Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
PRAZO MÍNIMO DE RENOVAÇÃO
CARÁTER IMPERATIVO DA NORMA
Sumário
I- O art.º 1096.º nº1 do CC não tem carácter imperativo no que concerne ao regime da renovação do contrato, podendo as partes estipular um prazo certo de duração do mesmo – no mínimo de 1 ano, conforme se dispõe no art.º 1095º nº 2 do CC -, pelo que o contrato caduca decorrido o prazo da sua duração. II- No entanto, acordado pelas partes que o prazo do contrato se renovará automaticamente, a lei é imperativa, no sentido desse prazo não poder ser inferior a 3 anos, imperando aqui, em nosso entender, o desígnio do legislador, bem marcado no preâmbulo da Lei 13/2029, de que se pretendeu introduzir "medidas destinadas (…) a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade". III- Esta interpretação da norma está, aliás, de acordo com o que se dispõe no n.º 3 do artigo 1097.º do CC, que «A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data….», sendo certo que o fim visado pelo legislador com as soluções da Lei n.º 13/2019, de 13-02, foi o de uniformizar o regime, no que toca à duração dos contratos de arrendamento para habitação.
Texto Integral
I- RELATÓRIO AA e mulher, BB, intentaram contra CC a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:
- Declarar-se que os AA. deram de arrendamento ao R. a fracção autónoma identificada pela letra ..., correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano afecto ao regime da propriedade horizontal situado na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...88.º, para a qual foi emitido o Certificado Energético com o n.º ...33;
- Declarar-se que os AA., por cartas registadas com aviso de recepção enviadas, respectivamente, a 15 de Junho de 2023 e 29 de Junho de 2023, opuseram-se à renovação do contrato de arrendamento, o que devia ocorrer até finais de Maio de 2024;
- Declarar-se válida tal oposição, e, consequentemente, condenar-se o R. a entregar de imediato o imóvel aos AA., livre de pessoas e bens, e no bom estado que o recebeu;
- Condenar-se o R. a pagar aos AA. a quantia mensal não inferior a 1.000,00 € desde a data em que devia proceder à entrega do imóvel até à efectiva entrega do mesmo.
*
Alegaram para tanto, e em síntese, que deram de arrendamento ao Réu, para habitação, a fracção autónoma supra identificada por contrato celebrado no dia 25 de Julho de 2022, pelo prazo de um ano – com início em Julho de 2022 e termo em Maio de 2023 –, e que, no dia 15 de Junho de 2023, o A. marido enviou ao R. uma carta registada com aviso de recepção em que, entre o mais, declarava a sua oposição à renovação do contrato, pelo que o mesmo cessaria em Maio de 2024, solicitando a entrega do locado no bom estado em que o ocupou, e que, mais tarde, por intermédio do seu mandatário, advertiu novamente o R. de que devia proceder à entrega do arrendado livre de pessoas e bens até o dia 31 de Maio de 2024, sendo que, o não cumprimento implicava um prejuízo mensal não inferior a 1.000,00 €.
*
O R. contestoua ação, contrapondo que, à luz da imperatividade do artigo 1096.º do Código Civil, chegados ao termo do contrato, em Maio de 2023, e uma vez que os outorgantes estabeleceram a renovação automática do mesmo, por imposição do disposto no n.º 1 do referido preceito, a renovação do contrato operou pelo período de 3 anos, sendo o mesmo válido até Maio de 2026, já que, na data em o A. marido declarou junto do R. a oposição à renovação do contrato, já este se tinha renovado em Maio de 2023.
Concluiu assim pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido, requerendo ainda a condenação dos AA. como litigantes de má fé.
*
Os AA. responderam à matéria de excepção, contrapondo que o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no artigo 1096.º do Código Civil, é supletivo, ou seja, não prevê renovações obrigatórias de três em três anos, pelo que deve improceder tanto a excepção invocada, como o pedido de condenação como litigantes de má fé.
