no contexto probatório de que o art. 283º do CPP faz depender a dedução de acusação, ou seja, em função da probabilidade de os factos nela descritos terem ocorrido e terem sido praticados pela pessoa ou pessoas a quem tais factos são imputados, que será a dúvida acerca da identidade do autor dos factos descritos na acusação, à luz dos indícios recolhidos no decurso do inquérito?
É que de duas, uma: ou se apura com um mínimo de sustentação probatória – a tal que permite concluir pela sujeição do processo a julgamento, nos termos do art. 283º do CPP, assente em indícios suficientes – os factos integradores do crime e a identidade do seu autor e então a decisão do Mº. Pº., no final do inquérito, é uma acusação; ou se não se apurar a identidade do autor do crime sob investigação, o que o Mº. Pº. terá de proferir, uma vez findo o inquérito, é um despacho de arquivamento.
Isto sem prejuízo de a prova a produzir em audiência de discussão e julgamento poder perfeitamente neutralizar a imputação da autoria do crime ao arguido, por efeito das idiossincrasias da prova e da plena eficácia do princípio constitucional da presunção de inocência, na vertente «in dubio pro reo», obviamente.
Isto, para concluir que não faz qualquer sentido, nem tem fundamento legal o pedido de realização de um reconhecimento presencial como um acto a praticar no decurso da prova a produzir em audiência de discussão e julgamento.
Desde logo, porque em face dos requisitos de validade formal e substancial previstos no art. 147º do CPP e as formalidades previstas nos arts. 338º e seguintes do CPP para a audiência de discussão e julgamento, o reconhecimento de pessoas não é uma diligência compatível com os actos de produção de prova a produzir na audiência de discussão e julgamento, nem as regras contidas no art. 147º do CPP são aplicáveis à audiência de discussão e julgamento, apesar da previsão do seu nº 7, que parece contemplar essa possibilidade, ao aludir à imperatividade do regime jurídico do reconhecimento de pessoas dos nºs 1 a 6 em qualquer fase do processo (segundo aquele nº 7, «o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer»).
A incompatibilidade é mais de índole prática, porque um reconhecimento do arguido feito na audiência de discussão e julgamento imporia a interrupção do depoimento da testemunha ou das declarações do assistente, a angariação de duas pessoas de características físicas semelhantes às do arguido para o alinhamento, a recolha de fotografias dos envolvidos no acto identificativo, uma vez obtidos os necessários consentimentos e em casos de pluralidade de vítimas testemunhas, a repetição destas diligências, com todas as delongas que tais procedimentos introduziriam no processo, em clara afronta a uma das vertentes do processo justo e equitativo, que é a da celeridade e das garantias de defesa, que é a da prolação de uma decisão que julgue os factos em tempo útil (arts. 20º nº 4 e 29º da CRP).
Por isso que do ponto de vista estritamente processual, a diligência de reconhecimento de pessoas deverá por regra ter lugar no inquérito, ou, eventualmente, na instrução.
E, sobretudo, porque sendo condição essencial determinante da realização do reconhecimento de pessoas uma situação de incerteza subjectiva acerca da concreta identidade do autor dos factos objecto do processo, esta é uma questão que tem de estar já resolvida, quando o processo entra na fase de discussão e julgamento da causa.
No caso vertente, acresce um outro obstáculo à realização de tal diligência: a sua total inutilidade.
Como é sabido, por efeito da remissão contida no art. 4º do CPP, o art. 130º nº 2 do CPC que proíbe a prática de actos inúteis, também é aplicável no processo penal.
Neste processo, em sede de inquérito, foi realizado reconhecimento pessoal do Recorrente, levado a efeito com observância de todas as regras contidas no art. 147º do CPP, por parte dos ofendidos BB, CC, DD e EE.
A circunstância de todos eles terem voltado a referir que o arguido é a pessoa com quem interagiram nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação e transpostas como factos provados para a decisão da matéria de facto que integra o acórdão recorrido, quando depuseram como testemunhas em audiência de discussão e julgamento, não é prova por reconhecimento, muito menos, é prova proibida.
É, isso, sim, prova testemunhal produzida de forma plenamente válida e eficaz e sujeita ao crivo da livre convicção do julgador, nos termos previstos no art. 127º do CPP.
«Nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente (…) é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido» (Ac. do TC nº 425/2005, in http://tribunalconstitucional.pt).
«A identificação efectuada pela testemunha em audiência de julgamento do arguido como autor dos factos incursos em tipicidade criminal, corresponde à percepção da testemunha, inserindo-se na prova testemunhal a ser apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP e não de prova sujeita à disciplina do art. 147.º do CPP.
«Inexistindo prova proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, do CPP, ou métodos proibidos de prova, que tenham servido para fundamentar a condenação do recorrente, não se perfila qualquer nulidade, nem outras se prefiguram de que cumpra conhecer nos termos do n.º 3, do art. 410.º, do CPP, nem houve aplicação de normas ou princípios que infrinjam a CRP» (Ac. do STJ de 20.09.2017, in http://www.dgsi.pt).
«O reconhecimento em audiência corresponde ao relato de uma testemunha e não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em que, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o princípio do contraditório. Assim, é, linear que a situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção não se configura um acto processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal, inexistindo qualquer nulidade.» (Ac. do STJ de 06.11.2019, proc. 868/16.9PRPRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«Pressupondo a prova por reconhecimento a indeterminação prévia do agente do crime, a situação em que a testemunha é, em audiência de julgamento, solicitada a confirmar o arguido presente e perfeitamente determinado como agente da infração não configura um reconhecimento pessoal, não tendo que obedecer ao regime estabelecido no art.º 147.º do C.P.P., integrando-se no âmbito da prova testemunhal, a valorar enquanto tal e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.º 127.º do C.P.P.)» (Ac. da Relação de Lisboa de 21.01.2015, proc. 700/22.4PSLSB.L1-5, in http://www.dgsi.pt).
