I - É obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal (58º, n.º 1 al. a) do CPP) ou quando, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido (59º, n.º 1 al. a) do CPP).
II - Não se pode validamente impor a quem deveria obrigatoriamente ter sido constituído arguido uma função processual que materialmente não lhe cabe, designadamente a de testemunha, e exigível para preenchimento do tipo de ilícito do artigo 360º do Código Penal, em que estão excluídos do tipo os arguidos.
III - O facto de a testemunha não ter sido constituída arguida, em violação do disposto no artigo 59º, n.º 1 al. a) do CPP, não impede, por força da proteção do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio, que ‘substancialmente’ deva ser considerada como tal para os efeitos do artigo 360º do Código Penal, afastando o preenchimento do tipo de ilícito de omissão de depoimento, que exige para o seu preenchimento a qualidade de «testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete».
IV - Assim o comportamento de quem, durante inquirição perante o órgão de polícia criminal, devendo obrigatoriamente ter sido constituído arguido não o foi, em violação do disposto no artigo 59º, n.º 1 al. a) do CPP, se recusa a responder ou a continuar a responder a questões, não é punível por recusa de prestar depoimento nos termos do artigo 360º do Código Penal, sob pena de subversão do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio.
(Sumário da responsabilidade do relator)
Relator: William Themudo Gilman
1ª Adjunta: Paula Cristina Jorge Pires
2º Adjunto: Jorge Langweg
No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2995/23.7T9MTS do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos - ..., após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Por todo o supra exposto, decide-se:
- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º nº 2 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de €600,00 (seiscentos euros);
- Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, cuja taxa de justiça se fixa em 2 UC, nos termos dos artigos 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Deposite a presente sentença, de acordo com o artigo 373º nº 2 do Código de Processo Penal.
Após trânsito, abra vista ao Digno Magistrado do Ministério Público para se pronunciar sobre a eventual aplicação do perdão de penas aludido no artigo 3º nº 2 al. a) da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, considerando a idade do arguido, a data da prática dos factos, a pena aplicada e o tipo de crime perpetrado.»
« Conclusões
I – O RECORRENTE VEM CONDENADO NA PENA DE 100 (CEM) DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE 6,00 (SEIS EUROS) O QUE PERFAZ O MONTANTE DE 600,00 EUROS, PELA PRÁTICA, SOB A FORMA DE AUTORIA MATERIAL, NA FORMA CONSUMADA, DE 1 (UM) CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO, P. E P., PELO ARTIGO 1360.º N. º2, DO CÓDIGO PENAL.
II – ENTENDE O RECORRENTE, FACE ÀS CONTRADIÇÕES EXISTENTES, HAVER LUGAR À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO INCRIMINAÇÃO E ATÉ O PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO REO.
III – ALIÁS, DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL A QUO RETIRA-SE COM TODA A CERTEZA, QUE O INSIGNE TRIBUNAL NÃO CONSIDEROU ESTARMOS PERANTE UMA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO TAMBÉM CONHECIDO PELO BROCARDO LATINO, “NEMO TENETUR SE IPSUM ACCUSARE”,
IV – O TRIBUNAL ABSTEVE-SE DE FAZER OPERAR O PRINCÍPIO DA NÃO AUTO INCRIMINAÇÃO E ATÉ O PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO REO.
V – O INSIGNE TRIBUNAL ENTENDEU QUE TAL DEPOIMENTO NÃO FOI SEGURO, CONCLUSÃO COM A QUAL NÃO PODEMOS CONCORDAR, UMA VEZ QUE ENTENDEMOS QUE TODO O DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FOI COERENTE E DESVINCULADO DE QUALQUER INTERESSE CONTRÁRIO À DESCOBERTA DA VERDADE.
VI – O TRIBUNAL ENTENDE QUE, DESTARTE O FACTO DO AQUI ARGUIDO TER SIDO EXPRESSAMENTE ADVERTIDO QUE A CONTINUA RECUSA EM RESPONDER ÀS QUESTÕES QUE LHE ESTARIAM A SER COLOCADAS, COMINARIA EM RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO MESMO, ESTE CONTINUOU A RECUSAR PRESTAR DEPOIMENTO, E QUE, NÃO HAVENDO CAUSA QUE JUSTIFICASSE TAL COMPORTAMENTO, A SUA INTENÇÃO SERIA APENAS A DE ATUAR COM O PROPÓSITO CONCRETIZADO DE ATENTAR CONTRA A BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, ATRAVÉS DE UMA OBSTRUÇÃO A AÇÃO PENAL E CONSEQUENTE APURAMENTO DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL DE TERCEIROS, ATUANDO “DELIBERADA, LIVRE E CONSCIENTEMENTE” E A SABER QUE CONDUTA ADOTADA ERA PROIBIDA PELA LEI PENAL.
VII – NA DOUTA SENTENÇA, O TRIBUNAL DECIDE QUE O ARGUIDO AO SE RECUSAR A RESPONDER A OUTRAS QUESTÕES, SEM INVOCAR DE UM MODO CLARO A PRERROGATIVA PREVISTA NO N.º 2 DO ARTIGO 132.º DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL, ESTARIA APENAS A RECUSAR PRESTAR DEPOIMENTO, SEM QUALQUER CAUSA QUE LEGITIMASSE TAL ATUAÇÃO.
VIII – O AQUI ARGUIDO NÃO SE CONFORMA COM A DOUTA SENTENÇA DO INSIGNE TRIBUNAL, POR TAL NÃO ENCONTRAR CONCORDÂNCIA, NA MATÉRIA APURADA EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, DEVENDO, NA REALIDADE, EM FACE DA PROVA FEITA, SER TOMADA, DECISÃO INVERSA À AQUI RECORRIDA.
IX – O AQUI ARGUIDO, INQUIRIDO NAS INSTALAÇÕES DA 6ª ESQUADRA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, EM ..., NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA, NO ÂMBITO DO INQUÉRITO COM O NUIPC ..., NO DECORRER DE TAL DILIGÊNCIA, FORAM COLOCADAS QUESTÕES AO AQUI ARGUIDO, AS QUAIS, AO TEREM RESPOSTA, RESPONSABILIZARIAM O AQUI ARGUIDO NA PRÁTICA DE UM CRIME, EM CONCRETO, - A PERGUNTA, “SÃO DEZ”, REFERENTE A UMA INTERCEÇÃO TELEFÓNICA ENTRE O AQUI ARGUIDO E O SENHOR BB, ARGUIDO NO NUIPC ...; E AINDA, OUTRA PERGUNTA, REFERENTE A UMA INTERCEÇÃO TELEFÓNICA ENTRE O AQUI ARGUIDO E O SENHOR CC, ARGUIDO NO NUIPC .... SABENDO QUE, AO RESPONDER ÀS DITAS QUESTÕES, ESTARIA A PRESTAR DECLARAÇÕES E INFORMAÇÕES QUE O PODERIAM INCRIMINAR E AINDA CONTRIBUIR PARA A SUA CONDENAÇÃO, O AQUI ARGUIDO, OPTOU POR NÃO RESPONDER ÀS QUESTÕES QUE LHE ESTARIAM A SER COLOCADAS PELO AGENTE INQUIRIDOR, POR TER FUNDADO RECEIO, DE PRESTAR QUALQUER TIPO DE DECLARAÇÃO QUE O PUDESSE PREJUDICAR CRIMINALMENTE.
X – O ARGUIDO REFERIU, QUE PREFERIA NÃO RESPONDER À QUESTÃO COLOCADA, POR TER MEDO DE SER MAL INTERPRETADO.
XI – PELO ARGUIFDO FOI DITO: “00:03:30 - ARGUIDO - AA - QUER DIZER QUE…NÃO RESPONDI PORQUE ESTAVA A SER ALI, MAL INTERPRETADO E QUE PODIAM VIRAR ISSO CONTRA MIM.
00:03:39 - MERITÍSSIMA JUIZ - MAS ISSO ASSIM NÃO CHEGA. TEM QUE ME EXPLICAR PORQUÊ, O SENHOR ERA TESTEMUNHA, NÃO É?
00:03:45 - ARGUIDO - AA - EXATO.
00:03:46 - MERITÍSSIMA JUIZ - ENTÃO PORQUE É QUE ISTO ERA CONTRA SI? 00:03:48 - ARGUIDO - AA - PORQUE DA FORMA COMO ESTAVAM A FAZER AS PERGUNTAS, FOI DESSA FORMA QUE EU INTERPRETEI E ATÉ DISSE QUE PODERIA SER MAL INTERPRETADO SE CONTINUASSE A RESPONDER. (…)
00:04:07 - MERITÍSSIMA JUIZ - MAS QUE PODIA SER MAL INTERPRETADO COMO?
00:04:10 – ARGUIDO - AA - ALGUMA PALAVRA QUE EU DISSESSE ALGUMA COISA, PORQUE ALI ESTAVAM COISAS QUE PODIAM ME INCRIMINAR A MIM.
00:04:17 - MERITÍSSIMA JUIZ - MAS NESSAS PERGUNTAS CONCRETAS, PODIA ESTAR INCRIMINADO? 00:04:22 - ARGUIDO - AA - SIM,
XII – A RECUSA DO ARGUIDO EM RESPONDER ÀS QUESTÕES FEITAS, NÃO TINHA COMO FUNDAMENTO, OBSTRUIR A AÇÃO PENAL E ATENTAR CONTRA A BOA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, MAS APENAS IMPEDIR QUE FOSSE DADA ALGUM TIPO DE DECLARAÇÃO OU INFORMAÇÃO QUE O PUDESSE CULPABILIZAR.
XIII – TAL CONDUTA ENCONTRA O SEU ENQUADRAMENTO LEGAL, NO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO (DIREITO QUE ASSISTE AO ARGUIDO), O QUAL GARANTE LEGITIMIDADE À CONDUTA ADOTADA PELO ARGUIDO.
XIV – É UM DIREITO COM NATUREZA CONSTITUCIONAL IMPLÍCITA, POR SE ENCONTRAR LIGADO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, PREVISTO NO N.º 2 DO ARTIGO 32.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, E AO DIREITO AO SILÊNCIO DO ARGUIDO, CONSIDERADO O NÚCLEO IRREDUTÍVEL DO DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO, VISTO QUE, É ATRAVÉS DA VERTENTE DO DIREITO AO SILÊNCIO, QUE SE MANIFESTA NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO O PRINCÍPIO DO DIREITO À NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO.