* Considerando o tribunal recorrido que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, ao abrigo do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC, proferiu-se a seguinte SENTENÇA (da qual se recorre):
“Em face do exposto, na procedência parcial da acção, decide-se: A) Declarar que os AA. AA e mulher, BB, deram de arrendamento ao R. CC a fracção autónoma identificada pela letra ..., correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano afecto ao regime da propriedade horizontal situado na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...88.º, para a qual foi emitido o Certificado Energético com o n.º ...33; B) Declarar que os AA. AA e mulher, BB, por carta registada com aviso de recepção enviada no dia 15 de Junho de 2023 ao R. CC, opuseram-se à renovação do contrato de arrendamento que com este haviam celebrado; C) Declarar válida tal oposição à renovação do contrato de arrendamento e, consequentemente, condenar-se o R. CC a entregar de imediato o imóvel identificado em A) aos AA. AA e mulher, BB, livre de pessoas e bens, e no bom estado que o recebeu; D) Condenar-se o R. CC a pagar aos AA. AA e mulher, BB, a quantia mensal de 350,00 €, devida desde o mês de Junho de 2024 até à entrega do imóvel identificado em A.; - Absolver o R. CC do mais peticionado. Custas a cargo dos AA. e do RR., na proporção de 20% e de 80%, respectivamente –artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do CPC…”.
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Réu interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. O contrato celebrado entre o Recorrente e os Recorridos teve início a junho de 2022, pelo prazo de um ano e renovado automaticamente. 2. A partir de maio de 2023, o contrato de arrendamento sofria a 1.ª renovação. 3. A carta de oposição à renovação deduzida pelo senhorio, foi enviada a 15 de junho de 2023, para que produzisse o seu efeito em maio de 2024. 4. Segundo a lei vigente e, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominante, a renovação atua imperativamente, isto é, a existir cláusula de renovação automática do contrato de arrendamento, esta sempre terá de ser pelo período mínimo de 3 anos. 5. Considerando a natureza imperativa do artigo 1096º, n. º1 do Cód. Civil, o contrato de arrendamento celebrado entre o Recorrente e os Recorridos, renovou-se automaticamente e pelo prazo de três anos em maio de 2023, não sendo por isso eficaz a oposição à renovação efetuada pelos Recorrente a 15 de junho de 2023. 6. O tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto no artigo 1096º, n. º1 do Cód. Civil Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações formuladas…”.
*
Os AA vieram Responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
*
II- OBJETO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir no presente recurso de Apelação é apenas a de saber se o contrato de arrendamento celebrado pelas partes se renovou pelo prazo estipulado de um ano, ou se se renovou pelo prazo de 3 anos, por força do disposto no nº1 do art.º 1096º do CC.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos: “…1. No dia 25 de Junho de 2022 (erradamente identificada a data de 25 de julho), os AA., na qualidade de primeiros outorgantes, celebraram com o R., na qualidade de segundo outorgante, um contrato de arrendamento composto pelas seguintes cláusulas (reproduzem-se apenas as que se consideram relevantes para a boa decisão da causa, sem prejuízo de aqui se dar como integralmente reproduzido o teor do contrato em causa, junto aos autos a fls. 9, reverso, e 10 e reverso): “CLÁUSULA PRIMEIRA Os Primeiros Outorgantes são donos e legítimos possuidores da fracção, B com o nº ...88 identificada ... – 29 Rua ... ..., freguesia ..., Concelho ..., com certificado energético nº ...33 na qualidade de arrendatário. CLÁUSULA SEGUNDA 1. Pelo presente contrato, os PRIMEIROS OUTORGANTES dão de arrendamento ao SEGUNDO OUTORGANTE, que o aceita, o prédio urbano supra identificado na cláusula anterior, pelo prazo certo de 1 (um) anos, contrato este que tem início em julho de 2022 e o seu termo em maio de 2023. 2. O SEGUNDO OUTORGANTE declara que recebeu o arrendado em bom estado de conservação e limpeza, obrigando-se a conservá-lo no estado em que atualmente se encontra, designadamente, as instalações e canalizações de água, eletricidade, esgotos, paredes, pavimentos, pinturas e vidros, correndo por sua conta todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua, bem como, a sua substituição caso se danifiquem de forma definitiva e irreparável. CLÁUSULA TERCEIRA Findo este prazo, e caso não ocorra nenhuma vicissitude que ponha termo ao contrato, o mesmo renovar-se-á sucessiva e automaticamente por períodos de um ano. CLÁUSULA QUARTA 1. A renda mensal durante o primeiro ano de vigência do contrato é de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) e que será paga da seguinte forma: No momento da celebração do contrato, entrega