A prova por reconhecimento de pessoas é por conseguinte, prova pré-constituída, valorável na fase da audiência de discussão e julgamento, sujeita ao princípio do contraditório e, por conseguinte, tendo sido já realizada no decurso do inquérito com observância de todos os requisitos legais de validade formal e substancial impostos pelo art. 147º do CPP, não tinha de ser repetida em audiência de julgamento, sendo totalmente correcta a decisão recorrida, que será, pois, confirmada.
Não foram inobservadas seja que garantias de defesa, nem existe inconstitucionalidade alguma, não equivalendo seja a que inconstitucionalidade, a circunstância de os resultados da prova obtida, primeiro, por reconhecimento presencial de pessoas e, posteriormente, confirmados por via da prova testemunhal produzida na audiência, serem desfavoráveis à pretensão do arguido de ser absolvido.
O recurso interlocutório improcede.
Quanto ao recurso principal.
Nulidades por omissão e por excesso de pronúncia.
Se o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido tomada qualquer posição sobre os factos alegados na contestação, especialmente nos itens 3, 4, 6, 7, 8 e 9;
Nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP, a sentença é nula, sempre que se verifique a ausência de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa e que são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal, assim como as que sejam de conhecimento oficioso, ou seja, aquelas que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Esta sanção da nulidade, exclusivamente prevista para as sentenças (atento o princípio da legalidade em matéria de nulidades, ínsito no art. 118º nºs 1 e 2 do CPP), visa garantir a completude ou exaustividade da decisão, de acordo com o qual, uma sentença deve conter, de forma esgotante, a apreciação dos factos e o respectivo enquadramento jurídico, em estreita coerência com o que foi alegado pelos sujeitos processuais, com a prova produzida e com o direito aplicável, segundo as várias soluções jurídicas possíveis e segundo os seus poderes de cognição, resultantes das regras do processo ou dos temas pertinentes à decisão de mérito sobre o objecto do processo ou sobre a tramitação do mesmo, que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal, pelos sujeitos processuais.
Trata-se de assegurar a coincidência significativa entre o que é pedido e o que é julgado.
De acordo com o preceituado no nº 2 do artigo 608º do Código Processo Civil, aplicável, ex vi do art. 4º do CPP, o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
A expressão questões que devesse apreciar «deve ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão» (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra, Almedina, 1982, pág. 142).
«O juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660º/2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado» (Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 704).
E também «não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito ( art. 511º/1 ), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ( art. 664º ) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora reimp, 1984, pág. 143).
É, pois, neste sentido, que deve ser interpretada a palavra «questões» incluída na previsão do art. 379º nº 1 al. c) do CPP, sentido este, que não se confunde com os simples argumentos, teses doutrinárias ou jurisprudenciais, razões, ou opiniões invocados pelos sujeitos processuais para sustentar a sua pretensão, reconduzindo-se antes a problemas concretos com incidência e influência directa no desfecho do processo, esteja em causa uma decisão de mérito sobre o seu objecto, ou apenas a aplicação de normas de direito adjectivo que obstem ao conhecimento do fundo da causa.
«A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. c) do n.º 1 do art. 379.°), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.» (Ac. do STJ de 09.02.2012, processo 131/11.1YFLSB, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 24.10.2012, processo 2965/06.0TBLLE.E1; de 20.11.2014, processo 87/14.9YFLSB; de 17.06.2015 processo 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1; de 02.05.2018, processo 736/03.4TOPRT.P2.S1; de 05.06.2019, processo 8741/08.8TDPRT.P1.S1, de 28.04.2021, processo 928/08.0TAVNF.G1.S1, de 15.02.2023, processo 7528/13.0TDLSB.L3.S1, in http://www.dgsi.pt e Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1182).
Também não se verifica esta nulidade se, porventura, a falta de tomada de posição pelo Tribunal se deve à resolução de uma questão prévia ou prejudicial que torna inútil ou impossível qualquer decisão sobre aquela que não foi contemplada expressamente na decisão.
O recorrente confunde omissão de pronúncia com a sua discordância com a posição tomada pelo Tribunal do julgamento, no que se refere aos factos alegados nos artigos 3, 4, 6, 7, 8 e 9 da contestação.
Acontece que factos não são questões.
Portanto, a omissão de referências no acórdão recorrido ao que foi alegado naqueles artigos 3, 4, 6 a 9 da contestação, poderia, quanto muito, ser causa de nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nos termos do art. 379º nº 1 al. a) do CPP, mas não com fundamento em omissão de pronúncia.
De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte:
Os artigos 3º a 5º da contestação não contêm factos, antes se referem a resultados de meios de prova, concretamente, aos resultados do relatório lofoscópico, o qual, não contendo vestígios digitais do arguido, não tem qualquer interesse para a decisão de facto, nem para alicerçar a convicção;
Quanto às circunstâncias de o arguido ser estudante referidas nos artigos 6 e 9 da contestação, sobre essa sua condição, habilitações escolares e estabelecimento de ensino, já versam com detalhe os factos provados 37. a 40., no acórdão recorrido; a idade do arguido invocada no ponto 7 da contestação já consta do facto provado 30., no acórdão recorrido e no que se refere a estar «inserido social e familiarmente» invocada no artigo 8 da contestação, trata-se de uma alegação totalmente conclusiva que não encerra circunstância objectiva alguma.