XV – É UM DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER PESSOA, DE NÃO TESTEMUNHAR CONTRA SI MESMA OU DE PROVER COATIVAMENTE QUALQUER TIPO DE CONHECIMENTO QUE A INCRIMINE, ATRAVÉS DA APRESENTAÇÃO DE ELEMENTOS QUE ATESTEM A SUA CULPA, COMO DECLARAÇÕES PRESTADAS NO PROCESSO…E PARA O PROCESSO.
XVI – NÃO SE COMPREENDE COMO O INSIGNE TRIBUNAL NÃO CONSIDERA ESTAR PERANTE O PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO, ISTO PORQUE, ATENTA A MATÉRIA DAS QUESTÕES COLOCADAS AO AQUI ARGUIDO, AS QUAIS, AO TEREM RESPOSTA, DEMONSTRARIAM A EXISTÊNCIA, POR PARTE DO RECORRENTE, DA VIOLAÇÃO DE CONDUTAS, CRIMINALMENTE PUNÍVEL, EM CONCRETO, RELACIONADAS COM A PRÁTICA DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
XVII – AS RESPOSTAS DO ARGUIDO, NA DITA INQUIRIÇÃO, CERTAMENTE ULTIMARIAM, NUM PRIMEIRO MOMENTO, NA SUA CONSTITUIÇÃO ENQUANTO ARGUIDO E… “Á FINALE”, NA SUA CONDENAÇÃO, PELOS FACTOS, DE QUE SE TERIA AUTO-INCRIMINADO…PERANTE TAL CIRCUNSTÂNCIA, O AQUI ARGUIDO, COMO SUPRA-REFERIDO, OPTOU POR NÃO RESPONDER ÀS PERGUNTAS QUE LHE ESTARIAM A SER COLOCADAS PELO AGENTE DA P.S.P., DEMOSTRANDO TAL VONTADE DE UM MODO CLARO E PERCETÍVEL.
XVIII – SE O ARGUIDO, NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA, FOSSE OBRIGADO A RESPONDER ÀS QUESTÕES QUE LHE SÃO COLOCADAS, AS QUAIS, ACABARIAM POR LHE IMPUTAR RESPONSABILIZAÇÃO PENAL, ENTÃO QUANDO PERANTE TAL SITUAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA ATUAÇÃO A TER, O RESULTADO PRÁTICO, “À FINALE”, SERIA SEMPRE O MESMO…MUDANDO APENAS O TIPO DE ILÍCITO EM QUESTÃO, I.E., SE RESPONDESSE ÀS QUESTÕES, SERIA CONSTITUÍDO ARGUIDO E CONDENADO PELO ILÍCITO EM QUESTÃO; ENQUANTO, SE NÃO RESPONDESSE, (NOS TERMOS AQUI DEFENDIDOS), SERIA CONSTITUÍDO POR PRÁTICA DO CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO E NO FINAL CONDENADO, PELO ILÍCITO EM QUESTÃO… É CASO PARA DIZER
XIX – SE ASSIM FOSSE, O AQUI ARGUIDO SERIA SEMPRE PRESO “POR TER CÃO…OU POR TER GATO”
XX – TAL SITUAÇÃO NUNCA PODERÁ ACONTECER, VISTO QUE EXISTEM DISPOSIÇÕES LEGAIS, QUE GARANTEM E SALVAGUARDAM OS DIREITOS DOS ARGUIDOS, SUSPEITOS E TESTEMUNHAS NO PROCESSO PENAL.
XXI – PERANTE TAL PRINCÍPIO, NÃO SE COMPREENDE COMO O ARGUIDO NÃO FOI ABSOLVIDO DO CRIME QUE LHE É IMPUTADO, VISTO QUE, COMO TANTOS OUTROS DIREITOS, COMO P. EX. O DIREITO DO ARGUIDO AO SILÊNCIO, ESTE DIREITO NÃO É OBJETO DE CONTROVÉRSIA NA JURISPRUDÊNCIA E NA DOUTRINA.
XXII – VEJAMOS ALGUMA JURISPRUDÊNCIA QUE AQUI ACOLHEMOS E DAMOS POR REPRODUZDA, CHAMAMOS À COLAÇÃO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO T. RELAÇÃO DE COIMBRA EM 24/05/2023, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, CUJO DOUTO SUMÁRIO ENSINA QUANTO SEGUE, A SABER:“I – O DIREITO DO ARGUIDO À NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO, ENTENDIDO COMO O DIREITO DE NÃO CONTRIBUIR PARA A SUA PRÓPRIA INCRIMINAÇÃO, CONHECIDO PELO BROCARDO LATINO NEMO TENETUR SE IPSUM ACCUSARE, ESTÁ INTIMAMENTE LIGADO AO DIREITO AO SILÊNCIO, NA MEDIDA EM QUE, NÃO SENDO RECONHECIDO AO ARGUIDO O DIREITO A MANTER-SE EM SILÊNCIO, ESTE SERIA OBRIGADO A PRONUNCIAR-SE E A REVELAR INFORMAÇÕES QUE PODERIAM CONTRIBUIR PARA A SUA CONDENAÇÃO.II – SEGUNDO O PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE IPSUM ACCUSARE NINGUÉM É OBRIGADO A AUTO INCRIMINAR-SE OU A CONTRIBUIR PARA A SUA PRÓPRIA CONDENAÇÃO, O QUE, NO ESSENCIAL, CORRESPONDE AO DIREITO DE NÃO TESTEMUNHAR CONTRA SI PRÓPRIO, DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO OU DE FORNECER COACTIVAMENTE QUALQUER TIPO DE DECLARAÇÃO OU INFORMAÇÃO QUE O POSSA INCRIMINAR, APRESENTANDO ELEMENTOS QUE PROVEM A SUA CULPABILIDADE.”
XXIII – CHAMAMOS À COLAÇÃO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO T. RELAÇÃO DE PORTO EM 01/07/2020, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, CUJO DOUTO SUMÁRIO ENSINA QUANTO SEGUE, A SABER: “IV – O PRINCIPIO "NEMO TENETUR”, APESAR DE NÃO CONSTITUIR UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL, POIS NÃO ESTÁ PREVISTO DIRECTAMENTE NA CRP, CONSIDERA-SE PRINCÍPIO IMPLÍCITO QUE SE INTEGRA NAS GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO EM PROCESSO PENAL, INSCRITAS NO ARTIGO 32º CRP, E VISA A LIBERDADE DE DECLARAÇÃO NO SENTIDO DE NÃO CONTRIBUIR PARA A SUA PRÓPRIA INCRIMINAÇÃO, IMPEDINDO A TRANSFORMAÇÃO DAQUELE EM MEIO DE PROVA POR VIA DE UMA COLABORAÇÃO INVOLUNTÁRIA OBTIDA COM RECURSO A MEIOS COERCIVOS E ENGANOSOS E TEM COMO CONTEÚDO MATERIAL A IMPOSIÇÃO DE DEVERES DE ESCLARECIMENTO OU ADVERTÊNCIA AO MESMO E A NULIDADE, OU NÃO VALORAÇÃO, DAS PROVAS OBTIDAS EM DESCONFORMIDADE COM ESSE PRINCIPIO.”
XXIV – HÁ UMA LIGAÇÃOI ENTRE O FACTO DO ARGUIDO DIZER, EM SEDE DE JULGAMENTO, QUE SE RECUSOU A RESPONDER PORQUE SENTIA, QUE AO RESPONDER, ESTARIA A CRIAR PROVAS CONTRA SI E O FACTO DE ESTE TER DITO AO AGENTE INQUIRIDOR QUE “PODERIA SER MAL INTERPRETADO”, E AINDA QUE (JUNTAR TUDO O QUE ELE DISSE NO JULGAMENTO).
XXV – ENTENDEMOS QUE OS “ELEMENTOS SOCIAIS” DO AQUI ARGUIDO, NÃO FORAM TIDOS EM CONSIDERAÇÃO, NA INVOCAÇÃO DO DIREITO À NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO.
XXVI – DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO VERIFICAMOS, QUASE DE UM MODO AUTOMÁTICO, A EXISTÊNCIA DE UMA LIGAÇÃO ENTRE O FACTO DO ARGUIDO DIZER, EM SEDE DE JULGAMENTO, QUE A RECUSA SE DEVIA À CIRCUNSTÂNCIA, DE ACREDITAR QUE AO RESPONDER ESTARIA A CRIAR PROVAS CONTRA SI, E O FACTO DE ESTE TER DITO AO AGENTE INQUIRIDOR QUE “PODERIA SER MAL INTERPRETADO”, E AINDA QUE (JUNTAR TUDO O QUE ELE DISSE NO JULGAMENTO).
XXVII – As QUESTÕES FEITAS ENVOLVIAM O AQUI ARGUIDO NA PRÁTICA DE CONDUTA CRIMINOSA…. NÃO SERÁ MUITO DIFÍCIL DE ENTENDER, QUE HAVIA MEDO DE SER MAL INTERPRETADO, AO RESPONDER A PERGUNTAS COLOCADAS POR UM AGENTE DA P.S.P., NUMA ESQUADRA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...NUMA SALA COM AGENTE INQUIRIDOR … NÃO PODEMOS NEGAR ESTAR PERANTE UMA SITUAÇÃO, QUE CAUSARIA STRESS, ANSIEDADE E RECEIO AO ARGUIDO E QUE MESMO, DETENDO CONHECIMENTO, DE QUE OS FACTOS EM QUESTÃO, TAMBÉM O IMPLICARIAM PENALMENTE.
XXVIII - O INSIGNE TRIBUNAL DESCARTA, DE UM MODO PERENTÓRIO, ESSA POSSIBILIDADE POR CONSIDERAR QUE AS PALAVRAS UTILIZADAS PELO ARGUIDO, NÃO CORRESPONDIAM A UMA INVOCAÇÃO EXPRESSA DO PREVISTO NO N. º2 DO ARTIGO 132.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
XXIX – O ARGUIDO POSSUI O 9.º ANO DE ESCOLARIDADE, DETÉM ENORMES LIMITAÇÕES AO NÍVEL DO SABER. ADEMAIS, O AQUI ARGUIDO NÃO POSSUI UMA LICENCIATURA NA ÁREA DO DIREITO, DE FORMA QUE DESCONHECE, POR COMPLETO, O MODO E FORMA COMO A LEI DEVE SER INTERPRETADA.
