Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PRESSUPOSTOS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
INAPLICABILIDADE
FUNDAMENTOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO DE PAGAMENTO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Não pode ser afastado o regime especial penal para jovens com o fundamento de que o arguido, não prestou declarações, não confessou os factos, nem demonstrou qualquer “laivo” de arrependimento, visto que a não confissão, o não arrependimento, a não prestação de declarações não são factos que devam ser julgados como provados, desde logo, o que impede a sua posterior valoração. II - A atenuação especial da pena resultante da aplicação do regime penal especial para jovens deve ser aplicado sempre que não existam circunstâncias especiais que o desaconselhem por o jovem revelar uma personalidade de difícil conformação com a ressocialização, ou quando a essa aplicação se não oponham inalienáveis de prevenção geral. III - O afastamento do regime penal especial para jovens decorridos 7 anos da prática do crime, com a aplicação das regras legais sem a devida leitura integrada da realidade e do contexto dos factos, constitui um facto anormal, quer em termos de administração da justiça, quer no tratamento e abordagem que foram feitas ao arrepio do que se deve entender como um direito penal humanista, deixando, antever, pelo contrário, um direito penal securitário. IV - A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido em cuja base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. V - A imposição de dever de reparar o mal do crime, através da obrigação do pagamento da indemnização, como condição da suspensão da execução da pena, representa um esforço e implica um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas do crime e funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 149/18.3PAPVZ.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim
Acordam, em conferência, na 4 ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório 1. Por sentença datada de 11-02-2025, proferida no âmbito do processo n.º 149/18.3PAPVZ, a correr termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, decidiu-se, ao que ora interessa:
- condenar o arguido AA pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão (Apenso G);
- condenar o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1, e 204º, nº1, al. f), e nº2, al. e), com referência ao artigo 202º, al. d), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão (Apenso H);
- em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 3 (três) anos de prisão.
- perdoar 1 (um) ano da pena aplicada em m);
- condenar o arguido BB pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1, e 204º, nº1, al. f), e nº2, al. e), com referência ao artigo 202º, al. d), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (Apenso H);
- Perdoar 1 (um) ano da pena aplicada em o).
2. O arguido BB recorreu da sentença, pedindo a atenuação da pena e a suspensão da respectiva execução.
Rematou o corpo da motivação com as conclusões que a seguir se transcrevem: “1. A sentença, ora recorrida, condena o arguido BB por um crime de furto qualificado previsto e punido pelo art 204º pelo art. 204º nº2 alínea e) do Código Penal (doravante CP) numa pena de 2 (dois) anos de 10 (dez) meses de prisão efetiva por factos praticados em 27 de fevereiro de 2018. 2. O julgamento dos presentes autos ocorreu sete anos após a prática dos fatos, o que representa um atraso intolerável no processo penal, contrariando vários normativos preceituados não só no Código Penal, como também na Constituição da República Portuguesa e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, prejudicando diretamente os direitos fundamentais do arguido BB, especialmente o direito à celeridade processual, em clara violação do art 32º, nº2 Constituição da República Portuguesa e do art 6º, nº1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. 3. O arguido BB foi vítima do sistema, em primeiro lugar porque o atraso consubstancia uma verdadeira "pena processual", em segundo lugar porque a condenação teve em conta o seu certificado de registo criminal atual, quando à data dos factos não havia cometido nem sido condenado por qualquer crime, por último porque a condenação numa pena de prisão efetiva vai aniquilar todos os progressos de ressocialização verificados nos últimos cinco anos. 4. O Tribunal a quo descurou as consequências intrinsecamente inerentes ao atraso de 7 anos verificado neste processo, não levando em consideração as mudanças substanciais na vida do arguido, resultantes dos factos dados como provados, tais como a situação pessoal, económica e social, à data da prática dos factos e aquela que resulta da sua reintegração social e profissional atual conforme resulta do relatório social da DGSRP, que demonstrou o seu progresso e a viabilidade da sua reintegração. 5. No juízo de ponderação efetuado sobre a aplicabilidade do Regime Penal Especial para Jovens previsto no Decreto Lei nº401/82, de 23-09, o Mmº Juiz a quo não avaliou corretamente a prova, interpretando-a num sentido contrário àquele que no caso concreto se impunha, impedindo o aqui recorrente de ver a sua pena especialmente atenuada em prol da sua efetiva reinserção social. 