Face às finalidades de administração de Justiça Penal – investigação e apuramento da existência de crimes, identificação dos seus autores e correspondente responsabilização criminal mediante a imposição de penas e/ou medidas de segurança e eventual apuramento da responsabilidade civil conexa – as questões a decidir numa sentença penal referem-se, essencialmente, à decisão dos factos provados e não provados, à análise crítica da prova e correspondente exposição dos motivos da convicção, ao enquadramento jurídico-penal dos factos provados segundo as normas incriminadoras aplicáveis e, caso os mesmos constituam a prática de um ou mais crimes, a escolha e determinação concreta da pena principal e, eventualmente, acessória, a determinação de outras consequências, como seja o confisco e a perda de bens, produtos, instrumentos ou vantagens do crime, ou a recolha de ADN e o apuramento dos pressupostos da responsabilidade civil emergente da prática do crime e a fixação do quantum pecuniário destinado a ressarcir os prejuízos causados à vítima ou a terceiro.
Ora, lendo o texto do acórdão recorrido, o mesmo contém tomadas de posição expressas do Tribunal sobre todas as questões que se lhe impunha decidir, aduzindo fundamentação pertinente quer de facto, quer de direito, para cada uma delas, pelo que não existe omissão de pronúncia alguma.
O recurso improcede, quanto à nulidade da omissão de pronúncia.
Por sua vez o excesso de pronúncia significa que o Tribunal conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do recurso.
Veio o recorrente invocar que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia quanto ao facto provado nº 46 porque o seu conteúdo foi retirado – de modo ilegal – do conteúdo do Relatório onde as Técnicas da DGRSP afirmam que terão tido essa alegada “conversa” com a Mãe do arguido e por isso, trata-se de prova proibida de alegado “depoimento de ouvir dizer” nem sequer permitido no âmbito do art. 129.º do CPP por não provir de qualquer depoimento formal (caso em que sempre a Mãe em questão teria de ser advertida da faculdade de não prestar depoimento “apud” o disposto, a esse propósito, no art. 134.º do CPP).
De acordo com a definição contida no art. 1º nº 1 al. g) do CPP, o relatório social é uma «informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei».
Um desses efeitos é o da escolha da pena e da sua determinação concreta, em cujo âmbito relevam o trajecto de vida, as condições pessoais, sociais e económicas do arguido, as suas características de personalidade, o seu posicionamento perante os factos, sendo o relatório social, muitas vezes, um importante repositório de informação (e o único) quanto a tais aspectos e, por isso, determinante, pois é dela que depende, em boa parte, a aplicação da sanção penal com adequação e proporcionalidade aos fins de prevenção geral e especial, à gravidade global dos factos e ao grau de culpa do seu autor.
Na sua actual redacção, o art. 370º nº 1 do CPP, estabelece a possibilidade de o Tribunal solicitar a elaboração do relatório social ou informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização («O Tribunal pode em qualquer altura do julgamento»), condicionada à manutenção da necessidade da sua realização ou actualização, para a determinação da pena a aplicar, mesmo depois de produzida a prova, em audiência de discussão e julgamento, o que significa que, se os elementos de informação que o relatório social é apto a fornecer tiverem sido obtidos, através de prova por declarações que até podem ser as do próprio arguido, ou por depoimentos de testemunhas ou mesmo por documentos, não haverá qualquer necessidade de elaboração e obtenção para o processo do relatório social que, tal como aqueles outros meios de prova, é valorável de acordo com a livre convicção do julgador e as regras de experiência comum, nos termos previstos nos arts. 125º e 127º do CPP (com excepção dos documentos, se forem autênticos ou autenticados, cujo valor probatório específico se encontra estabelecido no art. 169º do CPP).
Em contrapartida, nada obsta e aliás tudo até aconselha a que as informações exaradas no relatório social sejam obtidas a partir de relatos dos próprios familiares, amigos, vizinhos e conhecidos do arguido, que não são depoimentos testemunhais, pois que os técnicos de reinserção social não são órgãos de polícia criminal, nem autoridade judiciária com competências de investigação criminal, logo, não estão legalmente habilitados a realizar inquirições de testemunhas, na acepção que estas diligências probatórias assumem no processo penal.
Essas informações são, além do mais, interpretadas e tratadas pelos referidos técnicos e as suas percepções, assim como os resultados que fazem constar dos seus relatórios também estão sujeitos ao crivo da livre convicção do julgador, à semelhança do que sucede com os depoimentos testemunhais.
Não existe, aliás, qualquer forma alternativa de recolher informação de qualidade sobre o trajecto de vida do arguido, os seus hábitos de quotidiano, actividade profissional, modos como utiliza o tempo livre, composição do núcleo familiar, bem como outras condições pessoais, sociais e profissionais, que devem constar do relatório social, não a ser através de entrevistas a pessoas de família e do círculo de convívios com o arguido, eventualmente, complementadas com documentos.
A considerar-se que as informações prestadas por familiares do arguido aos Técnicos de Reinserção Social deveriam ser sujeitas à advertência prévia contida no art. 134º do CPP, como pretende o arguido, seria conduzir aos limites do absurdo as garantias de defesa, atribuindo competências de investigação criminal a entidades que não as têm, nem devem ter, pois que não é sua vocação natural, nem atribuição legal obterem provas da prática de crimes, sendo certo que está em causa, é apenas a obtenção de informações sobre as condições pessoais do arguido pertinentes às operações de escolha e determinação concreta da sanção penal, caso as mesmas venham a tornar-se necessárias, ou seja, se se fizer a prova do crime.
