PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
MEDIDA DA PENA
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade da Relatora)

I- Pese embora, na fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor se devam ter em consideração os critérios gerais previstos no art. 71º do Código Penal, o escopo de tal pena funda-se nas razões de prevenção geral ligadas à perigosidade do comportamento do agente no exercício da condução automóvel.
II- O principal índice de perigosidade a considerar encontra-se na taxa concreta de alcoolemia detetada na pessoa do arguido no momento em que exercia a condução, e que, claro está, tenha origem numa atitude livre e deliberada de consumo de bebidas alcoólicas em momento prévio a essa condução.
III- No caso vertente resulta da decisão recorrida que a taxa de alcoolemia detetada ao recorrente é de 1,986 g/l, que o mesmo agiu com dolo eventual e que a pena acessória aplicada é apenas em mais um mês do que o limite mínimo legal possível.
IV- A redução da pena acessória ao mínimo legal como pretendido pelo recorrente seria a expressão de desconsideração pelas exigências de prevenção geral, pela gravidade e perigosidade da sua conduta.

Texto Integral

ACÓRDÃO

1-RELATÓRIO:
Nos autos de Processo Sumário com intervenção de Tribunal Singular 594/25.8PFLRS que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures, Juiz 1 foi proferida sentença, cujo dispositivo, ao que nos interessa, é do seguinte teor:
a) Condenar o arguido pela prática, em ........2025, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º1 do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros) o que perfaz a multa de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros);
b) Condenar ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artigo 69º, número 1 alínea a) do Código Penal, devendo apresentar a sua carta de condução neste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto e punido no artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal;
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Inconformado com a decisão condenatória dela recorreu o arguido AA extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
A.O presente recurso tem como objeto a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses, aplicada pelo tribunal a quo.
B.O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
i. No dia ... de ... de 2025, pelas 02:10, na rua ..., o AA conduziu o veículo de matrícula …-..-MZ.
ii. Naquelas circunstâncias de tempo e de lugar apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,986g/l, já deduzida a margem de erro máxima admissível.
iii.O AA vinha de um jogo de futebol do Sporting, no qual tinha estado com familiares e amigos e bebido cervejas.
iv.Nesse dia, com a emoção do jogo, não jantou, e deve ter sido essa a principal razão pela qual apresentava um teor de álcool no sangue tão elevado.
v. No sábado à noite, depois da adrenalina do jogo de futebol, estava cansado.
vi. Os familiares e amigos que estavam com o AA antes deste se ter dirigido ao seu veículo não se aperceberam do estado de embriaguez do AA e nem o impediram de guiar.
vii. Os factos ocorreram durante a madrugada.
viii. O AA não transportava consigo passageiros.
ix. O AA tinha intenção de percorrer cerca de 2,9km.
x. O AA não foi interveniente em qualquer acidente de viação.
xi. Naquele dia não jantou, tendo apenas comido uma bifana.
xii. O AA é Gestor de Clientes no ..., caracterizando-se a sua atividade pela prospeção de áreas de negócio e gestão da relação comercial com os pontos de venda, o que implica que tenha de efetuar deslocações no país.
xiii. O AA aufere €1.900 líquidos e habita com a esposa, gestora de conta, auferindo esta €2.600 líquidos mensais, e não tem filhos.
xiv. O AA paga de empréstimo habitacional uma prestação mensal de €1.500 e a título de crédito pessoal uma prestação mensal de €20 a €30.
xv. O AA tem habilitações literárias até ao 12.° ano de escolaridade.
xvi. O AA não tem antecedentes criminais.
xvii. O AA é visto pelos seus familiares e amigos como uma pessoa inserida, cidadão cumpridor das regras penais.
C. A pena acessória fixada contraria o princípio da proporcionalidade, considerando as circunstâncias concretas dos factos e as condições pessoais do AA.
D. Ficou provada a prática do crime de condução em estado de embriaguez numa altura de baixa circulação rodoviária, durante a madrugada, sem a ocorrência de qualquer acidente ou consequências para terceiros, o que reduz o grau de ilicitude da conduta.
E. Resultou, ainda, provado que o AA não transportava consigo quaisquer passageiros e tinha intenção de percorrer uma distância curta.
F.A atuação do AA foi enquadrada como dolo eventual, demonstrando a modalidade menos gravosa do dolo.
G. Conforme resulta dos factos provados, o AA mostrou-se extremamente arrependido, foi colaborante durante todas as diligências policiais, tendo confessado os factos, o que evidencia uma postura consciente e responsável perante a gravidade do seu ato.
