PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
CONVOLAÇÃO
ESBULHO
Sumário


1 - Tendo sido apresentado procedimento cautelar comum com fundamento no disposto no art.º 379.º do C. P. Civil, a verificação dos pressupostos do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse pressupõe a convolação da providência requerida neste procedimento cautelar especificado.
2 - Não há esbulho, mas apenas perturbação da posse da requerente, se os requeridos apenas colocaram uma argola no subsolo do prédio daquela, ocupando esta parte não determinada, mas reduzida, daquele prédio.
3 - Se o prédio dos requeridos é o beneficiário de direito de servidão de aqueduto que onera o prédio possuído pela requerente, a colocação daquela argola, para chegar à mina e verificar o seu estado, é lícita, ainda que tenha sido colocada em parte, não concretamente determinada, no prédio que está na posse da requerente.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

AA deduziu o presente procedimento cautelar comum para restituição da posse contra BB e CC, peticionando que seja decretada providência de restituição da posse do subsolo do prédio da requerente com a retirada de quaisquer argolas de cimento implantadas pelos requeridos e recolocação do terreno no estado em que se encontrava antes da colocação das argolas em causa e bem assim na abstenção da prática de quaisquer atos que impeçam ou perturbem o exercício pleno do seu direito de propriedade.
Foi ordenada a citação dos requeridos, tendo estes deduzido oposição.
Produzida a prova, o Tribunal julgou a providência cautelar improcedente, considerando não ter ficado demonstrado que os requeridos tivessem colocado quaisquer argolas no prédio da requerente.
A requerente apresentou recurso de apelação relativamente ao despacho que indeferiu a realização da inspeção judicial e, tendo este sido procedente, tal implicou a revogação da decisão então já proferida, com a deslocação do Tribunal ao local em discussão nos autos.
 Foi então proferida nova decisão que julgou a providência cautelar procedente, determinando a “restituição provisória da posse à requerente do subsolo do seu prédio, com a retirada da argola de cimento implantada pelos requeridos na parte em que ocupa o prédio da requerente”, porque teria ficado demonstrado que os requeridos colocaram uma argola em parte do subsolo do prédio da requerente.

Inconformados, vieram os requeridos apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
[…]
24.ª) As argolas em cimento estão colocadas no subsolo, não consubstanciando um qualquer obstáculo físico à entrada/acesso ao prédio da Recorrida, ou sequer à execução das obras de construção da casa, que prosseguiram sem qualquer problema, conforme confirmado pelo próprio empreiteiro da Recorrida.
25.ª) A considerar-se existir uma eventual lesão para a Recorrida, a mesma é inócua para si, até comparativamente com a lesão sofrida pelos Recorrentes, que ainda hoje estão privados de acederem à mina e a usarem e aproveitarem a água que pela mesma corre, não sendo o direito da aqui Recorrida seriamente afetado no caso de não ver decretada uma medida cautelar;
26.ª) Inexistindo qualquer urgência da intervenção judicial pretendida;
27.ª) Cabendo à Recorrida provar que não podia aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis, o que não ocorreu;
28.ª) Muito menos provou a adequação do pedido à provisoriedade inerente ao procedimento cautelar.
29.ª) Inversamente, com o decretamento da providência e a condenação dos Recorrentes a procederem à retirada da argola de cimento na parte em que ocupará o prédio da Recorrida, tal acarretará um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar – que neste momento é zero – até ao desfecho da ação principal, pois exigirá a contratação de alguém que execute a obra, com grandes constrangimentos a nível financeiro, violando-se, assim, o princípio da proporcionalidade;
30.ª) Mostrando-se injustificada a providência pretendida pela Recorrida.
31.ª) A douta sentença em sindicância violou, assim, o disposto nos artigos 362.º e 368.º, ambos do Código de Processo Civil, e no artigo 342º, n.º 1, do Código Civil”.
A recorrente respondeu ao recurso apresentado, tendo pugnado pela inadmissibilidade do recurso, por falta de conclusões e extemporaneidade, e, se assim se não entendesse, pela sua improcedência.
A questão da admissibilidade do recurso foi já apreciada no despacho de 23/06/2025.
Entendendo-se como aplicável norma legal que não foi considerada pelo Tribunal a quo, foi determinado o cumprimento do contraditório, ouvindo-se as partes sobre a questão.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - Questão a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal é a de saber se:
1 – pode ser apreciada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que se reporta ao facto provado 18 e, sendo, se a mesma é procedente;
2 -  se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, se deve manter a decisão proferida de restituição da posse.

