FALTA INJUSTIFICADA
CONDENAÇÃO EM MULTA
VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
LEGITIMIDADE ACTIVA
INQUIRIÇÃO DE ASSISTENTE POR WEBEX
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade da Relatora)
I - Há lugar a condenação em multa, nos termos do artº 116º do CPP, quando a assistente/demandante é notificada para a morada por ela fornecida nos autos, por via postal simples com prova de depósito (PD), para estar presente em julgamento, na qualidade de demandante e não comparece, nem justifica a sua falta, mesmo se foi decidido pelo Tribunal a quo, prosseguir o julgamento na sua ausência, por se ter considerado não ser a sua presença imprescindível desde o início da audiência.
II – Numa audiência de julgamento, realizada em Novembro de 2024, é legitimo o pedido da assistente aí deduzido, para ser inquirida por Webex ao abrigo do artº 318º/8 do CPP, em virtude de se encontrar a residir no estrangeiro, sendo por isso ilegal o despacho judicial proferido pela Juíza que presidia ao julgamento, que indeferiu tal pretensão.
III – A assistente tem legitimidade para, em nome próprio, e ao abrigo do artº 74º do CPP, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor acusado da violação da obrigação de prestar alimentos aos filhos menores, crime p.p no artº 250º/1/2 e 3 do C.P.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – A demandante e assistente, AA, não se conformou com três despachos proferidos pela Srª Juíza do Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 1, nas sessões da audiência de discussão e julgamento de que tiveram lugar no Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 1, em 07/11/2024:
- o 1º por se ter decidido absolver o demandado/arguido da instância cível, considerando existir falta de legitimidade da assistente para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor acusado da violação da obrigação de prestar alimentos aos filhos menores;
- o 2º por se ter condenado a demandante cível em 2 UC’s de multa – artigos 116º, nº 1, e 117º, nº 2, do C. P. Penal – ficando ambos os despachos exarados em acta);
- o 3º em 14/11/2024 por se ter decidido indeferir a inquirição da demandante por webex, com o fundamento de que já não estavam numa situação de pandemia, e nessa medida deixaram de se verificar os pressupostos legais para a usa realização.
2 – Inconformada com tais decisões, delas recorreu a assistente AA, tendo apresentado motivações que, relativamente a cada um dos três recursos, que terminou com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
-Conclusões do Recurso do Despacho 1, de 07-11-2024:
1 – A Recorrente, salvo devido respeito, não se conforma com o despacho de fls. Proferido a 7 de Novembro de 2024, e que decidiu que “No caso em apreço temos que o lesado nos presentes autos são os dois menores, uma vez que foram estes quem sofreu os danos derivados da conduta do arguido, ele é que é o credor dos alimentos e não a sua mãe. Daqui resulta que é o menor, representado pelos seus pais, quem pode deduzir pedido de indemnização civil, e não a sua mãe em nome próprio. (...) Assim, não pode o Tribunal conhecer de mérito, no que tange ao pedido de indemnização relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados, em nome próprio pela demandante AA. Pelo que, deve o demandado ser absolvido da instância.”.
2 – Isto porque o Tribunal fez uso da possibilidade do artigo 74.° do Código Penal, que restringe a dedução do pedido de indemnização civil ao lesado, no caso os filhos – apenas – à luz da perspectiva do Tribunal, por estar em causa a violação da obrigação de alimentos.
3 – Importa, no entanto, entender que consequentemente à violação de tal obrigação por parte do pai do menor, foi a mãe deste que suportou, nesse período de tempo, todas as despesas e encargos que naturalmente um progenitor tem com um filho, a nível de saúde, educação, alimentação, segurança, entre muitas outras, sem qualquer outro tipo de ajuda económica ou psicológica.
4 - A Assistente, AA, veio em nome próprio deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, por danos não patrimoniais e patrimoniais, na quantia de €5.553,70.
5 - Pese embora a violação da obrigação de alimentos por parte do arguido afecte directamente o seu filho menor, acreditamos que, pela própria natureza desta obrigação – conjunta – tal incumprimento sobrecarrega, necessariamente, o outro progenitor, que passa a ter despesas acrescidas em vários sectores da vida da criança, como a saúde, educação, segurança, alimentação, entre outros.
6 - Ao absolver o arguido da instância, e necessariamente ao recusar o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais à mãe do menor o Tribunal a quo põe em causa o direito da Assistente a ser ressarcida das despesas em ela própria teve de suportar sozinha, endividando-se para fazer face aos encargos inerentes ao dia-a-dia de duas crianças.
7 - As responsabilidades parentais compreendem os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração integrando o dever de auxílio e assistência a obrigação de prestar alimentos, conforme decorre do artigo 1874º, nº 2, ainda do mesmo Código .
8 - Sendo tais obrigações conjuntas, uma violação da obrigação de prestar alimentos por parte do pai sobrecarrega directamente a mãe do menor não só com despesas acrescidas, pois passa a ter de assegurar sozinha o sustento, a segurança, a saúde e a educação do filho, com os inerentes danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
9 - Sendo a obrigação de prestar alimentos conjunta e, no caso de o obrigado à prestação alimentar faltar totalmente com a sua obrigação, recai sobre o outro progenitor assegurar na íntegra o sustento, a segurança, a saúde e educação do filho, motivo pelo qual terá legitimidade para demandar o outro judicialmente por danos e prejuízos que haja sofrido.
10 – O Tribunal não pode ser alheio ao facto de ter a Assistente Demanante sido obrigada a assegurar a parte que o BB não quis pagar, pois que na vida e educação de crianças não é possível considerar que as mesmas aceitem (possam aceitar), deixar de comer ou estudar ficando credoras de um ou de ambos os progenitores obrigados a alimentos.
11 – Naturalmente que a Mãe e Assistente não permitiu que sofressem qualquer falta, ficando pois ela credora do BB, na referida parte, com todos os danos que tal acarretou e que nesta sede se peticionou.
12 - De acordo com o concretizado no artigo 483.° do CC, a responsabilidade civil extracontratual exige a verificação dos seguintes requisitos i) existência de um facto ilícito (a ilicitude no caso concreto surge da prática de um crime de violação da obrigação de alimentos por parte do pai do menor); ii) A existência de culpa (a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família. É claro que, face as circunstâncias do caso em apreço, e sendo o arguido uma pessoa dotada de discernimento e de capacidade para prever os efeitos/consequências das suas acções, naturalmente sabia que ao violar tal obrigação, estaria a cometer um crime); iii) A existência de um prejuízo (Como já referido, a violação da obrigação de prestar alimentos sobrecarrega directamente a mãe do menor com despesas acrescidas em variadas áreas da vida da criança, como a sua saúde, segurança, alimentação, educação, entre outras, com os inerentes danos patrimoniais e não patrimoniais) e iv) A existência de um nexo de causalidade (Consagrou-se no artigo 483.°, n°1 do CC a teoria da causalidade adequada, esta que refere que: “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2020, no âmbito do Proc. n° 1846/16.3T9PVZ.P1).
13 - Revela-se, assim, a necessária conexão entre a violação da obrigação de prestar alimentos e os danos causados à mãe do menor, tão estreita que aquela foi causa adequada destes, e estes consequência adequada daqueles.
14. - Evidentemente que as despesas que a demandante refere resultaram directamente para si, por ser a mãe do menor alimentando e, portanto, a quem compete, legalmente, assegurar o pagamento das suas despesas correntes e pugnar pelo exercício dos direitos do filho – faltando o contributo do pai, ora arguido.
