CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR ACORDO DAS PARTES
COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA DE NATUREZA GLOBAL
Sumário

I - Da análise do corpo e das conclusões do recurso de apelação, verifica-se que a Recorrente indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II - No contexto da cessação do contrato de trabalho por acordo das partes, ambas as partes aceitam desvincular-se da relação laboral, sem que isso implique, automaticamente, o pagamento de qualquer indemnização ou compensação.
III - Caso as partes, em conjunto com o acordo de cessação do contrato de trabalho, tenham acordado o pagamento de uma quantia líquida a título de créditos laborais (compensação pecuniária global), presume-se que esta já incluiu os créditos vencidos ou exigíveis por força da cessação do contrato, nos termos do n.º 5 do artigo 349.º do Código do Trabalho.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Processo n.º 2612/24.8T8VNG.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 2

(secção social)

Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva

Adjuntas: Juíza Desembargadora Rita Romeira

Juíza Desembargadora Maria Luzia Carvalho


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Recorrente: AA

Recorrida: “A... A.C.E”


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Sumário:

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Acordam as Juízas subscritoras deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

AA (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A... A.C.E” (Ré).

A Autora peticiona a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias:

a) Compensação pela cessação do contrato de trabalho no valor de € 15.004,52;

b) Crédito relativo a formação profissional em falta no valor de € 642,73;

c) Juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Em síntese, a Autora alega que a cessação do contrato de trabalho entre as partes ocorreu por motivos objetivos – extinção do posto de trabalho -, no âmbito do previsto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

Mais alega que, aquando da cessação do contrato de trabalho e do pagamento do recibo final, não lhe foi liquidada a compensação a que tinha direito, e que ficou pendente o pagamento de parte dos créditos laborais devidos pela formação em falta.

A Autora refere ainda ter trabalhado sob as ordens e direção da Ré desde 07.06.2005 até 31.10.2023.

A Ré contestou a ação, alegando que, em setembro de 2023, a Autora manifestou o desejo de se desvincular da empresa por acordo, de modo a ter direito ao subsídio de desemprego.

Admite a Ré que, existindo motivo para a redução de efetivos, foi elaborada uma minuta de Acordo de Cessação do Contrato de trabalho no âmbito de um processo de redução de efetivos, tendo esse acordo sido assinado em 26.10.2023.

Nesse acordo, ficou estabelecido que a Autora nada receberia a título de compensação ou indemnização de antiguidade, mas apenas a título de créditos salariais. A Ré sustenta que jamais celebraria um acordo de cessação de contrato de trabalho com a Autora se tivesse de lhe pagar qualquer quantia a título de compensação pela sua antiguidade.

A Ré alega que, no momento da assinatura do acordo (26.10.2023), foram entregues à Autora diversos documentos, incluindo uma simulação do Recibo com todas as quantias discriminadas e identificadas reportadas ao fecho de contas. Nesse mesmo documento, a trabalhadora exarou do próprio punho a informação “em conformidade”, apôs a sua assinatura e a data de 26.10.2023.

Invoca ainda a Ré a exceção de remissão abdicativa e extinção dos créditos.

A Autora apresentou articulado de resposta à contestação, referindo, em síntese, nunca ter renunciado a qualquer direito, designadamente, aos créditos laborais que tinha e tem direito.

Alega ainda que, na sequência das alterações ao Código do Trabalho introduzidas no âmbito da agenda do trabalho digno, anteriores à cessação do contrato de trabalho em causa nos presentes, foi inserido um novo preceito que determina que os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho que resultam, entre outras, da sua cessação, não são suscetíveis de extinção por remissão abdicativa salvo por transação judicial.

Assim, a Autora sustenta que nunca ocorreu qualquer remissão abdicativa e que, mesmo que tal tivesse ocorrido, o que não se concebe e por mera hipótese académica se admite, tal renúncia seria inválida e sem qualquer efeito, por aplicação do artigo 337.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

Com o despacho saneador, foi dispensada a prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova. O valor da ação ficou fixado em € 15.889,03.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença datada de 19 de dezembro de 2024, que concluiu com a seguinte decisão (dispositivo):

«Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência:

a) Absolvo a R., A..., A.C.E., da totalidade dos pedidos formulados pela A., AA;

b) Condeno a A. nas custas do processo.

Registe e notifique.» (Fim da transcrição)

Desta sentença interpôs a Autora, recurso de apelação visando a sua revogação.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

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A Ré apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela Recorrente, pugnando pela manutenção do decidido.


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O Meritíssimo Juiz a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

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Recebidos os autos o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se, em douto parecer, no sentido de o presente recurso não obter provimento.

