RECURSO DE REVISÃO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
BURLA
FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO
FURTO QUALIFICADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO
Sumário


I - Para além de ser controversa a verdadeira natureza da revisão – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso -, não oferece qualquer dúvida que o pedido de revisão de sentença transitada em julgado, com tramitação própria e autónoma prevista nos artigos 449.º a 466.º do CPP, não tem efeito suspensivo, do processo ou da decisão, não lhe sendo aplicável o regime dos recursos ordinários.
II – O pedido de revisão (ou mesmo a decisão que autoriza a revisão) não suspende, de imediato, a execução da pena de prisão ou da medida de internamento que esteja em execução. O que poderá suceder é o STJ, no âmbito da revisão, caso a mesma seja autorizada, determinar a suspensão da execução da pena de prisão que o condenado cumpra, «em função da gravidade da dúvida sobre a condenação», como prevê o artigo 457.º, n.º 2, do CPP.
III - O fundamento de revisão consagrado na al. d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, exige não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, pois só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão.
IV - Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que, em processo penal, só há lugar à revisão da sentença, com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado, conforme expressamente imposto pela alínea a), do n.º1, do artigo 449.º do CPP.
V - A acrescer a isso, temos que a alegada nova versão dos factos nem sequer existe, de facto, pois a testemunha nega o conteúdo de tal declaração (o que constituiria o «novo meio de prova» na versão do arguido), pelo que temos de entender que se mantém tudo o que foi apreciado em sede de audiência de julgamento, local onde a testemunha, como referiu agora quando inquirida, relatou a verdade.
VI - Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. O conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão-de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. AA, com os restantes sinais dos autos, invocando como fundamento o previsto no artigo 449.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório de 29.05.2023, do Juízo Central Cível e Criminal de ... (Juiz ...), confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo as suas alegações do modo seguinte (transcrição):

I - A declaração recente de BB, desmentindo seu depoimento original, constitui um novo meio de prova que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação de AA pelo crime de burla simples. Esta declaração sugere falsidade no testemunho anterior e potenciais incongruências nos depoimentos apresentados em julgamento.

II - A recente declaração da testemunha evidencia que o princípio do contraditório pode ter sido violado, uma vez que o tribunal, se tivesse acesso a essa declaração durante o julgamento, permitiria ao arguido confrontar a testemunha e questionar a credibilidade do seu testemunho.

III - Deverá ser investigada a possibilidade de que a testemunha tenha prestado o seu depoimento original sob coação ou influência indevida, o que comprometeria a integridade do julgamento.

IV - A nova prova apresentada fortalece a presunção de inocência do arguido e sugere a possibilidade de um erro judiciário, devendo a justiça penal corrigir tais erros para preservar a integridade do sistema judicial.

V - A nova declaração pode alterar a perceção da gravidade dos atos atribuídos ao arguido, devendo ser reavaliada a adequação e proporcionalidade da pena aplicada.

VI - Consagrado na Constituição da República Portuguesa (art. 18.º,n.º 2) e no CPP, é essencial na determinação das penas.

VII - Um direito fundamental consagrado no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no art. 11.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, justifica a revisão da condenação face à descoberta de novos factos.

VIII - Garantido pelo art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, assegura que todas as partes possam responder a todas as provas apresentadas.

IX - O artigo 126.º, n.º 1 do CPP proíbe provas obtidas por meios coercitivos, assegurando a liberdade e veracidade dos depoimentos.

X - O artigo 453.º do CPP permite diligências indispensáveis para a descoberta da verdade, justificando a reabertura do processo com a inclusão da nova declaração.

XI - Nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, é admissível a revisão de sentença transitada em julgado quando se descobrem novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

XII - Conforme Figueiredo Dias e Germano Marques da Silva, a revisão de sentenças é vital para corrigir erros judiciários e proteger os direitos dos condenados.

XIII - A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça admite a revisão da sentença condenatória quando novos factos ou meios de prova revelem uma probabilidade séria de uma decisão mais favorável ao condenado.

XIV - A determinação da pena deve seguir os critérios do art. 71.º do Código Penal, considerando a culpa do agente e as exigências de prevenção.

