INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
EFEITOS
Sumário

Sumário:
(da responsabilidade do Relator)

A declaração de nulidade por insuficiência de inquérito – entendida como omissão de interrogatório de arguido – não afecta a validade de todo o inquérito. Todos os actos praticados antes da prolação do despacho de encerramento do inquérito permanecem válidos. E, se, assim é, não se justifica que o processo de inquérito seja arquivado, mas sim remetido ao Ministério Público para sanar o vício declarado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
No processo de instrução com n.º 70/14.4TDLSB, foi proferido despacho a .../.../2025 pelo Juiz 2 do Tribunal Central Instrução Criminal que decidiu "declarar a nulidade resultante da insuficiência do inquérito, nos termos previstos no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, declarando nulo o despacho de encerramento de inquérito exarado a fls. 2745 a 2837 e todos os actos posteriores a este nos termos do artigo 122.º do mesmo diploma legal".
Inconformados os arguidos apresentaram as seguintes conclusões:
"1. Por intermédio do despacho aqui recorrido e tal como havia sido arguido pelos Recorrentes no Requerimento de Abertura de Instrução que deduziram, veio a ser firmada a nulidade do Inquérito, nos termos do art. 120.º/2/d) do C.P.P. e porquanto, durante aquela fase processual, o Arguido AA nunca foi como tal interrogado.
2. Porém, decidiu o tribunal a quo, como consequência do reconhecimento da convocada nulidade, anular o despacho de encerramento do Inquérito e todos os actos posteriores a este, determinando a remessa dos autos aos serviços do D.I.A.P. Regional de Lisboa, para aí ser sanada a referida nulidade.
3. Consideram os Recorrentes que, atento o princípio do inquisitório, não podia o tribunal recorrido ter devolvido o processo ao M.P. para que sanasse a dita nulidade.
4. Tal como entendem que tal decisão extravasa as finalidades de instrução que estão expressamente delimitadas pelo art. 286º/1 do C.P.P.
5. Assim e em face da reconhecida nulidade, deveria a Mm.ª Juíza de Instrução Criminal ter decidido pela não pronúncia dos Arguidos – tal como estes peticionaram no R.A.I. que deduziram.
6. Não o tendo feito, encontra-se o despacho recorrido em violação clara do referido art. 286º/1 C.P.P.
7. Crêem os Recorrentes que a interpretação que o tribunal recorrido efectuou da norma ínsita no n.º 1 do art. 286º C.P.P. e do comando inserto no n.º 2 do art. 122º C.P.P., do comando inserto no n.º 2 do art. 122º do C.P.P. e do disposto no art. 308º/3 do mesmo diploma legal, no sentido de, reconhecida, em Instrução, a nulidade do inquérito a que alude o art. 120º/2/d) do C.P.P., ser legítimo ao J.I.C. determinar a remessa dos autos para os serviços do Ministério Público para aí se proceder à sanação de tal nulidade, é inconstitucional por violação do art. 32º/4 e 5/1ª parte – inconstitucionalidade que expressamente se convoca.
8. Pelo que se impõe a substituição do despacho recorrido por outro que decida a não pronúncia dos Arguidos".
O Ministério Público apresentou resposta, tendo concluído pela improcedência do recurso e para tal formulou as seguintes conclusões:
"i. O presente recurso circunscreve-se ao entendimento que não deveria o douto despacho recorrido, reconhecendo a nulidade prevista no art. 120º n.º 2 al. d) do C.P.P., determinar o envio dos autos ao Ministério Público para sanar a nulidade, por considerar violadora do princípio do inquisitório e das normas constitucionais previstas no art. 32º n.ºs 4 e 5 da C.R.P., pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia dos arguidos.
ii. Entende o Ministério Público não assistir razão qualquer aos Recorrentes.
iii. Na fase de instrução, a apreciação e declaração de uma nulidade ocorrida na fase de inquérito não terá como consequência a prolação de despacho de não pronúncia, mas sim o regime dos efeitos da declaração de nulidade previsto no artigo 122° do Código de Processo Penal.
iv. O despacho de não pronúncia apenas deverá ser proferido sempre que os autos não contiverem indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados e nunca porque foi omitido pelo Ministério Público acto obrigatório que afecta a acusação formulada. 