15. - Salvo devido respeito, consideramos que o Tribunal a quo não pode, nem deve ignorar o peso suportado pela mãe, e demandante, de uma obrigação que deve necessariamente impender sobre os dois progenitores.
16 – Encontram-se ainda verificados todos os pressupostos para a responsabilidade civil presentes no artigo 483.º do CC.
Face à matéria ora alegada deverá, salvo o sempre devido respeito por melhor entendimento, ser revogado o douto despacho e substituído por outro que admita a legitimidade da Assistente Demandante para a dedução do seu Pedido de Indemnização Civil, assim se fazendo a costumada
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-Conclusões do Recurso do Despacho 2, de 07-11-2024:
1 – A Recorrente, salvo o devido respeito, não se conforma com o despacho de fls, proferido a 7 de Novembro de 2024 e que decidiu que ““Quanto à ausência da assistente AA, por se encontrar regularmente notificada, condeno a mesma em 2UC’S de multa – artigos 116º, n°1, e 117°, n°2 do C.P.Penal.”.
2 - Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/05/1992, no âmbito do Proc. nº 9250246, “I - A lei impõe que o julgamento se efective mesmo que não estejam presentes os representantes do assistente ou das partes civis, salvo no caso de crime dependente de acusação particular. II -
E faculta que a audiência de julgamento decorra sem a presença obrigatória dos assistentes e das partes civis.”.
– Pelo que a sua comparência em Audiência de Julgamento, enquanto Assistente, não é obrigatória.
3 – Acresce que além de não ser obrigatória, era ainda prescindível, tendo sido promovido o início do Julgamento, mesmo sem a sua presença.
4 – Como referido no Acórdão n° 237/2008 do Tribunal Constitucional, no âmbito do Proc. 62/07, “(...) a norma que manda impor ao faltoso o pagamento de uma “soma” não se destina, ou não se destina apenas, a reprimir a falta em função do resultado concreto, mas a sancionar a desobediência à ordem de comparência, enquanto conduta potencialmente lesiva da boa administração da justiça, que transcende esse resultado ou o perigo concreto.”.; e, por voto vencido de Mário José de Araújo Torres, “(...) Nesse contexto, a única solução constitucionalmente conforme ao princípio da proporcionalidade será conferir ao tribunal a faculdade de, atentas as circunstâncias do caso, sancionar ou não essa falta.”.
5 – Ora, não comparecer em Julgamento, na qualidade de Assistente, não constitui, só por si, uma conduta lesiva à boa administração a justiça, tendo em conta que a sua presença foi dada como não imprescindível para a descoberta da verdade material.
6 – Desta forma, e com o devido respeito, não deve a mesma ser condenada ao pagamento de multa nos termos apresentados no despacho de 7 de Novembro de 2024 (artigos 116°, n° 1, e 117°, n°2 do CPP).
7 - Por outro lado, admitindo-se que a par da posição de Assistente, a ora Recorrente igualmente assumiria a posição de testemunha, então tal notificação para comparência em Tribunal deveria ter sido expedida por correio registado com aviso de recepção, apenas se admitindo eventual condenação em multa caso se verificasse que efectivamente teria sido notificada para a diligência sem que tivesse comparecido e justificado eventual falta – o que in casu não sucedeu.
8 - Verifica-se que a referida notificação de 12 de Setembro de 2024, conforme registo citius com a referência ..., a Assistente é notificada por PD para, na qualidade de Demandante, estar presente.
9 – Contudo, na mesma sessão em que a Assistente vai condenada em Multa de duas 2UCs, é proferido despacho, pela Mma Juiz do Tribunal a quo a rejeitar a admissibilidade do pedido de indemnização civil por si deduzido, pelo que não se percebe o motivo pelo qual a mesma vai condenada por faltar a diligência cujo pedido teria sido rejeitado (Conforme despacho ora produzido em sede de audiência).
Face à matéria ora alegada deverá, salvo o sempre devido respeito por melhor entendimento, ser revogado o douto despacho que condena a Assistente em Multa de 2 UCs, assim se fazendo a costumada
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-Conclusões do Recurso do Despacho 3, de 14-11-2024:
1 – A Recorrente, salvo o devido respeito, não se conforma com o despacho de fls, proferido a 14 de Novembro de 2024 e que decidiu que “Quanto à requerida inquirição da mesma por webex, uma vez que já não estamos numa situação de pandemia, deixaram de se verificar os pressupostos legais para a usa realização, pelo que se indefere o requerido, sendo que, sendo do interesse da assistente ser presente na presente diligência, deverá o mesmo providenciar pela sua presença na data que vier a ser designada, pelo que se indefere o requerido.”
2 – O pedido da Assistente para ser inquirida via 1-Webex foi indeferido, mesmo sabendo o Tribunal que esta reside no estrangeiro, e que portanto, a comunicação por meios à distância será, neste caso, o meio mais viável a fim de evitar deslocações dispendiosas e logisticamente complexas para aquela.
3 – O artigo 318º, nº 8 do CPP na sua letra diz-nos que “Sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais ou europeus, o assistente, partes civis ou testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridos através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.” – o que necessariamente implica que a Assistente tem pleno direito de ser inquirida através de meios electrónicos de comunicação, por de facto residir fora do município de Lisboa, em França.
4 – Tal como espelhado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2024, no âmbito do Proc. 148/21.8PPPRT.P1, supracitado, o Webex continua a ser uma via tecnológica de comunicações dentro da área da justiça, mesmo depois do fim da Pandemia de Covid-19.
5 – Sendo possível alcançar o mesmo fim, – de realizar a Audiência de Julgamento – através de um meio mais célere, que não coloque em causa o decorrer do processo, e que não obrigue a Assistente a realizar uma viagem de França até Portugal, através do Webex, então deve a Assistente ser inquirida por esta via.
6 – Meios de comunicação como o Webex não esgotam a sua utilidade em situações de calamidade ou de extrema necessidade, tendo o potencial de, no processo em questão, ser uma ferramenta de suporte e de apoio à celeridade do processo, evitando contratempos e despesas desnecessárias para a Assistente e o próprio Tribunal.
7 - Ora, considerando que havia efectivamente sido informado aos Autos a residência da Assistente no estrangeiro – França – tal facto deveria ter sido considerado pela Mma Juiz a quo, tendo em conta que residindo esta no estrangeiro, e portanto, “fora do município” como referido pelo número 8 do artigo 318º do CPP, a mesma teria o direito a ser ouvida por instrumento de comunicação à distância – na letra da Lei, neste sentido “(..) são inquiridos através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real (..).”
8 - Quando requerida a sua inquirição vulgo “Webex” ou outro sistema de comunicação tecnológica nos termos da Lei, tal destinar-se-ia a evitar à parte – residente em França - duas viagens de avião, transportes, deslocações a tribunal para apenas uma breve diligência na Amadora (veja-se que estavam marcados mais de 5 julgamentos para as 9h00 do referido dia 14 de Novembro de 2024 pelo que a velocidade impressa às referidas diligências era necessariamente acelerado).
9 - No entanto, o Tribunal a quo rejeitou tal possibilidade, sendo-lhe depois pedido que comparecesse em Tribunal, em sede de Audiência de Julgamento, em Portugal, no dia 4 de Dezembro de 2024, facto impossível à assistente, a qual foi forçada a abandonar o Pais em busca de melhores condições de vida, e discutindo-se nos presentes Autos a falta de pagamento atempado da pensão de alimentos devidos aos seus dois filhos menores, pelo BB.