XXX – QUANDO QUESTIONADO PELA MERITÍSSIMA JUIZ, O ARGUIDO REFERE QUE AS SUAS PALAVRAS PODERIAM GERAR MÁ INTERPRETAÇÃO PELO OPC E QUE AS PERGUNTAS QUE LHE ESTAVAM A SERFEITAS, O LEVARAM A CRER - “SEMPRE QUE PODIA-ME INCRIMINAR”.
XXXI – pelo recorrente foi dito: 00:05:13 - Meritíssima Juiz - Começou a responder e depois é que acabou a. 00:05:15 - Arguido - AA - eu acho que respondi a uma ou duas perguntas e depois, na terceira ou na quarta, disse que não ia responder mais porque poderia ser mal interpretado, com estas minhas palavras. 00:05:48 - Meritíssima Juiz – as suas palavras foram essas, que não ia responder mais porque podia ser mal interpretado… 00:05:48 - Arguido - AA - exatamente. 00:05:48 - Meritíssima Juiz – Foi assim que o senhor disse. 00:05:54 - Arguido - AA - 2 ou 3 vezes. 00:05:58 - Meritíssima Juiz – O que eu queria saber é, pergunto-lhe, se percebi bem, portanto, o senhor a partir daquele momento, disse, não respondo mais a pergunta nenhuma? 00:06:06 - Arguido – AA – disse que não ia responder mais. (…) 00:06:12 - Arguido - AA - Eles chegaram-me a fazer avançar 2 ou 3 perguntas. E parecia-me sempre que podia-me incriminar, e a partir daí, disse que não ia responder mais.”
XXXII – O ARGUIDO NUNCA PROCUROU OBSTRUIR A AÇÃO PENAL E O APURAMENTO DE RESPONSABILIDADE CRIMINAL PELA PRÁTICA DE FACTOS ILÍCITOS, POIS, NO INÍCIO DA SUA INQUIRIÇÃO ENQUANTO TESTEMUNHA, TER “DADO” RESPOSTA ÀS QUESTÕES QUE LHE ESTARIAM A SER COLOCADAS PELO AGENTE INQUIRIDOR, TENDO APENAS CESSADO TAL COMPORTAMENTO, QUANDO NOTOU QUE A DIREÇÃO, ORIENTAÇÃO E OBJETIVO DAS PERGUNTAS O IMPLICARIAM.
XXXIII - PERANTE A IMINÊNCIA DE PRODUZIR PROVA QUE O CULPABILIZASSE, O AQUI ARGUIDO OPTOU POR RECORRER A UM MECANISMO LEGAL, O DIREITO À NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO
XXXIV – O MODO DE INVOCAÇÃO É O EXPECTÁVEL, DE UMA PESSOA, QUE DETÉM UM NÍVEL DE ESCOLARIDADE TÃO BAIXO, COMO O AQUI ARGUIDO.
XXXV – O ARGUIDO TINHA A IDEIA DE QUE AO TRANSMITIR A MENSAGEM NESTES MOLDES, O AGENTE INQUIRIDOR ENTENDERIA, A SUA VONTADE, PRETENSÃO E AINDA O FUNDAMENTO COM QUE O FIZERA, I.E., QUE A VONTADE DO ARGUIDO EM NÃO RESPONDER A MAIS QUESTÕES, TERIA FUNDAMENTO NO RECEIO DE AO FALAR, PRODUZIR ALGUM TIPO DE DECLARAÇÃO OU INFORMAÇÃO, QUE SERVISSE DE PROVA CONTRA SI PRÓPRIO.
XXXVI – PELO RECORRENTE FOI DITO: “00:08:09 - ARGUIDO - AA – NÃO EU ATÉ DISSE QUE NÃO ME RECORDAVA. ESTAVA A TENTAR-ME LEMBRAR E DEPOIS VI QUE PODIA-ME INCRIMINAR A MIM DA FORMA COMO ME ESTAVA A SER FEITA A PERGUNTA. 00:08:19 - DIGNÍSSIMO PROCURADOR DO MP - OLHE, O SENHOR DISSE EM ALGUM MOMENTO QUE SE RECUSAVA A DEPOR, PORQUE AQUILO QUE DISSESSE O ESTAVA A INCRIMINAR, PODIA FAZER INCORRER NA PRÁTICA DE ALGUM CRIME?
00:08:27 - ARGUIDO - AA – O QUE EU DISSE É QUE NÃO IA RESPONDER PORQUE PODIA SER MAL INTERPRETADO E PODIA-ME PREJUDICAR A MIM. 00:08:33 - DIGNÍSSIMO PROCURADOR DO MP - MAS CONCRETIZOU ISSO DE ALGUMA FORMA, OU SÓ LHE DISSE ISSO? 00:08:37 - ARGUIDO – AA - ACHO QUE CHEGUEI A FRISA…A DIZER 2 OU 3 VEZES.
XXXVII – NO QUE CONCERNE À INQUIRIÇÃO, EM QUE OCORRERAM OS FACTOS QUE ORIGINARAM OS PRESENTES AUTOS, O AQUI ARGUIDO, EM MOMENTO ALGUM, DEVERIA TER SIDO INQUIRIDO NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA, VISTO QUE À DATA EM QUE ESTE FOI CONVOCADO PARA PRESTAR DEPOIMENTO, JÁ EXISTIAM INDÍCIOS MAIS QUE SUFICIENTES, PELA PRÁTICA DE FACTOS, OS QUAIS, PELA SUA ILICITUDE, RESULTARIAM, EM REGRA, NA SUA CONSTITUIÇÃO ENQUANTO ARGUIDO.
XXXVIII – SUSPEITA QUE FOI DETERMINANTE NA DECISÃO, DE SE LHE TOMAREM DECLARAÇÕES NO PROCESSO. EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, O PRÓPRIO AGENTE INQUIRIDOR (TESTEMUNHA DD), CONFIRMOU QUE À DATA DE INQUIRIÇÃO, JÁ SE ENCONTRAVAM REUNIDOS, ELEMENTOS QUE COMPROVAVAM A EXISTÊNCIA DE UMA CONDUTA PENALMENTE PUNÍVEL.
XXXIX – Por esta testemunha foi dito: “00:17:13 - Ilustre Mandatário do Arguido - Pergunto se recorda de mais alguma sessão, que tivesse sido confrontado ao Senhor AA que fosse neste sentido desta primeira que falamos há pouquinho do são 10, ISTO é de alguma intermediação ou alguma angariação ou fosse o que fosse. Relacionada com a atividade de tráfico de estupefacientes do senhor CC e do senhor BB. 00:17:35 - Testemunha DD – o senhor AA teve inúmeras sessões.
00:17:36 - Ilustre Mandatário do Arguido - Porque é que ele não foi constituído arguido. 00:17:38 - Testemunha DD - Senhor, doutor, naquela altura, quer dizer, na fase… na inquirição, em determinada altura, se nós percebêssemos que efetivamente havia ali uma relação. E participação no tráfico também pela postura, pelas declarações do… 00:17:59 - Ilustre Mandatário do Arguido - Se ele confirmasse. 00:18:01 - Testemunha DD - Pronto, obrigado pela expressão aí poderia então ir ao encontro daquilo que o senhor me está a dizer. 00:18:08 - Ilustre Mandatário do Arguido Portanto, só para ver Se Eu percebi. Para eu perceber como é que correu então a linha da investigação…Escutas, transcrições chamamos aqui o cidadão na qualidade de testemunha. Se ele confirmar que, de facto, auxiliava, constituímo-lo arguido porque ele está ali, já está ali…se ele não confirmar depois vê-se. 00:20:44 - Ilustre Mandatário do Arguido - Mas das transcrições que obtiveram e da sua experiência profissional, naturalmente que foi o agente principal nesses autos, não resultou que de alguma forma, pelo menos de forma aparente, o senhor e foi essa até a razão de ciência que o fez chamar lá que o Senhor AA colaborasse nesta atividade e que estivesse…se isto fosse uma rede que estivesse dentro da rede? 00:21:05 - Testemunha DD - Ó senhor doutor, pronto indo ao encontro daquilo que me está a dizer com alguma experiência que tenho. Poderia se afigurar, que com o contexto e a interpretação que nós sabemos que muitas das vezes as interceções temos que que ter algum cuidado com a interpretação das interseções. (…) Havia conteúdos que por vezes nos podiam indicar…indicadores que o Senhor AA poderia ter ali uma parte ou uma participação na atividade, (…)
XL – 00:21:57 - Ilustre Mandatário do Arguido - portanto, fez, portanto, uma inquirição para que a testemunha fosse lá e se de facto, afirmasse que aquilo ali era verdade e que, de facto, era tráfico para ser constituído arguido. 00:23:53 - Testemunha DD – (…) Relativamente àquilo que falou de intermediar. aquela situação em que há uma troca de mensagens entre o senhor AA e um outro arguido, o senhor CC, não é isso, nós não tivemos dúvidas, com o auxílio dessas mensagens, foi feita a recolha das imagens daquele estabelecimento, onde confirmamos efetivamente que houve o contacto daquela pessoa (…), trocou mensagens e houve ali um contacto que se afigurou ser troca de estupefaciente por dinheiro.00:25:23 - Ilustre Mandatário do Arguido - Portanto, não teve dúvidas que essa situação…eu lembro-me perfeitamente das fotografias, que essa situação que fizeram…foram buscar as câmaras da Galp e que estava lá a transação, portanto, foi o senhor AA que intermediou, isto é, que disse ao senhor CC, olha, vai ali à Galp que está o “EE”, vai vender e o “EE” estava lá com dinheiro e houvesse a troca de estupefacientes e foi o senhor AA que teve a responsabilidade, em fazer o negócio acontecer, não é? 00:25:47 - Testemunha DD – Fez o negócio acontecer, pelo menos houve o contacto do telefone do senhor AA para o telefone do senhor CC.
XLI - O ARGUIDO PODERIA ATÉ, SER UM MEMBRO, OU SER UM DOS AUTORES, DA TAL REDE DE
TRÁFICO, QUE ESTARIA EM INVESTIGAÇÃO. ORA, ARTIGO 58.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DISPÕE QUE, EXISTINDO FUNDADA SUSPEITA DA PRÁTICA DE UM CRIME, O QUE OCORREU, ERA OBRIGATÓRIA A CONSTITUIÇÃO DO RECORRENTE, ENQUANTO ARGUIDO.