III – Fundamentação de facto:

Resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
1. Pertence à requerente o prédio urbano composto por uma casa de rés do chão, para habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº...97 e inscrito na matriz sob o artigo ...17, com origem no artigo ...39...;
2. Através da AP. ...56 de 2020/10/27 encontra-se inscrita a aquisição a favor da requerente através de doação.
3. O domínio referido em 1. resultou de doação de DD e EE a favor da requerente através de declarações contratuais exaradas no contrato outorgado no dia 12 de setembro de 2020.
4. Há mais de 20 anos que por si e ante-possuidores, a requerente se acha na sua posse, pagando as contribuições e impostos que lhe respeitam, usando-o e fruindo-o, sem violência, na convicção de não lesarem direitos de outrem e sem oposição de ninguém.
5. Dia a dia, ano a ano.
6. Com ânimo de quem exerce e frui um direito próprio, de propriedade.
7. A norte do prédio da A., e separado por um caminho público, encontra-se situado um prédio rústico designado por “...”, que pertence aos requeridos.
8. Há mais de 20 anos que por si e ante-possuidores, os requeridos se acham na sua posse, pagando as contribuições e impostos que lhe respeitam, usando-o e fruindo-o, sem violência, na convicção de não lesarem direitos de outrem e sem oposição de ninguém.
9. Dia a dia, ano a ano.
10. Com ânimo de quem exerce e frui um direito próprio, de propriedade.
11. Em 9 de agosto de 2007, os pais da requerente, os requeridos, e outros, celebraram um contrato promessa de compra e venda ou cessão de quinhão hereditário, no qual foi declarado por todos os outorgantes que reconhecem a servidão de aqueduto a favor do prédio rústico dos ora Requeridos, denominado “...”, a qual é exercida através de uma mina que atravessa subterraneamente o terreno que agora é propriedade da Requerente, no sentido sul-norte.
12. Foi ainda declarado nessa mesma cláusula, que existia um óculo no prédio serviente (da Requerente) que já se encontrava desativado há vários anos, pelo que os Requeridos prescindiam da sua (óculo) utilização;
13. Tendo ulteriormente os Requeridos procedido à tapagem do referido óculo.
14. Uma vez que tal abertura poderia consubstanciar um perigo para pessoas, crianças e animais.
15. Após a requerente ter efetuado trabalhos de escavação e remoção de terras com recurso a máquina retroescavadora no seu prédio,
16. no dia 28/08/2024 os requeridos contrataram os serviços da empresa “EMP01..., L.da” para colocação de argolas em cimento, de modo a conseguirem chegar até à mina e verificar o seu estado.
17. Tendo sido colocadas 13 argolas, cada uma com 50cm de largura, o que totaliza uma extensão de 6,5 metros;
18. Desde o prédio rústico dos Requeridos até um pouco depois do início do prédio da Requerente, o qual se encontra delimitado por muro;
19. Na decorrência dos trabalhos efetuados pela requerente, a mina foi aterrada,
20. encontrando-se a mesma coberta e bloqueada com terra, o que impede o acesso à mesma e impossibilita a circulação natural da água.

Resultaram ainda não indiciariamente provados os seguintes factos, alegados pela requerente:

“A. Os requeridos renunciaram ao direito de servidão de aqueduto sobre o prédio da requerente.
B. Há mais de 20 anos que tal direito não é usado ou exercido por aqueles seja de que forma for.
C. A mina está seca porquanto não tem qualquer água há mais 50 anos.
D. Pretendem os requeridos obstar e impedir que a requerente dê início às obras de construção da sua casa de morada de família,
E. A requerente encontra-se impedida de realizar a empreitada referente à sua casa de morada de família.
F. A requerente não consegue dormir.
G. A única e principal entrada para o terreno dos Requerentes é a existente na parte da frente da habitação, pela Rua ..., encontrando-se a parte de trás do mesmo toda murada”.