H. As características pessoais do AA, a ausência de antecedentes criminais e a condução exemplar ao longo de 10 anos com carta de condução são fatores que têm um papel determinante na determinação da pena acessória aplicável.
I. A necessidade de carta de condução para o exercício da atividade profissional do AA resultou evidente das declarações do AA bem como do depoimento das testemunhas BB, CC e DD, sendo a sanção de 4 meses manifestamente prejudicial, podendo levar à perda do seu emprego e à sua impossibilidade de subsistência económica.
J. O artigo 69.°, n.°1, alínea c) do Código Penal deve ser aplicado de forma proporcional, tendo em conta as circunstâncias gerais (cfr. artigo 71.° do Código Penal), pelo que a pena acessória mínima, de 3 meses, seria adequada e suficiente face às finalidades de prevenção geral e especial.
K. Em 18 de abril de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 310/17.8GCMTJ.L1-3, em que estava em causa um motorista sem antecedentes criminais condenado por conduzir com uma TAS de 1,938g/l, considerou adequada uma acessória de 3 meses de proibição de condução.
L. Ou seja, num caso extremamente semelhante ao nosso - em termos de TAS verificada e condições pessoais do agente - o Tribunal da Relação de Lisboa já considerou que uma sanção acessória de 3 meses satisfazia as finalidades da punição, respeitando, na mesma medida, as necessidades profissionais do agente.
M. Por outro lado, a aplicação de penas acessórias mais severas em situações de TAS mais elevadas e grau de culpa mais significativo (conforme jurisprudência acima citada) reforça a desproporcionalidade da sanção de 4 meses no caso do AA.
N.A proposta inicial de suspensão provisória do processo pelo Ministério Público atesta a ausência de razões de especial gravidade no caso em apreço, sendo a conduta do AA compatível com a sanção mínima.
O.O único motivo pelo qual o AA não aceitou a suspensão provisória do processo foi o período de inibição de condução proposta - 6 meses - o qual é absolutamente incompatível com a atividade profissional do AA.
P. Ficou provado que o AA está preparado para manter uma conduta lícita futuramente, estando devidamente integrado na sociedade e sendo um cidadão cumpridor da lei.
Q. Por esse motivo, o AA entende que lhe deverá ser aplicada uma pena de inibição de conduzir pelo período mínimo admitido por lei - 3 meses e não 4 meses.
R.É que menos um mês de pena acessória não terá impacto naquilo que é o efeito punitivo pretendido pela sanção - o AA continuará a “sentir na pele” o efeito gravoso da impossibilidade de conduzir -, mas permitir-lhe-á desempenhar a sua atividade profissional e auferir rendimento (neste empregador ou noutro que, entretanto, tenha de encontrar por ter sido despedido) nesse mesmo mês.
S. Assim, atento o grau de ilicitude do facto e as referidas exigências de prevenção, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deverá ser reduzida para 3 meses, período adequado e suficiente para fazer interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do AA à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o AA da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.
Termina requerendo que seja dado integral provimento ao seu recurso e a pena acessória reduzida para o mínimo de três meses.
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Admitido o recurso o Ministério Público do tribunal a quo apresentou resposta extraindo-se da mesma as seguintes conclusões:
1.O recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.°1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária € 8,00 (oito euros), o que perfaz a multa de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros) e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, prevista do artigo 69.°, n.°1, alínea a), do mesmo diploma.
2.Por via do recurso, o recorrente veio manifestar a sua discordância relativamente à medida concreta da pena acessória que lhe foi aplicada, por a considerar excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição, pugnando pela aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, na via pública, pelo período de 3 meses.
3.Todavia, salvo o devido respeito, consideramos que não lhe assiste razão.
4.Com efeito, no momento em que procedeu à determinação da medida concreta da pena acessória, o Tribunal a quo considerou as exigências de prevenção geral (elevadas) e especial (baixas) que se verificavam, o grau elevado da ilicitude dos factos e a elevada culpa do recorrente, em obediência aos artigos 40.° e 71.°, do Código Penal.
5.Portanto, o Tribunal a quo ponderou todas as variáveis necessárias no momento da determinação da medida concreta da pena acessória, a qual se afigura adequada, proporcional e assente em critérios lógicos e racionais, motivo pelo qual deve a decisão recorrida ser mantida in totum.
Termina pugnando pelo não provimento do recurso interposto pelo arguido e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o processo a este Tribunal da Relação, foi emitido parecer sufragando os argumentos constantes da resposta apresentada pelo Ministério Público do tribunal recorrido.