10 – Efectivamente, pela falta de pagamento da devida pensão, foi a Assistente forçada a recorrer a empréstimos pessoais, cujo pagamento agora está a fazer, e a mudar de País em busca de melhores condições de vida, não dispondo – pois, de meios económicos suficientes para fazer face aos encargos expectáveis da deslocação exigida pelo Tribunal a quo.
11 - Salvo o devido respeito por douto entendimento, consideramos que carece de razão o tribunal a quo, ao indeferir o pedido da Assistente.
Face à matéria ora alegada deverá, salvo o sempre devido respeito por melhor entendimento, ser revogado o douto despacho, admitindo-se – e sua substituição – nos termos e para os efeitos do disposto no nº8 do artº 318º do CPP a requerida presença por equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real assim se fazendo a costumada
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3- Os 3 recursos da assistente na 1ª instância, foram admitidos por despachos de ........24 e de ...-...-2024.
4- O Ministério Público na 1ªinstância, apresentou respostas a cada um dos recursos, pugnando pela manutenção dos despachos recorridos, tendo terminado as suas respostas, com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
- Resposta ao Recurso do Despacho 1, de 07-11-2024 (Conclusões):
1. Veio o arguido recorrer do Douto Despacho datado de 07/10/2024 – ref.ª ..., o qual indeferiu o pedido de indemnização civil, apresentado em nome próprio pela assistente, contra o arguido, sendo que, estando em causa o crime de violação da obrigação de alimentos, o pedido teria de ser apresentado em nome dos menores.
2. Assim sendo, e porque estamos perante uma questão pacífica na jurisprudência, concordamos, como acima se referiu, com os fundamentos do despacho ora recorrido, os quais damos por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, porquanto, somos do entendimento que a Assistente, ora recorrente, não tem legitimidade para deduzir o pedido de indemnização civil contra o arguido, em nome próprio.
3. Nesse sentido, e a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/09/20210, in www.dgsi.pt “ (...) A mãe do menor não tem legitimidade para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor com base na violação de prestar alimentos ao filho menor. Os danos não patrimoniais sofridos pela mãe do menor não radicam no crime de violação da obrigação de alimentos pelo que deve ser absolvido da instância o demandado pai do menor (...). (negrito e itálico nossos).
4. Pelo exposto, e porque o Despacho recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura, pugnamos pela sua manutenção.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
- Resposta ao Recurso do Despacho 2, de 07-11-2024 (Conclusões):
1. Veio a Assistente recorrer do Douto Despacho datado de 07/10/2024 – ref.ª ..., proferido na audiência de discussão e julgamento, realizada naquela data, o qual a condenou em multa por falta a acto processual.
2. A Assistente foi regularmente notificada para a morada indicada nos autos, nunca tendo, em momento algum, requerido qualquer alteração de morada, ainda que se mostre notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145.º Código de Processo Penal – ref.ª 19612967, de 04/10/2021, pelo que, e assim sendo, a mesma se encontrava regularmente notificada, e não compareceu na data designada para a diligência.
3. Acresce que, em momento algum veio a Assistente requerer qualquer justificação da falta, sendo que, só na audiência de discussão e julgamento de 14/11/2024 – ref.ª ..., foi tal morada indicada, pelo que, e sem mais delongas atenta a simplicidade da questão, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ao condenar a assistente, ora recorrente, nos moldes em que o fez.
4. Pelo exposto, e porque o Despacho recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura, pugnamos pela sua manutenção.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
- Resposta ao Recurso do Despacho 3, de 14-11-2024 (Conclusões):
1. Veio a Assistente recorrer do Douto Despacho datado de 14/11/2024 – ref.ª ..., proferido na audiência de discussão e julgamento, realizada naquela data, o qual indeferiu a inquirição daquela por Webex.
2. Assim, como já promovido naquela audiência de discussão e julgamento de 14/11/2024, mantém o Ministério Público a oposição à realização da inquirição da assistente por Webex, por entender que este tipo de meio apenas se destinou a ser utilizado aquando da Pandemia de Covid-19, sendo que se desconhece as condições sócio-económicas da requerente, bem como, o facto da mesma residir no estrangeiro, atendendo que, da consulta da base de dados nacional referente à sua identificação, a mesma tem morada em território nacional, bem como, inexiste qualquer registo de que a mesma labore no estrangeiro – ref.ª ..., de 23/01/2025.
3. Pelo exposto, e sem mais delongas atenta a simplicidade da questão, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ao indeferir a inquirição da assistente por Webex, ora recorrente, nos moldes em que o fez.
4. Pelo exposto, e porque o Despacho recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura, pugnamos pela sua manutenção.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
5- Nesta Relação de Lisboa, a Srª Procuradora-Geral Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu parecer, onde considera merecerem provimento os recursos 1 e 3, não merecendo provimento o recurso 2, nos seguintes (transcritos) termos:
1. Os Recursos
A assistente AA interpôs recursos dos despachos de 07/11/2024 e de 14/11/2024, proferidos pelo Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 1.
No despacho de 07/11/2024, o Tribunal a quo absolveu o arguido da instância cível, por falta de legitimidade da assistente/demandante cível para, por si só, deduzir pedido de indemnização cível contra o arguido, pois que, estando em causa o crime de violação da obrigação de alimentos, os lesados com o crime são os menores e o pedido teria de ser apresentado em nome destes.
A recorrente entende ter sido lesada com o cometimento crime e, como tal, deter legitimidade para por si só demandar o arguido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu com a omissão dolosa do pagamento das prestações alimentícias devidas pelo progenitor devedor, o arguido, pois foi ela que teve de as suportar.
Nesse mesmo despacho, o Tribunal a quo condenou a recorrente em multa por, regularmente notificada, não ter comparecido em julgamento nem justificado a falta.
A recorrente entende que não deveria ter sido condenada em multa porque a sua presença não era obrigatória, era prescindível e por ter sido notificada na qualidade de demandante cível e o pedido rejeitado.
No despacho de 14/11/2024, o Tribunal a quo indeferiu a inquirição da agora recorrente por Webex por não se estar numa situação de pandemia, tendo-se deixado de verificar os pressupostos legais para a sua realização.
A recorrente entende que, residindo em França, e ao abrigo do disposto no art. 318º, nº 8, do CPP, poderia ser inquirida à distância através de Webex ou de outro meio.
2. Resposta do Ministério Público na 1ª instância
O Ministério Público respondeu aos recursos rebatendo os seus fundamentos, defendendo o mérito dos despachos recorridos e o não provimento daqueles.
3. Posição do Ministério Público no TRL
Analisados os despachos recorridos e os fundamentos dos recursos, divergimos da nossa Colega da 1ª instância quanto ao recurso que versa sobre a legitimidade da assistente/demandante cível para, por si só, deduzir pedido de indemnização cível contra o progenitor dos menores, o arguido, e quanto ao recurso que versa sobre a utilização do Webex na inquirição da assistente.
Quanto ao despacho de 07/11/2024, entendemos assistir razão à recorrente, precisamente pelos fundamentos a que faz apelo no recurso, em que assentou o acórdão do TRP de 02/12/2020, proferido no Proc. 1846/16.3T9PVZ.P1, por ela citado para defender a sua pretensão, disponível em www.dgsi.pt.