v. O legislador deu primazia aos interesses da economia processual e sustentado na solução de uma estrutura acusatória, procurou circunscrever os efeitos de declaração de nulidade ao acto processual inválido, reduzindo-o ao mínimo indispensável para repor a legalidade processual.
vi. A renovação do acto processual penal inválido poderá ser da competência de entidade diversa daquela que decretou a nulidade. Nestes casos, se a entidade que declarou a nulidade pudesse renovar o acto nulo, a estrutura processual acusatória poderia estar deformada, mas tal não sucede no caso dos autos, na medida em que o processo é precisamente remetido para a fase processual e autoridade judiciária que pode reparar o acto.
vii. Deste modo, afigura-se-nos que nenhuma crítica merece a douta decisão da Mma Juiz de Instrução Criminal ao não proceder à prolação de despacho de não pronúncia.
viii. Ao Ministério Público cabe a promoção do processo, a direcção do inquérito e a elaboração da acusação; e nestas matérias o Juiz não pode intervir. O sistema de fases processuais construído no Código de Processo Penal foi estabelecido em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, conciliando o princípio da independência da Magistratura Judicial com a autonomia do Ministério Público na investigação penal.
ix. Assim, sendo, nenhuma violação dos princípios constitucionais atinentes ao processo penal ocorreu quando a Mma Juiz de Instrução a quo decidiu, na sequência da declaração do vício invocado, pela remessa dos autos ao D.I.A.P. Regional, pois que em nada a douta decisão condiciona ou interfere com os actos cometidos à competência do Ministério Público.
x. O princípio do acusatório, estabelecido no art. 32° n.°5 Ia parte, da C.R.P. densifica-se com a regra de que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento, ou seja, cabe ao Tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilização penal do arguido.
xi. Ora, atento o teor do douto despacho recorrido, em nenhum momento este se direccionou para a realização de diligências de investigação, mas antes para a singela aplicação do disposto no art. 122° do C.P.P. 
xii. Deste modo, não se divisa que a douta decisão recorrida tenha colocado em crise qualquer dos princípios constitucionais que norteiam o processo penal.
xiii. A nulidade do inquérito e ulterior decisão apenas respeita ao arguido AA, podendo os autos prosseguir, com acusação, na parte que à conduta da arguida respeitava, já que esta, em rigor, e como doutamente decidiu a Mma Juiz de Instrução Criminal, foi interrogada quanto ao cerne essencial que configura o objecto do processo.
xiv. Assim, e apenas caso não se entenda que os autos devam regressar à fase de inquérito para suprir a falta de interrogatório do arguido AA e ser emitido despacho de não pronúncia, sem conceder, sempre deveria operar a separação de processos prevista nos termos do disposto no art. 30° ais. b) e d) do C.P.P., prosseguindo os autos com o segmento do despacho de acusação que imputa factos e ilícito criminal à arguida BB e a instrução quanto a esta, com ulterior despacho de pronúncia.
xv. Concluindo-se por fim que não foram violados os preceitos legais e constitucionais invocados pelos recorrentes, devendo improceder, por isso, o recurso ora em apreço.
xvi. Assim, nenhum reparo merece a douta decisão proferida pela Mma Juiz de Instrução Criminal a quo".
Os autos subiram a este Tribunal e nos mesmos o Ministério Público elaborou parecer em que conclui pela procedência do recurso.
Uma vez que o parecer adere às razões fundamentos da resposta não houve (nem tinha de haver) cumprimento do disposto no artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal.
Os autos foram a vistos e a conferência.
2. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr., Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995 e artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Processo Penal).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso que importe decidir e face ao teor das conclusões da motivação apresentadas, nos presentes autos a questão a apreciar respeita à consequência processual da declaração de nulidade do despacho de acusação, por omissão de inquérito.
3. Fundamentação
O despacho recorrido tem o teor que segue:
"O Ministério Público acusou, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos BB e AA, melhor identificados nos autos, pela prática, cada um, de 1 (um) crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º, n.º 1, com referência ao disposto no artigo 386.º, n.º 1, al. d), ambos do Código Penal, "na sua versão vigente à data dos factos (redacção dada pela Lei n.º 32/2010, de 02 de Setembro)".
Os arguidos, requereram a abertura de instrução, nos termos melhor descritos no requerimento para abertura de instrução de fls. 4052 e ss., onde invocaram, entre o mais, a nulidade do inquérito, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP.