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Uma vez que o parecer não aduz novos argumentos não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente arguido invoca a questão a dirimir é se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em que o recorrente foi condenado deve ser reduzida ao mínimo legal de três meses.
2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
O recorrente insurge-se, no presente recurso, relativamente à medida concreta da pena acessória que lhe foi aplicada de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses.
E, para tanto, refere com maior relevo que:
Ficou provada a prática do crime de condução em estado de embriaguez numa altura de baixa circulação rodoviária, durante a madrugada, sem a ocorrência de qualquer acidente ou consequências para terceiros, o que reduz o grau de ilicitude da conduta.
Resultou, ainda, provado que o AA não transportava consigo quaisquer passageiros e tinha intenção de percorrer uma distância curta.
A atuação do AA foi enquadrada como dolo eventual, demonstrando a modalidade menos gravosa do dolo.
Conforme resulta dos factos provados, o AA mostrou-se extremamente arrependido, foi colaborante durante todas as diligências policiais, tendo confessado os factos, o que evidencia uma postura consciente e responsável perante a gravidade do seu ato.
As características pessoais do AA, a ausência de antecedentes criminais e a condução exemplar ao longo de 10 anos com carta de condução são fatores que têm um papel determinante na determinação da pena acessória aplicável.
A necessidade de carta de condução para o exercício da atividade profissional do AA resultou evidente das declarações do AA bem como do depoimento das testemunhas BB, CC e DD, sendo a sanção de 4 meses manifestamente prejudicial, podendo levar à perda do seu emprego e à sua impossibilidade de subsistência económica.
Ora, vejamos se lhe assiste razão:
A pena acessória é aplicável ao agente imputável em cumulação com uma pena principal dependendo, desde logo, de uma condenação nesta última.
Porém, não é um efeito dessa pena (principal), mas antes uma consequência do crime.
A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, constituindo uma censura adicional pelo facto praticado pelo agente e simultaneamente visa prevenir a perigosidade imanente à norma incriminadora, e, assim, reforçar o conteúdo penal sancionatório da condenação.
Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, a sua determinação concreta deve operar-se de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal e, assim, desde logo os do artigo 40º do Código Penal: a proteção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime sendo que a culpa constitui o seu limite e com os critérios previstos no artigo 71º do mesmo diploma legal.
Apesar da identidade dos critérios base a que se recorre para a sua determinação da medida concreta há, ainda, que ter em conta a natureza e as finalidades específicas da pena acessória que se traduzem em prevenir uma determinada perigosidade do agente revelada pela sua conduta e bem como de prevenção geral.
No caso vertente está em causa uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69º nº1 al. a) do Código Penal cujo pressuposto assenta na consideração que o exercício da condução nas circunstâncias tipificadas no artigo 292º do Código Penal (no caso) se revela especialmente censurável, pois que a conduta em causa revela, além do mais, uma perigosidade acrescida de ofensa aos valores que o crime de condução em estado de embriaguez (no caso) visa proteger.
A perigosidade da condução exercida pelo agente objeto de condenação é, pois, a principal razão de ser da proibição. Todavia, não se prescinde, também, de uma função de prevenção geral por via da intimidação comunitária ínsita na restrição do exercício do direito de conduzir sofrida por quem, de forma criminalmente relevante, conduz estando influenciado pela ingestão de álcool.
Como acima se referiu, pese embora, na fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor se devam ter em consideração os critérios gerais previstos no art. 71º do Código Penal, o escopo de tal pena funda-se nas razões de prevenção geral ligadas à perigosidade do comportamento do agente no exercício da condução automóvel.
Procedeu-se à audição da decisão recorrida a qual foi verbalmente proferida como decorre da respetiva.
A decisão recorrida deu como provados os factos descritos nas conclusões do recorrente e na determinação da pena principal e acessória considerou que as exigências de prevenção geral eram elevadas e as de prevenção especial não, que o recorrente confessou em parte a prática dos factos, manifestou arrependimento, está inserido familiar e laboralmente, não tem antecedentes criminais, a sua culpa é elevada, o grau de ilicitude também elevado, pois, o recorrente ingeriu 5 a 7 cervejas num total entre os 2 e os 2 litros e meio previamente à condução sendo a sua TAS 1,986 g/l, já deduzida a margem de erro máxima admissível, que agiu com dolo eventual, que houve criação de perigo abstrato pois apesar de ser madrugada a condução do recorrente era irregular, circulava no meio da via e assinalou pisca para a esquerda tendo virado para a direita, que não foi interveniente em acidente de viação, e que pretendia conduzir uma distância de 2,9 kms.