IV - Do objeto do recurso:

1.1. Em sede de recurso, os apelantes requeridos impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, no que se refere, apenas, ao facto provado 18.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, os recorrentes indicam de forma correta o facto que pretendem seja decidido de forma diversa (o facto 18 que deverá passar de provado para não provado), fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entendem permitir concluir no sentido por si proposto (a fotografia que entendem ter sido mal valorada por não representar o prédio da requerente, insurgindo-se de seguida quanto ao que que ficou a constar do auto de inspeção judicial que foi realizado), fazendo ainda menção aos específicos momentos da gravação que estão a considerar, quanto aos depoimentos das testemunhas e que, em seu entender, corroboram a sua proposta de alteração, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Contrariamente ao alegado pela requerente na resposta à apelação, nada obsta, assim, à apreciação da impugnação da matéria de facto, no que se reporta ao facto provado 18.

1.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Está em causa apenas o facto provado 18.
Começa por afirmar-se que se apresenta difícil perceber a argumentação dos recorrentes quando referem que o julgador, que se deslocou ao local, não tinha condições de verificar se uma das argolas estava parcialmente colocada no prédio que pertence à requerente porque o muro deste imóvel estava caído e, assim, não eram visíveis os seus limites, se defendem a credibilidade dos depoimentos de quem, conhecendo o local e tendo lá andado a trabalhar na colocação dessas argolas, afirmam o contrário, numa situação em que tais limites não seriam então, também para eles, percetíveis.
Ou os limites do prédio da requerente são verificáveis e, assim, é possível afirmar-se que a argola ocupa ou não parte do imóvel da requerente, ou não são verificáveis e tal afirmação não é possível, seja para o julgador, seja para as testemunhas arroladas pelos requeridos.
Ao pugnar pela credibilidade do depoimento de quem conhece o local ou lá se deslocou para fazer a obra, por solicitação dos requeridos, estão os recorrentes a afirmar que eram visíveis os limites do terreno da requerente, só assim se compreendendo que aquelas testemunhas pudessem afirmar que a argola não estava, em parte, colocada no terreno da requerente.
E, se assim é, temos, por um lado, o depoimento das testemunhas FF e GG que afirmam que a argola foi colocada até ao limite do prédio da requerente, não o ocupando ainda que apenas parcialmente, e, por outro lado, o resultado da inspeção judicial realizada.
Do auto de inspeção consta que “no exato local onde se encontra implantada a referida argola o muro divisório encontra-se parcialmente destruído, não se conseguindo assim verificar totalmente em que medida a argola se encontra a invadir o terreno dos Requerentes” e ainda que “verificou-se ainda que a argola se encontrará a invadir o referido terreno numa área muito reduzida, não sendo possível concretizar a referida área, por falta de meios para o efeito”.
Para colocar em causa a perceção que resulta desta inspeção judicial, que consta de auto assinado pelo julgador que não foi colocado em causa, não basta referir, como fazem os recorrentes, que o que parece a uns, pode não ser o que parece para outros, pois que o que está em causa na inspeção judicial é a verificação dos factos pelo Juiz do processo.
Entendendo os recorrentes que aquela perceção não estava correta, incumbia-lhes naturalmente colocar em causa a declaração que estava ser vertida no auto de inspeção, pois que estavam presentes na diligência realizada, nos termos do art.º 199.º do C. P. Civil.
Não o tendo feito, não podem agora, por via de recurso, alegar que aquela perceção não corresponde, afinal, ao que era possível verificar na inspeção judicial realizada.
Este meio de prova, ainda que com as limitações decorrentes do que foi possível percecionar e constam do auto de inspeção, torna claro que não existe fundamento para considerar não provado que uma das argolas foi colocada, em parte, no subsolo do prédio da requerente, ainda que não se tenha apurado exatamente em que medida tal colocação se concretizou.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto provada apresentada pelas recorrentes, mantendo-se como provado o facto 18.
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V -  Reapreciação de direito:

1. Os factos a considerar são, assim, os que foram considerados provados pela 1.ª Instância que, aqui, nos abstemos de reproduzir.