Em síntese: Quanto à impugnação da matéria de facto pela Ré, considera que a Recorrente valora de maneira diferente a prova produzida, mas uma diferente valoração e diferente opinião, não significa erro de julgamento. Alega ainda que a Recorrente na impugnação da matéria de facto não observa, na sua plenitude, os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, incumprindo a exigência legal decorrente dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de que as alterações à matéria de facto propugnadas devem ser expressamente enunciadas nas conclusões do recurso, pelo que, não há que conhecer do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Por conseguinte, o presente recurso não obtém provimento devendo, antes, confirmar-se a sentença recorrida.


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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II - Questões a Decidir:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

As questões a decidir são as seguintes:

A- Da impugnação da matéria de facto dada como provada:

● Os factos dados como provados nos pontos 6, 12, 13, 15 e 18 passem a ser considerados como não provados;

● Se proceda à alteração da redação atribuída ao facto provado no ponto 22.

B- Do erro na aplicação do direito:

● Determinação de ser devida uma compensação pela cessação do contrato de trabalho, a qual, alega-se, ocorreu por acordo nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

● Determinação de ser devido o crédito correspondente a horas de formação profissional.


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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:

Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1]


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1. A A. foi admitida ao serviço da A..., S.A. em 7 de junho de 2005, tendo sido celebrado acordo de cessão da posição contratual, para a A... A.C.E., em 1 de maio de 2023 e – à data da cessação do contrato de trabalho – tinha a categoria de Técnico Superior;

2. A A. exercia funções na Direção Financeira, sendo responsável pela tesouraria e pela realização de pagamentos e transferências diversas das unidades de saúde localizadas em Braga, procedendo, designadamente, a lançamento de caixas, conferência e análise das contas que são movimentadas aquando do lançamento de caixas, análise de reconciliação bancária, realização de devoluções ao cliente, realização de pagamentos e transferências diversas (impostos, fornecedores pontuais, regularização de vencimentos, D.U.C.´s, penhoras e sindicatos, carregamento de cartões e transferências entre contas);

3. Em setembro de 2023 a A. manifestou à R. o seu desejo de se desvincular da empresa por acordo, de forma a que ficasse, pelo menos, com direito a receber o subsídio de desemprego;

4. Em dia não concretamente apurado do mês de setembro de 2023 realizou-se uma reunião entre a A. e BB, da Direção de Pessoas e Talento, em que a trabalhadora informou que pretendia desvincular-se da empresa se esta lhe desse a possibilidade de aceder ao subsídio de desemprego;

5. Em dia não concretamente apurado do mês de outubro de 2023 a A. falou com CC (da Direção de Pessoas e Talento) a chorar, referindo que tinha muita vontade de sair, que estava saturada e que queria muito sair da empresa;

6. Foi-lhe referido que sendo ela que pretendia fazer cessar o contrato de trabalho e que tal era do seu interesse, a R. não estava disponível para pagar nada a título de indemnização de antiguidade, pelo que a R. apenas lhe iria pagar os valores que pudessem ser devidos a título de créditos salarias, como férias não gozadas, subsídio de férias ou formação;

7. Atenta a insistência da A. em resolver a sua “situação” no sentido de se terminar a relação laboral, como era seu desejo, e atento o facto de a R. ter analisado a situação e entendido que havia fundamentação para a redução de efetivos (pois a trabalhadora exercia funções na Direção Financeira, sendo responsável pela tesouraria e pela realização de pagamentos e transferências diversas das unidades de saúde localizadas em Braga e tinham sido introduzidos processos de melhoria da referida Direção Financeira que levaram à automatização de processos, tendo a R. desenvolvido ferramentas de integração e validação automáticas que permitiam levar a uma redução de recursos humanos afetos às atividades, e que a otimização de custos e recursos humanos poderia levar à extinção do posto de trabalho que a A. ocupava), foi elaborada uma minuta de Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, no âmbito de processo de redução de efetivos;

8. Tal Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho foi assinado em 26 de outubro de 2023;

9. O texto da minuta do mencionado Acordo, bem como a declaração de desemprego, o modelo RP 5044/2018 – DGSS, o certificado de trabalho, uma simulação do recibo com todas as quantias discriminadas e identificadas reportadas ao fecho de contas, foram entregues à A. em data anterior à da assinatura do dito Acordo, para que os lesse;

10. Na simulação do recibo descreveram-se as seguintes quantias: Abonos: Vencimento base, € 1 249,24, Formação € 799,27, Subs. Aliment € 6,50 cartão € 136,50, Subsídio de Natal (valor) € 1 041,03, Propor.Rem.Fér.Exer-Valor € 1 041,03, Rem.Fér.AA € 170,35, Propor.Sub.FériasExer-Valor € 1 041,03, Total Abonos: € 5 478,45; Descontos legais: Contrib.empregado p/SS € 518,91, Ded.imposto rends. Ctg A € 841, Dedução fiscal SF ctg.A € 101, CESP Sind.Trab.C.E.Serv.Pt € 12,49, Total Descontos Legais: € 1 473,40, VALOR A TRANSFERIR: € 3 868,55;