A pena acessória de que se insurge o recorrente foi aplicada perto do limite mínimo numa moldura de três meses a três anos.
Atenta a especial natureza da atividade cuja restrição aqui está em causa e a conduta do agente que está na origem da necessidade dessa mesma compressão de direitos, fácil é percecionar que o principal índice de perigosidade a considerar se encontra na taxa concreta de alcoolemia detetada na pessoa do arguido no momento em que exercia a condução, e que, claro está, tenha origem numa atitude livre e deliberada de consumo de bebidas alcoólicas em momento prévio a essa condução.
Com efeito é uma evidência científica que quanto mais elevada for a taxa de alcoolemia detetada mais correspondentemente acentuado o processo de alcoolização do arguido (nomeadamente por via daquela ingestão) e consequentemente mais intensa a sua atitude de desconsideração dos perigos inerentes à decisão de conduzir após esse processo bem como mais intenso o juízo de censura inerente à sua conduta e a perigosidade revelada pelo agente.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de julho de 20164:
«III — O álcool prejudica a habilidade para conduzir veículos pelos seus efeitos no sistema nervoso central atuando como um anestésico geral, tornando lenta e menos eficiente a aquisição e o processamento de informações. Compromete a capacidade de distribuir a atenção entre as diversas tarefas e objetos na condução de um veículo motorizado. IV — O álcool compromete ainda as mais variadas funções, cuja integridade é essencial para a condução de um veículo motorizado com a devida segurança, tais como: o sistema motor ocular; a visão periférica, o processamento de informações; a memória; a performance; a função vestibular e controlo da postura, o que propicia a ocorrência de acidentes. V — Dos vários efeitos causados pelo álcool os principais são os relacionados com a perda de capacidade sensorial face ao meio envolvente, onde a capacidade de atenção e concentração são seriamente afetadas. Na realidade, a perceção visual fica mais reduzida, por distorção de imagem, o que provoca uma incapacidade correta de avaliação quer das distâncias quer das velocidades. Também o tempo de recuperação após um encadeamento é maior, o que aliado ao estreitamento do campo visual resulta numa mistura explosiva para se dar o acidente (…) X — Procura-se, aliás, proteger o próprio condutor dos riscos que, com esse consumo excessivo de álcool, cria para si próprio, mas cura-se também de proteger a vida, a integridade física e o património de terceiros, do perigo representado pelos condutores alcoolizados.».
No caso vertente resulta da decisão recorrida que a taxa de alcoolemia detetada ao recorrente é de 1,986 g/l, que o mesmo agiu com dolo eventual e que conduzia a meio da via, de modo irregular e assinalando pisca para o lado contrário da manobra efetuada.
É certo que o recorrente tem fatores que militam a seu favor como refere a decisão recorrida e se assinala supra, mas a pena acessória que lhe foi aplicada, foi em menos de 1/3 da moldura possível e apenas um mês acima do limite mínimo.
Ademais importa salientar que a condução pelo menos com negligência com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l configura crime nos termos previstos no artigo 292º nº1 do Código Penal e ficou provado que o recorrente agiu com dolo eventual e com uma TAS de 1,986 g/l.
É entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Destarte, a intervenção corretiva do Tribunal Superior no que respeita à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada5.
Ora, o que se pode concluir em face dos factos provados e concreta pena acessória aplicada é pela benevolência da decisão recorrida e não pela sua desproporção por excesso.
O recorrente refere que pode perder o emprego e a sua subsistência económica, mas olvida que essa consequência não decorre da pena, mas sim da sua atuação ilícita. O recorrente tinha opção de não conduzir após ter ingerido as cervejas em questão, mas não foi essa a opção que adotou.
A redução da pena acessória ao mínimo legal como pretendido pelo recorrente seria a expressão de desconsideração pelas exigências de prevenção geral, pela gravidade e perigosidade da sua conduta.
Assim, não assiste razão ao recorrente impondo-se não conceder provimento ao seu recurso.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida – artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais
Notifique sendo ainda do teor do parecer emitido neste Tribunal da Relação.
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 10 de julho de 2025
Ana Rita Loja
Cristina Almeida e Sousa
João Bártolo
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Proferido no processo nº202/16.8PGDL.L1-3
5. Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2022 no processo 1537/20.0GLSNT.L1.S1.