a totalidade das rendas num montante de quatro mil e duzentos euros. Sendo que as duas últimas rendas referentes ao mês de junho e julho ficam; uma como mês de adiantamento e outra como caução para o bom comprimento do contrato. Devendo ser a renda mensal dos anos subsequentes atualizada de acordo com o coeficiente de atualização de rendas para habitação aprovado anualmente por portaria governamental. CLÁUSULA QUINTA 1. O prédio arrendado destina-se à habitação do ARRENDATÁRIO e respetivo agregado familiar, não devendo ser subarrendado sem autorização escrita dos senhorios. CLÁUSULA SEXTA OS PRIMEIROS OUTORGANTES podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento mediante comunicação escrita AO SEGUNDO OUTORGANTE com uma antecedência não inferior a 120 (cento e vinte dias) sobre o termo do prazo referido na Cláusula Segunda ou do prazo de renovação em curso. CLÁUSULA SÉTIMA 1. O SEGUNDO OUTORGANTE, por sua vez, pode denunciar a todo o tempo o contrato, após seis meses de duração efetiva, com a antecipação mínima de 90 (noventa dias) sob o termo pretendido do contrato, por meio de comunicação escrita AOS PRIMEIROS OUTORGANTE. 2. A inobservância da antecedência prevista no n.º 2 supra, não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período do pré-aviso em falta. CLÁUSULA OITAVA 1. A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro prazo for legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do locado e a sua entrega; 2. Na data de desocupação e entrega do imóvel, OS PRIMEIROS e SEGUNDO OUTORGANTES realizarão vistoria conjunta ao locado com vista a atestar o estado do imóvel, confessando-se desde já O SEGUNDO OUTORGANTE devedora dos trabalhos que sejam necessários realizar no imóvel, para eliminação dos defeitos e anomalias”. 2. No dia 15 de Junho de 2023, o A. marido enviou ao R. uma carta registada com aviso de recepção, que este último recebeu, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor: Acuso recepção da carta enviada a 05 de Junho de 2023, na qual me informa que procedeu ao depósito da renda por me ter recusado a recebê-la. Tal não corresponde à verdade já que se tem recusado a receber as cartas que lhe envio, bem como a atender as chamadas que lhe tenho feito. Assim, deverá proceder ao pagamento da renda através de depósito na conta de que sou titular e cujo IBAN indico: ...31, da Banco 1.... Recordo que já se encontra em mora no pagamento de um mês de renda, pelo que deverá proceder ao depósito imediato de dois meses. Por outro lado, informo igualmente que pretendo ir ver o arrendado, pelo que deve indicar dia e hora para o efeito. Igualmente, e de acordo com a cláusula sétima do contrato de arrendamento assinado, venho pela presente informar que me oponho à renovação do contrato, pelo que o mesmo termina em Maio de 2024, devendo proceder à entrega do mesmo no bom estado que o ocupou na referida data”. 3. No dia 29 de Junho de 2023, o A. marido enviou ao R. uma carta registada com aviso de recepção, que este último recebeu, com o seguinte teor: “Exmo. Senhor: Não corresponde à verdade que eu tenha recusado receber qualquer renda, pelo que mais uma vez informo que deverá proceder ao pagamento das rendas através de depósito na conta de que sou titular e cujo IBAN indico: ...31, da Banco 1.... Se o não fizer continua em mora, o que motivará que terei de instaurar a respectiva acção de despejo. Irei visitar o arrendado no dia indicado: 11/07/2023, pelas 9:00 horas. Reitero que o contrato termina em 31 de Maio de 2024, pelo que, se na referida data não proceder à entrega do mesmo, responderá pelos danos e prejuízos sofridos com o incumprimento”.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Da renovação do contrato de arrendamento celebrado:
Defendeu-se na sentença recorrida, que foi válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte do A/senhorio, condenando-se o R/inquilino a entregar de imediato o imóvel identificado aos AA.
Defende o apelante, no entanto, que a sentença violou o disposto no art.º 1096.º, n.º 1, do Código Civil (CC), na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, uma vez que o contrato celebrado pelas partes, em junho de 2022, com prazo certo de um ano, renovou-se automaticamente no final do seu termo, em junho de 2023, pelo período mínimo de 3 anos, nos termos do citado preceito legal, pelo que a oposição à sua renovação por parte dos AA, em 15 de junho de 2023, para vigorar em maio de 2024, é inválida.
Vejamos:
É aceite por ambas as partes, como resulta, de resto, da matéria de facto provada, que foi por elas celebrado, em 25 de junho de 2022, um contrato de arrendamento para habitação do Réu, pelo prazo de um ano, e com início naquela data (Cláusula segunda), tendo as partes estipulado ainda (na Cláusula Terceira), que “Findo este prazo, e caso não ocorra nenhuma vicissitude que ponha termo ao contrato, o mesmo renovar-se-á sucessiva e automaticamente por períodos de um ano”.