Resumidamente, a recorrente, mãe dos menores, embora não seja a vítima do crime de violação da obrigação de alimentos, foi diretamente lesada com o seu cometimento, pois que a não satisfação das prestações alimentícias aos menores pelo progenitor devedor, o arguido, e vivendo estes com ela, que exerce as responsabilidades parentais, foram por ela obrigatória e necessariamente supridas, em lugar do progenitor devedor, para prover às necessidades materiais dos menores resultantes dessa omissão. Nesta estrita medida, a recorrente ficou lesada com o cometimento do crime.
Quanto ao despacho de 07/11/2024, e a utilização do sistema Webex na inquirição da assistente, afigura-se-nos ser o mesmo possível atento o disposto no artº 318º, nº 8, do CPP, por se tratar de meio de conversação à distância, via internet, mediante a transmissão de imagem e som em tempo real, pois que a recorrente demonstrou na audiência de 07/11/2024 residir em França, na morada que indicou, ser esta conhecida do arguido e também no processo que regula as responsabilidades parentais, para além dos incómodos e encargos inerentes às deslocações a Portugal, para estar presente no julgamento.
Neste sentido, para além do ac. do TRP de 10/01/2024 citado pela recorrente, decidiu o ac. do TRC de 22/11/2023, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “8. A leitura que fazemos do n0 8 do citado artigo 3180 do CPP faz-nos concluir que «o local da sua residência» é a residência do declarante, entendida como centro de vida (se a lei quisesse referir-se a tribunal ou local público tê-lo-ia dito, como disse nos n0s 1 e 6 da norma). 9. Esta solução legal do n0 8 do artigo 3180 do CPP configura, afinal, uma alternativa válida e perfeitamente susceptível de permitir ao juiz da causa apreciar das condições da prestação de declarações, pela percepção audiovisual que da mesma tem no decurso da diligência, podendo avaliar, adequadamente, da credibilidade ou não do depoimento assim prestado, estando garantida a imediação.”].
Desta forma, somos de parecer que os dois assinados recursos merecem provimento, não o merecendo o outro.
6- Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P, tendo a assistente apresentado a seguinte (transcrita) resposta: “AA, Assistente melhor identificaao nos Autos à margem referenciados, tendo sido notificada do douto parecer da Dignissima Senhora Procuradora-Geral de fls, vem nos termos e para os efeitos do disposto no artº 417° n°2 do Código de Processo Penal, responder o seguinte:

Tal como decorre da acta de 7 de Novembro de 2024, a fls, a Assistente foi condenada em multa por alegadamente não ter comparecido em audiência nem justificado a falta., tendo tal condenação sido promovida “(...) Quanto à ausência da assistente AA, a Digna Magistrada do Ministério Público disse, por se encontrar regularmente notificada, promovo a sua condenação em multa – artigos 116°, n° 1, e 117°, n° 2, do C. P. Penal.”

Sucede que, na referida audiência, a mandatária que assegurou o seu patrocinio comunicou ao Tribunal que a mesma se encontrava fora do País, não tendo a mesma recebido qualquer notificação (que de resto viria a ser devolvida aos Autos) sem que tal justificação tivesse sido tida em consideração.

Ora, tendo presente tal facto, também o recurso interposto da pena de multa de 2 ucs a que foi condenada deverá ser julgado procedente.
Pede Deferimento
7- Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II- Fundamentação
Delimitação do objecto do Recurso ou questões a decidir:
Do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2º edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. artº 402º, 403º/1, 410º e 412º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).
As questões colocadas pela assistente recorrente, a apreciar por este Tribunal ad quem, são as seguintes:
A) – Na acção crime, interposta por violação da obrigação de prestar alimentos a filho menor ilícito p.p no artº 250º/1/2 e 3 do C.P, praticado por um dos progenitores, tem legitimidade o outro progenitor, para deduzir por si só, em nome próprio, pedido de indemnização cível contra o agente do crime, invocando danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos na sua esfera jurídica ?
B) – Há lugar a condenação em multa, nos termos do artº 116º do CPP, quando o assistente é notificado para a morada por ele fornecida nos autos e não comparece em audiência de julgamento, nem justifica a sua falta?
C) – Numa audiência de julgamento realizada em Novembro de 2024, é legitimo o pedido da assistente aí deduzido, para ser inquirida por Webex ao abrigo do artº 318º/8 do CPP, sendo por isso ilegal o despacho proferido em 14.11.2024, que indeferiu tal pretensão?
III- Fundamentação de Facto
Em 14.12.23, a assistente deduziu acusação onde acompanha a acusação pública e deduziu Pedido de indemnização cível nos seguintes transcritos termos:

O BB e a Assistente são Pais de CC e de DD, nascidos a .../.../2014 e .../.../2010, respectivamente.
2.°
Por decisão homologada a ... de ... de 2019, nos Autos de Regulação das Responsabilidades Parentais que sob o n° 1344/19.3... correram os seus termos pelo Juízo de Família e Menores da ..., fixou-se — por sentença —que o BB ficaria obrigado a pagar à Assistente, a título de alimentos, a quantia mensal de €100,00, por cada menor, por transferência a efectuar entre 1 e 5 de cada mês, sendo tal prestação actualizada a partir de Outubro de 2020.
3.º
Ficou igualmente estipulado que "as despesas medicamentosas, médicas, incluindo as consultas de psicologia, escolares, incluindo ATL e centro de estudos, e com as actividades extra-curriculares previamente acordadas entre os pais, seriam igualmente pagas por ambos os progenitores, em partes iguais, mediante comprovativo, a pagar no prazo de 15 dias, com excepção do ATL e centro de estudos, que devem ser pagos até ao dia 5 do mês respectivo.
4.°
Sucede que como o arguido não procedia ao pagamento da pensão de alimentos do modo estipulado pelo tribunal, a progenitora instaurou um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, por apenso aos autos supra referidos e a que foi atribuído o númerci 1344/19.3...-A.
5.°
Por sentença datada de 12 de Março de 2020 e transitada em julgado a 20 de Abril de 2020 nos referidos Autos, o arguido foi condenado a pagar a pensão de alimentos com recurso a penhora do seu vencimento.
6.°
Contudo, no que concerne às despesas medicamentosas, médicas, incluindo as consultas de psicologia, escolares, incluindo ATL e centro de estudos, e com as actividades extra-curriculares previamente acordadas entre os pais, o arguido recusa o seu pagamento, não tendo pago despesas com material escolar, vestuário especifico para as aulas, saúde e apoio ao estudo dos seus filhos, no que respeita aos meses de Setembro e Outubro de 2020 no montante de €553,70 (quinhentos e cinquenta e três euros e setenta cêntimos) — conduta que, de resto, persiste até hoje.
7.°
Apesar disso, o arguido estava em condições de efectuar o pagamento de tais montantes atempadamente, o que ainda assim decidiu não fazer.
8.º
BB é vigilante da empresa ..., auferindo em 2020 o valor mensal líquido de €765,57 acrescido de prémios e subsídios.
9.º
Por outro lado, a Assistente, Mãe das crianças, a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais, não consegue com o seu salário mensal fazer face às despesas mensais de educação, alimentação, saúde e vestuário das crianças, não dispondo de meios económicos e suficientes para satisfazer plenamente as suas necessidades a esses níveis.
10.°
A Assistente já teve de pedir ajuda à sua Mãe para suportar as despesas com os seus filhos.