XLII- O AGENTE INQUIRIDOR TERIA O PROPÓSITO DE OBTER CONFISSÕES, MESMO SABENDO QUE EXISTIAM ELEMENTOS QUE APONTAVAM PARA A PRÁTICA DE UM CRIME? ORA, SE FOI ESTE O PROPÓSITO DO AGENTE INQUIRIDOR, PODEMOS FALAR DA UTILIZAÇÃO DE “MEIO ENGANOSO”, PARA A OBTENÇÃO DE DECLARAÇÃO QUE OPERASSE, “À FINALE”, COMO PROVA CONTRA O AQUI ARGUIDO.
XLIII – O ARGUIDO, AO SER INQUIRIDO, NÃO PODERIA RECORRER AO DIREITO AO SILÊNCIO…SOBRANDO O PRINCÍPIO “NEMU TENETUR”, COMO GARANTIA DE QUE NÃO PODIA SER OBRIGADO A SE AUTOINCRIMINAR.
XLIV - CONSTA DA MATÉRIA DE FACTO SUPRA ALUDIDA QUE O AQUI ARGUIDO, FOI ADVERTIDO, POR DIVERSAS VEZES E EM MOMENTOS DIFERENTES DA INQUIRIÇÃO, QUE DA RECUSA DO ARGUIDO, EM RESPONDER ÀS QUESTÕES COLOCADAS PELO AGENTE INQUIRIDOR, PODERIAM RESULTAR CONSEQUÊNCIAS PENAIS. O AGENTE INQUIRIDOR, NÃO CONSEGUE DETERMINAR COM CERTEZA, SE TERIA OU NÃO ADVERTIDO O AQUI ARGUIDO, QUANDO AOS RESULTADOS PENAIS DA SUA RECUSA… FIRMANDO JÁ TER UMA MEMÓRIA MUITO AVIVADA DESSA DILIGÊNCIA.
XLV - Vejamos o que foi dito por esta testemunha em sede de audiência de julgamento, quando questionado pela Meritíssima Juiz:“00:30:33 - Meritíssima Juiz - Mas a partir do momento que há a recusa, o senhor disse-lhe, que essa recusa faria incorrer em responsabilidade criminal, ou só disse no início que tinha de responder com verdade, sob pena de incorrer num crime? 00:30:41 – Testemunha DD -Na situação em concreto do senhor AA…eu muito sinceramente…Não me recordo, como disse o senhor doutor foram muitas testemunhas e tive pelo menos, seis a sete diligências idênticas a esta, duas delas ainda mais constrangedoras. 00:30:56 - Meritíssima Juiz - Então se estou a entender bem, disse no inicio, se depois voltou a dizer mais adiante já não se recorda, é isso? 00:31:01 - Testemunha DD -Não…tenho a certeza que disse no início, não me recordo se firmei isso no decorrer da inquirição…” PERANTE A INCERTEZA DA PRÓPRIA TESTEMUNHA QUANTO AO TER ADVERTIDO…OU NÃO TER ADVERTIDO O SENHOR AA, QUANTO ÀS CONSEQUÊNCIAS E EFEITOS PENAIS QUE A SUA CONDUTA PODERIA TRAZER… COMO PODE O INSIGNE TRIBUNAL FUNDAR A CONVICÇÃO, DE QUE EFETIVAMENTE EXISTIRAM ESTES AVISOS POR PARTE DA TESTEMUNHA DD. O DOUTO TRIBUNAL DEVERIA, S.M.O., CONSIDERAR QUE A TESTEMUNHA, NA REALIDADE, NÃO ADVERTIU O ARGUIDO DAS CONSEQUÊNCIAS PENAIS DA SUA RECUSA. VISTO QUE, A DÚVIDA OPERA SEMPRE A FAVOR DO ARGUIDO!!
XLVI – QUANTO AO FUNDAMENTO DADO PELO ARGUIDO PARA JUSTIFICAR A SUA RECUSA EM DEPOR, A TESTEMUNHA REFERE QUE, MESMO NÃO CONSTANDO DO AUTO, QUE EXISTIA A POSSIBILIDADE DO ARGUIDO TER APRESENTADO AS JUSTIFICAÇÕES, JÁ ELENCADAS NO PRESENTE RECURSO. PELA TESTEMUNHA FOI DITO: 00:26:58 - ILUSTRE MANDATÁRIO DO ARGUIDO - SÓ MESMO PARA TERMINAR E PORQUE O SENHOR PROCURADOR CONFRONTOU-O COM O COM O AUTO E PORQUE O SENHOR AGENTE PRINCIPAL DD, DE FORMA PARECEU-ME A MIM HONESTA, CREDÍVEL E ISENTA, DISSE AQUI INSTÂNCIAS DO SENHOR PROCURADOR, QUE NÃO SE RECORDA SE, DE FACTO, NA ALTURA O SENHOR AA ADIANTOU ALGUMA JUSTIFICAÇÃO PARA NÃO QUERER RESPONDER, DISSE QUE NÃO SE QUERIA INCRIMINAR OU ALGO…E EU COMPREENDO, PORQUE EU SEI QUE FORAM QUASE 100 TESTEMUNHAS QUE FORAM OUVIDAS NO ÂMBITO DESTE PROCESSO. FOI MUITA GENTE E SEI E SOU O PRIMEIRO A DIZER ISSO. TRABALHO NISTO E SEI COMO É QUE ISTO FUNCIONA? E PERGUNTO-LHE SENHOR DD EE. PERGUNTO ISTO MUITO E PEÇO UMA RESPOSTA O MAIS HONESTA POSSÍVEL, PORQUE CONFIRMOU AO SENHOR PROCURADOR O CONTEÚDO DO AUTO., MAS EU SEI TAMBÉM QUE ESTES AUTOS, MUITAS VEZES NÓS JÁ TEMOS ALI A CHOCA QUASE PRONTO E CLARO QUE ADAPTAMOS ALI AQUELA PARTE E NÃO O COMPLETAMOS A 100%. E O AGENTE PRINCIPAL DD, CONFIRMOU O CONTEÚDO DO AUTO E EU PEÇO EM CONSCIÊNCIA RECORDA-SE SE O SENHOR AA NAQUELE DIA E HORA LHE ADIANTOU ALGUM FUNDAMENTO PARA A SUA RECUSA A DEPOR, PARA NÃO A PARTIR PARA TER RESPONDIDO ÀS 2 OU 3 PRIMEIRAS PERGUNTAS, ENROLANDO MAIS OU ENROLANDO MENOS ISSO TODOS ENROLAM. PEQUENO PARA O LADO, PEÇO DESCULPA, MAS RECORDA-SE EM CONSCIÊNCIA DE LHE TER ADIANTADO ALGUMA JUSTIFICAÇÃO OU NÃO.00:28:34 – TESTEMUNHA DD - DA MESMA FORMA ESTÁ A PEDIR (…). EU NÃO ME RECORDO SE ELE TEVE ESSE PEDIDO. SINCERAMENTE, NÃO ME RECORDO. (…). SABIA QUE HAVIA UMA RELAÇÃO MUITO PRÓXIMA, NÃO SÓ COM O PRINCIPAL, COM O BB, (…) TAMBÉM COM A CUNHADA, MAS NÃO ME RECORDO. (…) 00:31:59 - ILUSTRE MANDATÁRIO DO ARGUIDO - AGENTE PRINCIPAL DD, COLOCA A HIPÓTESE, AINDA QUE REMOTA, DE QUE POR LAPSO NÃO FEZ CONSTAR NO AUTO DE QUE O SENHOR AA TERIA VERBALIZADO DE QUE SE PODERIA COMPROMETER AO PRESTAR NESSE SENTIDO, COLOCA SEQUER ESSA HIPÓTESE DE ISSO TER ACONTECIDO UM MERO LAPSO DE ESCRITA. 00:32:25 -TESTEMUNHA DD - SENHOR, DOUTOR, PODE TER ACONTECIDO, PODE TER ACONTECIDO, (…)
XLVII - NO ÂMBITO DO PROCESSO EM QUE O ARGUIDO FOI INQUIRIDO NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA, O AGENTE DA P.S.P., DD, REALIZOU MAIS DE UMA DEZENA DE DILIGÊNCIAS, CONSIDERANDO, O ELEVADO NÚMERO DE DILIGÊNCIAS REALIZADAS PELO AGENTE INQUIRIDOR NESSA SEMANA, NÃO “ADMIRA” QUE A TESTEMUNHA, QUANDO QUESTIONADA SOBRE OS EVENTOS DO DIA 24 DE FEVEREIRO DE 2023 (INQUIRIÇÃO), TENHA RECONHECIDO “QUE JÁ NÃO TINHA UMA MEMÓRIA MUITO AVIVADA RELATIVAMENTE A TAL DILIGÊNCIA”
XLVIII – o douto tribunal, forma a sua convicção quanto à matéria de facto, num testemunho, dúbio e incerto…“Como pode o Insigne Tribunal fundar as suas certezas, no depoimento da testemunha…quando a própria testemunha, não tem total certeza quanto aos factos que elenca???
ASSIM, VERIFICAMOS QUE NÃO EXISTEM CERTEZAS…MAS SIM DÚVIDAS, DÚVIDAS ESTAS, QUE “A FINALE”, RESULTARIAM NA ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO, COM BASE NO IN DÚBIO PRO RÉU.
XLIX – PUGNAMOS QUE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SALVO O DEVIDO RESPEITO, EXTRAVASA, E DE QUE MANEIRA O PRINCÍPIO ESTATUÍDO NO ART. 32.º DA CRP, PELO QUAL, PERANTE A DÚVIDA RAZOÁVEL, O TRIBUNAL TENDERÁ POR DECIDIR NO SENTIDO MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO. ORA, SENÃO VEJAMOS, É IMPUTADO AO RECORRENTE UM CONJUNTO DE ELEMENTOS, COM BASE NO TESTEMUNHO DO AGENTE INQUIRIDOR, TESTEMUNHA DD, QUE NÃO OFERECE CERTEZAS AO DOUTO TRIBUNAL.
