RECLUSO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade da Relatora)

I. Crime praticado durante cumprimento de pena em reclusão.
II. Gravidade dos factos [detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº5 e 3º, nº2, alínea g) da mesma Lei] e manifesta violação das obrigações decorrentes do estatuto de reclusão que visa, de acordo com o sistema penal nacional, sobretudo garantir as finalidades da futura reinserção do agente, garantindo a protecção da sociedade contra a violação grave de bens jurídicos de eminente importância.

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de Alenquer foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo:
(…)
1) condenar o arguido, AA, pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência ao artigo 3º, nº2, alínea g) da mesma Lei, numa pena de 2 (dois) anos de prisão;
(…)
Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
I. O Rec.te confessou integralmente todos os factos dados como provados na sentença recorrida;
II. A matéria dada como provada é insuficiente para a descoberta da verdade material e correta decisão aplicada;
III. O Tribunal recorrido deveria ter dado como provado a seguinte matéria factual, como resultante da discussão da causa em audiência de julgamento:
“22. No dia ........2021, entre as 11h33m19s e as 11h35m50s, no interior do E.P. de ..., o arguido dirigiu-se à cela n.º ..., cela de habitação do recluso BB, entra no seu interior, ficando à porta o recluso CC;
23. Ato contínuo BB empurra o arguido, o qual transporta nas mãos um TV, que de imediato, a entrega ao recluso CC, que a vai colocar na cela do arguido;
24. De seguida o arguido enfrenta o BB à porta da cela e envolvem-se em luta corporal;
25. Pelas 18:00 um outro recluso, cuja identidade se desconhece, avisou o arguido que o BB tinha um copo com água quente e que se preparava para a atirar ao Rec.te, mais o informando que na casa de banho estava lá uma ripa de madeira, ao que o arguido se dirigiu à casa de banho, a uma janela aí existente e daí retirou a ripa que veio a usar no confronto físico com a testemunha BB;”
IV. A prova que sustenta os factos supra descritos e que devem ser aditados à sentença consiste, por um lado, nas declarações prestadas pelo arguido e testemunhas, em audiência de discussão e julgamento, datada de ........2024 de onde resulta o inicio e término das gravações efetuadas aos depoimentos prestados pelo arguido e testemunhas, e nomeadamente as seguintes passagens:
Inicio da fita 11:16-11:18 – minuto 00:00-01:28 - Arguido: O pau estava lá na casa de banho e apanhei o pau estava lá no momento aquele pau é de uma janela da casa de banho, estava lá. Juiz: Não era seu, é isso? Arguido: Não, não era meu! Eu estava numa confusão com aquele rapaz e disseram-me que estava ali um pau. Juiz: Foi um colega seu que lhe disse que estava lá um pau e foi lá buscar. Arguido: A gente tinha tido um problema tínhamos andado à porrada prontos, depois aquilo acabou e depois disseram-me que ele estava com água quente; Juiz: Disseram-lhe que ele estava com água quente como assim? Arguido: Um copo de água quente Juiz: Para quê? Para lhe atirar? Arguido: Sim, mas o rapaz depois disse-me que não era para isto. (…) Disseram-me que estava ali um pau, está lá na coisa e eu apanhei o pau. Juiz:... e só o utilizou naquele momento? Arg: Sim
Inicio da fita 11:16-11:18 minuto 1:29 - MP: Então o Sr. encontrou um pau na casa de banho que estava inserido numa meia e que tinha um cordel a servir de empunhadura? Arguido: já não sei se tinha um cordel, sei que tinha uma meia preta, não sei se tinha cordel; MP: Tem a certeza que isto estava lá na casa de banho, lá pousado? Arguido: Tenho a certeza que estava lá.
Inicio da fita 11:19-11:24 – minuto 2:55: MP: Era possível existir aquele objeto pousado na casa de banho que não tivesse sido detetado pelo corpo da guarda prisional? 3:01: Guarda Prisional: Não, seria impossível, esse objeto poderá ser de algum sítio lá da cadeia mas em nenhum caso poderia estar assim colocado apenas no chão para quem quisesse ir lá.
Inicio da fita 11:37-11:41 – minuto 2:30 MP: O pau estava então pousado na casa de banho? Arguido: O pau é da casa da banho senhor é de uma janela da casa de banho se você quiser agora vamos lá e faz um pau, faz um pau igual, mas eu não fiz pau nenhum senhor, estou aqui a falar verdade, não fiz pau nenhum (...)
V. E, por outro lado, o auto de visualização da gravação vídeo efetuada, em ........2021, pelo sistema de CCTV no interior do E.P. ..., constante de fls. 12 do processo disciplinar do EP junto aos autos;
VI. Impunha-se ao tribunal a obrigação de apurar a verdade material, no respeito pelo principio da investigação, descurando em absoluto toda a factualidade que fundamenta a aplicação da causa de exclusão da ilicitude, mormente a legitima defesa (Vd. arts. 31.º n.º 1 e 2 al. a) e 32.º do C. Penal;
VII. Da prova produzida em audiência, deveria ter sido dado como provado os factos enunciados supra, que devem ser aditados à sentença com os n.os 22 a 25 dos “Factos provados”, relevando a consideração da aplicação do instituto da legitima defesa;
VIII. Desses factos resulta que o Rec.te quando tentou recuperar a sua TV, pelas 11:33 do dia ........2021, foi agredido (pelo menos foi empurrado) pelo BB;
IX. Na tarde desse mesmo dia o Rec.te foi alertado, por outro recluso, que a testemunha BB se queria vingar atirando-lhe um copo de água quente, à traição, e que tinha à sua disposição uma ripa de madeira na casa de banho;
X. O Rec.te viu-se na contingência de ter de se munir com a ripa e defender-se do ataque que considerava iminente, atentas as informações que lhe foram transmitidas pelo outro recluso!
XI. A intervenção de outro recluso foi decisiva na atuação do Rec.te, tendo esse terceiro atuado como um espectador, ou, como se refere no douto Ac. do STJ supra referido: “é decisivo o prognóstico objetivo de um espectador experimentado colocado na situação do agente”; - Vd. douto Ac. do STJ de 10.11.2022, processo 39/13.6JABRG.G2.S1 e quanto à caracterização da legítima defesa;
XII. O uso da ripa de madeira, pelo Rec.te configura uma situação de legitima defesa, devendo o mesmo ser absolvido do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência ao artigo 3º, nº2, alínea g) da mesma Lei.
Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá quanto à MEDIDA DA PENA
XIII. O Rec.te confessou, integralmente e sem reservas, os factos provados na sentença, colaborando para a descoberta da verdade material, basta ler (ou ouvir, pois são escassos minutos que se perdem a ouvir as declarações) a seguinte transcrição:
Inicio da fita 11:16-11:18 – minuto 00:00-01:28 - Arguido: O pau estava lá na casa de banho e apanhei o pau estava lá no momento aquele pau é de uma janela da casa de banho, estava lá. Juiz: Não era seu, é isso? Arguido: Não, não era meu! Eu estava numa confusão com aquele rapaz e disseram-me que estava ali um pau.”
XIV. O Rec.te repudia que seja elevado o grau de ilicitude da sua conduta, pois atuou em legitima defesa, e mesmo que não se aceite essa cláusula de exclusão da ilicitude, é indiscutível que foi atacado e provocado pela testemunha BB, que pretendeu subtrair-lhe o seu televisor;
XV. É diminuta a gravidade das consequências, pois as agressões apuradas foram mútuas, e quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime resulta à saciedade que ocorreu um ataque anterior, pelas 11 da manhã desse dia, levado a cabo pelo recluso BB, e mais tarde o Rec.te procurou defender-se de novas agressões, nomeadamente através de água quente, atirada à traição pela testemunha BB;
XVI. Alega-se na sentença recorrida que o arguido não demonstrou ter qualquer consciência do desvalor e consequências associadas à sua conduta, tentando desresponsabilizar-se da mesma, alusão que esbate frontalmente com as declarações prestadas pelo arguido;
XVII. O Tribunal recorrido usa as mesmas alusões, que não encontram respaldo nas declarações do arguido, para afastar a suspensão da execução da pena nem o regime de permanência na habitação, dessa forma punindo duplamente o Rec.te, importa relevar que procurou, no E.P., auxilio médico para tratamento dos seus problemas aditivos;
XVIII. A alegada vitima BB empurrou o Rec.te, pela manhã, o que denota “provocação injusta ou ofensa imerecida”
XIX. O arguido confessou os factos em audiência e a testemunha BB declarou que os dois são amigos, não obstante o desentendimento ocorrido há mais de três anos entre ambos, não havendo notícia de “danos causados” para além dos naturalmente ocorridos na sequência de uma escaramuça, como alguns hematomas e equimoses;
XX. Já decorreram mais de 3 (três) anos desde a prática dos factos, mantendo o Rec.te um comportamento ajustado às regras institucionais prevalecentes no E.P. e não havendo notícia de mais desacatos com a intervenção do Rec.te, ou seja, mantendo este boa conduta;
XXI. Encontra-se preenchida a previsão constante nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 72.º, circunstâncias essas que o legislador releva para efeitos da aplicação da atenuação especial da pena (art. 72.º n.º 1 do Código Penal);
XXII. A sentença recorrida efetuou errónea interpretação e aplicação dos factos na sua subsunção ao direito, assim violando o disposto no art. 71.º e 72.º n.º 1 e 2 als. b), c) e d) do Código Penal, devendo ter aplicado corretamente os factos nas normas mencionadas e, em consequência, aplicado uma pena de multa, ou, caso assim não o entendesse, uma pena de prisão, mas atenuada especialmente (nos termos do disposto no art. 73.º do Código Penal) próxima do seu limite mínimo e sendo suspensa na sua execução.
Termos em que se roga a V. Ex.as que:
A) Reconheçam o vício na sentença de “Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada”, por violação do disposto no art. 412.º n.º 3 do CPP, com as legais consequências;
B) Atendendo à prova produzida em audiência, que sejam aditados à sentença os pontos 22 a 25 dos factos provados e enunciados, supra, na Conclusão III;
C) Devendo o Rec.te ser absolvido, pela verificação de causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente por ter atuado em legitima defesa (art. 32.º do C. Penal que foi violado pelo tribunal recorrido) contra o ataque ilícito da testemunha BB; Se assim não se atender, e por mero dever de patrocínio, sempre se rogará:
D) Que o Rec.te seja condenado em pena de multa ou, no caso da mesma não ser admissível, em pena de prisão especialmente atenuada (nos termos do disposto nos arts. 71.º, 72.º n.º 1 e 2 als. b) a d) e 73.º todos do C. Penal), próximo do seu limite mínimo e sempre sendo suspensa na sua execução.
(…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, sem apresentar conclusões e finalizando do seguinte modo:
(…)
Deve negar-se provimento ao recurso, não tendo sido violados os preceitos legais referidos a esse propósito no recurso e confirmar-se a douta sentença condenatória nos seus precisos termos.
(…)
***
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, remetendo apenas para a resposta em primeira instância e, como tal, no sentido da improcedência do recurso.
Foi, por esse motivo, prescindido o cumprimento do disposto no artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a Conferência.
***
Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- incorreta ponderação da prova que conduziu a erro de julgamento;
- verificação de causa de exclusão da ilicitude - legitima defesa; e
- Subsidiariamente, pugna pela aplicação da pena de multa ou caso não seja a mesma admissível, pela pena de prisão especialmente atenuada e suspensa na sua execução.
***
Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo:
(…)
1. No dia .../.../2021, pelas 18h02, o arguido, enquanto recluso no Estabelecimento Prisional ..., sito em ..., detinha na sua posse, o seguinte objeto:
- uma ripa de madeira, com 58 centímetros de comprimento no total, inserida no interior de uma meia, cuja extremidade se encontra presa com um nó, no qual se encontra inserto um cordel com 86 cm de comprimento para conferir maior aderência à empunhadura, com vista a que no momento do impacto o instrumento não salte da mão do utilizador, construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão.
2. Nessas mesmas circunstâncias, munido com o referido objeto o arguido desferiu várias pancadas no corpo do recluso DD.
3. O arguido tinha conhecimento da natureza e características da arma que detinha, que a sua detenção e uso é proibido por lei penal e ainda assim quis detê-la nas circunstâncias descritas.
4. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
*
5. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../1991, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../1992, na pena de 4 anos de prisão.
6. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../1991, de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../1992, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
7. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 3595/94.2..., pela prática, a .../.../1994, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1994, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
8. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 554/93-1, pela prática, a .../.../1993, de um crime de danos, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1994, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
9. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 2241/94.9..., pela prática, a .../.../1994, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1995, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.
10. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 241/00.0..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2000, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 400$00.
11. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 246/00.1..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2001, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 200$00.
12. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../2001, de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2001, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão.
13. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 274/00.7..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2002, na pena de prisão de 5 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
14. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 777/99.4..., pela prática, a .../.../2003, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2003, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
15. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 2531/10.5..., pela prática, a .../.../2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2012, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, após revogada por decisão transitada em julgado a .../.../2015.
16. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 988/06.8..., pela prática, a .../.../2006, de um crime de furto simples, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2009, na pena de 1 ano de prisão.
17. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 268/08.4..., pela prática, no ano de ..., de um crime de roubo qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
18. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 46/14.1..., pela prática, no dia .../.../2014, de um crime de furto na forma tentada, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2014, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
19. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 7402/14.3..., pela prática, no dia .../.../2014, de um crime de dano qualificado, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de furto de uso de veículo e uma contraodenação rodoviária, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2015, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses.
20. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 522/14.6..., pela prática, no ano de ..., de quatro crimes de roubo qualificado, um crime de roubo, um crime de roubo na forma tentada e um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2016, na pena de 10 anos de prisão.
*
21. Do relatório social elaborado pela DGRSP consta que:
“À data dos alegados factos subjacentes aos presentes autos, AA encontrava-se privado de liberdade, o que sucede desde .../.../2014. Estava e mantém-se afeto ao EP… desde ..., após transferência do E. P. de ….
A vivência de AA tem vindo a ser perturbada, desde a juventude, por uma problemática aditiva de estupefacientes e álcool, que se tem constituído como fator relevante de desajustamento comportamental. Não obstante ter-se sujeitado anteriormente a diversas experiências terapêuticas, maioritariamente de natureza substitutiva, as mesmas nunca se revelaram promotoras de abstinência a médio/longo prazo.
Ao longo da pena em curso verbalizou maioritariamente estar abstinente, ainda que houvessem indícios de esta problemática se ter repercutido faseadamente ao longo da mesma, implicando instabilidade comportamental e problemas relacionais com a restante população prisional. Em finais de ... assumiu a recaída e solicitou apoio especializado, tendo sido integrado em terapêutica agonista parcial (buprenorfina), que mantém. Ainda assim, a mesma não se tem revelado eficaz com vista à supressão dos consumos, uma vez que revelou resultados positivos para canabinóides e opiáceos nos testes de despistagem a que foi sujeito em ... e resultados positivos para canabinóides em novos testes realizados no início do mês em curso. O supra exposto e a gravidade do seu percurso de toxicodependência suscitam-nos reservas quanto à sua capacidade para alcançar e manter um padrão de abstinência, especialmente num contexto de menor supervisão externa do que o meio prisional.
Em termos familiares, AA dispõe de algumas perspetivas de suporte por parte dos tios paternos, em particular do tio, EE, com 60 anos de idade, que reside com a esposa em ..., num apartamento T3. Este familiar tem vindo a constituir a sua quase exclusiva referência de apoio em meio prisional, por intermédio de contactos telefónicos, ajudas económicas regulares e visitas esporádicas.
(…)
Para além da vulnerabilidade aos comportamentos aditivos, a análise ao trajeto existencial, verbalizações e manifestações comportamentais de AA aponta para um indivíduo com responsabilização reduzida, permeabilidade a influências externas negativas e fraco empreendedorismo na criação de condições de estabilidade pessoal em moldes convencionais, sobressaindo as dificuldades para a resolução ajustada de problemas.
Em meio prisional tem mantido, na generalidade do período de cumprimento de pena, dificuldades reiteradas de ajustamento comportamental, averbando um total de 45 medidas disciplinares por factos diversos, mas que maioritariamente revestiram a posse de objetos proibidos, participação em negócios não autorizados e interação desajustada, quer com companheiros de reclusão, quer com elementos dos serviços de vigilância e segurança.
(…)
Em diversas fases da reclusão enveredou pela atividade letiva, mas desistiu da mesma, pelo que mantém habilitações literárias ao nível do 1.º ciclo do ensino básico, embora presentemente frequente o 2.º ciclo. Também não demonstrou competências para inserir-se em programas específicos de treino de competências pessoais e emocionais, pelo que nunca foi selecionado para os mesmos.
(…)
A privação da liberdade atual, apesar de prolongada, não se constituiu ainda enquanto experiência potenciadora das necessárias mudanças atitudinais no sentido pró-social. Embora revele alguma capacidade para reconhecer o desvalor das suas condutas criminais, transparece desculpabilização e dificuldades em reconhecer as consequências reais destas para as vítimas e a sociedade em geral. Assinalam-se ainda, a problemática aditiva por debelar e a reduzida valorização pessoal que tem mantido em meio prisional, aspetos que, em conjunto, remetem para prognose negativa quanto à sua ressocialização.
• Factos não provados
Resultou como não provado o seguinte facto com relevância para a decisão do mérito da presente causa:
A. O objecto descrito no ponto 1 encontrava-se dissimulado no interior do casaco que o arguido trajava.
(…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo:
(…)
Para formar a convicção do Tribunal, no que respeita aos factos dados como provados e não provados, procedeu-se a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Foi ainda considerada a restante prova constante dos autos, tendo o Tribunal apreciado toda a prova, atendendo às regras da experiência comum, tendo sempre em consideração o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Designadamente, foi tida em consideração a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, tendo sido valorados o depoimento que foi prestado pelas testemunhas FF e DD.
De seguida, foram também valoradas as declarações do arguido, que, estando presente em audiência de julgamento, decidiu prestá-las.
Foi ainda apreciada a prova documental presente nos autos, designadamente o auto de notícia (fl.3), auto de apreensão (fl. 4), auto de exame directo e avaliação (fl. 34), auto de visualização de imagens de videovigilância (fls. 5, 24 e 25), certificado de registo criminal do arguido e relatório social elaborado pela DGRSP, devidamente juntos nos autos electrónicos.
*
Concretizando.
O ponto 1 dos factos dados como provados foi negado pelo arguido, referindo que não tinha na sua posse aquele objecto, mas que, aquando do desacato com o recluso GG alguém o avisou que o mesmo estaria na casa de banho e apenas o foi buscar naquele momento para atacar o referido recluso.
No entanto, desde logo essa versão foi contrariada pelo depoimento da testemunha FF, guarda prisional naquele estabelecimento prisional, que referiu que aquele tipo de objectos não se encontra de qualquer forma pela casa de banho, o que é consentâneo com as regras da lógica.
Além disso, das imagens visionadas, é possível observar que por volta do meio dia houve um desacato entre estes dois reclusos e depois numa hora diferente, às 18, o mesmo aparece já com aquele objecto nas imagens, o que não é consentâneo com o relatado.
Atento o exposto, dá-se assim como provado este facto.
Relativamente ao depoimento do outro recluso envolvido, DD, não teve relevância, uma vez que o mesmo referiu ser muito amigo do arguido e depois referiu de nada se recordar.