No limite, aceitar a tese do arguido, seria conduzir à condição de «letra morta», o art. 370º do CPP, o que não faz qualquer sentido, perante o sistema mitigado de “césure” que o CPP consagra, entre a decisão sobre a culpa e a decisão sobre a sanção a aplicar (artigos 368º e 369º do CPP), havendo até a possibilidade de reabertura da audiência (artigo 371º do CPP) e de produção de prova suplementar, caso tal se revele necessário.
De qualquer forma, a consideração como provados dos factos constantes do relatório social está fora do âmbito das questões, pelo que nunca redundaria em excesso de pronúncia.
Quanto às nulidades invocadas, o presente recurso não merece provimento.
Quanto à impugnação ampla da matéria de facto.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O erro de julgamento capaz de conduzir à modificação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, materializa-se, normalmente, numa ou várias das seguintes situações:
O julgamento de um facto como provado com base no depoimento de uma testemunha que nada declarou acerca desse facto;
A consideração de um facto como demonstrado com base em depoimento de testemunha que realmente o afirmou, mas sem razão de ciência que permita a prova do mesmo;
A fixação de um facto como provado com fundamento num depoimento de uma testemunha, ou nas declarações de um arguido, ou de um assistente, quando a testemunha, o arguido ou o assistente afirmou o seu contrário, sendo o depoimento, ou as declarações credíveís e devendo, por isso, ser atendidos;
A consideração de um facto como não provado, tendo sido produzida prova por declarações de arguidos, assistentes ou partes civis, por depoimentos testemunhais, por documentos perícias, buscas, apreensões, intercepções telefónicas, reconstituição de factos, reconhecimento presencial ou de qualquer outra natureza acerca dele e que devesse ter sido valorada, segundo o princípio da livre convicção ou de acordo com o valor probatório pré-fixado no CPP para determinados meios de prova, como é o caso da prova pericial, da prova por documentos autênticos e autenticados e por confissão integral e sem reservas (arts. 163º, 169º e 344º);
A prova de um facto com base em provas insuficientes para prova desse mesmo facto, ou mesmo inexistentes, ou valoradas com violação das regras de prova, designadamente, fora das condições legais em que é possível recorrer aos processos de dedução lógica próprios da prova indirecta, por presunções judiciais, ou mediante o recurso a meios ou métodos proibidos de prova, contra o disposto no art. 32º nº 8 da CRP e no art. 126º do CPP;
Todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente identificada e examinada na mesma e questionada especificadamente no recurso por comparação com a audição do registo áudio, se deve concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas, por ter decidido contra o conteúdo destas ou para além da informação que estas permitem obter (Acs. da Relação de Lisboa de 04.02.2016, proc. 23/14.2PCOER.L1-9, da Relação de Lisboa de 04.05.2017, proc. 12/15.0JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 11.03.2021, proc. 179/19.8JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 26.10.2021, processo nº 510/19.6S5LSB.L1-5, da Relação de Coimbra de 25.10.2023, proc. 101/20.9T9GVA.C2, in http://www.dgsi.pt).
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado é o da impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, a qual envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque, além de não se traduzir num novo julgamento, está subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt).
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado.
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Por sua vez, a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série, nº 77 de 18 de abril de 2012).
Caso se limite a indicar a totalidade de um documento ou de uma perícia, ou de uma escuta telefónica, por reporte a um determinado período, ou as declarações prestadas por um certo número de testemunhas, na sua globalidade, não pode considerar-se cumprido o ónus, nem viabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.
A forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório da audiência de discussão e julgamento, que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso como um remédio jurídico e não como um outro julgamento (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005, Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
Trata-se de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da prova proibida, da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão integral e sem reservas, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (cfr. arts. 125º a 127º; 163º, 169º e 344º do CPP).
Se dessa comparação resultar que o Tribunal não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detectado.
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
Neste caso, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005 Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e ainda, os Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, Ac. da Relação de Lisboa de 2.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt).
O arguido começou por indicar quais são os factos que, segundo a sua visão, estão incorrectamente julgados e são eles: os factos provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, e ainda os itens 39 e 40, 46, 48 e 50 do Relatório Social e o facto não provado o).
Em primeiro lugar, o Tribunal de recurso não aprecia a conformidade com o conteúdo dos meios de prova produzidos e com a forma como o Tribunal do julgamento os valorou, de factos insertos em textos que não sejam o acórdão recorrido.
Parece, no entanto, que se terá tratado de mero lapso e que o recorrente pretende é, impugnar os factos provados em 39 e 40, 46, 48 e 50, no acórdão recorrido, tendo confundido a fonte probatória de que estes factos foram retirados e dados como provados – o relatório social – com a peça processual em que os mesmos foram descritos como fazendo parte da matéria de facto provada.
Em segundo lugar, sob a aparência de uma indicação precisa dos factos acerca dos quais se verifica o erro de julgamento, o que o recorrente fez foi impugnar todos os factos susceptíveis de integrar todos os quatro crimes de roubo pelos quais foi condenado o que, só por si, já revela que o que o recorrente pretende é a substituição integral da convicção do tribunal recorrido pela sua, partindo de uma imagem global da prova alicerçada em duas circunstâncias essenciais:
Uma, a de ter considerado que os depoimentos testemunhais prestados durante a audiência de discussão e julgamento, especialmente os das pessoas identificadas nos factos 1 a 28, BB, EE, CC e DD que com o arguido protagonizaram os factos ali descritos são reconhecimentos presenciais ilegais em virtude de estas testemunhas terem reconhecido o arguido como autor dos crimes de roubo de que foram vítimas na audiência de discussão e julgamento, sem que tenham sido cumpridas as formalidades previstas no art. 147º do CPP;
Outra, a de que o relatório social contém provas proibidas, em virtude de ter sido exarado no facto provado 46 que «a mãe do arguido adopta quanto a ele um discurso desculpabilizante, embora sabendo que o mesmo se juntava a grupos de pares e permanecia na rua até tarde, situação que originava conflitos familiares» e a mesma não ter sido inquirida como testemunha em audiência de discussão e julgamento.