XV - A fixação da pena conjunta visa sancionar o agente pelo conjunto dos factos e a personalidade do mesmo, considerando os princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso.

XVI - A suspensão da execução da pena pode ser considerada, desde que adequada e suficiente para as finalidades da punição.

XVII - Diante da nova declaração da testemunha BB e dos fundamentos apresentados, justifica-se a revisão da condenação de AA, com base nos princípios da proporcionalidade, presunção de inocência, contraditório, e integridade dos depoimentos, visando corrigir um possível erro judiciário e assegurar a justiça do sistema penal.

XVIII - E alterada a pena em conformidade com os novos elementos de prova em causa no presente recurso.

Termos em que se requer que seja o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência,

a) Que seja admitido o presente recurso, com fundamento na nova prova apresentada nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP).

b) Que seja anulada a condenação de AA pelo crime de burla simples relacionado com os factos descritos nos pontos 45 a 54 da matéria de facto provada, tendo em vista a nova prova apresentada, que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

c) Que seja reavaliada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao arguido, considerando a nova prova que enfraquece a fundamentação da condenação e a necessidade de proporcionalidade e adequação da pena aos factos efetivamente provados.

d) Que, caso seja mantida alguma condenação, seja considerada a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, dado o juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido e as condições da sua vida pessoal e familiar.

2. O requerimento mostra-se instruído com um documento com os seguintes dizeres:

«DECLARAÇÃO

BB, declara para os devidos e legais efeitos, que as declarações por si prestadas no processo 12/20.8..., relativas a AA não correspondem à verdade, sendo que o mesmo não lhe deve qualquer quantia a qualquer título que seja, nem tem conhecimento que o mesmo tenha praticado quaisquer ilícitos sobre quem quer que seja».

No referido documento consta, manuscritas, a data de 20-06-2024 e uma assinatura.

3. O Ministério Público, junto do tribunal da condenação respondeu no sentido de não ser admissível a revisão, concluindo do seguinte modo (transcrição das conclusões):

1. O Recorrente AA foi condenado nestes autos, por Acórdão já transitado em julgado, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a), n.º 2, al.ª e) e n.º 3, todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª f), n.º 2, al.ª a) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, de quatro crimes de burla simples, p. e p artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 anos e 6 meses de prisão por cada um dos indicados crimes, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, e, na forma tentada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al.ª f) e n.º 2, do Código Penal na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de 8 anos de prisão, do qual veio, agora, apresentar recurso extraordinário de revisão.

2. Para o efeito, invocou, em síntese, que a testemunha BB apresentou declaração desmentindo seu depoimento original, o que constitui novo meio de prova que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação pelo crime de burla simples, sustentando que deve ser reavaliada a adequação e proporcionalidade da pena aplicada.

3. Não obstante, o recurso ora apresentado não contempla qualquer circunstância que satisfaça a sua pretensão e lhe permita, por via do excepcionalíssimo instituto do recurso extraordinário de revisão, revisitar o douto Acórdão proferido nos autos.

4. Sendo o recurso extraordinário de revisão um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, prejudicando a força do caso julgado em favor do princípio da justiça material, assume carácter excepcional e é admitido, apenas, nas hipóteses expressamente previstas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 449.º, do Código de Processo Penal (cf. Ac. STJ de 26-04-2012, R. Rodrigues da Costa).

5. Assim, para que seja admissível o recurso de revisão, exige a alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do Código de Processo Penal, cumulativamente, que haja novos factos ou novos meios de prova e, em simultâneo, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, convergindo num elevado grau de dúvida sobre a justiça da condenação que possibilite a revisão.

6. Para além disso, «A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua “gravidade”» (cf. Ac. STJ, de 13-09-2023, R. Ernesto Vaz Pereira).

7. No caso, para fundamentar a revisão extraordinária, limitou-se o Recorrente a juntar declaração, assinada pela testemunha BB, datada de 20-06-2024, na qual «declara para os devidos e legais efeitos, que as declarações por si prestadas no processo 12/20.8..., relativas a AA não correspondem à verdade, sendo que o mesmo não lhe deve qualquer quantia a qualquer título que seja, nem tem conhecimento que o mesmo tenha praticado quaisquer ilícitos sobre quem quer que seja».