Alegam que apesar de a fase de Inquérito dos presentes autos ter perdurado por cerca de 10 anos, o Arguido AA nunca foi interrogado nessa qualidade, e nem sequer foi convocado para o efeito durante a referida fase processual.
Mais alegam que o arguido AA foi constituído arguido durante as diligências de busca e apreensão que se realizaram em .../.../2015, mas que, nessa data, apenas se procedeu a essa constituição, tendo o arguido igualmente prestado TIR nessa data, tendo indicado a morada onde podia ser encontrado e para onde deveriam ser dirigidas as notificações que devesse receber.
Que desde a data de constituição de arguido até à dedução de acusação nunca foi interrogado enquanto tal, pelo que não pode deixar de se considerar que a omissão do respectivo interrogatório consubstancia a nulidade a que alude o art. 120º/2/d) CPP.
Mais alegam, que a referida nulidade também se verifica relativamente à arguida BB, uma vez que apesar de ter sido constituída arguida a .../.../2014 e de ter sido sujeita a interrogatório, nessa qualidade, nos dias ... de ... de 2014, apenas foi confrontada com uma ínfima parte dos factos que vieram a ser-lhe imputados na acusação contra si deduzida (como resulta do confronto dos autos das diligências ocorridas nos mencionados dias 12, 23 e .../.../2014 com a factualidade descrita entre 19 e 32 da acusação pública e em particular com a factualidade alegada em 24), pelo que também relativamente à arguida se verifica a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120º do C.P.P.
Concluem pedindo que seja proferido despacho de não pronúncia, onde se declare a nulidade do inquérito que acarreta a invalidade total do despacho de acusação, nos termos conjugados dos artigos 120.º, n.º 2, al. d), 122.º, n.º 1 e 308.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, pois que, de uma banda, tal nulidade não pode ser sanada em instrução, visto que tal sanação exorbitaria os fins dessa fase processual que se acham tabelados no n.º 1 do art. 286º do CPP e, de outra banda, considerando o princípio do acusatório a que obedece o processo penal português, cremos ser inviável que o JIC possa devolver o processo ao MP, repristinando o Inquérito, para, então, sanar a nulidade observada.
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Por despacho proferido a fls. 4094, cujo teor se dá por reproduzido, o Tribunal decidiu admitir a presente fase instrutória.
Determinou que os autos fossem com termo de vista ao Ministério Público para se pronunciar quanto à nulidade do inquérito invocada pelos arguidos.
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A Digníssima Procuradora da República pugnou pela procedência da nulidade invocada pelos arguidos.
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Cumpre apreciar e decidir, se se verifica a nulidade do inquérito invocada pelos arguidos.
Vejamos pois:
Dispõe o art. 120º, nº 2, al. d), do CPP, que:
«Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
(…)».
A realização do interrogatório a que alude o artigo 272º do Código de Processo Penal não tem uma função delimitadora do objecto do processo, que continua em aberto até à acusação, nem exige a fixação do enquadramento jurídico dos factos mas tão só dar a conhecer o (s) comportamento (s) relativamente ao (s) qual (ais) está em curso uma investigação.
Ou seja, mostra-se legalmente obrigatório, em fase de inquérito, que os arguidos sejam ouvidos em interrogatório nessa qualidade (vide ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº1/2006, de 23-11-2005, in DR, nº1, Série I A de 2-01-2006: A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.)
Vejamos:
O arguido AA, foi constituído arguido e prestou Termo de Identidade e Residência nos autos principais em ........2015 (vide fls. 543 e 544), na sequência de buscas realizadas, sendo que nesse momento o mesmo não foi interrogado enquanto arguido.
No NUIPC 950/18.8... o arguido AA foi constituído arguido em ........2021 (vide fls. 285 a 289 daqueles autos), processo que ulteriormente foi apensado a estes autos e onde foi o arguido confrontado – em momento prévio à apensação – exclusivamente com os factos objecto desse inquérito.
No NUIPC 55/18.1..., o arguido AA foi pessoalmente notificado para ser constituído arguido e para ser interrogado enquanto tal, contudo, não compareceu (vide fls. 2351 e 2352; 2363 a 2365). No entanto, não foi promovida a emissão de mandado de detenção para comparência (vide fls. 2366). Este processo que foi ulteriormente apensado aos autos principais.