Quanto à ausência de motivos para considerar como reconhecimento presencial a identificação do arguido recorrente como autor dos crimes de roubo objecto deste processo feita em audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas BB, EE, CC e DD, já se tomou posição aquando da análise do recurso interlocutório.
Reitera-se que do que se tratou foi de produção de prova testemunhal, de resto, em linha de conformidade com os reconhecimentos esses sim presenciais que qualquer das três testemunhas já havia feito em Abril de 2024, no decurso do inquérito.
Esses reconhecimentos foram realizados com observância de todo o formalismo de que o art. 147º do CPP faz depender a sua validade e eficácia, pelo que não tinham de ser repetidos, nem foram. As referidas testemunhas prestaram os seus depoimentos, igualmente de forma válida e eficaz, identificaram o arguido como autor dos crimes de roubo de que foram vítimas e os seus depoimentos foram valorados como provas credíveis, em virtude da sua razão de ciência, da forma segura, convincente e serena como depuseram, tendo o Tribunal explicado os motivos por que credibilizou esses depoimentos e sendo essa explicação lógica, plausível e sustentada no princípio da livre convicção do julgador, pelo que não merece qualquer censura a consideração como provados dos factos 1 a 28.
E nem vale a pena vir invocar as imagens de videovigilância cuja inconclusividade não tem a mínima aptidão para neutralizar ou infirmar depoimentos testemunhais prestados com conhecimento directo dos factos e de forma verdadeira, dos quais resulta a identificação inequívoca do arguido como a pessoa que praticou os factos descritos de 1 a 28, nem dessa inconclusividade alguma vez poderia resultar a demonstração do contrário, ou seja, de que não foi o arguido o autor dos crimes de roubo objecto deste processo.
A este propósito é suficientemente impressivo o excerto da motivação da decisão de facto, onde o Tribunal de primeira instância refere que:
«As testemunhas BB, EE, CC e DD evidentemente relataram em audiência de julgamento aquilo que vivenciaram, percepcionaram e se lembram, essencialmente em conformidade com a dinâmica vertida na correspondente factualidade provada e claramente identificando o arguido, pela memória que dele retêm, pela respectiva participação nesses factos que descreveram (cfr., correspondentemente, pontos 1.º a 7.º, 26.º e 28.º (situação I.), 8.º a 14.º, 27.º e 28.º (situação II.), 15.º a 20.º, 27.º e 28.º (situação III.) e 21.º a 25.º, 27.º e 28.º (situação IV.)».
O mesmo se diga, no que se refere aos factos provados 39.º, 40.º, 45.º, 46.º, 48.º e 50.º, bem como ao facto não provado em o), considerando o que já ficou exposto acerca da validade e eficácia do relatório social como meio de prova e na medida em que esses factos estão em perfeita sintonia com o conteúdo desse relatório e dos demais meios de prova - «os relatórios de incidentes, despacho e notificação constantes sob as referências Citius 26512444, de ........2024, ..., de ........2024 (cfr. fls. 423 a 425, 441, 442, 444, 465 e 466), 26815084, de ........2024, 26914621, de ........2024, e 27081157, de ........2024 - cfr. ponto 49.º -, a informação da DGRSP constante sob a referência Citius 25835255, de ........2024 (cfr. fls. 282)», bem como as declarações do arguido, nos termos explicados a páginas 21 e 22 do acórdão recorrido.
No mais, não se vislumbra em todo o texto das motivações e das conclusões do recurso seja que menção a alguma prova concreta que imponha decisão diversa da que consta no acórdão recorrido quanto aos factos provados e não provados.
A falta de indicação concreta, nas motivações e nas conclusões, dos excertos ou segmentos dos depoimentos e das declarações nos termos previstos no nº 3 al. b) e no nº 4 do art. 412º do CPP, que seriam aptos a demonstrar a incorrecção do julgamento do factos, conduz necessariamente à improcedência da impugnação ampla da matéria de facto, porque essa omissão ultrapassa a mera deficiência relativa apenas à formulação das conclusões, antes constituindo uma falta que afecta o próprio conteúdo daquelas, o que inviabiliza, quer a possibilidade de aperfeiçoamento dessas conclusões (cfr. Acs. do TC nºs 374/2000, 259/2002, 140/2004 e 660/2014 e, ainda «a contrario», Ac. do TC nº 685/2020, in www.tribunalconstitucional.pt; Ac. do STJ de fixação de jurisprudência nº 3/2012, de 8 de Março de 2012, publicado no D.R 1ª série, nº77, de 18 de Abril de 2012, Acs. da Relação de Évora de 08.01.2013, proc. 10/13.6ZCLSB-B.E1, da Relação de Lisboa de 8.10.2015, proc. 220/15.3PBAMD.L1-9; da Relação de Guimarães de 15.04.2020, proc. 621/19.8T9VNF.G1, da Relação de Lisboa de 2.11.2021, proc. 477/20.8PDAMD.L1-5in http://www.dgsi.pt), quer a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, já que a inobservância do tríplice ónus de impugnação especificada imposto pelo art. 412º afasta a aplicabilidade da norma contida no art. 431º al. b) do CPP.