8. Do teor da aludida declaração, sem mais, não se vislumbra que a mesma seja susceptível de criar a dúvida séria e consistente sobre a justiça da condenação, nos termos exigidos por aquele artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.

9.Resulta, aliás, da leitura da motivação do Acórdão recorrido que a prova dos factos em apreço (45 a 54 dos factos provados) se sustentou, essencialmente, nas declarações da ofendida CC, pese embora, «em corroboração», tenha atendido ao declarado pela testemunha BB; aquelas declarações, sendo válidas e credíveis – conforme sustentou a decisão de condenação – são, por si só, suficientes para julgar provados os factos em apreço e, por conseguinte, para a condenação pela prática do crime de burla.

10. As declarações da testemunha BB não se afiguram como elemento essencial à condenação do Recorrente e, por assim ser, ainda que venham a ser retiradas ou alteradas, uma tal alteração não será de molde a inquinar o juízo de condenação formulado.

11. Com efeito, ainda que desmentidas as declarações primeiramente prestadas pela testemunha, a alteração da prova não será suficiente para suscitar dúvidas qualificadas graves sobre a justiça da condenação.

12. Assim, porque resulta à evidência que a pretensão do Recorrente é a de ver reapreciada questão já discutida e assente, porque transitada em julgado, afigura-se-nos manifestamente infundado o recurso extraordinário de revisão interposto, que deve, por falta de fundamento legal, ser rejeitado.

13. Todavia, caso se entenda ser de admitir o recurso extraordinário de revisão – o que por mera cautela se admite –, sempre se dirá, ainda assim, que a alegação do Recorrente carece de fundamento, pois que o Tribunal recorrido decidiu conforme a lei e de forma prudente, justa e adequada e nenhum reparo ou censura merece o douto Acórdão recorrido.

14. Por fim, cumpre acrescentar que a pena aplicada ao Recorrente nestes autos ultrapassa, em muito, o limite máximo dos 5 anos de prisão previsto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, o que impede o Tribunal de procurar fazer um juízo de prognose favorável à sua ressocialização por via de uma pena não privativa da liberdade, sendo certo que, ainda que absolvido do crime de burla ora impugnado – o que por mera hipótese académica se admite –, descontando-se, in totum, o quantum da pena de prisão aplicado pela prática deste crime, manter-se-ia certamente a pena única situada em patamar superior àquele limite máximo de 5 anos de prisão; como tal, por não merecer acolhimento na letra da lei, carece de fundamento a suspensão da pena de prisão requerida pelo Recorrente.

4. No tribunal da condenação, a Mm.ª Juíza titular do processo, nos termos do artigo 454.º do CPP, prestou informação sobre o mérito do pedido do modo seguinte (transcrição):

« A propósito da informação sobre o mérito do pedido, com relevância entende-se que há que prestar a seguinte informação:

AA intentou denominado Recurso Extraordinário de Revisão.

Aduz, em síntese, o Condenado que a Testemunha BB recentemente desmentiu o seu depoimento original, prestado em sede de Audiência e Julgamento.

Junta declaração contendo assinatura manuscrita com os dizeres BB, e com números manuscritos, bem como junta cópia de documento de identificação, alegando tratar-se de novo meio de prova.

*

Considerando o motivo aventado como fundamento da revisão determinaram-se diligências, nos termos do disposto no artigo 453.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, designadamente foi tomado depoimento a BB, para esclarecimento quanto à declaração junta, conforme resulta da acta com a ref.ª ......71, estando a diligência documentada em formato áudio, que permite a reprodução integral da diligência.

*

Na aludida diligência, BB declarou que não elaborou o referido documento, mas reconheceu a assinatura, ali manuscrita e os números também ali manuscritos, como sendo seus. Não se afigurou que a BB tenha faltado com a verdade.

Procedeu-se igualmente à visualização do documento de identificação de que BB se fazia acompanhar e constatou-se que é o mesmo junto com o requerimento de interposição de recurso.

BB instado, várias vezes, referiu que não elaborou o documento em apreço, e efectivamente não se nos afigurou que faltasse com a verdade, até porque o teor do aludido documento vai contra os interesses do declarante.