O ponto 2 dos factos dados como provados foi admitido pelo arguido e é visível nas imagens.
De seguida, os factos vertidos nos pontos 3 e 4 resultam nesse seguimento, das regras da lógica e da experiência comum, uma vez que é do conhecimento da comunidade prisional a proibição da posse daquele tipo de objectos, mais sabendo os mesmos que aquela conduta é contrária às normas legais. Além disso, o objecto, atenta a sua natureza descrita tem apenas uma finalidade, de agressão, finalidade essa que era do conhecimento do arguido, uma vez que a utilizou para tal.
De seguida, os factos vertidos nos pontos 5 a 20 resultam do registo criminal do arguido e, por fim, o facto vertido no ponto 21 do relatório social elaborado pela DGRSP.
(…)
Concretamente na escolha e determinação da pena, fundamentou:
(…)
Após a análise efectuada, cumpre referir que o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02 prevê uma pena de prisão até 4 anos ou uma pena de multa até 480 dias.
Assim, atendendo a que nos crimes considerados se prevê pena de multa e pena de prisão como alternativas, cumpre, desde logo, efectuar essa escolha.
De modo a respeitar-se o estatuído no artigo 70º do Código Penal, deverá dar-se preferência às penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Pelo que, neste momento deverá atender-se a essa suficiência e adequação de uma pena não privativa da liberdade atendendo a tais finalidades.
Estas finalidades preventivas a que o artigo se refere estão previstas no artigo 40º, nº1 do Código Penal, segundo o qual a aplicação das penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Assim, dever-se-á ter em conta, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral positiva, determinando assim se uma pena não privativa da liberdade é suficiente para não pôr em causa a tutela dos bens jurídicos e obter, nas palavras do Professor Figueiredo Dias, o "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime".
Em segundo lugar, tem-se ainda em conta as exigências de prevenção especial positiva, averiguando se uma pena daquela natureza é adequada e suficiente à necessidade e à promoção de ressocialização do agente.
*
Concretizando.
As exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste caso em concreto são elevadas, tendo em conta o enorme alarme social que causa a presença de armas na sociedade, bem como os objectos associados, e a sua cada vez maior disseminação o que, aliado às graves consequências que tal circulação pode causar, torna extremamente necessário reforçar a confiança da comunidade na norma aqui violada, bem como dissuadir da prática desta conduta. No caso em concreto, na comunidade prisional é também uma realidade frequente, sendo extremamente necessário dissuadir essa comunidade em específico deste tipo de condutas.
Também as exigências de prevenção especial no presente caso são consideradas elevadas, atendendo aos vários antecedentes criminais registados, sendo notórias as dificuldades do arguido em adpatar a sua conduta às normas social e legalmente impostas, mesmo depois de várias vezes advertido solenemente.
Tendo em conta o exposto, considera o presente Tribunal que uma pena não privativa da liberdade é insuficiente e inadequada para fazer face às necessidades de prevenção geral e especial presentes no caso concreto, pelo que será o arguido condenado numa pena de prisão.
ii. Determinação da medida concreta da pena
Ora, tendo-se determinado a escolha pela pena de prisão, refira-se, uma vez mais, que para o crime de detenção de arma proibida, o referido artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006 prevê uma moldura pena abstracta de 1 mês – nos termos do artigo 41º, nº1 do Código Penal – até 4 anos.
Cumpre assim, atendendo às finalidades das penas, determinar a medida em concreto da pena de multa para cada um dos crimes verificados.
Tendo em conta o artigo 71º do Código Penal, esta determinação deverá ser efectuada em função da culpa do agente, tal como previsto no nº2 do artigo 40º do CP e das exigências da prevenção, previstas no nº1 do mesmo artigo.
O primeiro critério a ter em consideração são as exigências de prevenção geral, através das quais se determina o quantum da pena que satisfará aquelas exigências de forma mais cabal e se determina o limite mínimo, o quantum de pena abaixo do qual não se pode ficar por forma a não se frustrarem aquelas exigências.
Dentro desta moldura, a medida concreta da pena irá ser encontrada em função das exigências de prevenção especial, funcionando a culpa, tal como referido no artigo em causa, uma função de limite máximo da pena, delimitando o seu máximo inultrapassável.
Posto isto, a determinação da medida concreta da pena será efectuada de acordo com estes critérios, atendendo às circunstâncias que fazem parte do tipo, na sua intensidade e às circunstâncias constantes do nº 2 daquele artigo 71º.
Concretizando.
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As exigências de prevenção geral, que se traduzem na necessidade de consciencializar a generalidade dos membros da comunidade e de reforçar a validade da norma jurídica violada são, no caso em concreto e conforme já referido, elevadas, atento o crime verificado.
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Atendendo ao grau de ilicitude da conduta, ao modo de execução desta e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, considera-se que estas apresentam um grau elevado.
Relativamente ao grau de ilicitude da conduta, seu modo de execução e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, consideram-se de nível elevado, uma vez que o mesmo sabia os fins para que aquele objecto se destinava e ainda assim decidiu tê-lo consigo. Além disso, o objecto encontrava-se em estabelecimento prisional e a sua finalidade seria precisamente a sua utilização nesse estabelecimento, o que aumenta a perversidade e gravidade dos factos.
Em relação à gravidade das consequências, refira-se que o mesmo serviu, conforme resultou também provado, para agredir outro recluso.
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A intensidade do dolo assumiu a sua forma mais grave, conforme oportunamente exposto.
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Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram releva-se o que resulta dos autos, que aquele objecto foi, efectivamente, utilizado como arma de agressão.
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Atendendo à conduta posterior e anterior ao facto, refere-se, de forma negativa, o facto do arguido em sede de audiência de julgamento, ter tentado desresponsabilizar-se da prática da conduta em apreço.
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Atendendo às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como à sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena, e referindo-nos também, face ao que vem sendo exposto, às exigências de prevenção especial em específico, afirme-se que são as mesmas de grau elevado, conforme foi também já referido.
Explicitando, neste ponto, tem-se em consideração, o facto do mesmo ter vários antecedentes criminais registados, sendo notória a sua vivência e conduta contrária ao cumprimento das normas legais, sendo perceptível a desvalorização do arguido quanto às solenes advertências quem lhe vêm sendo feitas.
Em seu favor, tem-se o facto do mesmo não ter qualquer condenação averbada pela prática do mesmo crime ou crime contra o mesmo bem jurídico.