Mais estipularam as partes (na Cláusula Sexta) que os senhorios podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, mediante comunicação escrita ao inquilino, com uma antecedência não inferior a 120 (cento e vinte dias) sobre o termo do prazo referido na Cláusula Segunda, ou do prazo de renovação em curso.
A factualidade descrita permite-nos concluir, como se concluiu, e bem, na sentença recorrida, que entre AA. e R. foi celebrado um contrato de arrendamento, através do qual aqueles, na qualidade de locadores, deram de arrendamento a este, na qualidade de locatário, em 25 de Junho de 2022, a fração autónoma identificada na cláusula primeira do dito contrato, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 350,00, a cargo do inquilino, como correspetivo da obrigação, a cargo dos senhorios, de lhe cederem o gozo e fruição do imóvel arrendado (artigo 1022.º do Código Civil).
Estamos ademais perante um contrato de arrendamento para habitação (artigos 1067.º, n.º 1 do CC, e 30.º do NRAU), que pode ser celebrado por prazo certo ou com duração indeterminada (artigo 1094.º, n.º 1, do Código Civil), o qual, atendendo à data da sua celebração, se rege pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que veio aprovar o NRAU – Novo Regime de Arrendamento Urbano – e que entrou em vigor no dia 28 de junho de 2006.
Isto posto,
É também aceite por ambas as partes, que no dia 15 de junho de 2023, o A. marido enviou ao R. uma carta registada com aviso de receção, que este último recebeu, na qual lhe comunicava, que de acordo com a cláusula sétima do contrato de arrendamento assinado, se opunha à renovação do contrato, pelo que o mesmo terminaria em maio de 2024, solicitando ao R a entrega do imóvel na referida data.
Assente esta matéria, estipula o art.º 1080.º do CC, intitulado “Imperatividade”, que “as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”, e sob a epígrafe “Renovação automática”, prescreve o n.º 1 do art.º 1096.º do CC (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02), que “1 Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
Na redação anterior deste preceito (que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto), estipulava-se apenas, que “salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração…”.
A alteração da redação deste artigo não foi despicienda, uma vez que face à redação da norma antecedente - aplicável aos contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo -, não existiam dúvidas de que às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, prevendo a sua caducidade com o decurso do prazo estipulado, sendo-lhe também permitido, caso tivessem estipulado o regime da renovação automática, ou a não tivessem excluído, estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no art.º 1025.º do CC).
Face à nova redação do preceito em análise, as dúvidas instalaram-se, nomeadamente quanto à possibilidade das partes poderem estabelecer livremente prazos de renovação do contrato inferiores a 3 anos, como decorre da expressão “ou de três anos se esta for inferior”, que foi introduzida no nº 1 do art.º 1096º do CC pela Lei 13/2019, de 12/02.
Adiantando já soluções, temos para nós como seguro, que foi intenção do legislador impor um regime de renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação, com um mínimo de 3 anos.
E o primeiro argumento em favor da tese defendida, decorre desde logo do preâmbulo daquela Lei 13/2029, do qual consta como desígnio do legislador, introduzir "medidas destinada a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade" – desígnio que vem de encontro à redação que foi dada ao preceito em análise, com o acrescento da expressão referida, “ou de três anos se esta for inferior”.
A referida alteração não veio afetar a possibilidade das partes afastarem o regime da renovação automática do contrato de arrendamento, tal como já lhes era permitido ao abrigo da redação anterior, com a introdução na norma da expressão “Salvo disposição em contrário”, que se manteve na nova redação do art.º 1096º.
O que se tem discutido, na doutrina e na jurisprudência, face à nova redação do preceito em análise, é o regime aplicável ao prazo da renovação do contrato, centrando-se a discussão sobretudo em determinar, se o legislador pretendeu instituir, quanto ao prazo da renovação, um regime de caráter imperativo, ou, ao invés, um regime de carácter meramente supletivo, o qual poderia ser afastado por estipulação das partes.