6. Ao decidir como decidiu, pela inaplicabilidade deste regime penal especial para jovens, não aplicando a atenuação especial da pena aí prevista, violou o Tribunal a quo o disposto no art. 4º do Decreto Lei nº401/82, de 23-09. 7. Fundamentar a inaplicabilidade do regime penal especial para jovens na falta de “laivo de arrependimento”, na falta de “laivo de interiorização do desvalor da conduta”, é conotar negativamente o comportamento do arguido que se remeteu ao silêncio, sendo este direito a “primeira e imediata expressão da liberdade”, violando-se assim o disposto no art. 32º, nº1 da Constituição da República Portuguesa. 8. O Tribunal a quo fez uma incorreta avaliação da prova quanto às necessidades de prevenção especial, fazendo uma interpretação tabelar do seu certificado de registo criminal, não considerando que o arguido BB, após cumprir penas suspensas e regime de prova, demonstrou uma evolução significativa no seu comportamento e estabilidade pessoal, evidenciando o seu comprometimento com a sua reintegração na sociedade. 9. Do confronto da prova, designadamente do relatório social da DGRSP com o Certificado de Registo Criminal, resulta que três das condenações, incluindo a presente, refletem comportamentos do arguido, idênticos e contemporâneos, com factos praticados num mesmo contexto de delinquência juvenil e no mesmo espaço temporal (no primeiro quadrimestre do ano de 2018), sendo que o último dos factos praticados, do qual resultou uma condenação mais gravosa, no ano de 2020, ditou o início do processo de ressocialização do arguido, em resultado do que, desde há cinco anos a esta data, não há notícia da prática de quaisquer crimes contra o património. 10. O Tribunal a quo fundamentou, erradamente, a sua decisão de aplicar uma pena de prisão efetiva ao arguido BB, com o argumento de que não era possível fazer um juízo de prognose favorável, considerando que o arguido tinha um “impressionante historial de antecedentes criminais”, que na verdade não existe. 11. A medida de pena aplicada deve balancear a prevenção geral e especial, levando em conta a evolução do comportamento do arguido, pelo que a ponderação, para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, deve considerar o tempo decorrido desde os factos e o atual momento de estabilidade e integração social do arguido, atendendo assim adequadamente à função punitiva, sem causar danos desnecessários à sua reintegração. 12. No caso em apreço, quando o Tribunal a quo decidiu na determinação da medida da pena pela não suspensão da pena de prisão relativamente ao arguido BB violou o preceituado no art 71º nº1 e nº2 alíneas d) e e) do Código Penal. 13. Porque este processo levou à condenação do arguido BB após uma morosidade significativa, tal não só atrasou a administração da justiça, mas também violou os direitos do arguido, devendo assim ser considerado como um fator atenuante, refletindo a diminuição da ilicitude do ato e a culpa do agente. 14. Ao não considerar este atraso como fator atenuante, o Tribunal a quo violou o art 72º nº1 e 2 alínea d) do Código Penal. 15. A factualidade dada como provada nos presentes autos, atento tudo quanto se expôs, ditava que o Tribunal a quo aplicasse as atenuações especiais da pena, como se impunham, aplicando assim o instituto da suspensão da execução da pena de prisão, por ser suficiente, adequado e proporcional a acautelar as necessidades de prevenção especial. 16. Nessa medida, violou também o comando normativo do artº 50º nº 1 do Código Penal.
(…)”.
3. Também o arguido AA recorreu da sentença, pedindo a revogação da mesma e condenação do recorrente numa pena atenuada e, ainda que privativa da liberdade, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova, graduada pelos limites mínimos; sem prescindir, a condenação do arguido em pena não superior a 2 anos, a cumprir em regime de permanência na habitação, atentas as circunstâncias de vida do Recorrente.
Apresentou as conclusões que se passam a transcrever: “1. Por Sentença proferida nos presentes autos, decretou o Meritíssimo Juiz “a quo” que o arguido, ora Recorrente, AA, fosse, além do mais que se entende não sindicar nesta sede (perda de vantagens a favor do estado) condenado Pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão (Apenso G); Pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1, e 204º, nº1, al. f), e nº2, al. e), com referência ao artigo 202º, al. d), todos do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão (Apenso H): Em cúmulo jurídico, condenar o arguido aqui Recorrente, AA, na pena única de 3 (três) anos de prisão; Perdoar 1 (um) ano da pena aplicada; 2. Foi ainda decidido não aplicar o Decreto-Lei nº 401/82, de 23/09, que veio estabelecer o regime aplicável aos jovens adultos que tenham cometido um facto qualificado como crime e não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido aqui recorrente; 3. Decisões com as quais o Recorrente não se pode conformar, por violadoras, além do mais convocável e suprível, os artigos 70.º, 71.º, 72.º 50.º e ss. do CPenal, além do D.L. 401/82, de 23/09. 