Ainda assim não podemos deixar de apontar que o depoimento da Testemunha foi contido, quando questionado sobre quem e como lhe foi apresentado o aludido documento e o motivo pelo qual o assinou, como reconheceu. A Testemunha foi neste conspecto titubeante, e afigurou-se que objectivamente não queria falar sobre as questões colocadas, daí que não tenha apresentado uma explicação plausível e cabal para a aposição da sua assinatura no aludido documento, escudando-se em alegado esquecimento.

Mas BB não foi titubeante ao referir que não corresponde à sua verdade o teor da declaração junta, declarando que mantem as declarações que prestou nos autos principais.

Posto isto.

O Acórdão dos autos atendeu quanto aos factos elencados em 45 a 54 ao depoimento da Ofendida CC, corroborado pelo depoimento da testemunha BB. Depoimento este prestado em Audiência de Discussão e Julgamento perante Tribunal Colectivo.

A Testemunha BB, declarou no âmbito das diligências referidas em 453.º do Código de Processo Penal, perante Magistrado Judicial, que não elaborou o documento denominado declaração que se mostra junto com o requerimento de interposição de recurso, embora o tenha assinado, em circunstâncias não concretamente apuradas.

Portanto, salvo melhor opinião, não se nos afigura que a declaração junta, produzida em circunstâncias que se desconhecem, de per si, seja idónea a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do Arguido AA.

Ainda mais quando aliada à circunstância de o depoimento da Testemunha BB prestado nos autos principais, não ter sido por si só essencial para a formação da convicção do Julgador.

Pelo exposto, sem necessidade de mais desenvolvimentos, a nossa informação vai o sentido de não merecer provimento a pretensão do Requerente.

(…).»

5. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, na vista a que alude o artigo 455.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que nada justifica/permite a revisão da decisão transitada em julgado e que “tal como referiu o M.P. na resposta, estamos perante – mais uma – manobra utilizada pela defesa para evitar o cumprimento da pena aplicada ao arguido, o que tem conseguido até agora através de expedientes como o presente em que, de forma manifestamente infundada, requer a revisão da decisão condenatória”, razão por que conclui que deve, “de acordo com o disposto no art. 456.º do CPP, ser negada a revisão e condenado o requerente em quantia a fixar nos moldes referidos na parte final de tal preceito legal.”

6. Notificado da posição assumida pelo Ministério Público, para, em 10 dias, querendo, dizer o que tivesse por conveniente, veio o requerente reiterar a sua posição, além de manifestar o propósito de que seja conferido “efeito suspensivo ao recurso, de modo a evitar a execução de uma pena cuja legitimidade se encontra seriamente questionada”.

7. O requerente (existe alguma controvérsia acerca da verdadeira natureza da revisão – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso) tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP] e este tribunal é o competente [artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP].

8. Realizada a conferência, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do CPP, cumpre decidir, constituindo objeto do pedido apreciar a verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Elementos relevantes para a apreciação do pedido de revisão:

1.1. AA foi, por acórdão de 29.05.2023, do Juízo Central Cível e Criminal de ... (Juiz ...), condenado nas penas parcelares:

- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª a), n.º 2, al.ª e) e n.º 3, todos do Código Penal- pena de 3 anos de prisão;

- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al.ª f), n.º 2, al.ª a) e n.º 3, ambos do Código Penal - 3 anos de prisão;

- pela prática em autoria material e na forma consumada de quatro crimes de burla simples, p. e p artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal - pena de 1 anos e 6 meses de prisão por cada um dos indicados crimes;

- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 1, do Código Penal – pena de 2 anos e 10 meses de prisão; e

- pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al.ª f) e n.º 2, do Código Penal - pena de 2 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico das referidas penas foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

1.2. O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 28.11.2023, manteve integralmente aquela decisão.

1.3. Em 18.01.2024, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido (despacho de 24.01.2024), por irrecorribilidade do acórdão da Relação, o que mereceu reclamação ao abrigo do disposto no artigo 405.º do CPP, indeferida pelo senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (despacho de 26.02-2023, no apenso J).