*
Ponderando todos estes factores, as exigências de prevenção geral e especial, a culpa e as condições pessoais do arguido, o tribunal entende por ajustada e adequada a seguinte pena:
- pena de prisão de 2 anos pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência ao artigo 3º, nº2, alínea g) da mesma Lei.
iii. Da (não) suspensão da pena de prisão
O artigo 50º, nº 1 do Código Penal, determina que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, tendo sido determinada uma pena de prisão não superior a 5 anos, cumpre apreciar, se, atendendo aos factores descritos na norma, é possível estabelecer um juízo de prognose favorável, no sentido de ser possível com a simples censura do facto e ameaça de prisão, manter o agente na sociedade e cumprir, desse modo, as finalidades da punição, ou seja, reforçar a validade da norma perante a comunidade e reintegrar o agente na mesma, cumprindo este as regras jurídicas e sociais impostas.
Ora, conforme já vem sendo amplamente exposto, o arguido foi anteriormente condenado, por várias vezes, pela prática de variados crimes, tendo sido condenado em penas de prisão efectiva, o que ainda assim não foi suficiente para o mesmo se abstivesse de voltar a ter condutas contrárias às normais legais.
Mais entra em conta a sua postura e as suas declarações em audiência de julgamento, mostrando não ter qualquer consciência do desvalor e consequências associadas à sua conduta, tentando desresponsabilizar-se da mesma.
Assim, atento ao exposto, o presente Tribunal não considera como possível estabelecer um juízo de prognose favorável de que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão serão suficientes para, em concreto, realizar de forma adequada as finalidades da punição em causa, e que aquele interiorize, de facto, aquele desvalor, perante a iminência de privação efectiva da liberdade, tendo em conta que já se verificou não ser suficiente.
Pelo que não considera também o Tribunal adequada a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do nº 1 do artigo 50º do Código Penal.
v. Da não aplicação do regime de permanência na habitação
Indica ainda o artigo 43º, nº1, al.a) do Código Penal que ”sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) a pena de prisão efetiva não superior a dois anos”.
Vejamos.
Atendendo a que o arguido já foi condenado em penas de prisão efectivas e tal não foi suficiente para que o mesmo interiorizasse a validade e eficácia das normais penais, não é possível estabelecer qualquer juízo de prognose favorável quando ao seu comportamento futuro.
Mais, não tendo o arguido assumido a prática daquelas condutas e demonstrado ter interiorizado o seu desvalor, não se mostra adequado e suficiente este regime face às elevadas exigências de prevenção especial no presente caso, pelo que se impõe o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional.
*
Face ao que vem sendo exposto, considera o presente Tribunal que a única forma adequada é o cumprimento da pena de prisão, de forma efectiva.
(…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do arguido recorrente.
Quanto à alegada errada apreciação da prova e erro de julgamento
O arguido recorrente vem dizer que o Tribunal de julgamento apreciou erradamente a prova, tendo confessado integralmente os factos.
Vejamos.
O Tribunal a quo deu como provado que:
(…)
1. No dia .../.../2021, pelas 18h02, o arguido, enquanto recluso no Estabelecimento Prisional ..., sito em ..., detinha na sua posse, o seguinte objeto:
- uma ripa de madeira, com 58 centímetros de comprimento no total, inserida no interior de uma meia, cuja extremidade se encontra presa com um nó, no qual se encontra inserto um cordel com 86 cm de comprimento para conferir maior aderência à empunhadura, com vista a que no momento do impacto o instrumento não salte da mão do utilizador, construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão.
(…)
Diz ainda o Tribunal recorrido:
(…)
O ponto 1 dos factos dados como provados foi negado pelo arguido, referindo que não tinha na sua posse aquele objecto, mas que, aquando do desacato com o recluso GG alguém o avisou que o mesmo estaria na casa de banho e apenas o foi buscar naquele momento para atacar o referido recluso.
No entanto, desde logo essa versão foi contrariada pelo depoimento da testemunha FF, guarda prisional naquele estabelecimento prisional, que referiu que aquele tipo de objectos não se encontra de qualquer forma pela casa de banho, o que é consentâneo com as regras da lógica.
Além disso, das imagens visionadas, é possível observar que por volta do meio dia houve um desacato entre estes dois reclusos e depois numa hora diferente, às 18, o mesmo aparece já com aquele objecto nas imagens, o que não é consentâneo com o relatado.
Atento o exposto, dá-se assim como provado este facto.
(…)
Não fazendo sentido a impugnação deste facto, passamos a explicar.
O arguido, ouvido em julgamento, não nega a posse do objecto. O que diz é que lhe foi deixado no wc por alguém e que o usou para se defender.
Ora, nada podia ser mais claro, uma vez que o arguido, ao aceitar, na sua versão, ter usado o mesmo pau para se defender, aceita necessariamente que o teve na sua posse.
Assim, como se disse, não faz sentido esta impugnação.
No entanto, ela não faz sentido também quando conjugada a prova para além das declarações do arguido, uma vez que o ofendido diz que não tem lembrança do factos, mas foi feita a apreensão do referido instrumento pelo GP1, que lavrou o auto de apreensão respectivo, que se mostra junto, e remetendo para as condições da apreensão vertidas no auto de notícia, decorrendo destes dois documentos que o pau foi visto e apreendido na posse do aqui arguido.
Por outro lado, vem o arguido dizer que o referido pau lhe foi deixado no wc por alguém e foi disso avisado quando o contendente, de nome HH, se preparava para o agredir a ele com água quente.
Ora, o arguido, para além da causa de justificação que invoca e que adiante se abordará, vem pretender que o Tribunal a quo deia ter dado como provada esta versão, sendo certo que a mesma resulta apenas das declarações do arguido.
Não foi essa a opção do Tribunal a quo que, no âmbito da sua liberdade de convicção e respeitando os limites legais da mesma, considerou que a prova se opunha a esta conclusão frontalmente, pelo que a mesma não deia proceder.
E, em face da prova, mais uma vez, decidiu bem o Tribunal recorrido.
De facto, deu como provado que:
(…)
2. Nessas mesmas circunstâncias, munido com o referido objeto o arguido desferiu várias pancadas no corpo do recluso DD.
3. O arguido tinha conhecimento da natureza e características da arma que detinha, que a sua detenção e uso é proibido por lei penal e ainda assim quis detê-la nas circunstâncias descritas.
4. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
(…)
E fundamentou:
(…)
O ponto 2 dos factos dados como provados foi admitido pelo arguido e é visível nas imagens.