Já relativamente à arguida BB, verifica-se que a mesma foi constituída arguida em ........2014 e nessa data interrogada enquanto tal (vide fls. 84 a 90) perante Magistrada do Ministério Público, sendo confrontada com os factos constantes de fls. 4 a 19, e com as suspeitas de que se havia apropriado de quantias em falta em contas-cliente.
Mais se verifica que a arguida foi sujeita a interrogatório complementar no dia ........2014 (vide fls. 153 a 155) perante Magistrada do Ministério Público e confrontada com os factos denunciados pela ... e documentos (apensos 5 e 6), bem como com os factos do NUIPC 2737/14.8...
A arguida foi sujeita a novo interrogatório complementar no dia ........2014 (vide fls. 265 a 267), perante Magistrada do Ministério Público, e confrontada com os factos do NUIPC 3709/14.8...
Pois bem, relativamente à arguida BB cumpre referir que a mesma foi interrogada em três ocasiões e confrontada com a denúncia e documentos da ..., bem como com a conduta (ainda que de forma genérica e anterior a subsequentes apensações) de se apropriar de quantias em falta das contas-cliente.
Assim, conhecia a arguida – pelo menos no seu cerne essencial –, e teve oportunidade de sobre ela se pronunciar, boa parte dos factos objecto dos autos.
Ora, a jurisprudência é clara, e vem entendendo que o acto obrigatório em sede de inquérito é, em princípio, o interrogatório da arguida (salvo excepções legais), não tendo, apesar disso, o seu interrogatório que ser delimitador da investigação e do que venha a ser, mais tarde, um eventual despacho acusatório. Nesse sentido, inter alia, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-05-2022, processo n.º 114/19.3...-9, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 23-05-2007, processo n.º 222/01.7...-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.01.2008, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.06.2022, (disponíveis in: www.dgsi.pt).
Se bem que seja de todo conveniente a audição da arguida sobre os novos factos antes de contra ela ter sido deduzida a acusação, o certo é que a lei, no caso o CPP, não exige nova audição da arguida sempre que surjam factos novos complementares à denúncia inicial e sobre a qual incidiu o interrogatório efectuado.
O Código de Processo Penal não impõe a realização de novo interrogatório e só a omissão de actos de inquérito obrigatórios gera a nulidade por insuficiência de inquérito.
Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no Acórdão nº 72/2012, publicado no DR, II Série de 12-03-2012, no âmbito do qual foi decidido não julgar "inconstitucionais as normas constantes dos artigos 272.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, alínea d), 141.º, n.º 4, alínea c), e 144.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida".
Assim, relativamente à arguida consideramos não estar verificada a nulidade invocada.
Contudo, verificamos que, efectivamente o arguido AA não foi interrogado na qualidade de arguido quanto à matéria deste inquérito (tendo sido interrogado tão-somente quanto a matéria do NUIPC 950/18.8... e quando tal inquérito não tinha sequer sido apensado a estes autos).
Importa, agora, aferir as consequências advenientes da omissão de tal formalidade, as quais resultam do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2006, de 2 de Janeiro de 2006, e no qual se concluiu, que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a sua notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do C.P.P..
Consigna-se que, como bem salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, "na fase de instrução, a apreciação e declaração de uma nulidade ocorrida na fase de inquérito não terá como consequência a prolação de despacho de não pronúncia, mas sim o regime dos efeitos da declaração de nulidade previsto no artigo 122º do Código de Processo Penal.
Assim, identificados os actos que são julgados nulos ou afectados pela declaração de nulidade, importa aproveitar todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
Ao contrário do pretendido pelos arguidos, não haverá lugar a despacho de não pronúncia, pois que este apenas deverá ser proferido quando os autos não contiverem indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados e nunca porque foi omitido pelo Ministério Público acto obrigatório que afecta a acusação pública formulada" (v. neste sentido ac. T.R.E. de 07.02.2017 proc. 402/10.4GCBNV-A.E1; e acs. T.R.P. de 22.03.2023, proc. 2347/20.0T9VLG.P1 e de 05.07.2023 proc. 6669/21.5T9PRT.P1, in www.dgsi.pt)
Assim, considerando quanto supra se deixa exposto, ao abrigo do disposto no artigos 272.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, alínea d), n.º 3, alínea c) e 121.º do Código de Processo Penal decido declarar a nulidade resultante da insuficiência do inquérito, consistente na falta de interrogatório do arguido AA.