1.4. Em 01.03.2024, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional (TC), recurso este admitido por despacho de 21.3.2024.

1.5. O TC, em decisão sumária datada de 18.04.2024, decidiu não conhecer do objeto do recurso, decisão esta que transitou em julgado (conforme certidão junta ao processo principal de 15.05.2024).

1.6. Em 02.08.2024, o condenado interpôs “recurso extraordinário de revisão” para o STJ, enquanto o processo se encontrava no Tribunal Constitucional, depois de ter levantado a questão do não trânsito em julgado, por a decisão sumária não lhe ter sido notificada.

1.7. Por despacho de 10.09.2024, a Mm.ª juíza do processo entendeu no sentido da impossibilidade de se pronunciar acerca do pedido, dada a falta de certeza quanto ao trânsito se ter efetivamente verificado (sendo esta condição imprescindível para se poder pedir a revisão).

1.8. Este despacho foi, em 14.10.2024, objeto de recurso do arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães, não admitido por despacho datado de 16.10.2024, o que mereceu reclamação ao abrigo do disposto no artigo 405.º do CPP, que foi deferida (decisão singular datada de 09.12.2024 do senhor Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, no apenso K).

1.9. Em 28.11.2024, foi certificado o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional como tendo ocorrido em 10.10.2024.

1.10. Em 28.11.2024, o arguido/condenado veio recorrer do despacho que havia mandado certificar o trânsito, recurso este que não foi admitido (despacho de 09.12.2024).

1.11. Em 12.12.2024, o arguido/condenado apresentou requerimento de interposição de recurso que, dada a forma como foi apresentado, levou a que, em 19.12.2024, fosse proferido despacho de convite ao esclarecimento do objetivo pretendido com tal requerimento, acabando o arguido por esclarecer que não pretendia interpor recurso, mas apenas exercer o contraditório quanto a promoção anteriormente produzida nos autos pelo Ministério Público.

1.12. A Mm.ª juíza do processo, verificado que se mostrou o trânsito em julgado, em despacho datado de 27.01.2025 admitiu o recurso de revisão.

1.13. Depois, em 20.02.2025, já no apenso instaurado para apreciação do recurso de revisão, a Mm.ª juíza proferiu despacho no qual entendeu como pertinente a audição da testemunha que o recorrente havia referenciado no seu pedido, o que ocorreu no dia 08.04.2025.

1.14. Com data de 11.04.2025, foi exarada nos autos informação, nos termos do artigo 454.º do CPP, supra transcrita.

1.15. No acórdão revidendo, relativamente ao crime de burla simples que está em causa no pedido de revisão, foram dados como provados os seguintes factos:

«45. Em data não concretamente apurada o arguido AA foi intermediário na aquisição do veículo de marca SEAT, modelo Ibiza, de cor branco, com a matrícula ..-UX-.., entre a compradora CC e o Stand de Automóveis M..., em ....

46. No mês de março de 2020, aquele veículo automóvel foi interveniente num sinistro rodoviário, ficando danificado.

47. Não sabendo a quem recorrer, e uma vez que a aquisição havia sido efetuada por intermédio do arguido, a ofendida CC entrou em contacto com aquele tendo por objetivo obter auxílio na reparação do veículo, tendo esse de imediato se disponibilizado para a auxiliar.

48. O arguido acordou com a ofendida CC a remoção da viatura acidentada para uma oficina automóvel de denominação “B...”, existente na localidade de ..., e que pertencia a um amigo próximo, garantindo o próprio a remoção do veículo e garantindo ainda que lograria adquirir as peças necessárias à reparação do veículo por um preço muito mais reduzido que as oferecidas no mercado regular.

49. O arguido nunca teve, contudo, a intenção de adquirir as peças necessárias à reparação da viatura, conforme acordado, antes pretendendo que a proprietária do veículo lhe entregasse quantia monetária a que sabia não ter direito.

50. Assim, na execução daquele plano, o arguido solicitou à ofendida CC a entrega de 4.000,00€ (quatro mil euros) para prosseguir com a aquisição das peças e consequente reparação da viatura.