Em face do que fica exposto, a impugnação ampla da matéria de facto tem de ser julgada improcedente e a apreciação deste Tribunal tem de ficar restringida à verificação dos vícios decisórios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que são de conhecimento oficioso.
Quanto à pena e à verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena.
O arguido foi condenado em concurso real de infracções, por quatro crimes de roubo, nas penas parcelares de três anos de prisão, três anos de prisão, dois anos de prisão e de um ano e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.
O arguido pretende a redução das penas parcelares, nos seguintes termos:
Crime de roubo agravado: 2 anos de prisão (num mínimo de 7 meses e 6 dias de prisão).
Crime de roubo agravado: 18 meses de prisão (num mínimo de 7 meses e 6 dias).
Crime de roubo simples: 1 ano de prisão (num mínimo de um mês de prisão).
Crime de roubo simples: 1 ano de prisão (num mínimo de um mês de prisão).
Sendo que após o respetivo cúmulo, a pena única se deveria situar em 3 anos e 6 meses de prisão.
No acórdão recorrido, em consonância com a opção pela aplicação do Regime Penal Especial para Jovens e consequente atenuação especial da pena, foram fixadas as molduras penais abstractas para os roubos simples de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão e a moldura abstracta da pena pelos roubos agravados de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão (cfr. arts. 41.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal).
Nos termos do art. 40º nº 1 do CP, é função da pena, salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes e, na medida do possível, assegurar a reintegração do agente na sociedade, consagrando a prevenção geral e a prevenção especial como fundamentos legitimadores da aplicação das penas e acrescentando, no seu nº 2, que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Este art. 40º veio, pois, concretizar no âmbito do Direito Penal e em matéria de escolha e dosimetria das penas, os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, consagrados no artigo 18º nº 2 da CRP.
Por seu turno, o art. 71º nº 1 do CP impõe que a determinação da pena seja realizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Com efeito, «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena» (Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194).
«A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial» (Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, pág. 25).
A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E é a culpa apreciada em concreto, de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
Assim, em primeiro lugar, a medida da pena será fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos (exigências de prevenção geral positiva).
De seguida, dentro desta moldura, a medida concreta da pena será doseada por referência às exigências de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Por fim, a culpa fornece o limite máximo e inultrapassável da pena.
«A culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção» (Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322).
Culpa e prevenção são, por conseguinte, os dois limites a observar no processo de escolha e determinação concreta da medida da pena e prosseguindo a necessidade de assegurar este equilíbrio, entre a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e a medida concreta da pena abaixo da qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).
O art. 71º do Código Penal enumera as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, a que o Tribunal deverá atender, para tal efeito.
Dispõe este preceito, no nº 1, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender, dispondo o nº 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, em correspondência com o artigo 375º nº 1 do CPP, que impõe que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Nessa enumeração exemplificativa vislumbram-se critérios, tanto associados à prevenção geral, como é o caso da natureza e do grau de ilicitude do facto (que impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como relacionados com exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Com efeito, esses critérios referem-se, uns, à execução do facto – als. a), b), c) e e), parte final, como é o caso do grau de ilicitude do facto, do modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência e os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; outros, à personalidade do agente, como sejam as suas condições de vida e a sua preparação ou falta dela, para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – als. d) e f) – e, outros, ainda, à conduta anterior e posterior ao facto – al. e) - especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Mas estas circunstâncias a que se refere o mencionado nº 2 do art. 71º, são aquelas que não integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem».
No entanto, tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devem ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.
Estas circunstâncias devem ser, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade.
Sobre cada uma das penas parcelares, o acórdão recorrido diz o seguinte (transcrição parcial):
«Na determinação da medida da pena devem ser tidas em conta, de acordo com o disposto no art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a culpa do agente (art. 40.º, n.º 2, do Código Penal).
«No presente caso, verifica-se que a culpa do arguido foi média-alta, tendo em conta que o arguido praticou cada um dos quatro crimes com dolo directo e intenso, com a determinação que as circunstâncias em que os levou a cabo e o respectivo modo de execução revelam, sem que tal se tenha enquadrado numa situação de carência.
«Assim, ponderando todos os aspectos, incluindo a idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais registados, o valor e a natureza dos bens em causa, a forma de violência utilizada, as circunstâncias dos factos e o demais exposto quanto à situação pessoal do arguido, à data dos factos e actualmente, consideram-se adequadas as penas de:
«- 3 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado de que foi vítima BB, em ........2024 (situação I.);
«- 3 anos de prisão quanto ao crime de roubo agravado de que foi vítima EE, em ........2024 (situação II.);
«- 2 anos de prisão quanto ao crime de roubo de que foi vítima FF, em ........2024 (situação III.);
«- 1 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de roubo de que foi vítima DD, em ........2024 (situação IV.).»
E quanto à pena única, o Colectivo decidiu o seguinte (transcrição parcial):
«À luz dos critérios supra expostos, considerando o conjunto de todos os factos, nomeadamente a natureza dos crimes cometidos, as circunstâncias do seu cometimento e a sua sequência/repetição, a forma de violência utilizada, através da exibição/utilização de faca, em superioridade numérica e à noite na primeira situação, e com exibição/utilização de faca, já o arguido por si só e durante o dia nas restantes três situações, a ausência de antecedentes criminais registados, as exigências de prevenção especial verificadas, não obstante a juventude do arguido e sem prejuízo da consideração desta e da ausência daqueles antecedentes, com manutenção de reduzido juízo crítico e sem arrependimento apesar do tempo de privação da liberdade já sofrido, e tendo em conta que são fortes as exigências de prevenção geral destes delitos, causadores de alarme social crescente, a fim de se restaurar, na medida do possível, a segurança de cada um e dos seus bens, e de possibilitar a reinserção social do arguido, considera o tribunal como adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.»