De seguida, os factos vertidos nos pontos 3 e 4 resultam nesse seguimento, das regras da lógica e da experiência comum, uma vez que é do conhecimento da comunidade prisional a proibição da posse daquele tipo de objectos, mais sabendo os mesmos que aquela conduta é contrária às normas legais. Além disso, o objecto, atenta a sua natureza descrita tem apenas uma finalidade, de agressão, finalidade essa que era do conhecimento do arguido, uma vez que a utilizou para tal.
(…)
Ora, se atendermos à prova, temos que, por oposição à versão do arguido que diz que o pau lhe foi deixado no wc e foi disso avisado, tendo-o usado apenas para se defender, vem um elemento da GP dizer que tais objectos não existem tal qual no wc, além de que não passaria pela vistoria da mesma GB a presença daquele nas instalações do wc.
Para além disto, temos o auto de notícia que localiza os factos no hall de entrada do 2º piso do pavilhão …, portanto, não no wc, e temos as imagens de CCTV cujo auto de visualização, junto a fls. 5, é muito claro a afirmar que o arguido já se deslocou para aquele local ocultando na roupa (debaixo do casaco) algo, sendo isso perceptível nas imagens.
Ora, apesar da falha de memória do indicado HH e das declarações do arguido, a prova aponta em sentido diverso, sendo muito evidente que a versão dos factos acolhida pelo Tribunal a quo tem lógica no enquadramento resultante daquela prova, aliás é a única conclusão lógica que se retira da prova, ao contrario da versão do arguido.
Aliás, não é por acaso que o arguido não traz a julgamento a suposta pessoa que lhe terá dado essa informação, é porque, de facto, a normalidade das circunstâncias da vida, mesmo aquelas que têm por referência o especial ambiente de um Estabelecimento Prisional (EP), revelam que a versão do arguido não mostra qualquer suporte em prova [excluídas as suas próprias declarações], sendo absolutamente inverosímil.
Para além de que nenhum sentido faria que um outro recluso deixasse um instrumento dessa natureza num wc, nem sequer conseguindo prever que era o arguido ou outra qualquer pessoa a ir àquele, e para que este se defendesse, sendo certo que nenhum copo de água quente, por outro lado, foi apreendido ao que supostamente seria o seu agressor.
Nada na versão do arguido faz sentido. E quando a essa falta de sentido se soma o sentido unívoco em que aponta a prova, o resultado é, necessariamente, mais uma vez, a comprovação da versão dos factos tal como concluiu o Tribunal a quo.
As declarações do arguido, que o mesmo cita de forma profícua, constituem um meio de prova que deve ser ponderado no conjunto dos restantes, não tendo qualquer força acrescida por ser de arguido, salvo quando constitua confissão integral e sem reservas dos factos.
O que não é, apesar do referido pelo próprio, o caso.
O arguido não confessa os factos, pelo contrário. Pois que os únicos factos a que se podia reportar essa confissão, como o nome indica, são os da acusação, que o arguido aqui contesta através da impugnação que faz da matéria de facto que, na decisão recorrida, tem exactamente o mesmo objecto factual daquela.
O arguido admite a posse e uso do referido objecto. Ainda assim, veio depois ao recurso impugnar essa posse, ao mesmo tempo que admitia ter usado o referido pau para se defender, em manifesta contradição.
Mas o resto da prova não deixa dúvidas.
Razão pela qual é de manter a matéria de facto tal como decidida, cuja fundamentação se mostra adequada e sem contradições ou insuficiências.
Improcede, como tal, nesta parte o recurso.
A alegada causa de exclusão da ilicitude não ponderada pela decisão recorrida - legitima defesa.
O arguido vem dizer que usou de facto o referido pau, mas para se defender de uma agressão do citado HH.
No entanto, nem o arguido apresenta argumentação lógica que sustente esta pretensão e nem essa factualidade se pode retirar da prova.
Já vimos que nada foi apreendido ao referido HH. Pelo que, nem copo e nem água quente, nada permite concluir que o arguido tenha tido de se defender naquele concreto momento de coisa nenhuma.
Por outro lado, um pau sempre seria um objecto de natureza incompatível com a necessidade de preservação da integridade física própria perante uma agressão com uso de mãos e pés.
Note-se, que nem foi o referido HH surpreendido com qualquer copo ou água, como não lhe foi apreendido qualquer objecto que pudesse funcionar como instrumento de agressão.
Pelo que, ainda que estivesse combinado ou previsto um encontro com vista a uma agressão, nada justificava, ainda assim, a posse do referido pau.
Mas, mais do que isso.
É que o auto de visionamento de imagens deixa claro que o arguido ocultaria já na roupa o referido pau quando foi para o local onde se verificou a agressão, pelo que, em rigor, toda a prova aponta no sentido de que o arguido era efectivamente o agressor, que ia munido de instrumento de agressão preparado parasse mesmo efeito.
Ora, nem isto prefigura uma situação de legítima defesa e nem prefigura qualquer situação em que estivesse em causa uma agressão ao arguido que implicasse o uso daquele instrumento.
Aliás, nem mesmo na versão do arguido.
Vejamos.
O artº 32º do Cód. Penal assenta em que constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
São, como tal, pressupostos da legítima defesa a existência de uma agressão actual, bem como a ilicitude da mesma, sendo necessário, para a repelir, que o agente actue com a única vontade de se defender [animus defendendi], já que a lei, ao dizer facto praticado como meio necessário para repelir a agressão, aponta necessariamente no referido sentido.
Como já disse o nosso Supremo Tribunal2:
A legítima defesa, como causa exclusória da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição (3 - Art. 21.º), no Código Civil (4 - Art.os 337.º e 338.º) e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal.
«O reconhecimento desse direito parte do princípio de que a lei não tem que recuar ou ceder, nunca, perante a ilicitude, já que a agressão, sendo ilícita, não lesa apenas um interesse jurídico singular, mas viola também a própria ordem jurídica, o interesse comunitário.
Assim, sempre que alguém seja vítima de uma agressão que não é obrigado a suportar, pode defender-se dessa agressão, repelindo-a, com a certeza de que, defendendo-se, não comete qualquer acto ilícito.
Diz-se então que a resposta a tal agressão ilícita está justificada porque na circunstância o agente se limitou a exercer o direito de legítima defesa» (5 - Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 66).