2. Começa por referir-se que a presente providência cautelar não é o procedimento de restituição provisória da posse a que se reportam os arts.º 377º e 378.º do C.P. Civil.
Como resulta com clareza da petição inicial, a autora intentou “providência cautelar comum de restituição da posse”, invocando o regime legal do art.º 379.º do C. Civil, pois que considerou que a colocação de argolas de cimento, pelo menos uma delas, no subsolo da requerente caía na previsão da referida norma - art.º 44.º da petição inicial.
Aliás, a requerente explicitou nos artigos seguintes da sua petição inicial porque entendia que os pressupostos da providência cautelar comum estavam preenchidos: “probabilidade séria da existência do direito que a requerente quer salvaguardar; o fundado receio de que os requeridos causem lesão grave à requerente; que a presente providência é o meio adequado a afastar o periculum in mora; e que eventual prejuízo resultante do decretamento da providência é muitíssimo inferior ao dano que se pretende evitar”.

Quer isto dizer que, a não ser que se entenda que existe providência cautelar especificada que acautele o risco de lesão invocado pela requerente, são os pressupostos do procedimento cautelar comum que têm de se encontrar verificados para que a providência cautelar seja decretada – art.º 362.º, n.º 3, do C. P. Civil.

Para que seja concedida tutela no âmbito do procedimento cautelar comum é necessário que o requerente alegue e prove os factos que permitam afirmar:
1 - a inexistência de providência específica que acautele aquele direito;
2 - o fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável desse mesmo direito;
3 - a probabilidade séria da existência do direito;
4 - a adequação da providência à situação de lesão iminente;
5 - não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar.