O recorrente pretende a redução das penas com fundamento na existência de crime continuado, mas nada referiu nem tal se descortina na matéria de facto provada em que é que teria consistido o tal circunstancialismo exterior que diminuí consideravelmente a culpa do agente.
«A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», constitui, na definição do artigo 30º, nº 2, do Código Penal, um crime continuado.
Do próprio texto deste preceito, assim como do critério teleológico preconizado pelo Código Penal, em matéria de distinção entre unidade e pluralidade de infracções, que descarta a perspectiva naturalista da infracção e antes assenta no princípio da culpa, resulta que o que está subjacente ao crime continuado é um concurso de crimes, unificados juridicamente, em atenção a um menor desvalor da acção e, sobretudo, a um consideravelmente menor grau de culpa do agente (neste sentido, Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções e Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, vol. I, p. 396 ).
Cada um dos factos da continuação mantém a sua autonomia, como crime, com os respectivos elementos constitutivos – objectivos e subjectivos – e circunstâncias agravantes e atenuantes, causas de exclusão de ilicitude e de culpa. Ao nível dos efeitos jurídicos, a unificação repercute-se numa única sanção.
No plano externo, o crime continuado pressupõe várias acções integradoras do mesmo tipo legal de crime ou de tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções.
O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior destas para o facto.
Com efeito, «pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» (cfr., Eduardo Correia, "Direito Criminal", vol. II, pág. 209).
É, pois, nesta a diminuição considerável da culpa, traduzida numa espécie de «fracasso psíquico», sempre homogéneo, do agente perante a mesma situação de facto, por cedência a uma situação exterior que radica o fundamento essencial do crime continuado e não na homogeneidade do modo de execução dos crimes, nem na unidade de resolução criminosa (Paulo Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137; Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, pág. 1226).
O crime continuado configura, afinal, um conjunto de crimes repetidos, com uma característica peculiar: a repetição dá-se porque, acompanhando a nova acção, se repete também (ou simplesmente permanece, depois de criada pelo autor com a primeira conduta, ou surgida de modo casual), uma circunstância exterior ao agente que a facilita. Essa circunstância que o agente aproveita, e que de alguma maneira o incita para o crime, funcionando como ocasião propícia, ou tentação, ou em linguagem dogmática, como causa de diminuição da exigibilidade de uma conduta conforme ao direito, há-de ser tal ordem que, se desaparecesse, a sucessão de crimes ver-se-ia provavelmente interrompida.
«Tal ambiente exterior com reflexo na densidade da culpa, diminuindo-a, indica-se a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa uma certa relação de acordo entre os sujeitos; a circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável á prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa: a circunstância da perduração do meio apto para executar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa; a circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da actividade criminosa
«Nas situações enumeradas existe um denominador comum apontando a diminuição considerável da culpa do agente. Só tal situação exterior poderá justificar a facilitação da reiteração criminosa pois que quando se verifique uma situação exterior normal, ou geral, que facilite a prática do crime, o agente contar com elas para modelar a sua personalidade de maneira a permanecer fiel aos comandos jurídicos» (Acórdão do STJ de 24.01.2007, processo n.º 4066/06-3.ª No mesmo sentido, Acs. do STJ de 07.10.2009, proc. 611/07.3, de 13.07.2011, proc. 451/05.4JABRG.G1, de 12.07.2012, proc. 1718/02.9JDLSB, de 22.01.2013, proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1, de 24.09.2014, proc. 53/12.9JBLSB.L1.S1, de 06.04.2016, proc. 19/15.7JAPDL.S1, de 10.05.2017, proc. 889/14.6GBLLE.S1, de 13.05.2020, proc. 396/18.8PBLRS.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Isto, desde que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis, e que por essa fragilidade facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime (cfr., Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal, Parte General", trad. da 5ª edição, 2002, pág. 771-772).
São elementos do crime continuado, (i) a realização plúrima de condutas violadoras do mesmo bem jurídico, (ii) a execução essencialmente homogénea de tais condutas e (iii) a existência de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente;
A homogeneidade das diversas formas de comissão é dada por uma unidade de contexto situacional que, por sua vez, pode ser indiciada pela proximidade de espaço e tempo das diversas condutas (Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2.ª ed., pág. 1030).
O crime continuado funciona como excepção à regra da acumulação de infracções. No crime continuado, subsiste a pluralidade de crimes mas ficciona-se a unificação das diversas condutas delituosas que são juridicamente tratadas como se se tratasse de um só crime para excluir o cúmulo material de penas ou os efeitos gravosos no tratamento daquela continuação «(…), verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuada que só é possível formular um só e não vários juízos de censura, sendo que a diminuição da culpa deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastem o agente para o crime, que não em razões de carácter endógeno» (Ac. do STJ de 15.10.2020, proc. 1186/19.6T8EVR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
A homogeneidade das diversas formas de comissão é dada por uma unidade de contexto situacional que, por sua vez, pode ser indiciada pela proximidade de espaço e tempo das diversas condutas (Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2.ª ed., pág. 1030).