Em suma, discute-se se o prazo de três anos de renovação do contrato referido na norma deve valer como prazo mínimo a observar apenas na ausência de estipulação das partes, ou, ao invés, se tal prazo mínimo de três anos é, na verdade, um prazo imperativo, que não pode ser afastado pela vontade das partes, quando estas não excluam expressamente a renovação automática do contrato. De acordo com este último entendimento, ao qual aderimos, as partes têm o direito de estipular prazos de renovação automática diferentes do prazo inicial do contrato, desde que esse prazo seja de 3 anos (o mínimo) ou mais.
Temos para nós como mais defensável, como o vem fazendo a Doutrina e a Jurisprudência (cremos que maioritária), que a norma do art.º 1096º nº1 do CC consagra um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos, que não pode ser afastado pela vontade das partes (cfr. na doutrina Rita Xavier de Brito e André Husgen - “O Prazo de renovação de contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais”, Revista Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 61 (março) - Ano 2023, pp. 148 a 155; Menezes Leitão - “Arrendamento Urbano”, 10ª ed., Almedina, p. 178; Maria Olinda Garcia – “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março 2019, p. 11-12; José António de França Pitão e Gustavo França Pitão –“Arrendamento Urbano Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, p. 390; Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues - “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303 e Estudos de Direito Privado, (2010-2020), AAFDL Editora, pp. 145 a 161; e Edgar Alexandre Martins Valente –“Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente”, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32. Na Jurisprudência, cfr. entre outros, os Acs. da RE de 10.11.2022, de 10.11.2022, e de 25-01-2023; da RP de 04/05/2023; e desta RG de 08.04.2021 e de 11-02-2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Como deixamos dito, consideramos que o art.º 1096.º do CC não tem carácter imperativo no que concerne ao regime da renovação do contrato, podendo as partes estipular um prazo certo de duração do mesmo – no mínimo de 1 ano, conforme se dispõe no art.º 1095º nº 2 do CC -, pelo que o contrato caduca decorrido o prazo da sua duração.
No entanto, acordado pelas partes que o prazo do contrato se renovará automaticamente, a lei é imperativa, no sentido de esse prazo não poder ser inferior a 3 anos, imperando aqui, em nosso entender, o desígnio do legislador, bem marcado no preâmbulo da Lei 13/2029, de que se pretendeu introduzir "medidas destinadas (…) a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade".
Este o argumento histórico que nos parece preponderante.
Mas o argumento literal não é completamente afastado desta interpretação – embora a redação do preceito, encabeçado pela expressão “Salvo disposição em contrário” se preste a uma interpretação menos clara da norma. Basta que se considere que a intenção do legislador foi apenas de conferir caráter supletivo à norma relativamente à renovação ou não renovação do contrato. Definida a vontade das partes em termos de pretenderem a continuidade do contrato por via da sua renovação automática, nessa parte a norma reveste-se de caráter imperativo e sujeita as partes a um prazo de renovação mínima de 3 anos.
Ou seja, o invocado caráter supletivo do n.º 1 do artigo 1096.º do CC reporta-se apenas e tão só ao direito das partes de acordarem a exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo, ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes.
Donde, tendo as partes acordado na renovação do contrato, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Esta interpretação está, aliás, de acordo com o que se dispõe no n.º 3 do artigo 1097.º do CC, que «A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data….», sendo certo que o fim visado pelo legislador com as soluções da Lei n.º 13/2019, de 13-02, foi o de uniformizar o regime, no que toca à duração dos contratos de arrendamento para habitação.
Efetivamente, conjugando esta disposição (o nº1 do art.º 1096º do CC) com o teor do artigo 1097.º, n.º 3 - que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato -, fica-se com a ideia que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Feitas estas considerações de âmbito geral,
E considerando o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no art.º 1096.º, n.º 1, do CC, constatamos que o contrato celebrado pelas partes em 25.6.2022, se renovou automaticamente em 25.6.2023 pelo período de três anos, pelo que o novo termo do contrato apenas ocorre findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 25.6.2026.
Logo, a carta enviada pelo A marido ao réu interpelando-o para proceder à entrega do locado, invocando a caducidade do mesmo para 25.6.2024, não é eficaz contra aquele. Procedem, assim, as conclusões de recurso, sendo de revogar a sentença recorrida.
*
VI. DECISÃO
Por todo o exposto, julga-se procedente a Apelação, e revoga-se a sentença recorrida, com a absolvição do réu do pedido.
Custas (da Ação e da Apelação) a cargo dos AA/recorridos (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e D.N.
*
Guimarães, 10.7.2025
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Flores
2ª Adjunta: Sandra Melo