11. A A., na posse dos documentos referidos em 9), exibiu-os na Autoridade para as Condições de Trabalho e a um Sr. Advogado seu conhecido, tendo-lhe aquela referido que tudo estava em conformidade e que podia assinar o dito Acordo;

12. A R. acedeu a realizar um acordo que permitisse o acesso ao subsídio de desemprego, no interesse da A., e face ao seu pedido, motivo pelo qual desde logo a informou que, a ser realizado qualquer acordo, nada pagaria como compensação ou indemnização de antiguidade;

13. A R. não teria assinado o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho se tivesse que pagar à A. uma indemnização pela cessação do mesmo contrato;

14. A A. deslocou-se ao .... (Hospital A...) em 26 de outubro de 2023, tendo-lhe sido entregue a referida documentação, contendo também a minuta de Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho, que a A. já tinha lido e analisado anteriormente;

15. A A. bem compreendeu o que estava escrito no texto que assinou, sendo que bem sabia também que a R. só acedeu a realizar aquele Acordo se não pagasse qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho;

16. A A. leu-o durante o tempo que entendeu, e assinou;

17. A A. é uma pessoa instruída e, para além do 12.º ano de escolaridade, tem ainda formação em várias vertentes: é Bacharel em Contabilidade e Gestão pelo ... (Instituto Superior ...); é Contabilista Certificada, estando inscrita na Ordem dos Contabilistas Certificados (é Membro n.º ...);

18. Naquele documento de simulação do recibo, com todas as quantias acima discriminadas e identificadas reportadas ao fecho de contas, a trabalhadora, pelo seu punho, escreveu a informação “em conformidade”, assinou e escreveu a data “26/10/23”;

19. A A. deu o seu acordo ao seguinte texto: “ACORDO DE CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO Entre A... A.C.E., agrupamento complementar de empresas, com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, com o NIPC ..., registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, aqui representada por DD, com poderes para o acto, também denominada por PRIMEIRA OUTORGANTE, e AA, residente na ..., ..., Hab ..., ... V. Nova de Gaia, portador do Cartão de Cidadão n.º ..., Contribuinte Fiscal n.º ..., beneficiário da segurança social nº ..., adiante designada por SEGUNDO OUTORGANTE, Considerando que: A. Em 07.06.2005, o SEGUNDO OUTORGANTE celebrou um contrato de trabalho com a PRIMEIRA OUTORGANTE; B. O SEGUNDO OUTORGANTE, detém a categoria de “Técnico Superior” exercendo funções na Direcção Financeira; C. Se encontram preenchidos os motivos que permitem o recurso ao despedimento por extinção do posto de trabalho, porquanto: i) O Segundo Outorgante é responsável pela tesouraria e pela realização de pagamentos e transferências diversas das unidades de saúde localizadas em Braga; ii) A Primeira Outorgante introduziu processos de melhoria na Direcção Financeira que levaram à automatização de processos, e desenvolveu ferramentas de integração e validação automáticas que permitem levar a uma redução de recursos humanos afectos às actividades; iii) A optimização de custos e recursos humanos leva à extinção do posto de trabalho do Segundo Outorgante na A... ACE; …….. D. Com fundamento no Considerando C. Primeira e Segundo Outorgantes, pretendem fazer cessar qualquer relação de trabalho existente entre ambos, com efeitos a 31.10.1023; E. O Segundo Outorgante, será indemnizada por todos os créditos laborais vencidos ou exigíveis pela cessação do Contrato de Trabalho até 31.10.2023. É celebrado o presente Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º e n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei nº 220/2006 de 03 de novembro o qual se regerá pelos termos e condições seguintes: CLÁUSULA 1.ª: 1. PRIMEIRA e SEGUNDO OUTORGANTES acordam cessar o contrato de trabalho que atualmente as vincula, com efeitos a dia 31.10.2023. 2. O Segundo Outorgante pode fazer cessar o presente acordo mediante comunicação escrita, dirigida à Primeira Outorgante, até ao sétimo dia seguinte à presente data. CLÁUSULA 2.ª: A SEGUNDA OUTORGANTE indica o IBAN ... como o meio de receção do pagamento dos créditos laborais, comprometendo-se a PRIMEIRA OUTORGANTE a efetuar o pagamento, pela via acordada, até ao dia 31 de Outubro de 2023. CLÁUSULA 3.ª: 1. Em virtude do referido no Considerando C. as OUTORGANTES reconhecem que o presente acordo é celebrado e fundamentado em motivos que permitiriam o recurso a um processo de extinção do posto de trabalho. 2. A SEGUNDA OUTORGANTE declara ficar ciente do teor das declarações da PRIMEIRA OUTORGANTE constantes do Considerando C. e da presente cláusula e que, em virtude das mesmas, é sua convicção que se mostram preenchidos os requisitos legais de que depende o seu acesso a prestações de desemprego, não pudendo ser responsabilizada a Primeira Outorgante no caso de não lhe vir a ser concedido o subsídio por facto não imputável a esta última. CLÁUSULA 4.ª: 1. A SEGUNDA OUTORGANTE declara expressamente que o pagamento dos créditos laborais é único e exclusivo pagamento de qualquer montante, crédito, compensação ou indemnização que pela PRIMEIRA OUTORGANTE pudesse, eventualmente, ser-lhe ainda devido e que não é credora de quaisquer outros montantes, seja a que título for, da PRIMEIRA OUTORGANTE e ou de qualquer outra sociedade ou entidade do grupo a que pertence, emergentes da execução do contrato de trabalho celebrado com a PRIMEIRA OUTORGANTE, quer com a sua cessação, quer com qualquer outro assunto. 2. As partes acordam em não demandar a contraparte por quaisquer questões relacionadas com a execução e cessação do contrato de trabalho identificado no Considerando A. CLÁUSULA 5.ª: Em consequência do referido na Cláusula anterior, a SEGUNDA OUTORGANTE declara nada mais ter a reclamar contra a PRIMEIRA OUTORGANTE ou qualquer outra sociedade ou entidade do grupo a que pertence emergente do contrato de trabalho ou da sua cessação, ou de qualquer outro assunto, pelo que a SEGUNDA OUTORGANTE acorda em, irrevogavelmente, renunciar a eventuais reclamações ou direitos de ação que tenha ou possa ter. CLÁUSULA 6.ª: A SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se, em absoluto, a manter sigilo e confidencialidade sobre quaisquer informações ou dados que se refiram à PRIMEIRA OUTORGANTE ou a qualquer outra sociedade ou entidade do grupo a que pertence, designadamente a clientes, contratos, qualquer outra informação e segredos comerciais, projetos e/ou direitos de propriedade intelectual, dos quais a SEGUNDA OUTORGANTE tenha tido conhecimento e/ou acesso. CLÁUSULA 7.ª: 1. A SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se, na data de produção de efeitos do presente acordo, a devolver à PRIMEIRA OUTORGANTE todos os documentos, materiais, instrumentos de trabalho ou outros bens, propriedade da PRIMEIRA OUTORGANTE, suas associadas, clientes ou fornecedores, que tenha em seu poder. 2. A PRIMEIRA OUTORGANTE entrega na data do presente acordo à SEGUNDA OUTORGANTE o impresso Modelo RP5044 – DGSS comprovativo de situação de desemprego, bem como a declaração nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro e um certificado de trabalho. CLÁUSULA 8.ª: AS PARTES acordam, em absoluto, manter sigilo e confidencialidade sobre os fundamentos e condições do presente acordo de cessação do contrato de trabalho. Outorgado no Porto, a 26 de outubro de 2023, em dois exemplares, destinando-se um a cada um dos Outorgantes. Pela Primeira Outorgante, A Segunda Outorgante,”;