Foram estes os pressupostos alegados pela requerente.
Não foram estes os pressupostos cujo preenchimento foi verificado na sentença proferida.
Nesta, apreciou-se a verificação dos pressupostos que, nos termos do art.º 377.º do C. P. Civil, permitem a restituição provisória da posse e que é já um procedimento cautelar especificado.
Não estando o Tribunal adstrito à concreta providência cautelar requerida, nos termos do art.º 376.º, n.º 3, do C. P. Civil, a circunstância de ter a requerente intentado procedimento cautelar comum não impediria que se determinasse a restituição provisória da posse se o Tribunal entendesse que esta providência cautelar tipificada acautelava o risco de lesão invocado pela requerente, devendo para tal convolar a providência cautelar comum requerida para o procedimento cautelar tipificado de restituição provisória da posse.
É este, aliás, como resulta do que supra se referiu, o primeiro pressuposto do procedimento cautelar comum: a inexistência de providência específica que acautele aquele direito.
Aquela convolação foi efetuada de forma implícita pela Mm.ª Juiz do processo (ainda que devesse ter sido efetuada de forma expressa) quando entendeu dever convocar o regime legal que consta dos art.ºs 377.º e 378.º do C. P. Civil e não o regime dos arts.º 379.º e 362.º do mesmo diploma.
Cumpre, pois, começar por averiguar se os factos provados permitem convocar o regime legal que está subjacente à decisão proferida.
São requisitos desta providência cautelar tipificada a posse do requerente, o esbulho e a violência.
O primeiro destes requisitos não está em discussão, atenta a matéria de facto que resultou provada nos factos 4, 5 e 6.
O esbulho verifica-se quando a pessoa é privada da posse, abrangendo os atos que implicam a perda da posse contra a vontade do possuidor e que assumam proporções de tal modo significativas que impeçam a sua conservação, ficando o esbulhado impedido do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse (cf. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil», Vol. I, 3.ª reimpressão da edição de 1998, Almedina, 2010, p. 46).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa in Código de Processo Civil Anotado On Line, precisamente em anotação ao art.º 377.º do C. P. Civil, “para o decretamento da restituição provisória da posse não basta que se verifique uma turbação da posse, antes é necessário que ocorra o esbulho do possuidor; “o esbulho supõe que o possuidor foi privado da posse que tinha, foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse, e por isso é que o pedido que lhe corresponde é a restituição; o esbulhado é restituído à posse que o facto de o esbulho o fez perder, pelo contrário, o facto da turbação não faz perder a posse ao possuidor, não o priva de continuar a possuir; o que sucede é que o possuidor foi incomodado, viu a sua posse embaraçada e disputada, daí o pedido de manutenção”.
Não surpreendemos na matéria de facto provada qualquer facto que permita concluir que a requerente foi esbulhada da posse do imóvel que está identificado nos autos se resultou apenas provado que, tendo em vista chegar à mina existente, de modo a verificar o seu estado, os requeridos colocaram 13 argolas, com as dimensões referidas na matéria de facto provada, e ainda que, numa pequena parte, indeterminada, uma das argolas tenha sido colocada no prédio de que a requerente é possuidora (e no subsolo, pois que foi a restituição deste que foi pedida).
Não há, assim, esbulho, mas apenas perturbação da posse e esta não pode fundamentar a providência cautelar de restituição provisória da posse.
Porém, ainda que se entendesse que o ato praticado fazia perder a posse da requerente no que se refere à área da parcela ocupada com a argola (ainda que não se saiba qual a exata área do subsolo ocupada e seja, assim, difícil de perceber o que se determina seja restituído), como entendeu a Mm.ª Juiz a quo, ainda assim não haveria esbulho.
O esbulho pressupõe que aquele que pratica o ato privativo da posse da requerente o faz de forma ilícita.
Ora, foi a própria requerente que alegou que os requeridos tinham prescindido da servidão de aqueduto que onerava o prédio de que alegava ser proprietária e possuidora (arts.º 14.º e 18.º da sua petição inicial), facto que, porém, não demonstrou, pois que resultou não provado.
Sem essa renúncia por parte dos requeridos, é a própria autora que afirma que o prédio dos requeridos é o prédio dominante de uma servidão de aqueduto que onera o seu imóvel.
Alegou também que há mais de 20 anos que tal direito de servidão de aqueduto não era exercido (art.º 19.º da petição inicial). Também não o demonstrou, como resulta da matéria de facto não provada.
Daqui decorre que não se possa extrair a conclusão que é pressuposto da presente providência cautelar: “daí que, em face do exposto, tal direito de servidão de aqueduto a favor do prédio dominante denominado de “... sobre o prédio da requerente referente à água proveniente de uma mina que se encontra mais a sul e fora do prédio da requerente, mas que atravessa subterraneamente todo o prédio desta, está extinto, o que desde já se declara e requer” (como alegado na petição inicial).
Ou seja, o direito real de servidão de aqueduto existe porque a própria requerente o afirma, não demonstrando os factos alegados e que permitiriam concluir pela sua extinção.
Ora, este direito de servidão sempre permitiria aos requeridos colocar as referidas argolas, ainda que o fossem no prédio serviente, desde que a mesmas estivessem relacionadas com o exercício do seu direito de servidão de aqueduto, como é o caso, já que visaram chegar até à mina e verificar o seu estado, como resulta do disposto no art.º 1566.º do C. Civil.
No exercício do contraditório quanto a aplicabilidade, na situação em apreço, deste normativo, a recorrida recorrente referiu de forma ténue que este Tribunal não poderia conhecer desta questão por não ter sido suscitada, sendo certo que não teria resultado demonstrado que as obras tivessem sido necessárias para o efeito pretendido, tendo aumentado a onerosidade da “eventual servidão”, desconhecendo-se onde nasce a água, em que prédio, se é pública ou privada e que obras foram realizadas.
A questão que o Tribunal está a apreciar é, ainda, a questão objeto do recurso. Saber se existe fundamento para determinar a restituição da posse da parcela de terreno onde foi colocada, em parte, uma argola pelos requeridos. Para conhecer desta questão, está o Tribunal, apenas, a convocar uma norma jurídica que não foi considerada nem pelas partes, nem pelo Tribunal de 1.ª Instância, no estrito cumprimento do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do C. P. Civil.
Não está, pois, a apreciar questão que não foi colocada.
A recorrida questiona ainda que tal regime legal possa ser convocado porque se desconhecem as características do direito de servidão de aqueduto que onera o seu prédio.
É absolutamente claro que tais características são, nestes autos de natureza cautelar, desconhecidas.
Mas tal desconhecimento resulta da falta de alegação da requerente que, afirmando a existência deste direito (e não de uma “eventual servidão”), afirmou os factos que permitiriam concluir que estava extinto.
Ou seja, o direito de servidão de aqueduto que existe é precisamente, pelo menos, aquele que a requerente afirmou existir na sua petição inicial e que não logrou demonstrar que estava extinto.
E, assim, estando em causa uma servidão de aqueduto, ou seja, para que água chegue ao prédio beneficiário da servidão, a colocação pelos requeridos de argolas “de modo a conseguirem chegar até à mina e verificar o seu estado” é lícita se estão indiciariamente demonstrados os factos 19 e 20 da matéria de facto provada, não se vislumbrando como possa tornar mais oneroso o exercício de uma servidão que é, precisamente, de aqueduto.
Note-se que requerente fundamentou a sua pretensão na extinção do direito de servidão de aqueduto de que beneficiava o prédio dos requeridos. Não tendo demonstrado os factos que permitiam afirmar que tal direito real estava extinto, pretende agora transformar aquele direito de servidão de aqueduto numa eventualidade para que, ainda assim, possa ser procedente a providência cautelar inominada por si intentada.
Ora, existindo o direito de servidão de aqueduto, da colocação lícita de argolas para acesso à mina não poderia resultar a afirmação da existência de qualquer ato de esbulho perpetrado pelos requeridos.
Não se verificando os pressupostos que permitiriam convocar o regime do procedimento cautelar especificado da restituição provisória da posse, não deveria ter sido realizada a convolação tácita que foi efetuada pela Mm.ª Juiz a quo, porque não existia fundamento para a restituição provisória da posse, nos termos do art.º 377.º do C. P. Civil.
 Resta-nos, ainda assim, perceber se estão verificados os pressupostos que permitiriam determinar a requerida restituição no âmbito do procedimento cautelar comum, sendo que foram estes os pressupostos que os apelantes afirmaram não ter ficado demonstrados na decisão proferida (e sobre esta concreta alegação nada de relevante respondeu a recorrida requerente na sua resposta).
A existência da servidão de aqueduto e a consequente inexistência do esbulho implica, desde logo, que se considere não estar demonstrado o direito da requerente de impedir que os requeridos acedam à mina.
O direito de propriedade e a posse da requerente coexistem com um direito de servidão de aqueduto que beneficia o prédio dos requeridos que, sendo um direito real limitado, comprime o primeiro, não podendo a requerente, proprietária, obstar ao exercício do direito de servidão.
Não existe, assim, a probabilidade séria da existência do direito da requerente que lhe permita obstar o acesso dos requeridos à mina existente, através da servidão de aqueduto.
Nestes termos, não assiste à requerente o direito de exigir dos requeridos a restituição do que quer que seja, impondo-se julgar improcedente o pedido cautelar formulado pela requerente.
Por último, diga-se que a não prova dos factos alegados pela requerente, nomeadamente os que constam das alíneas D), E) e F) da matéria de facto não provada, tornam ainda claro que, tal como referido pelos requeridos nas suas alegações, não estão demonstrados os factos que permitam afirmar os demais pressupostos do procedimento cautelar comum e em particular o requisito do periculum in mora.   