L – A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SALVO O DEVIDO RESPEITO, NÃO SE PREOCUPA EM ANALISAR DE FORMA IMPARCIAL O TEOR DA PROVA QUE LHE FOI APRESENTADA. NÃO EXISTINDO UM ÓNUS DE PROVA QUE RECAIA SOBRE OS INTERVENIENTES PROCESSUAIS E DEVENDO O TRIBUNAL INVESTIGAR AUTONOMAMENTE A VERDADE, DEVERÁ ESTE NÃO DESFAVORECER O ARGUIDO SEMPRE QUE NÃO LOGRE A PROVA DO FACTO,
LI – ISTO PORQUE O PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO REO, UMA DAS VERTENTES QUE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 32.O, N.O 2, 1.A PARTE, DA CRP) CONTEMPLA, IMPÕE UMA ORIENTAÇÃO VINCULATIVA DIRIGIDA AO JUIZ NO CASO DA PERSISTÊNCIA DE UMA DÚVIDA SOBRE OS FACTOS: EM TAL SITUAÇÃO, O TRIBUNAL TEM DE DECIDIR PRO REO.”
LIII – OS FACTOS EM APREÇO, POR SEREM DÚBIOS, DEVERIAM ANTES DE MAIS CONDUZIR O RACIOCÍNIO DO TRIBUNAL A QUO SEMPRE NO SENTIDO MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO.
LIV – A ESSE RESPEITO, A TÍTULO MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, CHAMAMOS À COLAÇÃO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO T. RELAÇÃO DE COIMBRA EM 12/09/2018, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, CUJO DOUTO SUMÁRIO ENSINA QUANTO SEGUE, A SABER: “IV - O PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO” É EXCLUSIVAMENTE PROBATÓRIO E APLICA-SE QUANDO O TRIBUNAL TEM DÚVIDAS RAZOÁVEIS SOBRE A VERDADE DE DETERMINADOS FACTOS, AO PASSO QUE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA SE IMPÕE AOS JUÍZES AO LONGO DE TODO O PROCESSO E DIZ RESPEITO AO PRÓPRIO TRATAMENTO PROCESSUAL DO ARGUIDO. V- O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO ESTABELECE QUE NA DECISÃO DE FACTOS INCERTOS A DÚVIDA FAVORECE O ARGUIDO, OU SEJA, O JULGADOR DEVE VALORAR SEMPRE EM FAVOR DO ARGUIDO UM NON LIQUET.”
LV – O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO T. RELAÇÃO DE COIMBRA EM 06/01/2010, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, CUJO DOUTO SUMÁRIO ENSINA QUANTO SEGUE, A SABER:“4.A PERSISTÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL APÓS A PRODUÇÃO DA PROVA TEM DE ACTUAR EM SENTIDO FAVORÁVEL AO ARGUIDO E, POR CONSEGUINTE, CONDUZIR À CONSEQUÊNCIA IMPOSTA NO CASO DE SE TER LOGRADO A PROVA COMPLETA DA CIRCUNSTÂNCIA FAVORÁVEL AO ARGUIDO. 5.O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO SÓ É DESRESPEITADO QUANDO O TRIBUNAL, COLOCADO EM SITUAÇÃO DE DÚVIDA IRREMOVÍVEL NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS, DECIDIR, EM TAL SITUAÇÃO, CONTRA O ARGUIDO.”
LVI – O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO T. RELAÇÃO DE ÉVORA EM 04/02/2020, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT, CUJO DOUTO SUMÁRIO ENSINA QUANTO SEGUE, A SABER: “I - A JURISPRUDÊNCIA DO STJ TEM VINDO A ENTENDER QUE A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO PODE E DEVE SER TRATADA COMO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA MAS A SUA EXISTÊNCIA SÓ PODE SER AFIRMADA QUANDO, DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA, DECORRER, POR FORMA MAIS DO QUE EVIDENTE, QUE O TRIBUNAL, V. G., NA DÚVIDA, OPTOU POR DECIDIR CONTRA O ARGUIDO.
II - PERANTE UMA DÚVIDA OBJECTIVA E RAZOÁVEL QUE NÃO FOI ULTRAPASSADA EM AUDIÊNCIA, O NON LIQUET SOBRE OS FACTOS CONSTITUTIVOS DA INFRACÇÃO CRIMINAL (OU SOBRE FACTOS QUE AFASTEM A ILICITUDE OU A CULPA) DEVE TRANSFORMAR-SE NUMA DECISÃO FAVORÁVEL AO ARGUIDO EM HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA”
LVII - AFIGURA-SE-NOS QUE A EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE DÚVIDA CRIADA PELA TESTEMUNHA DD, QUANTO À MATÉRIA DOS AVISOS DADOS AO ARGUIDO E QUANTO AO FACTO DO ARGUIDO TER OU NÃO FUNDAMENTADO A SUA RECUSA, NUNCA PODERIAM CORRER EM PREJUÍZO DO
RECORRENTE E, NA DÚVIDA, DEVERIA ESTA OPERAR A SEU FAVOR.
LVIII - MOTIVO PELO QUAL, SE ENTENDE QUE A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU AMPLAMENTE O PRINCIPIO DO IN DÚBIO PRO REO.
LIX – O RECORRENTE VEM CONDENADO PELA PRÁTICA, SOB A FORMA DE AUTORIA MATERIAL, NA FORMA CONSUMADA, DE 1 (UM) CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO, P. E P. PELO ARTIGO 360.º N.º 2 DO CÓDIGO PENAL, NA PENA DE 100 DIAS DE MULTA À TAXA DIÁRIA DE € 6,00 (SEIS EUROS), O QUE PERFAZ O MONTANTE DE € 600,00 (SEISCENTOS EUROS). ENTENDE O RECORRENTE QUE A PENA APLICADA PECA POR EXCESSO, VIOLANDO ASSIM O ART. 71.º DO CP
LX – A APLICAÇÃO DE UMA PENA, SEJA ELA PRIVATIVA DA LIBERDADE OU NÃO, IMPORTA SEMPRE O CALCORREAR DE UM RACIOCÍNIO LÓGICO-DEDUTIVO, POR FORMA A APLICAR UMA PENA QUE SEJA JUSTA, PROPORCIONAL, ADEQUADA E NECESSÁRIA À CULPA DO AGENTE.
LXI – NOS TERMOS DO ARTIGO 71.º, NO 1, DO CÓDIGO PENAL A “DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA, DENTRO DOS LIMITES LEGAIS DEFINIDOS NA LEI, É FEITA EM FUNÇÃO DA CULPA DO AGENTE E DAS EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO”, NÃO PODENDO EM CASO ALGUM A PENA ULTRAPASSAR A MEDIDA DA CULPA (ARTIGO 40.º, N.º 2, DO CÓDIGO PENAL).
LXII – NA DETERMINAÇÃO CONCRETA DA PENA O TRIBUNAL ATENDE A TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE, NÃO FAZENDO PARTE DO TIPO DE CRIME, DEPUSEREM A FAVOR DO AGENTE, OU CONTRA ELE, NOMEADAMENTE AS REFERIDAS NAS ALÍNEAS DO N.O 2 DO ARTIGO 71O DO CÓDIGO PENAL.
LXIII – ASSIM, E COMO MUITO BEM SINTETIZA FIGUEIREDO DIAS: NO MOMENTO DA DETERMINAÇÃO DE MEDIDA CONCRETA DA PENA DEVE-SE TER EM CONSIDERAÇÃO QUE “(1) TODA A PENA SERVE FINALIDADES EXCLUSIVAS DE PREVENÇÃO, GERAL E ESPECIAL; (2) A PENA CONCRETA É LIMITADA, NO SEU MÁXIMO INULTRAPASSÁVEL, PELA MEDIDA DA CULPA; (3) DENTRO DESSE LIMITE MÁXIMO ELA É DETERMINADA NO INTERIOR DE UMA MOLDURA DE PREVENÇÃO GERAL DE INTEGRAÇÃO, CUJO LIMITE SUPERIOR É OFERECIDO PELO PRÓPRIO ÓTIMO DE TUTELA DOS BENS JURÍDICOS E CUJO LIMITE INFERIOR É CONSTITUÍDO PELAS EXIGÊNCIAS MÍNIMAS DE DEFESA DO ORDENAMENTO JURÍDICO (4) DENTRO DESSA MOLDURA DE PREVENÇÃO GERAL DE INTEGRAÇÃO A MEDIDA DA OENA É ENCONTRADA EM FUNÇÃO DE EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO ESPECIAL, EM REGRA POSITIVA OU DE SOCIALIZAÇÃO, EXCECIONALMENTE NEGATIVA, DE INTIMIDAÇÃO OU DE SEGURANÇA INDIVIDUAIS”
LXIX – VISANDO O APURAMENTO DE TODA A VERDADE PELO TRIBUNAL, CONFESSOU OS FACTOS QUE ENTENDEU CORRESPONDEREM À VERDADE, PROCEDEU COM UMA CONFISSÃO QUANTO À MAIORIA DOS FACTOS QUE LHE FORAM IMPUTADOS E OUTROS QUE NÃO ERAM, NOMEADAMENTE TER SE RECUSADO A RESPONDER ÀS PERGUNTAS DO AGENTE INQUIRIDOR.
LXX – DEMONSTROU ARREPENDIMENTO QUANTO À SUA PRATICA JUSTIFICANDO UM MOMENTO INFELIZ DA SUA VIDA.
LXXI - CONSIDERAMOS QUE A PENA DE MULTA QUE LHE FOI COMINADA NÃO CORRESPONDE À CONDUTA POR SI DESEMPENHADA, SENDO EXCESSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO CONDENADO A UMA PENA DE MULTA APROXIMADA DO MÍNIMO DA MOLDURA PENAL APLICÁVEL, COMO SERIA DE ESPERAR, UMA VEZ QUE A CULPA QUE LHE É ASSACADA NÃO É CORRESPONDENTE COM A PENA DE MULTA QUE LHE É APLICADA.
LXXII – O RECORRENTE É DE CONDIÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL HUMILDE.
LXXIII – POSSUI POUCAS HABILITAÇÕES PROFISSIONAIS, ESCOLARES E ACADÉMICAS,.
LXXIV – NÃO POSSUI NO SEU CRC, CONDENAÇÕES CRIMINAIS REGISTADAS, SENDO RECONHECIDO, POR NÃO SER UMA PESSOA VIOLENTA OU DESRESPEITADORA DAS REGRAS GERAIS DE BOA CONDUTA.
LXXVI - MOTIVO PELO QUAL, A PENA, EVENTUALMENTE, A APLICAR, SEMPRE DEVERÁ SER MAIS PRÓXIMA DO MÍNIMO LEGAL, O QUE RESPEITOSAMENTE SE REQUER!