20. Em cumprimento do Acordo celebrado, a R. pagou à A., por meio de transferência bancária ocorrida em 31 de outubro de 2023, a quantia líquida de € 3 868,55, quantia esta que inclui os montantes devidos a título de créditos salariais, como descrito no recibo de fecho de contas a que se aludiu em 9);

21. Auferia a A., à data da cessação do contrato, a retribuição mensal de € 1 249,24;

22. A R. ministrou à A. onze horas de formação, nos seguintes termos: em 2020 a A. teve formação de 0,25h; em 2021 a A. teve formação de 0,25 h; em 2022 a A. teve formação de 7,6 h; em 2023 a A. teve formação de 3 h;

23. Foram pagos à A. € 799,27 a título de crédito de formação não ministrada.


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Matéria de facto dada como não provada em primeira instância

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FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa.


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Da impugnação da decisão de facto:

Os Ónus do Recorrente na Impugnação da Matéria de Facto

Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, o Recorrente tem o dever de delimitar o âmbito do recurso, indicando os segmentos da decisão que considera erróneos e especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1].

Adicionalmente, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, na sua perspetiva, justifiquem uma decisão diferente [alínea b) do n.º 1]. Embora estas exigências se refiram à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[2] O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de formais devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[3]. (negrito nosso)

A Impugnação da Decisão de Facto

A impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do Recorrente face ao decidido, expressa de forma imprecisa, genérica ou descontextualizada, nem na simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos. É o apelante, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quem se encontra em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível.

Como refere Ana Luísa Geraldes[4], a prova de um facto, por regra, não resulta de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência.

Neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição)

Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida.

Papel do Tribunal da Relação na Reapreciação da Prova

É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados – cfr. o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil.

Descarta-se, assim, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios, ou de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação.

Princípio da Livre Apreciação da Prova

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido.

Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.»

Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se:

«(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[5] (Fim da transcrição e negrito nosso)

Contudo, como sublinha Ana Luísa Geraldes[6], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[7], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição). Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição)

Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto.

É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil.

Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do Recorrente e Recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Isto enquadra-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa[8]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição)

Em suma, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”, designadamente, se na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes.

Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[9] (Fim da transcrição)

Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade.

Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[10] (Fim da transcrição)

Apreciação dos Pontos Concretos

Feito este enquadramento, cumpre aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal:

A Recorrente solicita o seguinte:

● A reclassificação dos pontos 6, 12, 13, 15 e 18 da matéria de facto dada como provada, para que sejam considerados como não provados;

A alteração da redação do facto provado no ponto 22, de forma a incluir a formação profissional adicional em falta, tal como alegado pela Autora na sua petição inicial.

Os factos provados nos pontos 6, 12, 13, 15 e 18 têm a seguinte redação:

6. Foi-lhe referido que sendo ela que pretendia fazer cessar o contrato de trabalho e que tal era do seu interesse, a R. não estava disponível para pagar nada a título de indemnização de antiguidade, pelo que a R. apenas lhe iria pagar os valores que pudessem ser devidos a título de créditos salarias, como férias não gozadas, subsídio de férias ou formação;

12. A R. acedeu a realizar um acordo que permitisse o acesso ao subsídio de desemprego, no interesse da A., e face ao seu pedido, motivo pelo qual desde logo a informou que, a ser realizado qualquer acordo, nada pagaria como compensação ou indemnização de antiguidade;

13. A R. não teria assinado o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho se tivesse que pagar à A. uma indemnização pela cessação do mesmo contrato;

15. A A. bem compreendeu o que estava escrito no texto que assinou, sendo que bem sabia também que a R. só acedeu a realizar aquele Acordo se não pagasse qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho;

18. Naquele documento de simulação do recibo, com todas as quantias acima discriminadas e identificadas reportadas ao fecho de contas, a trabalhadora, pelo seu punho, escreveu a informação “em conformidade”, assinou e escreveu a data “26/10/23”;

O facto provado sob o ponto 22) possui a seguinte redação:

“22. A R. ministrou à A. onze horas de formação, nos seguintes termos: em 2020 a A. teve formação de 0,25h; em 2021 a A. teve formação de 0,25 h; em 2022 a A. teve formação de 7,6 h; em 2023 a A. teve formação de 3 h.”

Por seu turno, o Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto impugnados da seguinte forma:

«De acordo com os depoimentos unânimes das testemunhas CC, EE e BB, a A. sempre demonstrou perante estas não estar satisfeita com as novas funções que, a partir de inícios do ano de 2023, passou a assumir na Direção Financeira, pelo que pretendia fazer cessar a relação laboral que mantinha com a R. A este propósito, a última daquelas identificadas testemunhas descreveu, de forma convicta, que teve diversas reuniões com a A., tendo esta sempre manifestado a sua intenção de se desvincular da empresa. Se, num primeiro momento, a A. abordou a R. no sentido de lhe ser paga uma indemnização aquando da sua saída, sempre lhe foi clara e categoricamente dito, por diversas vezes e em ocasiões diferentes, incluindo pelas testemunhas BB e EE, que a entidade empregadora não tinha, nem nunca teve, intenção de colocar termo à relação de trabalho (antes considerando a aqui trabalhadora uma mais valia para a empresa, designadamente atenta a respetiva antiguidade e experiência), mas que se tal ocorresse nunca iria aceder ao pagamento de qualquer valor indemnizatório.

Ciente desta posição da R., a A. acabou por, junto da mesma testemunha BB, aceitar desvincular-se da empresa, mas apenas contra o pagamento dos créditos de fim do contrato (que não incluía qualquer valor indemnizatório) e a possibilidade de beneficiar do subsídio de desemprego. Nas referidas abordagens da trabalhadora no sentido de pôr termo à relação laboral, aquela sempre se revelou desgastada, tanto assim que, conforme evidenciaram as mesmas testemunhas, apresentava-se sempre bastante chorosa e desanimada.

De resto, a testemunha FF reconheceu que a R. nunca apresentou qualquer proposta indemnizatória à A., o que, aliado ao que acabou de se referir, inculca a ideia de que nunca foi sua intenção fazê-lo.

À insatisfação experimentada pela A. com aquelas novas funções aludiu também a testemunha FF, marido daquela.

De acordo com o depoimento isento e objetivo da testemunha BB, a R. apresentou à A. uma minuta de Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho (cuja cópia consta como documento n.º 1 junto com a petição inicial), juntamente com a restante documentação junta como documento n.º 1 anexado à contestação. Foi permitido à A. analisar o teor de tais documentos antes de os assinar, para o que não foi fixado qualquer prazo pela R. De acordo com o depoimento da testemunha FF, a A. trouxe consigo o referenciado Acordo e exibiu-o na Autoridade para as Condições do Trabalho e a um Sr. Advogado das suas relações. Naquela Autoridade foi dito que estava tudo em conformidade.