A sua capacidade exclusória da ilicitude depende da verificação dos seguintes requisitos: - agressão (6 - Agressão - antes de mais o exercício do direito de legítima defesa só é justificável se houver uma agressão por parte de alguém, entendendo-se por agressão todo e qualquer comportamento humano (acção ou omissão) que represente uma ameaça para interesses do defendente ou de terceiro protegidos pela ordem jurídica na sua totalidade (e não só da ordem jurídico-penal). A agressão tem que ser: - actual - isto é, tem que estar em curso, pois a legítima defesa só pode legitimar-se depois de ter começado e antes de ter terminado a agressão, ou seja, enquanto há possibilidade de se repelir a ofensa; - ilícita - a agressão pode não constituir crime, basta que contrarie uma norma geral e abstracta e viole um interesse geral protegido (já não, por exemplo, deveres contratualmente estabelecidos, onde será eventualmente admissível a acção directa ou a legítima defesa, próprias do direito civil - art.os 336.º e 337.º do Código Civil) actual e ilícita (7 - Não se exige que o agressor actue com dolo ou mera culpa, ou que seja criminalmente responsável. Por isso se pode configurar a legítima defesa contra agressões provindas de ébrios, de inimputáveis (v.g. crianças), de pessoas que tenham actuado com base em erro, imprudentemente, etc.); - defesa (8 - Defesa - O exercício do direito de legítima defesa tem que limitar-se a um acto de pura defesa (não se pode aproveitá-la para agredir) e ao defender-se, o defensor só pode reagir a ofensas do próprio agressor e não de terceiros (se o defendente quebra, na defesa, um objecto de terceiro, o dano não está coberto pela legítima defesa, embora o possa estar, eventualmente, pelo estado de necessidade) necessária (9 - Necessidade - a defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade de defesa tem de ser vista em confronto com as circunstâncias em que se verifica a agressão, e, em particular, consoante a intensidade desta, a perigosidade do agressor, a sua forma de actuar e os meios de que se dispõe para a defesa. Assim, a necessidade deve aferir-se objectivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido.) e com intenção defensiva (10 - Vontade de defesa (animus deffendendi) - a defesa tem que restringir-se a uma mera defesa, que, de resto, está claramente expressa na lei, quando o legislador se refere a «... facto praticado como meio necessário para repelir a agressão».).
«Não se refere a lei à proporcionalidade entre a agressão e a defesa (ao contrário do que acontecia com o Código de 1886 - n.º 3 do art. 46.º), isto porque se considerou que não haverá tempo para que o defendente faça uma cuidada valoração dos bens em jogo. Mas se houver uma clara e grande desproporcionalidade entre a agressão e a defesa, só através do instituto do abuso de direito se poderá resolver a situação» (11 - Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 67).
Já o excesso de legítima defesa se situa entre as causas de exclusão da culpabilidade (12 - Matéria em que a lei penal portuguesa não seguiu uma enumeração sistemática das causas de exclusão da culpa, como o fez em relação às causas de exclusão da ilicitude): circunstâncias que impedem que determinado acto considerado ilícito pela lei, seja atribuível de forma culposa ao seu autor, motivos que anulam, pois, o conhecimento ou a vontade do agente.
O excesso de legítima defesa, quando o excesso (dos meios empregados em legítima defesa) resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal) cabe na inexigibilidade de conduta diversa, actuando no domínio da culpa.
Com efeito, ainda que verificados os pressupostos objectivos da legítima defesa, pode-se, porém, exceder - no grau em que são utilizados ou na sua espécie (13 - Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 67) (14 - «Verifica-se o excesso de legítima defesa quando o arguido actuando embora em sua legitima defesa, fê-lo, contudo, com excesso do meio empregado. Nesta situação não se verifica proporcionalidade do meio usado». (Ac. do STJ de 16-01-1990, Proc. n.º 40258)) (15 - «O excesso de legítima defesa só pode existir no "excesso nos meios empregados", mas sempre "em legítima defesa", o que quer dizer que se há-de verificar o condicionalismo da legítima defesa». (Ac. do STJ de 19-06-1991, Proc. n.º 41647). «Para que ocorra uma situação de excesso de legítima defesa, impõe-se que se verifique uma situação de legítima defesa: é que o excesso apenas poderá ocorrer relativamente aos meios empregados». (Ac. do STJ de 31-01-2001, Proc. n.º 2817/00-3)) - os meios necessários para a defesa.
O «excesso nos meios» de que fala a lei, porque é em regra esse tipo de excesso que ocorre, resultante da perturbação profunda que a agressão provoca no agente deve imputar-se a uma culpa mitigada (ao menos em princípio), susceptível de permitir ao juiz que atenue a pena (art. 33.º, n.º 1 do C. Penal), ou não sendo censurável conduzirá à não punição do agente (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal).
O que nos reconduz à consideração da necessidade de defesa e da impossibilidade de recurso à força pública, devendo ter-se em atenção que se, v.g., a ofensa corporal basta para que o ofendido faça suspender a agressão, não deve utilizar-se o homicídio; se se pode suspendê-la recorrendo à força pública não deve utilizar-se a defesa própria.
Mas não pode esquecer-se que «muitas vezes só depois de utilizado um meio é que se ficará a saber se ele bastaria, e não haverá tempo para uma comprovação mental de todos os meios disponíveis». (16 - Figueiredo Dias, Aditamentos, 31)
A analise da factualidade, mesmo daquele que o arguido pretende ter acontecido e que não ficou provada, bem, como já dissemos, remete-nos para a conclusão oposta à pretendida por si: nem se demonstra qualquer agressão actual ou eminente sem possibilidade de recurso a meio alternativo de reacção, nem o referido HH estava na posse de qualquer instrumento de agressão, e nem o animo com que actuou o arguido se provou que, ainda que pudesse ser em excesso, pretendia apenas defender-se.
E, como se disse, das próprias declarações do arguido resulta evidente que, ainda a provar-se o que diz, que não se verifica, não existiu qualquer defesa, nem era seria proporcional ou legal, até porque se tivesse sido avisado antes da contenda teria a obrigação de a evitar e denunciar, o que esvaziaria de conteúdo legítimo também a sua actuação naquelas circunstâncias.
Pelo que, nem uma coisa e nem outra: nem houve qualquer defesa que pudesse ser legitimada e nem o Tribunal a quo devia ter ponderado qualquer causa de justificação da ilicitude.
Improcede, como tal, também este fundamento de recurso.
Subsidiariamente, pugna pela aplicação da pena de multa ou caso não seja a mesma admissível, pela pena de prisão especialmente atenuada e suspensa na sua execução.
O referido artº 86º nº 1, al. d) da Lei nº 5/2006 que é aqui a norma incriminadora prevê uma moldura pena abstracta de 1 mês de prisão (por refª ao artº 41º, nº1 do Cód. Penal) e até 4 anos de prisão.
Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º e ao critério especial previsto no artigo 77º, nº1, ambos do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 3, relevando, na avaliação da personalidade do agente.