51. A 01-09-2020, a ofendida CC efetuou uma transferência bancária no valor de 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros) para uma conta indicada pelo ora arguido, entregando-lhe os restantes 500,00€ (quinhentos euros) em numerário, através de uma amiga em comum de nome DD.

52. O arguido nunca chegou a adquirir as prometidas peças, nem a ordenar à oficina onde depositara o veículo a sua reparação, antes pretendendo que a ofendida CC lhe entregasse aquela quantia monetária a que sabia não ter direito e que depois gastou em seu proveito da forma que melhor entendeu.

53. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida CC viu-se privada do montante em dinheiro que entregou àquele e que nunca lhe foi devolvido.

54. O arguido AA atuou nos termos supra descritos com o propósito, concretizado, de lhe ser entregue pela ofendida EE a quantia de 4.000,00€ (quatro mil euros), através de meio e artifício enganoso, suscetível de criar no destinatário a confiança necessária à realização dos seus objetivos, tendo assim alcançado um beneficio económico a que não tinha direito, com o correspondente prejuízo para aquela.»

1.16. Na motivação da decisão de facto, relativamente aos referidos pontos de facto provados, diz-se o seguinte:

«Quanto aos factos elencados em 45 a 54 o Tribunal atendeu ao depoimento da ofendida CC, que explicou em que circunstancias de tempo, modo e lugar chegou ao conhecimento do arguido e a razão pela qual, aquando do sinistro da sua viatura o procurou para a reparação do seu veículo. Explicou também os termos do negócio que acordou com o arguido, concretamente o preço da reparação e tipo de peças e igualmente a oficina para onde o carro seria transportado para esse efeito.

Atendeu também, o Tribunal, e em corroboração, ao depoimento da testemunha BB, proprietário da oficina para onde o carro da ofendida foi rebocado e que confirmou o depoimento daquela, esclarecendo que o veículo ainda lá se mantém, nunca tendo o arguido dado ordem de reparação ou de compra das peças para o efeito.

Também aqui colheu o Tribunal estes depoimentos como válidos e credíveis, não ressumando dos mesmos qualquer interesse em prejudicar os interesses do arguido, em beneficio da ofendida, justificando, cada um, e pormenorizadamente a sua razão do conhecimento direto dos factos que relataram.»

*

3. O Direito

3.1. O requerente, no momento da interposição, indicou que o “recurso” tinha efeito devolutivo.

Mais tarde, veio manifestar a pretensão de que seja fixado o efeito suspensivo.

Nos termos do artigo 467.º, n.º 1, do CPP, as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva, quer em território português, quer ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.

Por conseguinte, a pena de prisão só pode ser executada após o trânsito em julgado da condenação (artigo 477.º do CPP).

O requerente não põe em causa que a sua condenação transitou em julgado, sem o que, aliás, não seria admissível requerer a revisão.

A lei processual penal não faz referência à necessidade de ser proferido um despacho de admissão do recurso, sendo certo que não compete ao tribunal da condenação emitir qualquer decisão quanto ao efeito da apresentação de requerimento de revisão.

Para além de ser controversa a verdadeira natureza da revisão – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso -, não oferece qualquer dúvida que o pedido de revisão de sentença transitada em julgado, com tramitação própria e autónoma prevista nos artigos 449.º a 466.º do CPP, não tem efeito suspensivo, do processo ou da decisão, não lhe sendo aplicável o regime dos recursos ordinários.

A entender-se de outro modo, estava encontrado o meio para qualquer condenado, depois de esgotados todos os recursos ordinários, obstar à execução da decisão condenatória transitada em julgado: bastar-lhe-ia apresentar um pedido de revisão.

É, por conseguinte, incontroverso que o pedido de revisão (ou mesmo a decisão que autoriza a revisão) não suspende, de imediato, a execução da pena de prisão ou da medida de internamento que esteja em execução.

O que poderá suceder é o STJ, no âmbito da revisão, caso a mesma seja autorizada, determinar a suspensão da execução da pena de prisão que o condenado cumpra, «em função da gravidade da dúvida sobre a condenação», como prevê o artigo 457.º, n.º 2, do CPP (cf., a este propósito, João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, 2024, Tomo V, p. 619-629; acórdão do STJ, de 29.12.2020, proc. n.º 72/15.3GAAVZ-Q.S1; acórdão do STJ, de 12.05.2022, proc. n.º 421/19.5JELSB-E.S1).