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, requer a V. Ex.as se dignem:
- dar provimento ao presente Recurso e em consequência revogar o douto Acórdão ora \recorrido;
- reapreciar a prova gravada;
- alterar a matéria de facto dada como provada, nos termos requeridos;
Absolver o Recorrente com base no principio da não auto-incriminação e ainda com base no principio in dúbio pro reo, sendo que só assim se fará Cumprindo assim a expetável JUSTIÇA!! »
«Conclusões
1 – Ao contrário do que parece ser o entendimento do Recorrente, a faculdade prevista no art. 132.º, n.º 2 do C.P.P. não se aplica a toda e qualquer questão realizada, muito menos a questões ainda não formuladas, mas antes a questões concretas e determinadas e desde que expressamente informe que a resposta poderá vir a responsabilizá-lo criminalmente.
2 - No caso vertente, conforme admitido pelo Recorrente, o mesmo recusou responder à questão vertida nos factos provados n.º 2, e, após nova questão, o mesmo recusou continuar a responder tout court a qualquer outra questão que lhe fosse feita.
3 - Deste modo, nem a recusa do arguido a responder se limitou a questões concretas que poderiam implicar a sua responsabilização penal, nem o mesmo invocou tal fundamente, dizendo apenas que “poderia ser mal interpretado.”
4 - As questões que objectivamente foram colocadas ao arguido não implicavam directamente a sua responsabilização penal.
5 - O Recorrente, após ter sido informado pelo agente da PSP que intervinha no processo na qualidade de testemunha, foi confrontado com escutas telefónicas nas quais os visados (no caso BB e CC – esses sim arguidos) se reportavam a negócios de venda de estupefacientes, ainda que de forma cifrada.
6 - Pretendia o agente da PSP que o Recorrente explicasse e enquadrasse tais negócios, que confirmasse que efectivamente se tratavam de negócios de venda de estupefacientes, e que expressões como “são dez” fossem reconhecidas como sendo referentes ao número de doses.
7 - O esclarecimento de tais segmentos das escutas telefónicas por parte do Recorrente em nada o comprometeria, mas antes os identificados arguidos.
8 - A recusa definitiva do Recorrente em responder a tais perguntas, bem como a quaisquer outras que pudessem ser formuladas teve como evidente de desiderato evitar a responsabilidade criminal de BB e CC, sendo na data dos factos o primeiro seu amigo e o Recorrente namorado da irmã da esposa daquele.
9 - Ainda que das respostas às hipotéticas perguntas pudessem levar o agente da PSP a concluir que o Recorrente não era mero cliente, enquanto consumidor, dos produtos estupefacientes vendidos pelos identificados arguidos, assumindo ao invés papel activo no tráfico de estupefacientes, nem assim se vislumbra a que necessária condenação alude o Recorrente.
10 - Se viesse a verificar durante o depoimento, o agente da PSP teria necessariamente de interromper o depoimento, constituindo o Recorrente como arguido (art. 59.º, n.º 1 do C.P.P.), deixando as declarações prestadas de poder ser valoradas enquanto prova testemunhal e passando o mesmo a beneficiar do direito ao silêncio expressamente previsto no art. 61.º, n.º 1, al. d) do C.P.P.
11 – Ao contrário da afirmação do Recorrente, no processo n.º ... nunca existiu fundada suspeita da prática de ilícito criminal por parte do Recorrente, designadamente do crime de tráfico de estupefacientes.
12 - A conclusão é evidente – o processo em causa tinha visados determinados – que não o recorrente – correu os seus termos, foram feitas as diligências investigatórias tidas por pertinentes e culminou com a prolação de acusação, sem que o Recorrente em qualquer momento tivesse sido constituído como arguido.
13 - Não tendo a investigação recolhido fundadas suspeitas da prática de ilícito criminal por parte do Recorrente, nem no momento da sua inquirição nem posteriormente, não se justificava a sua constituição como arguido e o seu interrogatório nessa qualidade, sendo que o Recorrente também não invocou a prerrogativa prevista no art. 59.º, n.º 2 do C.P.P.
14 - A factualidade provada encontra-se perfeitamente estribada na prova testemunhal produzida.
15 - Apesar de o agente da PSP inquirido (DD) ter admitido que já não se recordava em pormenor de todas as incidências da inquirição do Recorrente, foi perentório a afirmar que advertiu o mesmo que a recusa de responder às perguntas feitas o fariam incorrer em responsabilidade penal, corroborando ainda integramente o teor do auto de inquirição do Recorrente, nomeadamente onde ali se deixou expresso que: “o depoente afirmou que recusasse a responder a mais qualquer questão. Neste ato o mesmo foi novamente advertido do art. 132 do CPP, alínea d), e para as consequências penais do incumprimento dos mesmos, de acordo com o art. 359º e 360º do C.P., tendo novamente ficado ciente.”
16 - O próprio arguido admitiu nas declarações que prestou que foi advertido que era obrigado a responder às perguntas formuladas e que a sua recusa o faria incorrer em responsabilidade penal.
17 - Do depoimento da identificada testemunha, conjugado coma as declarações do arguidos e demais elementos documentais juntos aos autos, não resultou qualquer dúvida que impusesse a absolvição do Recorrente ao abrigo do in dubio pro reo.
18 - A sentença recorrida teve em conta todas as circunstâncias atendíveis para a fixação da pena de multa, de acordo com os critérios previstos nos artigos 40º nº 1, 47º nº 1 e 71º nºs 1 e 2 do Código Penal.
19 - O tribunal recorrido fez uma correcta aplicação do direito ao fixar a pena em 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de €600,00 (seiscentos euros), não obstante as circunstâncias favoráveis ao recorrente, tendo em conta o grau de culpa expressa nos factos, e as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto.
20 - Aliás, basta atendermos que a pena foi fixada no primeiro terço da moldura penal e perto do mínimo previsto para o crime de falsidade de testemunho, para concluirmos pela adequação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente.
Porque a sentença apreciou devidamente os factos em questão e efectuou uma correcta subsunção jurídica dos mesmos, deve a sentença ser mantida no seus exactos termos, sendo julgado improcedente o Recurso interposto, assim se fazendo a habitual,
JUSTIÇA!»
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
2.1 - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Como é sabido, as conclusões do recurso, dada a sua função de delimitação do seu objeto, assumem uma importância decisiva, devendo ser concisas, claras e precisas.
Não é isto que ocorre no presente recurso, onde constatamos a presença de conclusões que dispostas por numeração romana atingem o número LXXVI (76) e que acabam por constituir a quase total repetição da motivação.
Não obstante, uma vez que da sua leitura é possível apreender as questões colocadas no recurso, conclusão que também se retira da resposta apresentada, não se ordenará o convite à correção, porque desnecessário e sem garantias de integral sucesso.
Assim, não se fará o convite para a correção das conclusões.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
1- Da violação do princípio da não autoincriminação.
2- Violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
3-Preenchimento do tipo de ilícito.
4- Da medida da pena – redução.
2.2 - A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto, que é a seguinte (transcrição):
« II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A.Factos provados:
Da discussão da causa, e com relevo para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos:
1.No dia 24 de Fevereiro de 2023, o arguido AA foi inquirido nas instalações da 6ª esquadra de investigação criminal, em ..., na qualidade de testemunha no âmbito do inquérito com o NUIPC ..., em que eram arguidos, além do mais, BB e CC;
2.Nessa diligência, quando inquirido à matéria dos autos, após ter sido advertido da obrigação de responder com verdade às perguntas feitas sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, quando confrontado com uma sessão de uma intercepção telefónica efectuada entre si e BB e questionado quanto ao que queria significar com “são dez”, o arguido recusou-se a responder a tal questão;
3.De seguida, e confrontado com uma nova intercepção telefónica entre si e CC, o arguido recusou expressamente responder a qualquer questão, não obstante ter sido, nesse acto e por mais do que uma vez, expressamente advertido das consequências penais da sua recusa;
4.O arguido sabia que assumia a qualidade de testemunha no âmbito de uma investigação criminal e que se encontrava obrigado a responder às perguntas que lhe eram colocadas, bem sabendo que o seu depoimento era um meio de prova e que com a sua conduta obstruía o exercício da investigação criminal;
5.Mais sabia o arguido que a sua recusa o faria incorrer em responsabilidade criminal, tendo sido advertido para as consequências de tal recusa, persistindo na sua conduta, não obstante soubesse que não tinha qualquer causa ou justificação para se recusar a responder;
6.Ao recusar injustificadamente responder às questões que lhe estavam a ser colocadas, o arguido agiu com o propósito concretizado de atentar contra a boa administração da Justiça, tentando obstruir a acção penal e a consequente apuramento da responsabilidade criminal de terceiros;
7.Ao agir deste modo, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal.
Mais se provou que:
8.À data dos factos, o arguido era amigo de BB e era namorado da irmã da esposa deste;
9.O arguido é distribuidor e aufere o equivalente ao salário mínimo nacional;
10.Vive com a sua companheira – que é esteticista, aufere cerca de €1.000,00 mensais e está grávida – em casa arrendada, ascendendo o valor da renda mensal a €400,00;
11.Não é dono de qualquer veículo;
12.Tem o 9º ano de escolaridade;
13.Não tem condenações criminais registadas.
B.Factos não provados:
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo directo para a decisão da causa.
III. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados, alicerçou-se na análise crítica e conjunta da prova analisada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador, de harmonia com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Desde logo, há que referir que o arguido reconheceu que, no circunstancialismo descrito, depois de começar por responder ao que lhe tinha sido perguntado, tinha recusado responder à questão aludida no ponto 2. e, confrontado com uma nova questão, tinha afirmado que já não ia responder a qualquer questão.
Admitiu ainda que lhe tinha sido feita a advertência indicada na factualidade provada, sabendo que tinha de responder às perguntas que lhe eram formuladas.
Relativamente à razão da sua recusa, o arguido mencionou que tinha sentido que estava a criar provas contra si e que, então, tinha dito ao agente inquiridor que “poderia ser mal interpretado se continuasse a responder”, frisando que tinham sido estas as suas palavras.
Só mais à frente é que o arguido mencionou que também tinha dito que se podia prejudicar se respondesse, mas depois voltou a referir “eu na altura disse que não ia responder mais porque podia ser mal interpretado, não disse mais nada”.