Como flui da decisão que acima se transcreveu no fundamental, o Tribunal a quo ponderou todos os critérios a que aludem arts. 70º e 71º daquele mesmo diploma.
De facto,
(…)
Relativamente ao grau de ilicitude da conduta, seu modo de execução e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, consideram-se de nível elevado, uma vez que o mesmo sabia os fins para que aquele objecto se destinava e ainda assim decidiu tê-lo consigo. Além disso, o objecto encontrava-se em estabelecimento prisional e a sua finalidade seria precisamente a sua utilização nesse estabelecimento, o que aumenta a perversidade e gravidade dos factos. Em relação à gravidade das consequências, refira-se que o mesmo serviu, conforme resultou também provado, para agredir outro recluso.
A intensidade do dolo assumiu a sua forma mais grave, conforme oportunamente exposto.
Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram releva-se o que resulta dos autos, que aquele objecto foi, efectivamente, utilizado como arma de agressão.
Atendendo à conduta posterior e anterior ao facto, refere-se, de forma negativa, o facto do arguido em sede de audiência de julgamento, ter tentado desresponsabilizar-se da prática da conduta em apreço.
Atendendo às condições pessoais do agente e à sua situação económica, bem como à sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena, e referindo-nos também, face ao que vem sendo exposto, às exigências de prevenção especial em específico, afirme-se que são as mesmas de grau elevado, conforme foi também já referido.
(…)
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes ao crime em causa (cfr. artº 77º nº1, 2ª parte) como acima se deixou, conclui-se que a pena fixada na primeira instância é benévola para o arguido.
Ao determinar a pena de 2 (dois) anos de prisão, o Tribunal considerou que a mesma devia fixar-se ainda no meio da moldura penal abstracta.
No entanto, o arguido praticou estes factos, de enorme gravidade, durante uma reclusão, sendo certo que a reclusão serve, entre o mais, para afastar os delinquentes da criminalidade da forma mais robusta de que o Estado é capaz, precisamente porque encarcera o indivíduo.
Por outro lado, se há lugar em que nunca se pode vacilar relativamente à afirmação do poder punitivo do Estado é precisamente dentro de um EP, que já é, de sua natureza, um ambiente de contenção, significando isso que o agente que, ainda assim, em reclusão, pratica o crime deve ser exemplarmente sancionado, pois que o EP serve finalidades de reinserção e a vontade delinquente tem de concluir-se como sobretudo manifestada e acentuada quanto a crimes praticados nesse ambiente.
Por outro lado:
(…)
5. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../1991, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../1992, na pena de 4 anos de prisão.
6. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../1991, de um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../1992, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
7. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 3595/94.2..., pela prática, a .../.../1994, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1994, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
8. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../1993, de um crime de dano, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1994, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
9. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 2241/94.9..., pela prática, a .../.../1994, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado a .../.../1995, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.
10. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 241/00.0..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2000, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 400$00.
11. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 246/00.1..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2001, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 200$00.
12. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº ..., pela prática, a .../.../2001, de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2001, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão.
13. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 274/00.7..., pela prática, a .../.../2000, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2002, na pena de prisão de 5 meses, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
14. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 777/99.4..., pela prática, a .../.../2003, de um crime de roubo, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2003, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
15. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 2531/10.5..., pela prática, a .../.../2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2012, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, após revogada por decisão transitada em julgado a .../.../2015.
16. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 988/06.8..., pela prática, a .../.../2006, de um crime de furto simples, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2009, na pena de 1 ano de prisão.
17. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 268/08.4..., pela prática, no ano de ..., de um crime de roubo qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2010, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
18. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 46/14.1..., pela prática, no dia .../.../2014, de um crime de furto na forma tentada, tendo sido condenado, por sentença transitado em julgado no dia .../.../2014, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
19. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 7402/14.3..., pela prática, no dia .../.../2014, de um crime de dano qualificado, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de furto de uso de veículo e uma contraodenação rodoviária, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2015, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses.
20. O arguido foi julgado, no âmbito do processo nº 522/14.6..., pela prática, no ano de ..., de quatro crimes de roubo qualificado, um crime de roubo, um crime de roubo na forma tentada e um crime de furto qualificado, tendo sido condenado, por sentença transitada em julgado no dia .../.../2016, na pena de 10 anos de prisão.
(…)
Como resulta do que acaba de se expor, e sem que se evidencie, para além daquela simples constatação grande necessidade de outras considerações, o arguido tem antecedentes criminais consideráveis, maioria deles por crimes de gravidade considerável, não sendo esta a primeira reclusão.
Atento a que o crime foi, ainda e acima de tudo isto, praticado durante um período desses de reclusão, em nenhum momento podia ter estado em causa a ponderação da eventual fixação de pena que não fosse de prisão e para efectivo cumprimento.
De facto, é sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão de suspender, ou não, a execução das penas, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa.
Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 4.
Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 5.
Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada 6.
A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada desobediente e infractora, e consequente de não se tomar a sério o desvalor de sucessivas condutas ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático.
Concretizando, o crime praticado pelo arguido é objetivamente grave, suscita grande censura e repúdio, viola directamente normas de protecção e segurança, efectivando-se a actuação em ambiente reclusivo, o que potencia, em muito, a gravidade das consequências desta actuação, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial.
O arguido estava, à data dos factos, socialmente desintegrado, recluído, sendo certo que essa reclusão advinha do facto de ter anteriormente várias oportunidades desaproveitadas, concedidas pelos Tribunais em julgamentos anteriores.
O Tribunal a quo fez essa ponderação de forma correcta, nada havendo, como tal, a apontar à decisão recorrida.
Assim, não apenas se impunha a sus condenação em pena de prisão, como a mesma teria sempre de ser efectiva, uma vez que nenhum juízo de prognose favorável é possível fazer a respeito do arguido, importando julgar improcedente a pretensão do arguido também quanto a este fundamento do recurso que interpôs da decisão condenatória proferida aqui pela primeira instância.
Tudo visto, é de considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s e demais encargos legais.
Notifique.
Informe já o TEP e a Comarca desta decisão, com nota de que não transitou e, após trânsito, devolva.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
Hermengarda do Valle-Frias
Carlos Alexandre
Francisco Henriques
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1. Guarda Prisional.
2. Ac. do STJ de 18.04.2002 [Relat. Conselheiro Simas Santos] – www.dgsi.pt\stj..
As notas de rodapé ficam insertas no texto citado.
3. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290ss.
4. . Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344.
5. . ibidem, p. 344
6. ibidem, p. 344 e 345