Contudo, considerando o teor da acusação pública deduzida nos autos, a imputação penal efectuada pela Digna Magistrada do Ministério, sendo que os factos em análise nos presentes autos, ainda assim, estão numa relação de dependência entre si, pelo que se considera que o procedimento criminal deve seguir em conjunto relativamente a ambos os arguidos, a nulidade ora declarada não pode deixar de afectar todo o processado após a dedução de acusação, incluindo-a, o que se declara, nos termos do disposto no artigo 122.º do C.P.P.
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Em face de todo o exposto, decide-se declarar a nulidade resultante da insuficiência do inquérito, nos termos previstos no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, declarando nulo o despacho de encerramento de inquérito exarado a fls. 2745 a 2837 e todos os actos posteriores a este nos termos do artigo 122.º do mesmo diploma legal.
Notifique.
Sem custas.
Oportunamente, remeta os autos aos serviços do D.I.A.P. Regional".
3.1. Do mérito do recurso.
Da consequência processual da declaração de nulidade do despacho de acusação, por omissão de inquérito.
A questão a dirimir nesta instância recursória consiste na determinação da consequência processual da declaração de nulidade do despacho de acusação por omissão de inquérito.
O tribunal a quo determinou o retrocesso do processo para a fase de inquérito, a fim de ser suprida a nulidade do despacho de acusação.
Os arguidos pugnam pelo arquivamento do processo.
O despacho recorrido declarou a nulidade do "despacho de encerramento de inquérito exarado a fls. 2745 a 2837 e todos os actos posteriores a este", com fundamento na insuficiência de inquérito.
Dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código Processo Penal, sob a epígrafe "nulidades dependentes de arguição", que:
"2 – Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…).
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade".
Declarada a nulidade, terão que ser extraídos os respectivos efeitos.
Dispõe o artigo 122.º do Código Civil, sob a epígrafe "efeitos da declaração de nulidade", que:
"1 – As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2 – A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela".
O despacho recorrido, apenas, declarou a nulidade do despacho de encerramento do inquérito e actos subsequentes, salvaguardando a validade de todos os actos processuais anteriormente praticados.
Esta é a solução ajustada ao caso em análise.
Com efeito, a declaração de nulidade do despacho de encerramento do inquérito resultou da omissão de interrogatório do arguido AA.
As nulidades previstas no artigo 120.º do Código Processo Penal são caracterizadas como nulidade sanáveis.
Esta é a solução encontrada em decisões jurisprudenciais.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/10/2018, proferido no processo 582/13.7TDLSB.L3, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador Artur Varges, foi, assim, sumariado:
"Por via de regra, a invalidade não atinge o procedimento processual em termos globais, mas tão só os actos dependentes que a nulidade possa afectar.
A declaração de nulidade da decisão de arquivamento por insuficiência do inquérito e a remessa dos autos ao Ministério Público, para que o complete com a realização de várias diligências, não implica a invalidade da constituição como arguido"1.
E, no mesmo sentido, se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/04/2025, proferido no processo 185/23.8T9LRA.C1, relatado pelo Senhor Juiz Desembargador João Abrunhosa, assim sumariado:
"I – Só a ausência total de inquérito, consubstanciada na ausência total de diligências de prova durante o inquérito, integra a nulidade de falta de inquérito, do artigo 119.º, alínea d), do Código Processo Penal.
II – A nulidade de insuficiência de inquérito ocorre quando tenham sido preteridas diligências obrigatórias.
III – A omissão de diligências obrigatórias configura nulidade sanável"2.
Desta forma, a declaração de nulidade por insuficiência de inquérito – entendida como omissão de interrogatório de arguido – não afecta a validade de todo o inquérito. Todos os actos praticados antes da prolação do despacho de encerramento do inquérito permanecem válidos. E, se, assim é, não se justifica que o processo de inquérito seja arquivado, mas sim remetido ao Ministério Público para sanar o vício declarado.
Razão pela qual, se confirma o despacho recorrido.
4. Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter o despacho proferido.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UC, cada um – artigo 513.º do Código Processo Penal.
Notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Francisco Henriques
Rui Miguel Teixeira
Carlos Alexandre
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