Note-se que o arguido demonstrou inequívoca relutância em concretizar os motivos subjacentes à sua recusa, sendo certo que mesmo quando o seu Ilustre Defensor (que já tinha anunciado, em sede de exposições introdutórias, que entendia tratar-se de uma recusa de depoimento num caso em que podia estar em causa a auto-incriminação) o questionou sobre se a conversa aludida no ponto 2. dos factos provados teria a ver com alguma actividade que pudesse estar relacionada com estupefaciente, o arguido começou por dizer que não se recordava, respondendo depois que não, e, só quando convidado pelo seu Defensor a pensar “bem”, é que o arguido acabou por responder que sim.
Por sua banda, DD, agente da P.S.P. que realizou a diligência de inquirição do ora arguido no âmbito do processo nº ..., aludiu de forma serena ao processo em questão e a esta inquirição, reconhecendo, todavia, que já não tinha uma memória muito avivada relativamente a tal diligência. No entanto, diga-se que esta testemunha afirmou não se recordar de o ora arguido dar alguma explicação para a sua recusa em depor, tendo ainda mencionado que, quando era dada alguma explicação que fosse no sentido de a pessoa inquirida entender que a reposta a prejudicava, era seu procedimento habitual verter isso mesmo no auto. E ainda que esta testemunha também tivesse admitido, em abstracto, que pudesse existir o lapso de a explicação poder ter sido dada e não constar do auto, não se pode deixar de referir que, se o arguido evidenciou tanto constrangimento e mostrou tantas dificuldades em dar respostas concretas acerca da razão subjacente à sua recusa no âmbito dos presentes autos (em que sabia que a sua linha de defesa era a supra mencionada), não custa a crer que, no âmbito do processo nº ..., o mesmo também não tenha sido claro quanto a esta matéria, repisando-se que o próprio foi repetindo que o que tinha dito era que podia ser mal interpretado.
Ora, concatenando as próprias declarações do arguido, o depoimento da testemunha inquirida, o teor da certidão atinente ao processo nº ... – em particular o teor do auto de inquirição de fls. 4 e 5, que foi assinado pelo arguido – e as regras da experiência comum, entendeu-se que estava demonstrada a factualidade descrita de 1. a 7. (sendo que, quanto aos factos atinentes ao foro interno, as regras da experiência e os elementares juízos de normalidade e bom-senso apontam no sentido da prova de tais factos, sendo a actuação objectiva do arguido suficientemente elucidativa a este respeito).
A matéria indicada em 8. resultou pacificamente das declarações do arguido e do depoimento da testemunha DD.
A factualidade atinente às condições económicas e sociais do arguido, de 9. a 12., foi dada como provada com base nas declarações do mesmo que, neste conspecto, se afiguraram mais espontâneas, inexistindo elementos probatórios dissonantes.
Finalmente, a prova atinente à ausência de condenações criminais registadas do arguido, em 13., alicerçou-se na análise do teor do seu certificado de registo criminal actualizado.»
2.3.1- Da violação do princípio da não autoincriminação.
Resumindo, o arguido vem acusado e condenado em primeira instância por se ter recusado, enquanto testemunha no âmbito de um inquérito, advertido da obrigação de responder com verdade, a responder a uma pergunta e após nova pergunta às restantes questões.
Em suma, invocou o recorrente no seu recurso que a decisão recorrida violou o princípio da não autoincriminação, “nemo tenetur se ipsum accusare”.
Argumenta para tanto que ao ser inquirido na 6ª Esquadra de Investigação Criminal, em ..., na qualidade de testemunha, no âmbito do inquérito com o nuipc ..., lhe foram colocadas questões, as quais, ao terem resposta, o responsabilizariam pela prática de um crime, em concreto, - a pergunta, “são dez”, referente a uma interceção telefónica entre o aqui arguido e BB, arguido no nuipc ...; e ainda, outra pergunta, referente a uma interceção telefónica entre o aqui arguido e CC, arguido no nuipc ..., sabendo que, ao responder às ditas questões, estaria a prestar declarações e informações que o poderiam incriminar e ainda contribuir para a sua condenação, por isso optou por não responder às questões que lhe estariam a ser colocadas pelo agente inquiridor, por ter fundado receio, de prestar qualquer tipo de declaração que o pudesse prejudicar criminalmente.
Contra-argumenta o Ministério Público que a faculdade prevista no artigo 132.º, n.º 2 do CPP não se aplica a toda e qualquer questão realizada, muito menos a questões ainda não formuladas, mas antes a questões concretas e determinadas e desde que expressamente informe que a resposta poderá vir a responsabilizá-lo criminalmente, o que não sucedeu no caso dos autos. Acrescenta que caso durante o depoimento se viesse a verificar que as respostas às perguntas o pudessem vir a incriminar, o agente da PSP teria necessariamente de interromper o depoimento, constituindo o Recorrente como arguido (artigo 59.º, n.º 1 do CPP), deixando as declarações prestadas de poder ser valoradas enquanto prova testemunhal e passando o mesmo a beneficiar do direito ao silêncio expressamente previsto no artigo 61.º, n.º 1, al. d) do CPP.
Vejamos.
O princípio da não autoincriminação do arguido - nemo tenetur se ipsum accusare ou simplesmente nemo tenetur -, que tem como correlativo e núcleo essencial o direito ao silêncio constitui uma das garantias de defesa do arguido.
Longe vão os tempos em que tinha assento nos Tribunais da Igreja o “juramento ex officio” em que os suspeitos de heresia tinham de prestar juramento sobre a sua inocência, e se vacilassem significava que Deus os considerava culpados. Como afastado está nas nações civilizadas o tempo em que o arguido estava sujeito ao dever de verdade, sendo o acusado ‘ajudado’ pelo recurso à tortura de modo a ser obtida uma confissão, pois entendia-se que o valor central da comunidade transcendia os interesses conflituantes no processo e obrigava os participantes a colaborar na descoberta da verdade.
Tal dever de verdade seria insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso - artigo 1º da Constituição - e por isso que a nossa lei fundamental no artigo 32º, n.º 1 estabelece que o processo criminal, assegura todas as garantias de defesa, entre as quais se encontra o direito à não autoincriminação e o correlativo direito ao silêncio, o qual constitui um princípio constitucional não escrito.
No processo penal temos uma concretização deste direito à não autoincriminação, não recaindo sobre o arguido e em certas circunstâncias sobre a testemunha o dever de colaborar na descoberta da verdade material, no direito ao silêncio previsto nos artigos 61º, nº1, al. d), 132º, nº 2, 141º, nº 4, a), e 343º, n. 1, do CPP.
No caso o recorrente foi ouvido no processo ... na qualidade de testemunha, processo esse no qual foram investigados BB e CC.
É certo que, como refere o Ministério Público, a testemunha para se recusar a responder a questões que lhe sejam feitas deve ‘alegar que das suas respostas resulta a sua responsabilização penal’, como refere o n.º 2 do artigo 132º do CPP e que no caso dos autos o que consta da matéria assente da sentença é que o recorrente se recusou a responder a uma questão sobre uma conversa telefónica em que participou com um dos investigados e que após nova questão sobre uma conversa com outro dos visados se recusou a responder a mais questões.
Mas o recorrente coloca a questão factual de que também disse na altura que não respondia porque a sua resposta poderia ser mal-entendida, o que equivale a ‘alegar que das suas respostas resulta a sua responsabilização penal’, respondendo o Ministério Público que o esclarecimento de tais segmentos das escutas telefónicas por parte do recorrente em nada o comprometeria, mas antes os identificados arguidos, argumentando que nunca existiu fundada suspeita da prática de ilícito criminal por parte do Recorrente, designadamente do crime de tráfico de estupefacientes. Acrescenta o Ministério Público que esta conclusão é evidente, pois que o processo correu os seus termos e culminou com a prolação de acusação sem que o recorrente em qualquer momento tivesse sido constituído arguido, o que teria ocorrido, desde logo na inquirição, pelo inquiridor ou a solicitação do inquirido, nos termos do artigo 59º, n.º 1 e 2 do CPP.
Aqui chegados é altura de começarmos pela primeira questão que se coloca quanto ao princípio da não autoincriminação e do seu núcleo essencial do direito ao silêncio, pois que antes de vermos se o recorrente se recusou validamente a responder às questões na qualidade de testemunha, nos termos do artigo 132º, n.º 2 do CPP, importa apurar se não deveria ter sido constituído arguido e inquirido nessa qualidade e não na de testemunha.
O arguido é o ‘sujeito passivo’ e a figura central do processo penal. Não obstante, o Código não apresenta qualquer definição de arguido, embora o faça para a figura do suspeito: toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar -artigo 1º, al. e) do CPP[1].
Ao distinguir o arguido do suspeito, a lei processual penal supõe que à constituição de arguido se liga o reconhecimento do estatuto de sujeito processual (artigo de 58º, n. 2 e 5, 60º e 61º do CPP), sendo que a constituição de arguido significa, materialmente, que foi ultrapassada a mera existência de indício de que a pessoa de que a pessoa visada cometeu um crime ou nele participou mas que sobre tal pessoa já recai uma suspeita fundada da prática de crime[2].
Por outro lado, é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal (58º, n.º 1 al. a) do CPP) ou quando, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido (59º, n.º 1 al. a) do CPP).
A suspeita fundada da prática de crime[3] ocorre quando tiverem sido recolhidos elementos e informações, incluindo os que surjam no decorrer da inquirição que indiciem de forma sólida e consistente a sua participação na prática do crime sob investigação ou revelado no momento.
Esta constituição de arguido é obrigatória e legalmente vinculada quanto ao seu se e ao seu quando: ocorrendo as circunstâncias descritas na lei a constituição de arguido deve ter imediatamente lugar. A pessoa inquirida encontra-se perante uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, o risco de uma autoincriminação inadvertida ou enganosamente induzida aumenta. O risco da manipulação do conceito de suspeita fundada na inquirição de pessoa sob investigação como testemunha, e não como arguido, com o pretexto de que a suspeita ainda não é fundada, também é real. Tudo visto, intensifica-se a necessidade de assegurar efetivamente à pessoa inquirida os seus direitos de defesa[4].
É preciso não esquecer que a regra da não constituição como arguido enquanto não houver fundada suspeita tem por fim proteger o visado, evitando o estigma social e não o interesse da eficácia da investigação, sendo que a sua introdução na revisão de 2007 se destinou a refrear uma certa tendência na prática judiciária de ligeireza na atribuição da qualidade de arguido[5].