Decorre do exposto que a decisão proferida não pode manter-se, sendo, neste contexto, irrelevante saber se uma das argolas colocadas pelos requeridos está efetivamente, ainda que em parte, no prédio da requerente, pois que, sendo este o prédio serviente no âmbito de uma servidão de aqueduto, sempre lá poderia ter sido colocada se se visava o acesso à mina de que beneficia o prédio dos requeridos.
Uma nota apenas para deixar claro que, perante o recurso interlocutório que foi apresentado – e que colocava em causa apenas o despacho que indeferiu a realização da inspeção judicial –, não podia este Tribunal de recurso adiantar qualquer pronúncia sobre o mérito da decisão que então havia já sido proferida (e que apenas apreciou o fundamento da ação perante a não prova do facto alegado de estar a argola colocada no prédio da requerente), pois que aquela decisão não foi incluída pela requerente recorrente no objeto da apelação que apresentou.
A presente apelação tem, pois, de ser julgada procedente, revogando-se a decisão proferida e julgando-se improcedente a pretensão da requerente.
A requerente suportará as custas da providência cautelar e deste recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.

IV – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, em conformidade, revogam a decisão proferida, julgando improcedente a pretensão cautelar da requerente e absolvendo do pedido os requeridos.
As custas da providência cautelar e do recurso serão suportadas pela requerente / recorrente, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 10/07/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1º Adjunto: Luís Miguel Martins
2ª Adjunta: Conceição Sampaio