11.º
O BB sabia que estava obrigado por lei, e na sequência da decisão proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais, a pagar mensalmente os montantes supra referidos aos seus filhos menores, o que não fez.
12.º
O arguido tinha perfeito conhecimento de que não pagando pontualmente tais quantias colocava em risco a alimentação, saúde, vestuário e educação dos seus filhos.
13.°
Ainda assim, nada fez para que tal não sucedesse, conformando-se com a situação a que deu caso e não e não se absteve de levar a cabo, de forma e reiterada e injustificada — até hoje — a conduta supra descrita.
14.°
O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, e com perfeito conhecimento da ilicitude da sua conduta.
Assim, cometeu o EE, de forma dolosa e em autoria material, dois crimes de violação da obrigação de alimentos previstos e punidos pelos rrtigos 14° nº 26° e 250° nºs 1, 2 e 3 do Código Penal.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

Dá-se aqui por integralmente reproduzida, para os devidos efeitos legais, a factualidade descrita na acusação particular.

O comportamento de indiferença e persistentemente desinteressado do BB relativamente aos filhos causaram na Assistente tristeza e forçaram a assistente a ter de pedir ajuda a terceiros, causando-lhe vergonha e embaraço.

Sentimentos que têm impacto directo na sua actividade profissional.

Por outro lado, as crianças são privadas de determinados apoios que poderiam melhorar o seu desempenho escolar e crescimento feliz.

Igualmente o seu desenvolvimento pessoal e escolar é limitado não podendo a Assistente dar aos seus filhos acesso a toda a oferta existente por falta de meios.
6 º
Muitas vezes a Assistente abdica de adquirir bens e serviços para si, para que possa impedir que algo falte aos seus filhos.

Dispõe o artigo 129° do Código Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de crime, é regulada pela lei civil.

A tristeza, angústia e ansiedade sofridos pela Assistente são consequência directa e necessria da conduta ilícita do BB e merecem, inequivocamente, pela sua gravidade e pelo seu carácter reiterado, tutela jurídica ao abrigo do artigo 496.° do Código Civil.

A prática dos referidos factos ilícitos por parte do BB conferem à Assistente o direito a ser indemnizada, nos termós do disposto no artigo 483° do Código Civil, pelo que reclama a título de indemnização por danos morais o pagamento de €5.000,00 (cinco mil euros) justificados pela tristeza, dor, sofrimento e ansiedade causados.
10°
A que deverão acrescer os montantes devidos e não liquidados pelo BB, e que em 2020 ascendiam a de €553,70 (quinhentos e cinquenta e três euros e setenta cêntimos).
11°
O BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da ilicitude da sua actuação moral e legalmente repreensível.
Nestes termos, E nos demais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá deverá o presente pedido ser julgado procedente, por provado, condenando-se em consequência o Demandado a pagar a quantia de € 5.000 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais e a quantia de €553,70 (quinhentos e cinquenta e três euros e setenta cêntimos) relativos aos alimentos vencidos e não pagos e, ainda, em custas e custas de parte.
Para tanto, requer a V. Exa. Se digne notificar o BB para contestar, querendo.
A Decisão recorrida
Os referidos despachos foram proferidos nos seguintes termos (transcritos):
- Despacho 1, de 07-11-2024:
Veio a assistente/demandante AA, em nome próprio, deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido pedindo a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais a quantia de €5.553,70.
Questão Prévia:
Dispõe o artigo 74º do Código Processo Penal que “o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime”.
No caso em apreço temos que o lesado nos presentes autos são os dois menores, uma vez que foram estes quem sofreu os danos derivados da conduta do arguido, ele é que é o credor dos alimentos e não a sua mãe.
Daqui resulta que é o menor, representado pelos seus pais, quem pode deduzir pedido de indemnização civil, e não a sua mãe em nome próprio.
Sobre esta matéria já se debruçou a jurisprudência que entende que a mãe do menor não tem legitimidade para, em nome próprio, deduzir pedido civil contra o arguido/progenitor com base na violação da obrigação de prestar alimentos ao filho menor (Acórdão da Relação de Coimbra, de 29.09.2010, Processo nº 462/06.2TATMR.C2)
Mais recente, o Acórdão da Relação do Porto de 11-06-2014 (relatado por Augusto Lourença, CJ, 2014, T3, pág.252) entendeu que “a acção penal pelo crime de violação da obrigação de alimentos não pode ser prosseguida pela mãe das menores, que, sendo assistente no processo, se socorreu do incidente de natureza cível para obter o pagamento dos alimentos em dívida às filhas”.
Ou seja, os danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados pela mãe dos menores, apesar de associados à conduta do arguido, não são danos autónomos, mas antes uma consequência dos danos provocados nos menores.
Pelo que não se pode afirmar que a mãe dos menores sofreu, directamente, danos ocasionados pelo crime, visto que as vítimas são os menores, pelo que a demandante não pode ser vista como lesada, mas antes como alguém que, reflexamente, surge na qualidade de terceiro, faltando-lhe, legitimidade para, nestes autos, demandar o arguido nos termos em que o fez.
Logo, não sendo «lesada» pelo crime, não são indemnizáveis, no processo penal, os danos reflexos ou indiretos. (neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 01.07.2015)
Assim, não pode o Tribunal conhecer de mérito, no que tange ao pedido de indemnização relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados, em nome próprio pela demandante AA.
Pelo que, deve o demandado ser absolvido da instância.
Notifique.
-Despacho 2, de 07-11-2024:
Quanto à ausência da assistente AA, por se encontrar regularmente notificada, condeno a mesma em 2 UC’s de multa – artigos 116º, nº 1, e 117º, nº 2, do C. P. Penal.
-Despacho 3, de 14-11-2024:
Uma vez que a assistente tal como o arguido tem a obrigação de indicar aos autos qual a sua morada atual e correta verificando-se que não o fez nos presente autos, não tendo o tribunal a obrigação de saber a morada que esta indicou no processo de família e menores que decorre no ..., só pode o Tribunal considerar a mesma regularmente notificada para a sessão transata bem como para a do dia de hoje. Assim sendo, mantem-se a condenação em multa aplicada na sessão passada, considerando-se, no entanto, a falta justificada para o dia de hoje desde que o Ilustre Mandatário informou que a mesma está no estrangeiro.
Quanto à requerida inquirição da mesma por webex, uma vez que já não estamos numa situação de pandemia, deixaram de se verificar os pressupostos legais para a usa realização, pelo que se indefere o requerido, sendo que, sendo do interesse da assistente ser presente na presente diligência, deverá o mesmo providenciar pela sua presença na data que vier a ser designada, pelo que se indefere o requerido.
Para realização da audiência de julgamento designo o próximo dia 4 de dezembro de 2024, pelas 9 horas.
Notifique.
Analisando
A) – Na acção crime interposta por violação da obrigação de prestar alimentos a filho menor p.p no artº 250º/1/2 e 3 do C.P, praticado por um dos progenitores, tem legitimidade o outro progenitor, para deduzir por si só, em nome próprio, pedido de indemnização cível contra o agente do crime, invocando danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos na sua esfera jurídica ?
A assistente, AA, veio em nome próprio, deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido, por danos não patrimoniais e patrimoniais, no valor de €5.553,70.