A omissão da constituição obrigatória como arguido implica uma proibição de prova das declarações prestadas por quem devendo ter sido constituído arguido não o foi - artigos 58º, n.º 1 e 7 (anterior 6) e 59º, n.º 4 do CPP –, o que revela o papel fundamental que a proteção do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio tem na estruturação do regime legal da constituição de arguido[6]. Além da proibição de prova, a omissão da constituição obrigatória como arguido constitui nulidade dependente de arguição por se tratar de ato legalmente obrigatório – artigo 120º, n.º 2, al. d) do CPP[7].
Como acaba por resultar da fundamentação da sentença recorrida e da própria natureza do normal suceder das coisas da vida, o teor da certidão atinente ao processo n.º ..., em particular o teor do auto de inquirição de fls. 4 e 5 é essencial na decisão do caso e da questão de que agora tratamos: a de se saber se o recorrente não deveria ter sido constituído arguido e inquirido nessa qualidade e não na de testemunha.
Da análise da certidão junta aos autos extraída do processo n.º ..., cabe referir, desde logo, que a referida certidão vem instruída com o auto de inquirição e com o despacho de encerramento de inquérito. Só que este último está incompleto, terminando na página 2, ‘III- Da Acusação’, faltando o conteúdo desta. Apenas temos a parte inicial ordenando a extração de certidões para novos inquéritos por “consumo” e “falso depoimento”, não tendo sido transmitida, não sabemos porquê, a parte da acusação, dado o princípio da publicidade do processo. Quer isto dizer que a certidão do despacho de encerramento do inquérito estará incompleta. Não obstante, avancemos.
Analisemos então e vejamos aquilo que de relevo para a questão de que tratamos resulta do auto de inquirição de testemunha.
O recorrente, então testemunha, tendo prescindido de ser acompanhado de advogado, começa por responder dizendo qual é o número (tlm) do seu contacto pessoal e que só ele o utiliza. Que é conhecido pela alcunha «AA1». Fala sobre o consumo atual de haxixe. Que namorou seis anos com FF e que chegou a viver na casa da mãe de BB “BB1”. Era frequentador do café A... em ... e convivia com quem o frequentava incluindo os indivíduos que foram detidos pela PSP no âmbito das buscas do presente inquérito. Desses indivíduos afirma que conhece perfeitamente o BB, pela alcunha de "BB1" e o CC, pela alcunha de CC1.
Posto isto, regressemos à inquirição, onde a então testemunha, hoje recorrente, foi confrontada com várias interceções telefónicas, nas quais participou (relembremos que já estava confirmada pela testemunha o seu conhecimento do BB e do CC, bem como a exclusividade da sua utilização do telemóvel com o número que deu), tendo ficado registado o seguinte:
«Confrontado com a sessão 33961, devidamente transcrita em fls 88 e 89, do Anexo IA correspondente ao Alvo 120197060, (pertencente ao BB), esclarece que a mesma corresponde a uma chamada telefónica que efetuou do seu telemóvel para o BB1, onde falam de um episódio que aconteceu no Bairro ... - ..., onde o BB1 lhe dá conhecimento que tinha tido um problema com um toxicodependente de nome GG, em que o BB1 e o CC o agrediram.
Confrontado com as sessões 39050, 39052 e 39054. devidamente transcritas em fls 91,92 e 93, do Anexo 1.A correspondente ao Alvo 120197060, (pertencente ao BB), esclarece que a mesma corresponde a várias chamadas telefónicas que manteve com o BB1, onde o depoente encaminha um amigo seu, de nome HH para ir ter com o BB1. Diz que agendaram o encontro para o seu amigo e o BB1 se encontraram na B... em ..., para o BB1 lhe entregar umas coisas suas ao seu amigo, coisas estas que não sabe especificar.
Confrontado com a sessão 41987, devidamente transcrita em fls 100, do Anexo IA correspondente ao Alvo 120197060, (pertencente ao BB), esclarece que a mesma corresponde a uma chamada telefónica que manteve com o BB1 em que pede ao BB1 para lhe pagar um jantar, na brincadeira.
Confrontado com a sessão 52686, devidamente transcrita em fls 156, do Anexo 1.A correspondente ao Alvo 1120197060, (pertencente ao BB), esclarece que a mesma corresponde a uma chamada telefónica que manteve com o BB1, onde o BB1 lhe diz que vai ter com ele á porta da C..., para lhe entregar alguma coisa que o depoente que não sabe especificar.
Confrontado com a sessão 49463, devidamente transcrita em fls:85 e 86, do Anexo 2.A correspondente ao Alvo 120198060, (pertencente a II), esclarece que a mesma corresponde a uma chamada telefónica que efetuou para o telemóvel da II e fala com o BB1, e diz-lhe que vai mandar um primaço ter com ele, dizendo-lhe que são dez, perguntado o depoente recusou-se a dizer o que que se trata os dez.
Confrontado com a sessão 23372 devidamente transcrita em fls. 44 e 45 do Anexo 3.A, referente ao Alvo 120756060, (pertencente ao CC), o depoente afirmou que recusa-se a responder a mais qualquer questão.»
Juntemos os dados. Estando perante uma investigação de tráfico de estupefacientes, envolvendo vários indivíduos, em que já houve detenções, incluindo dois que a testemunha referiu conhecer, o agente inquiridor confronta-a com várias interceções telefónicas em que surge a testemunha e os referidos dois indivíduos. Numa conversa com o primeiro dos indivíduos, este dá-lhe conhecimento que tinha tido um problema com um toxicodependente e que os dois indivíduos o agrediram. Em três conversas com o mesmo indivíduo a testemunha encaminha um amigo seu para ir ter com o tal indivíduo. Diz a testemunha que agendaram o encontro para o seu amigo e o primeiro indivíduo se encontrarem na B... em ..., para este lhe entregar umas coisas suas ao seu amigo, coisas estas que não sabe especificar. Noutra sessão esclarece a testemunha que pediu ao primeiro indivíduo para lhe pagar um jantar, na brincadeira. Noutra esclarece que o tal indivíduo diz que vai ter com ele á porta da C..., para lhe entregar alguma coisa que o depoente não sabe especificar. Noutra conversa com o mesmo indivíduo diz-lhe que vai mandar um primaço ter com ele, dizendo-lhe que são dez, perguntado o depoente recusou-se a dizer o que se trata os dez. Finalmente, a propósito de uma conversa com o segundo indivíduo, o depoente afirmou que recusa-se a responder a mais qualquer questão.
Em resumo, numa investigação de tráfico de estupefaciente, na qual já foram detidos vários indivíduos, incluindo dois que a testemunha conhece e com quem mantém conversas de agressões a toxicodependentes, com quem combina várias vezes entregas de coisas que não esclarece o que são, encaminhando um terceiro para um desses indivíduos, pedindo pagamento a um deles, recusando-se finalmente a responder a mais questões quando confrontado com uma nova interceção telefónica, tudo junto leva a concluir de acordo com o normal suceder das coisas da vida que a testemunha não só é suspeita de participar na atividade de tráfico de estupefacientes, como essa suspeita é fundada, face aos elementos recolhidos nos autos e a forma como decorreu a inquirição.
Ora, pelo menos no decorrer da inquirição surgiu a fundada suspeita da participação do inquirido na prática do crime de tráfico sob investigação, se é que já não antes assim se deveria considerar face aos elementos recolhidos nas interceções telefónicas mencionadas que indiciavam de forma sólida e consistente atividades de tráfico.
Assim, era obrigatória a constituição de arguido logo que, durante a inquirição feita à pessoa inquirida, surgiu (reforçou?) a fundada suspeita de crime por ela cometido (59º, n.º 1 al. a) do CPP).
A omissão da constituição obrigatória como arguido do recorrente implica uma proibição de prova das declarações por si prestadas - artigos 58º, n.º 1 e7 e 59º, n.º 4 do CPP-, a qual assegura a proteção do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio. Além da proibição de prova, a omissão da constituição obrigatória como arguido constitui nulidade dependente de arguição– artigo 120º, n.º 2, al. d) do CPP.
O facto de a testemunha não ter sido constituída arguida, em violação do disposto no artigo 59º, n.º 1 al. a) do CPP, não impede, por força da proteção do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio, que ‘substancialmente’ deva ser considerada como tal para os efeitos do artigo 360º do Código Penal, afastando o preenchimento do tipo de ilícito de omissão de depoimento, que exige para o seu preenchimento a qualidade de «testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete».
Com efeito, não se pode validamente impor a quem deveria obrigatoriamente ter sido constituído arguido uma função processual que materialmente não lhe cabe, designadamente a de testemunha, e exigível para preenchimento do tipo de ilícito do artigo 360º do Código Penal, em que estão excluídos do tipo os arguidos.
O comportamento de quem, durante inquirição perante o órgão de polícia criminal, devendo obrigatoriamente ter sido constituído arguido não o foi, em violação do disposto no artigo 59º, n.º 1 al. a) do CPP, se recusa a responder ou a continuar a responder a questões, não é punível por recusa de prestar depoimento nos termos do artigo 360º do Código Penal, sob pena de subversão do princípio da proibição da autoincriminação e do direito ao silêncio.
Não sendo possível preencher o tipo de ilícito do artigo 360º do Código Penal, por dele estarem excluídos os arguidos, qualidade que o recorrente deveria ter obrigatoriamente adquirido durante a inquirição perante o órgão de polícia criminal, impõe-se a absolvição e a procedência do recurso.
Acresce que, uma vez que se verifica uma proibição de prova, as declarações do recorrente prestadas na qualidade de testemunha no inquérito ..., incluindo as passagens em que se refere que ele se recusou a responder não poderiam nunca constituir meio de prova, nem ser substituídas por outras que as reproduzissem.
Deste modo os factos provados de 2 a 7 da sentença recorrida (acima transcritos) são considerados como não provados.
Não resultando provados os factos imputados, não se preenchem os elementos do tipo de ilícito do artigo 360º do Código Penal.
Assim, também por aqui se impõe a absolvição do arguido.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pelo recurso.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, revogando a decisão recorrida e absolvendo-o do crime imputado.
Sem custas
Notifique.
Porto, 18 de junho de 2025
William Themudo Gilman
Paula Cristina Jorge Pires
Jorge Langweg
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[1] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.213.
[2] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2023, p.47-48; Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.213.
[3] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.226 e 228; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2023, p.48-49.
[4] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.221.
[5] Cfr. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 2017, Vol.I, p. 310; e Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.226.
[6] Cfr. Cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Direito Processual Penal, Os Sujeitos Processuais, 2022, p.221; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2023, p.49.
[7]Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2023, p.49.