Ainda nas palavras da testemunha BB, o Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho foi assinado pela A. na sua presença e na data que nele consta (26 de outubro de 2023), em simultâneo com a declaração de conformidade, a datação e a assinatura apostas pela trabalhadora no recibo de fecho de contas. Neste circunspecto, a testemunha BB aditou que, aquando daquelas assinaturas, a A. não fez referência a qualquer valor indemnizatório.

A factualidade feita constar do precedente n.º 10) foi retirada da análise da página cinco do documento n.º 1 junto com a contestação.

Da conjugação dos depoimentos das testemunhas EE e BB extrai-se, entre o mais, que a R. nunca teria acedido a fazer cessar por acordo o contrato de trabalho que a unia à A. se tivesse de pagar a esta qualquer montante a título de indemnização, circunstância que, conforme já supra mencionado, foi sempre transmitida e explicada àquela trabalhadora.

A testemunha EE, enquanto superior hierárquica da A., fez referência ao descrito em 17) dos factos provados. A este nível, igualmente se teve em consideração o teor dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos à contestação.

(…)

No que concerne ao pagamento, pela R. à A., por transferência bancária, do montante líquido de € 3 868,55 a que alude o já referenciado recibo de fecho de contas, o tribunal

considerou o teor do documento junto à contestação como n.º 2, teor esse que não foi infirmado por nenhuma outra prova que haja sido produzida.

Ainda daquele recibo resulta que a A., aquando da cessação do contrato de trabalho, auferia a retribuição-base de € 1 249,24.

Da simbiose do comprovativo daquela transferência com a referenciado recibo conclui-se que a R. liquidou à A. o montante de € 799,27 a título de crédito de formação profissional não ministrada.

Também no que respeita à formação profissional, todas as testemunhas arroladas pela R. aludiram, unanimemente, à circunstância de esta proporcionar tal formação aos seus trabalhadores. A este propósito, o tribunal atentou aos email’s juntos aos autos como documento n.º 6 anexado à contestação, sendo certo que a testemunha CC identificou, sem hesitar, as pessoas cujos nomes foram apostos naqueles (quer enquanto remetentes, quer enquanto destinatários, quer enquanto pessoas a quem foi dado conhecimento): GG é responsável, entre o mais, pelo processamento salarial e pelo fecho de contas: HH pertence à área da formação; II é a responsável pela formação do Grupo; JJ é a diretora do Departamento de Recursos Humanos. Tudo para dizer que o tribunal convenceu-se quanto à circunstância de a R. ter proporcionado à A. um total de onze horas de formação profissional nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023. » (Fim da transcrição)

Cumpre Apreciar e Decidir:

Verifica-se que a Recorrente observou cabalmente os ónus que recaem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, impondo-se, portando, o reexame dos pontos de facto impugnados.

Após análise dos depoimentos colhidos na audiência final, constata-se que a sentença recorrida, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral.

Não se vislumbram novos elementos a acrescentar à motivação apresentada pelo Meritíssimo Juiz a quo.

Com efeito, do depoimento das testemunhas arroladas pela Ré (a seguir identificadas):

CC (que desempenha funções para a Recorrida desde 05.08.2019, na área do recrutamento);

EE (contabilista certificada do grupo da Recorrida desde 2012, e colega de trabalho da Recorrente); e

BB (que trabalhou para a Recorrida de maio de 2022 a 31.10.2024, como gestora dos recursos humanos e colega de trabalho da Autora)

Resultou que a iniciativa para a denúncia do contrato de trabalho adveio da Recorrente, em virtude da insatisfação manifestada relativamente às funções que lhe estavam atribuídas. Não obstante, a Recorrida transmitiu, de forma reiterada, a sua expressa indisponibilidade para o pagamento de qualquer indemnização por antiguidade. Mais se referiu que foi concedido à Recorrente um período para análise da proposta de acordo de cessação do contrato de trabalho, previamente à sua aceitação. Tal circunstância foi, de resto, confirmada pelo depoimento do cônjuge da Recorrente, FF, que certificou a deslocação daquela à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e a prévia consulta jurídica a um Advogado.

Consequentemente, a versão dos factos apresentada em juízo e dada como provada nos pontos 6, 12, 13, 15 e 18 encontra sólido amparo nos depoimentos das testemunhas acima identificadas, bem como no documento junto aos autos [cfr. o facto provado sob o ponto 19) – Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho].

Acresce que a alteração pretendida pela Recorrente ao facto provado no ponto 22), não pode proceder. Com efeito, com o ponto 22) foi efetuada a prova positiva das horas de formação efetivamente ministradas à Recorrente pela Recorrida. Assim, a questão de saber se a Recorrente tinha direito a mais horas de formação e se são devidos eventuais créditos por horas de formação não ministradas, é uma questão de direito e de julgamento, e não de facto.