E não se conformou com o despacho judicial proferido a 7 de Novembro de 2024, pelo qual o Tribunal a quo decidiu que “No caso em apreço temos que o lesado nos presentes autos são os dois menores, uma vez que foram estes quem sofreu os danos derivados da conduta do arguido, ele é que é o credor dos alimentos e não a sua mãe. Daqui resulta que é o menor, representado pelos seus pais, quem pode deduzir pedido de indemnização civil, e não a sua mãe em nome próprio. (...) Assim, não pode o Tribunal conhecer de mérito, no que tange ao pedido de indemnização relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados, em nome próprio pela demandante AA. Pelo que, deve o demandado ser absolvido da instância.”.
Reclama assim, do facto de o Tribunal a quo, ter interpretado o artigo 74° do Código Penal, no sentido de que tal preceito restringe no caso em apreço, a dedução do pedido de indemnização civil aos filhos – e apenas a estes, porquanto na perspectiva do Tribunal, está em causa a violação da obrigação de alimentos e apenas os filhos são titulares do direito à pretação de tais alimentos.
Quid Juris?
No crime violação da obrigação de prestar alimentos a filho menor, p.p no artº 250º/1/2 e 3 do C.P, o bem jurídico protegido pela incriminação é a satisfação das “necessidades fundamentais” do titular do direito a alimentos – sendo que por necessidades fundamentais entendem-se não apenas as necessidades do nível da subsistência, mas também as necessidades inerentes ao modo de vida normal do alimentado, desde que não sejam sumptuárias.
Neste contexto, claramente que os menores, filhos deste casal - do pai aqui arguido, a quem é imputado o supra mencionado crime e da mãe assistente, que ficou obrigada a suportar a totalidade dos encargos inerentes ao dia a dia das crianças – são os únicos credores do direito a alimentos e nessa medida, são eles sem dúvida no caso presente, os únicos ofendidos, titulares do bem jurídico tutelado por esta norma penal.
Mas agiu mal o Tribunal a quo, quando por força da violação dessa obrigação de alimentos, restringiu o direito de exigir ao autor/agente deste crime, o pagamento duma indemnização cível, apenas aos ofendidos menores, pelos danos directamente por estes sofridos.
São sem dúvida os filhos menores do casal, os ofendidos directos do crime imputado ao pai, arguido aqui demandado civilmente no processo crime, mas como bem sublinhou a demandante, nas suas conclusões (5 a 8), pese embora a violação da obrigação de alimentos por parte do arguido afecte directamente os seus filhos menores, acreditamos que, pela própria natureza desta obrigação – conjunta – tal incumprimento sobrecarrega, necessariamente, o outro progenitor, que passa a ter despesas acrescidas em vários sectores da vida da criança, como a saúde, educação, segurança, alimentação, entre outros. Ao absolver o arguido da instância, e necessariamente ao recusar o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais à mãe do menor o Tribunal a quo põe em causa o direito da Assistente a ser ressarcida das despesas em ela própria teve de suportar sozinha, endividando-se para fazer face aos encargos inerentes ao dia-a-dia de duas crianças. As responsabilidades parentais compreendem os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração integrando o dever de auxílio e assistência a obrigação de prestar alimentos, conforme decorre do artigo 1874º, nº 2, ainda do mesmo Código.
Sendo tais obrigações conjuntas, uma violação da obrigação de prestar alimentos por parte do pai sobrecarrega directamente a mãe do menor não só com despesas acrescidas, pois passa a ter de assegurar sozinha o sustento, a segurança, a saúde e a educação do filho, com os inerentes danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Assiste razão à recorrente com esta argumentação, que subscrevemos e fazemos nossa.
Na verdade, entendemos que a assistente tem legitimidade para demandar civilmente o arguido por danos próprios, porquanto não sendo ofendida, é ela também lesada e pode fazê-lo ao abrigo do artº 74º do CPP.
Ou seja, a conduta ilícita do arguido ao praticar este crime, foi sem dúvida causa adequada de outros danos, que afectaram a mãe das crianças, titulares do direito aos alimentos, e tais prejuízos são danos autónomos - porque sofridos directamente na sua esfera jurídica – (ponderando a teoria da causalidade adequada) e nessa medida são tais danos indemnizáveis, razão pela qual tem a assistente legitimidade para demandar civilmente o arguido, nos termos do artº 71º e 74º do CPP.
Como bem ficou sublinhado pela recorrente (conclusão 12 e 13), no caso em apreço sem dúvida que se verificam: A existência de um prejuízo (a violação da obrigação de prestar alimentos, vai sujeitar e sobrecarregar directamente a mãe do menor a suportar despesas acrescidas, em variadas áreas da vida da criança, como a sua saúde, segurança, alimentação, educação, entre outras, com os inerentes danos patrimoniais e não patrimoniais) e por outro lado, A existência de um nexo de causalidade porquanto se revela existir uma necessária e tão estreita conexão entre a violação da obrigação de prestar alimentos e os danos causados à mãe do menor, já que aquela foi causa adequada destes, e estes consequência adequada daqueles.
Cconsagrou-se no artigo 483°, n°1 do CC a teoria da causalidade adequada, nos termos da qual: “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2020, no âmbito do Proc. n° 1846/16.3T9PVZ.P1).-
Nesta medida subscrevemos e acompanhamos também o que foi defendido pela Srª Procuradora Geral Adjunta, no seu parecer lavrado nesta Relação:
a recorrente, mãe dos menores, embora não seja a vítima do crime de violação da obrigação de alimentos, foi diretamente lesada com o seu cometimento, pois que a não satisfação das prestações alimentícias aos menores pelo progenitor devedor, o arguido, e vivendo estes com ela, que exerce as responsabilidades parentais, foram por ela obrigatória e necessariamente supridas, em lugar do progenitor devedor, para prover às necessidades materiais dos menores resultantes dessa omissão. Nesta estrita medida, a recorrente ficou lesada com o cometimento do crime”.
O recurso da assistente é pois julgado provido, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que dê andamento à acção civil, nos seu termos legais.
B) – Há lugar a condenação em multa nos termos do artº 116º do CPP, quando o assistente é notificado para a morada por ele fornecida nos autos e não comparece em audiência de julgamento, nem justifica a sua falta?
Dispõe o artº 116º/1 do CPP: “Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso no pagamento de uma soma entre 2 UCS e 10 Ucs.”
E por sua vez dispõe o artº 117º/2 do CPP: “A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.”
Na audiência de 7.11.2024, sob promoção do MP, a Srª juíza que presidia ao julgamento, condenou a faltosa assistente, proferindo o seguinte despacho que ficou exarado em acta: “Quanto à ausência da assistente AA, por se encontrar regularmente notificada, condeno a mesma em 2 UC’s de multa – artigos 116º, nº 1, e 117º, nº 2, do C. P. Penal”.
Veio a assistente interpor recurso desta condenação, alegando o que a presença da assistente não é obrigatória (artº 332º/1 e artº 331º/1 do CPP), que a mesma se encontrava a residir no estrangeiro na data do julgamento e que a sua presença não foi considerada relevante para a descoberta da verdade material, cfr consta da promoção do MP que ficou exarada em acta: “Mais promovo que se dê início ao julgamento na sua ausência, por se considerar não ser a sua presença, desde o início, imprescindível para a descoberta da verdade material – artº 333º, nº1 do C.P.Penal”.
Conclui assim que:
Ora, não comparecer em Julgamento, na qualidade de Assistente, não constitui, só por si, uma conduta lesiva à boa administração a justiça, tendo em conta que a sua presença foi dada como não imprescindível para a descoberta da verdade material.