Por conseguinte, a pretensão de que se fixe, à partida, o efeito suspensivo do recurso extraordinário de revisão, carece de fundamento.

3.2. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»

A consagração constitucional do direito à revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, tendo em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir.

Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), admite a quebra do caso julgado «...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento».

Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado.

Constituindo um expediente excecional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 5.ª ed. atualizada, Volume II, p.705).

Outro entendimento constituiria uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica, permitindo, contra o caso julgado, a eternização da discussão das matérias controvertidas no processo, transformando um mecanismo que se pretende “extraordinário” e que tem como traço marcante a sua excecionalidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, de modo que nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial para a própria paz social.

Por isso, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (entre outros, o acórdão do STJ, de 06.11.2019, proc. 739/09.5TBTVR-C. S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

Para Simas Santos/Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129) o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.

O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado através da demonstração de fundamento contido na enumeração taxativa da lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, nesse caso, à eficácia do caso julgado. Porém, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e prevenirem substancialmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, elevam especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão (acórdão do STJ, de 20.12.2022, proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, da 3.ª Secção).

A revisão passa, sucessivamente, por três etapas ou momentos (que alguns agrupam em duas fases, unindo a rescindente preliminar com a rescindente intermédia), a saber:

(i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade [se o fundamento da revisão for o do n.º1, al. d), do artigo 449.º], com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido:

(ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e

(iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.

Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»

*

3.3. No que concerne ao invocado fundamento de revisão consagrado no artigo 449.º, n.º1, al. d), exige-se não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, justificando, por isso, a lesão do caso julgado que a revisão implica.

Antes do mais, importa clarificar o que se entende por factos novos ou novos meios de prova e para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença.

São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito, como se expõe no acórdão de 25.05.2023, proc. 149/17.0T9CSC-A.S1 (Conselheiro Orlando Gonçalves):

Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de revisão de sentença, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado.

Uma outra, mais restritiva, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária da revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do requerente da revisão aquando do julgamento.

Finalmente, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).

Esta a posição atualmente majoritária na jurisprudência do STJ: como fundamento de revisão, os novos factos ou novos meios de prova não são apenas os desconhecidos pelo tribunal, mas também os que, conhecidos de quem cabia apresentá-los, ao tempo em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a sua não apresentação no julgamento que produziu a condenação revidenda.

Porém, a inércia voluntária e injustificada em fazer atuar os meios ordinários de defesa não pode ser compensada pela atribuição de um meio extraordinário de defesa como a revisão de sentença, o que determina a exigência de especial e acrescida justificação, pelo condenado, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão. Doutra forma, a excecionalidade da revisão de sentença e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica e caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.

Em suma, os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação da prova em julgamento, embora conhecida de quem cabia apresentá-la, por razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.

Como já se disse, para que seja autorizada a revisão com base no fundamento indicado na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, não basta a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se necessário um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser qualificadas, efetivamente fortes e consistentes. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 759), «não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”».

Dúvida, por conseguinte, que há-de elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado (entre outros, com extensas referências jurisprudenciais, o acórdão do STJ, de 30.01.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1; também o acórdão de 28.10.2020, processo 1007/10.5TDLSB-B.S1).

3.4. Alega o requerente que existe um novo elemento de prova – e daí a invocação da al. d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP -, que consiste no documento que apresentou, intitulado “Declaração”.

Essencialmente, o que o requerente pretende é contrapor o conteúdo da dita “Declaração” com o testemunho prestado em audiência de julgamento pela testemunha que a subscreve – testemunha que, ouvida pela Mm.ª juíza, no âmbito do pedido de revisão (artigo 453.º, n.º1, do CPP), declarou que não elaborou o referido documento, ainda que reconhecendo a assinatura, ali manuscrita e os números também ali manuscritos, como sendo seus, assinalando a Mm.ª juíza que “BB não foi titubeante ao referir que não corresponde à sua verdade o teor da declaração junta, declarando que mantem as declarações que prestou nos autos principais”.