Ora, o que pode e deve concluir-se do elenco das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os crimes de roubo forma cometidos, descritas em 1 a 28, é que foi o arguido quem, de cada uma das vezes que se determinou a agir, criou de forma deliberada, previamente planeada e, depois concretizada através da criação de condições propícias para o efeito, usar de violência contra terceiras pessoas e subtrair-lhes dinheiros, colocando-as na impossibilidade de resistir ou de se oporem às apropriações ilegítimas em que se consubstanciaram os crimes de roubo. Não se verifica uma crescente inexigibilidade de agir de acordo com o Direito. Pelo contrário, o que se verifica é em cada um dos quatro crimes de roubo, resoluções criminosas autónomas e concretizadas, com eficácia e determinação, estando, portanto, correcto o enquadramento jurídico penal dos quatros crimes de roubo, como um concurso real de infracções.
Acresce que a actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo certo que além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento.
O tribunal de recurso só alterará a pena aplicada, se as operações de escolha da sua espécie e de determinação da sua medida concreta, levadas a cabo pelo Tribunal de primeira instância revelarem incorrecções no processo de interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais vigentes em matéria de aplicação de reacções criminais. Não decide como se o fizesse ex novo, como se não existisse uma decisão condenatória prévia.
E sendo assim, é preciso ter sempre em atenção que o Tribunal recorrido mantém incólume a sua margem de actuação e de livre apreciação, sendo como é uma componente essencial do acto de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, pois, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197).
«A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares» (Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 13.10.2021, proc. 5/18.5GAOVR.P1, da Relação de Lisboa de 07.02.2023, proc. 1938/18.4SKLSB.L1-5 e de 17.10.2023, proc. 23/21.6PBCSC.L1-5; da Relação de Évora de 28.03.2023, proc. 182/21.8JAFAR.E1; da Relação de Coimbra 06.03.2024, proc. 8/19.2PTVIS.C1 e de 10.04.2024, proc. 227/22.4GBLSA.C1, todos, in http://www.dgsi.pt).
«Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar» (Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1. No mesmo sentido Acs. do STJ de 3.11.2021, proc. 206/18.6JELSB.L2.S1, de 27.04.2022, proc. 281/20.3PAPTM.S1, in http://www.dgsi.pt).
Tal como resulta do teor das conclusões, o recorrente pretende a redução da pena, sem que, no entanto, concretize minimamente quais são as razões de facto e de direito que o Tribunal do julgamento deixou de ponderar e a que deveria ter atendido para fixar a pena de prisão num período menor do que os cinco anos e seis meses de prisão impostos.
Ora, lendo o excerto da decisão condenatória sob recurso, que se refere à escolha e determinação concreta da pena, a conclusão que importa retirar é a de que o Tribunal Colectivo aplicou as penas parcelares e a pena única de cinco anos e seis meses de prisão, com acerto e proporcionalidade.
E nada havendo a alterar na pena única, fica prejudicada a possibilidade de aferir dos pressupostos da suspensão da execução da pena, impondo-se, pois, o seu cumprimento efectivo.

III – DECISÃO
Termos em que decidem:
Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar integralmente o acórdão recorrido.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a Taxa de Justiça em 5 Ucs – art. 513º do CPP.
Notifique.
Tribunal da Relação de Lisboa, 10 de Julho de 2025
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Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
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Cristina Almeida e Sousa
Alfredo Costa, com voto de vencido, nos seguintes termos:
Votei vencido, pelos fundamentos que passo a expor.
1. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia: Entendo que o tribunal recorrido incorreu em nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, ao não se pronunciar sobre matéria expressamente suscitada na contestação, designadamente os itens 3 e 4, referentes à existência de vestígios lofoscópicos de terceiro identificado nos autos. Esta omissão impediu a apreciação de um elemento de prova relevante para a exclusão da autoria, comprometendo o contraditório e a descoberta da verdade material.
2. Quanto à prova proibida: Discordo da valoração, como facto provado (item 46), de declarações atribuídas à progenitora do arguido, constantes apenas do relatório social, sem que esta tivesse sido ouvida em audiência. Tal utilização, desprovida de contraditório, constitui violação do disposto nos artigos 126.º e 129.º do CPP, tratando-se de prova proibida, por consubstanciar depoimento indirecto não admissível.
3. Quanto à recusa de realização de reconhecimento presencial em audiência:
Entendo que o indeferimento liminar da diligência requerida pelo arguido – devidamente fundamentada e em tempo – viola o disposto no artigo 147.º do CPP, ao obstaculizar o exercício pleno dos direitos de defesa. O facto de terem sido realizados reconhecimentos na fase de inquérito não obsta à renovação em audiência, quando esta seja necessária para a formação da convicção judicial. A recusa, nestes termos, ofende o artigo 32.º, n.º 1, da CRP e o artigo 6.º da CEDH, implicando nulidade insanável.
4. Quanto à medida da pena: Comungo do entendimento de que a pena única aplicada – 5 anos e 6 meses de prisão – é desproporcional face à moldura penal especialmente atenuada aplicável e aos elementos favoráveis ao arguido: jovem primário, com inserção familiar e social, e sem antecedentes. O juízo de prognose favorável não foi devidamente fundamentado, sendo que a suspensão da pena se impunha, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, enquanto instrumento de ressocialização.
Pelas razões expostas, votaria pela revogação do acórdão recorrido e pela sua anulação, com reenvio ao tribunal de 1.ª instância para:
a) Suprir a omissão de pronúncia relativamente aos factos alegados na contestação e proceder à reavaliação do juízo de autoria à luz dos vestígios lofoscópicos;
b) Realizar a diligência de reconhecimento presencial requerida;
c) Expurgar da matéria de facto os elementos extraídos de prova proibida;
d) Reapreciar, com base na prova legalmente admissível, a medida e execução da pena.
Ana Rita Loja