Desta forma, e com o devido respeito, não deve a mesma ser condenada ao pagamento de multa nos termos apresentados no despacho de 7 de Novembro de 2024 (artigos 116°, n°1, e 117°, n°2 do CPP).
Por outro lado, admitindo-se que a par da posição de Assistente, a ora Recorrente igualmente assumiria a posição de testemunha, então tal notificação para comparência em Tribunal deveria ter sido expedida por correio registado com aviso de recepção, apenas se admitindo eventual condenação em multa, caso se verificasse que efectivamente teria sido notificada para a diligência sem que tivesse comparecido e justificado eventual falta – o que in casu não sucedeu.
Verifica-se que na referida notificação de 12 de Setembro de 2024, conforme registo citius, com a referência ..., a Assistente é notificada por PD para, na qualidade de Demandante, estar presente.
Ora, não comparecer em Julgamento, na qualidade de Assistente, não constitui, só por si, uma conduta lesiva à boa administração a justiça, tendo em conta que a sua presença foi dada como não imprescindível para a descoberta da verdade material.
Desta forma, e com o devido respeito, não deve a mesma ser condenada ao pagamento de multa nos termos apresentados no despacho de 7 de Novembro de 2024 (artigos 116°, n°1, e 117°, n°2 do CPP).
Por outro lado, admitindo-se que a par da posição de Assistente, a ora Recorrente igualmente assumiria a posição de testemunha, então tal notificação para comparência em Tribunal deveria ter sido expedida por correio registado com aviso de recepção, apenas se admitindo eventual condenação em multa caso se verificasse que efectivamente teria sido notificada para a diligência sem que tivesse comparecido e justificado eventual falta – o que in casu não sucedeu.”
Quid Juris?
Não assiste razão à assistente.
Conforme referiu no seu recurso, em 12 Setembro de 2024 - vde registo citius com a referência ... -, a assistente é notificada por via postal simples com prova de depósito (PD), para a morada por ela fornecida nos autos, para estar presente em julgamento na qualidade de demandante (artº 145º do CPP), na sessão de 7.11.2024 e não compareceu nem justificou a sua ausência.
Ora dispõe o artº 145º/1 do CPP o seguinte:
Nº 1: “Ao assistente e às partes civis, podem ser tomadas declarações a requerimento seu ou do arguido, ou sempre que a autoridade judiciária o entender conveniente.(…);
Nº 5: Para efeitos de serem notificados por via postal simples, nos termos da alínea c) do nº 1do artº 113º/1 do CPP, o demandante com a faculdade de se constituir assistente, o assistente e as partes civis indicam a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
Nº 6: A indicação para efeitos de notificação, nos termos do nº anterior, é acompanhada da advertência de que as posteriores notificações serão feitas para a morada indicada no número anterior, excepto se for comunicada outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria, onde os autos se encontram a correr nesse momento”.
Desta forma, as declarações a tomar à assistente, mesmo que entretanto perdesse a qualidade de demandante (por decisão tomada também pela Srª Juíza na sessão de 7.11.2024, ao absolver o arguido da instância nos termos acima já analisados), constituíam um meio de prova relevante, de que nem o MP nem a Srª Juíza prescindiram, ao contrário daquilo que equivocadamente, parece transparecer do seu recurso.
Uma coisa, é poder dar-se início à audiência sem a presença da assistente regulamente notificada (porque assim o permite o artº 331º/1 do CPP) quando se entende, como foi o caso, que a sua presença não é imprescindível desde o início da audiência, outra coisa bem distinta é considerar que essas declarações não são importantes para a descoberta da verdade e tal conclusão nunca foi considerada/assumida pelo Tribunal a quo no caso em apreço, que manteve o interesse na sua inquirição (o que se compreende atenta a natureza do ilícito em causa, que respeita à violação da obrigação de alimentos, devidos aos filhos do casal, sendo o autor do crime o progenitor masculino).
Por outro lado, compulsados os autos, resulta como já foi dito supra, que a assistente estava regularmente notificada para a sessão de julgamento de 7.11.2024, na morada que havia fornecido nos autos (registo citius com a referência ...) e nessa sessão de julgamento, não foi invocado nem comprovado, qualquer motivo que justificasse a sua ausência – nada consta da acta, nem foi junto qualquer documento pelo seu advogado.
Assim, apenas na sessão de julgamento posterior de 14.11.2024, em que se verificou de novo a ausência da assistente, veio o seu mandatário, requerer a justificação da sua falta, invocando a residência da sua cliente no estrangeiro, e que a sua nova morada havia sido entretanto comunicada no processo do Tribunal de família, tendo sido atendida tal explicação e justificada pelo Tribunal a quo, a falta da recorrente à sessão de 14.11.2024 – sendo porém mantida a condenação pela falta ocorrida em 7.11.2024.
Resulta assim, tal como aliás foi e bem, sublinhado pelo MP, na sua resposta ao recurso “A Assistente foi regularmente notificada para a morada indicada nos autos, nunca tendo, em momento algum, requerido qualquer alteração de morada, ainda que se mostre notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145º Código de Processo Penal – refª ..., de 04/10/2021, pelo que, e assim sendo, a mesma se encontrava regularmente notificada, e não compareceu na data designada para a diligência.
Acresce que, em momento algum veio a Assistente requerer qualquer justificação da falta, sendo que, só na audiência de discussão e julgamento de 14/11/2024 – ref.ª ... no citius - foi indicada a nova morada de França, pelo que, e sem mais delongas atenta a simplicidade da questão, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ao condenar a assistente, ora recorrente, nos moldes em que o fez”.
Repare-se que efectivamente, resulta do preceituado no artº 331º/1 do CPP o seguinte: Sem prejuízo do disposto no art 116º do CPP, a falta do assistente, de testemunhas, peritos ou consultores técnicos ou das partes civis, não dá lugar ao adiamento da audiência. O assistente e as partes civis são, neste caso, representados para todos os efeitos legais pelos respectivos advogados constituídos”.
O que significa, que independentemente do depoimento das pessoas faltosas indicadas neste preceito (no caso a assistente), não dar lugar ao adiamento da audiência e poder ser agendada a sua inquirição para outra sessão de julgamento, se houver interesse nessa prestação, como sucedeu no caso em apreço, aquilo que se visa sancionar com esta condenação prevista no artº 116º do CPP, é o dever que impende sobre os sujeitos processuais devidamente notificados, de colaborarem com a justiça e sem dúvida que em 7.11.2024, ao não comparecer em audiência, apesar de devidamente notificada, sem apresentar tempestivamente qualquer justificação, a assistente foi autora de uma conduta lesiva da boa administração da justiça.
Neste sentido, veja-se o Ac do TC. citado pela própria assistente no seu recurso: de acordo com o Acórdão nº 237/2008 do Tribunal Constitucional, proferido no âmbito do Proc. 62/07, “(...) a norma que manda impor ao faltoso o pagamento de uma “soma” não se destina, ou não se destina apenas, a reprimir a falta em função do resultado concreto, mas a sancionar a desobediência à ordem de comparência, enquanto conduta potencialmente lesiva da boa administração da justiça, que transcende esse resultado ou o perigo concreto.”.; e, por voto vencido de Mário José de Araújo Torres, “(...) Nesse contexto, a única solução constitucionalmente conforme ao princípio da proporcionalidade será conferir ao tribunal a faculdade de, atentas as circunstâncias do caso, sancionar ou não essa falta.”.