Certo é que não estamos, em rigor, perante «prova nova», mas antes face a uma testemunha que foi ouvida no processo e que, ao que é alegado, teria agora uma nova versão dos factos. A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção. No caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efetivamente produzida.

Quer isto dizer que o constante de “Declaração” é, apenas, na perspetiva do requerente, uma nova versão dos factos apresentada por testemunha já conhecida e ouvida no processo.

Segundo o que consta da motivação da decisão de facto, o depoimento da referida testemunha não foi, por si só, o fundamento da condenação, pois a convicção do tribunal assentou, em primeira linha, no depoimento da ofendida CC, “que explicou em que circunstancias de tempo, modo e lugar chegou ao conhecimento do arguido e a razão pela qual, aquando do sinistro da sua viatura o procurou para a reparação do seu veículo. Explicou também os termos do negócio que acordou com o arguido, concretamente o preço da reparação e tipo de peças e igualmente a oficina para onde o carro seria transportado para esse efeito”. O depoimento da testemunha BB, proprietário da oficina para onde o carro da ofendida foi rebocado, surge em corroboração do depoimento daquela.

No fundo, o pretendido pelo requerente é alegar uma falsidade dos meios de prova, mas a falsidade, a existir, teria de ser declarada por sentença transitada em julgado e não por um novo depoimento da testemunha que alegadamente terá faltado à verdade, ou, como no caso, através de um ‘escrito’ imputado à mesma testemunha, em função do qual o requerente, implicitamente, afirma tal falsidade (cf. acórdão deste STJ, de 14.02.2013, no processo 859/10.3JDLSB-A.S1).

Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que, em processo penal, só há lugar à revisão da sentença, com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado, conforme expressamente imposto pela alínea a), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, sendo inaplicável, por conseguinte, o entendimento diverso que hoje constitui jurisprudência uniformizada no âmbito do processo civil (cf., entre muitos, o acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).

A acrescer a isso, temos que esta nova versão dos factos nem sequer existe, de facto, pois a testemunha nega o conteúdo de tal declaração (o que constituiria o «novo meio de prova» na versão do arguido), pelo que temos de entender que se mantém tudo o que foi apreciado em sede de audiência de julgamento, local onde a testemunha, como referiu agora quando inquirida, relatou a verdade.

Finalmente, como já se disse supra, a dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada, efetivamente forte e consistente.

A este propósito, afirmou este STJ, no acórdão de 28.10.2020, proferido no processo 1007/10.5TDLSB-B.S1:

«Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação.

O conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão-de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.»

Não é, manifestamente, o caso.

No que concerne ao que é referido na motivação quanto à adequação do cúmulo jurídico fixado e quanto à suspensão de execução da pena que, segundo o recorrente, deveria ser aplicada, manifestamente não se enquadra no âmbito de conhecimento de um pedido de revisão.

O mesmo quanto ao que se diz sobre a eventualidade de o requerente não ter qualquer pena a cumprir, esquecendo que se mostra condenado por vários crimes para além daquele relativamente ao qual pede a revisão (correspondente a uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, no quadro da moldura de um cúmulo jurídico fixado entre o mínimo de 3 anos de prisão e o máximo de 16 anos e 10 meses).

Em suma: a situação exposta pelo requerente não preenche, manifestamente, qualquer fundamento de revisão.

4. Estabelece o artigo 456.º do CPP: «Se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.».

O pedido de revisão é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso (acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).

Como se extrai do supra exposto, sendo patente e indubitável a total falta de fundamento do pedido de revisão formulado ao abrigo da alínea d), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, tanto basta para que se tenha por manifestamente infundado, impondo-se a condenação do requerente no pagamento de uma quantia entre 6 UC e 30 UC, ao abrigo do disposto no artigo 456.º do mesmo Código, que no caso se fixa em 10 UC.

*

III - DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão de sentença peticionada por AA.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda o requerente condenado na quantia de 10 (dez) UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 28 de maio 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Jorge Jacob (1.º adjunto)

Celso Manata (2.º Adjunto)

Helena Moniz (Presidente da Secção)