Face ao exposto, julga-se a impugnação da matéria de facto totalmente improcedente.


*

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:

A sentença recorrida alicerça a sua decisão nos seguintes pontos:

● As partes, através do acordo identificado no facto provado no ponto 19), manifestaram a intenção de pôr termo à relação de trabalho por mútuo consenso, ainda que nele se faça referência à extinção do posto de trabalho.

● O referido acordo cumpre os requisitos formais e substanciais da revogação a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 349.º do Código do Trabalho. Uma vez que a Autora não exerceu a faculdade de cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho, permitida pelo artigo 350.º do mesmo diploma legal, o acordo é eficaz.

● É feita referência à presunção contida no n.º 5 do artigo 359.º do Código do Trabalho, a qual não foi ilidida pela Autora.

● Considera-se que a remissão abdicativa procede, pelo que, por esta via, se extinguiu o direito da Autora a receber quaisquer outras quantias para além das elencadas no recibo de fecho de contas, incluindo a título de formação profissional não ministrada.


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É imperativo proceder à análise da correção da solução jurídica adotada.

Como é sabido, para efeitos de atribuição do subsídio de desemprego, consideram-se como desemprego voluntário situações como a dos presentes autos, nas quais foi celebrado um acordo revogatório ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Regime Jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego para trabalhadores por conta de outrem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março.

Este artigo possui a seguinte redação:

Artigo 10.º

Cessação por acordo

1 - Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efetivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.

2 - Para efeitos de aplicação do número anterior considera-se:

a) Empresa em situação de recuperação ou viabilização, aquela que se encontre em processo especial de recuperação, previsto no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência, bem como no Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, ou no procedimento extra-judicial de conciliação;

b) Empresa em situação económica difícil, aquela que assim seja declarada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 353-H/77, de 29 de Agosto;

c) Empresa em reestruturação, a pertencente a sector assim declarado por diploma próprio nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 251/86, de 25 de Agosto, e no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 206/87, de 16 de Maio;

d) Considera-se, ainda, empresa em reestruturação aquela que assim for declarada para os efeitos previstos no presente decreto-lei através de despacho favorável do membro do Governo responsável pela área do emprego, consultados os Ministérios da Economia e do Emprego e da Solidariedade e da Segurança Social, após apresentação do projeto que demonstre inequivocamente que a dimensão da reestruturação da empresa, necessária à sua viabilidade económica e financeira, determina a necessidade de ultrapassar os limites quantitativos fixados no n.º 4 do presente artigo.

3 - A consulta ao Ministério da Economia prevista na alínea d) do número anterior pode ser efectuada, designadamente, através do Gabinete de Intervenção Integrada de Reestruturação Empresarial (AGIIRE), criado pelo Decreto Regulamentar n.º 5/2005, de 12 de Julho, salvaguardando-se em qualquer dos casos a audição dos parceiros sociais sobre a situação económica e do emprego no sector em causa.

4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:

a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;

b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.

5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.

6 - Para efeitos dos n.os 4 e 5 são consideradas as pessoas singulares e colectivas, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que beneficiem da actividade profissional de terceiros prestada em regime de trabalho subordinado ou situações legalmente equiparadas para efeitos de segurança social.

É discutível se o conceito de “redução de efetivos”, referido no diploma, exige a efetiva extinção do posto de trabalho do trabalhador que revoga o seu contrato de trabalho, ou se basta a mera redução do número de trabalhadores da empresa pelos motivos económicos que justificam os despedimentos coletivos e por extinção do posto de trabalho [artigo 359.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código do Trabalho (2009)[11]].

Contudo, essa questão não é objeto de discussão nos autos. Também não foi invocada a falta ou vícios da vontade na declaração negocial, como erro na declaração (artigo 247.º Código Civil) ou coação moral (artigos 255.º e 256.º, ambos do Código Civil), que gerariam anulabilidade e que não são de conhecimento oficioso (cfr. artigos 286.º, 287.º, 289.º e 291.º, todos do Código Civil, e o artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

A Recorrente solicita o pagamento de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho que ocorreu por força do acordo previsto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

No entanto, tal pretensão carece de razão.

Importa sublinhar que, no contexto da cessação do contrato de trabalho por acordo das partes — que é um verdadeiro contrato extintivo (distrate, mútuo dissenso) — ambas as partes aceitam desvincular-se da relação laboral, sem que isso implique, automaticamente, o pagamento de qualquer indemnização ou compensação. Em suma, a compensação não corresponde a um direito automático do trabalhador, decorrendo, antes, do livre acordo das partes no âmbito do ato revogatório.

Ademais, impõe-se atender às disposições contidas nos artigos 349.º e seguintes do Código do Trabalho, particularmente aos seus n.ºs 4 e 5, os quais possuem a seguinte redação:

“4. As partes podem, simultaneamente, acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei.

5. Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabeleceram uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.”

É entendimento pacífico que a presunção acima mencionada constante no n.º 5 do artigo 349.º, é uma presunção iuris tantum.

Nas palavras de Paula Quintas e Hélder Quintas[12]:

«O n.º 5 estabelece uma presunção quanto à compensação pecuniária de natureza global (global porque não discrimina a que título se venceram os créditos e qual o valor individual de cada um), atribuída ope voluntatis ao trabalhador, entendendo-se que em tal compensação se consideram incluídos e pagos os créditos do trabalhador já vencidos exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.» (Fim da transcrição)

Da análise do facto provado no ponto 19, verifica-se que o acordo de cessação do contrato de trabalho, nas suas Cláusulas 4.ª e 5.ª, estabelece o seguinte:

CLÁUSULA 4.ª:

1. A SEGUNDA OUTORGANTE declara expressamente que o pagamento dos créditos laborais é único e exclusivo pagamento de qualquer montante, crédito, compensação ou indemnização que pela PRIMEIRA OUTORGANTE pudesse, eventualmente, ser-lhe ainda devido e que não é credora de quaisquer outros montantes, seja a que título for, da PRIMEIRA OUTORGANTE e ou de qualquer outra sociedade ou entidade do grupo a que pertence, emergentes da execução do contrato de trabalho celebrado com a PRIMEIRA OUTORGANTE, quer com a sua cessação, quer com qualquer outro assunto. (negrito nosso)

2. As partes acordam em não demandar a contraparte por quaisquer questões relacionadas com a execução e cessação do contrato de trabalho identificado no Considerando A.

CLÁUSULA 5.ª:

Em consequência do referido na Cláusula anterior, a SEGUNDA OUTORGANTE declara nada mais ter a reclamar contra a PRIMEIRA OUTORGANTE ou qualquer outra sociedade ou entidade do grupo a que pertence emergente do contrato de trabalho ou da sua cessação, ou de qualquer outro assunto, pelo que a SEGUNDA OUTORGANTE acorda em, irrevogavelmente, renunciar a eventuais reclamações ou direitos de ação que tenha ou possa ter.

Salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, é evidente que o acordo negociado para a cessação do contrato de trabalho não contemplou qualquer quantia a título de indemnização ou compensação. Pelo contrário, a Cláusula 4.ª é explícita e inequívoca no sentido de que as partes pretenderam, expressamente, excluir esses valores do âmbito do que foi celebrado.

Por outro lado, da factualidade provada, extrai-se que, em conjunto com o acordo de cessação do contrato de trabalho, foi efetuada uma simulação do recibo elaborado pela Recorrida, indicando um valor líquido a transferir para a Recorrente a título de créditos laborais [cfr. o facto provado sob o ponto 10)], num total de € 3 868,55. Mais se provou que no documento de simulação do recibo [cfr. o facto provado sob o ponto 18)], a Recorrente exarou, de próprio punho, a menção “em conformidade”, apôs a sua assinatura e a data de 26.10.23. Por último, provou-se que, em cumprimento do acordo celebrado, a Recorrida pagou à Recorrente, por transferência bancária efetuada em 31 de outubro de 2023, a quantia líquida de € 3.868,55 [cfr. o facto provado em 20)].

Assim, pode-se afirmar que, conjuntamente com o acordo de cessação do contrato de trabalho, as partes acordaram que a quantia líquida de € 3.868,55 seria a devida a título de compensação pecuniária global, presumindo-se, assim, que nela estão incluídos os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta (n.º 5 do citado artigo 349.º).

Destarte, presume-se não o pagamento deste ou daquele crédito emergente do contrato, mas sim que, sem prejuízo da eventual existência de outros créditos do trabalhador pendentes, as partes quiseram vê-los incluídos naquela compensação, de modo a darem por definitivamente extintos quaisquer direitos que pudessem exercer entre si.

Consequentemente, mesmo que hipoteticamente fosse devida outra quantia, para além do valor de €799,27 pago à Recorrente a título de crédito de formação não ministrada [cfr. o facto provado sob o ponto 23)], as partes aceitaram, aquando do acordo de cessação do contrato de trabalho, que esse seria o valor devido.

Neste conspecto, é inelutável que a Recorrente não ilidiu a presunção legal de que tal crédito laboral não tinha sido contemplado no acordo revogatório celebrado (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), e que esta não fez uso do denominado “direito ao arrependimento contemplado no artigo 350.º (cessação do acordo de revogação).

Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, improcedem as conclusões do recurso, devendo ser confirmada a decisão recorrida.


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V. DECISÃO:

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Pelo exposto, acordam as juízas desembargadoras da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I) Em julgar totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto.

II) Em julgar no mais improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique e registe.


Porto, 30 de junho de 2025
Sílvia Saraiva
Rita Romeira
Maria Luzia Carvalho
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