Por tudo o acima exposto, o despacho recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura, devendo o mesmo ser mantido na íntegra.
Este recurso da assistente é julgado não provido na íntegra.
C) – Numa audiência de julgamento realizada em Novembro de 2024, é legitimo o pedido da assistente aí deduzido, para ser inquirida por Webex ao abrigo do artº 318º/8 do CPP, sendo por isso ilegal o despacho proferido em 14.11.2024, que indeferiu tal pretensão?
Em sede de audiência de julgamento, na sessão de 14.11.2024, pelo advogado da assistente, foi requerido que esta pudesse prestar depoimento por via “webex” (ou outro sistema de comunicação tecnológica nos termos da Lei), em virtude de residir em França e dessa forma evitar despesas de deslocação a Portugal.
Mais fundamentou a sua pretensão, alegando que a sua mudança para França foi motivada pela falta de pagamento da pensão de alimentos do arguido aos filhos de ambos, que obrigou a assistente a abandonar Portugal, em busca de melhores condições de vida, não dispondo por isso de meios económicos suficientes, para fazer face aos encargos expectáveis da deslocação ao Tribunal, para aqui ser inquirida pessoalmente em juízo.
Esta pretensão da assistente foi indeferida, mediante a prolação do seguinte despacho que ficou exarado em acta: “Quanto à requerida inquirição da mesma por webex, uma vez que já não estamos numa situação de pandemia, deixaram de se verificar os pressupostos legais para a usa realização, pelo que se indefere o requerido, sendo que, sendo do interesse da assistente ser presente na presente diligência, deverá o mesmo providenciar pela sua presença na data que vier a ser designada, pelo que se indefere o requerido”.
Veio insurgir-se a assistente, contra tal indeferimento, por meio da interposição de recurso, invocando não haver razão para o mesmo, face ao preceituado no artº 318º/8 do CPP, pelo que veio pedir a revogação de tal despacho e que seja permitida a sua inquirição por via de equipamento tecnológico que viabilize a comunicação por meio visual e sonoro em tempo real.
Quid júris?
Dispõe o artº 318º/8 do CPP “Sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais ou europeus, o assistente, partes civis ou testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridos através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.”
A assistente entende que este preceito legal, necessariamente implica que a mesma tem pleno direito de ser inquirida através de meios electrónicos de comunicação, por de facto residir fora do município de Lisboa, em França, na data da realização do julgamento.
Com efeito, ponderando que a redação deste preceito foi introduzida pela Lei nº 40-A/2016 de 22.12, e vigorando por isso já em período prévio à pandemia causada pela CoVid 19, não se entende a razão de ser do despacho proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria.
Efectivamente veio a assistente alegar nas suas conclusões (4 a 6) : Tal como espelhado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2024, no âmbito do Proc. 148/21.8PPPRT.P1, supracitado, o Webex continua a ser uma via tecnológica de comunicações dentro da área da justiça, mesmo depois do fim da Pandemia de Covid-19.
Sendo possível alcançar o mesmo fim, – de realizar a Audiência de Julgamento – através de um meio mais célere, que não coloque em causa o decorrer do processo, e que não obrigue a Assistente a realizar uma viagem de França até Portugal, através do Webex, então deve a Assistente ser inquirida por esta via.
Meios de comunicação como o Webex não esgotam a sua utilidade em situações de calamidade ou de extrema necessidade, tendo o potencial de, no processo em questão, ser uma ferramenta de suporte e de apoio à celeridade do processo, evitando contratempos e despesas desnecessárias para a Assistente e o próprio Tribunal.”
Subscrevemos e acompanhamos por inteiro, tal argumentação que fazemos nossa.
E podendo essa inquirição da assistente realizar-se por via Webex, com a captação de som e imagem em tempo real, fica necessariamente salvaguardado o princípio da imediação na produção da prova, uma vez que o Tribunal a quo, não fica impedido de ter contacto “quase” directo com aquela pessoa, que por essa via presta declarações.
Este foi também aliás, o entendimento da Srª Procuradora Geral Adjunta, expresso no seu parecer lavrado nos autos:
“Quanto ao despacho de 07/11/2024, e a utilização do sistema Webex na inquirição da assistente, afigura-se-nos ser o mesmo possível atento o disposto no artº 318º, nº 8, do CPP, por se tratar de meio de conversação à distância, via internet, mediante a transmissão de imagem e som em tempo real, pois que a recorrente demonstrou na audiência de 07/11/2024 residir em França, na morada que indicou, ser esta conhecida do arguido e também no processo que regula as responsabilidades parentais, para além dos incómodos e encargos inerentes às deslocações a Portugal, para estar presente no julgamento.
Neste sentido, para além do ac. do TRP de 10/01/2024 citado pela recorrente, decidiu o ac. do TRC de 22/11/2023, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “8. A leitura que fazemos do n0 8 do citado artigo 3180 do CPP faz-nos concluir que «o local da sua residência» é a residência do declarante, entendida como centro de vida (se a lei quisesse referir-se a tribunal ou local público tê-lo-ia dito, como disse nos n0s 1 e 6 da norma). 9. Esta solução legal do n0 8 do artigo 3180 do CPP configura, afinal, uma alternativa válida e perfeitamente susceptível de permitir ao juiz da causa apreciar das condições da prestação de declarações, pela percepção audiovisual que da mesma tem no decurso da diligência, podendo avaliar, adequadamente, da credibilidade ou não do depoimento assim prestado, estando garantida a imediação.”].
Concluindo, consideramos que a pretensão formulada pela assistente, é legítima, está devidamente fundamentada e tem cobertura legal no artº 318º/8 do CPP.
Pelo exposto, o recurso da assistente neste ponto é julgado inteiramente procedente.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar não provido o recurso interposto pela assistente quanto ao despacho proferido na audiência de 7.11.2024, que a condenou em 2 UCs, ao abrigo do artº 116º/1 e artº 117º/2 do CPP, nos termos acima expostos e em consequência manter esse despacho recorrido nos seus precisos termos.
b) Condenar a assistente em taxa de justiça, que se fixa em 3 (três) Ucs, relativamente ao decaimento neste recurso.
c) Julgar provido o recurso interposto pela assistente do despacho proferido na audiência de 7.11.2024 – despacho com a referência ... que havia absolvido o demandado/arguido da instância cível por falta de legitimidade da demandante –, e em consequência revogar esse mesmo despacho, devendo o mesmo ser substituído por outro, que com base no pedido de indemnização cível formulado pela demandante e admitido nos autos em 27.6.2024, dê prosseguimento à acção cível, nos termos processuais legalmente previstos (artº 71º e segs do CPP).
d) Julgar provido o recurso interposto pela assistente do despacho proferido na audiência de 14.11.2024 – despacho consignado em acta, que havia indeferido a sua pretensão de prestar depoimento por webex o outro sistema de comunicação tecnológica -, e em consequência revogar esse mesmo despacho, o qual deverá ser substituído por outro, que ao abrigo do artº 318º/8 do CPP, dê cobertura ao pedido por ela formulado, uma vez que se encontra a residir no estrangeiro e os equipamentos electrónicos existentes em juízo, permitem a concretização de tal diligência, devendo serem encetados para o efeito, os procedimentos que se revelarem adequados.
e) Em relação aos recursos referidos em c) e d) não há lugar condenação em custas (artº 515º do CPP).

Lisboa, 10.7.2025
Ana Paula Grandvaux Barbosa
João Bártolo
Francisco Henriques