4. O presente recurso tem como objeto o critério da escolha da pena (no caso do furto simples); em qualquer caso, a moldura das penas aplicadas, em face da indevida exclusão da aplicação do Regime Penal aplicável a jovens delinquentes (D.L. 401/82, 23/09); em qualquer caso, a medida das penas aplicadas, por excessivas, desadequadas e desproporcionadas; em qualquer caso e sem prescindir, a decisão de não suspensão da execução da pena aplicada; a falta de fundamentação individualizada destas decisões; sempre sem prescindir e subsidiariamente, a não aplicação Regime de permanência na habitação, por sempre realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da execução de eventual pena de prisão efetiva até 2 anos. 5. Existem, no entender do Recorrente, várias questões pertinentes, que não foram devidamente observadas e valoradas pelo tribunal “a quo”, mormente relativas às condições pessoais do Recorrente, que se considera essenciais para a correta escolha das penas, medida das mesmas e, em qualquer caso, a suspensão da execução da eventual pena de prisão, em clara violação do art. 71.º do Código Penal, mormente do seu n.º2 als. d) e e). 6. Vejamos a factualidade levada aos factos provados e pela qual o Recorrente veio condenado pela prática de dois crimes, um crime de furto simples, e um crime de furto qualificado: “Apenso G (furto simples) “29. No período compreendido entre as 20h00 do dia 05.03.2018 as 01h25 do dia 06.03.2018, o arguido AA, acompanhado de indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, deslocou-se ao estabelecimento comercial, talho, denominado A..., sito na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim. 30. Chegados à entrada partiram a porta de vidro de entrada e introduziram-se no seu interior. 31. Já no interior do referido estabelecimento retiraram da gaveta da caixa registadora o valor de €100,00.” Apenso H (furto qualificado) “32. No período compreendido entre as 23h30 do dia 27.02.2018 as 05h00 do dia 28.02.2018, os arguidos CC, AA e BB deslocaram-se ao estabelecimento comercial gelataria denominada B..., sita na Avenida ..., ..., Póvoa de Varzim. 33. Chegados à entrada os arguidos partiram o vidro da porta da frente e introduziram-se no seu interior. 34. Já no interior do referido estabelecimento, retiraram e fizeram seus, pelo menos, os seguintes objetos: a) um plasma de marca Samsung de cor preta no valor não concretamente apurado, mas sempre superior a € 102,00; b) pelo menos € 570,00 em numerário; c) um número não concretamente apurado de garrafas de bebidas alcoólicas, de valor também não concretamente apurado.” 7. Relativamente às condições pessoais do recorrente foi dado como provado o seguinte: “90. O arguido mantém uma relação afetiva com a atual namorada desde há dois anos e meio e viveram em união de facto, de janeiro de 2023 a meados de dezembro de 2023, em casa da mãe da mesma. 91.Entretanto, o casal desentendeu-se e, neste contexto conflitual, o arguido foi abandonou o agregado, tendo ido viver para casa do pai, nas ..., Vila do Conde. 92. Não obstante, o arguido reconciliou-se com a companheira e mantêm relação afetiva estável, encontrando-se diariamente, sobretudo em casa do pai do arguido, convivendo este também com o filho de 9 meses. 93. O arguido e a namorada pretendem encontrar espaço habitacional para se autonomizarem. 94. AA integra o agregado do pai e da madrasta, ambos quinquagenários, respetivamente operário da construção civil e cozinheira de restaurante, que subsistem do rendimento no valor de 2000 €. 95. Residem num apartamento tipologia 3, arrendado por 500 €, dotado de condições de habitabilidade. 96. AA, depois de um interregno, por sua iniciativa, na sua atividade profissional na área da construção civil, de outubro de 2023 a dezembro de 2023, arranjou colocação profissional há cerca de dois meses na empresa de construção civil “C..., LDA”, com a qual celebrou contrato de trabalho. 97. O arguido aufere 721,40 € líquidos, a que podem acrescer 150 € em horas extraordinárias. 98. AA contribui para o agregado do pai com 150€. 99. O quotidiano do arguido decorre da sua atividade profissional e no horário pós-laboral dedica-se à companheira, ao filho e à família.” 8. O arguido aqui Recorrente, AA, veio condenado na pena única de 3 anos de prisão efetiva (reduzida a 2 anos, por força de perdão), pela prática de 2 crimes de furto, sendo que os 2 furtos ocorrem no espaço de 6 dias, em 2 espaços comerciais (Talho e Gelataria), em horário em que os mesmos já se encontravam encerrados e, portanto, sem pessoas no seu interior, em que o objeto dos furtos foi, num dos casos, 100€ em numerário (furto simples, apenso G), e, no caso do furto qualificado (apenso H), um televisor de valor não apurado mas superior a 102€, garrafas de bebidas alcoólicas de valor não apurado, e cerca de 570€ em numerário. 9. Por 2 pequenos furtos, cujo valor não ultrapassará, no total, os 1.000€, se condenou um jovem com 19 anos à data dos factos (nascido a 03 de maio de 1998), a 3 anos de prisão efetiva, reduzida a 2 anos por força de perdão legal, condenação com a qual não se pode conformar o Recorrente por manifestamente injusta e desproporcionada. 10. Mais censurável do que a severidade das penas, sendo que no caso do furto simples relativo a 100€, até está prevista a aplicação de pena de multa, mostra-se a não aplicação do Decreto-Lei nº 401/82, de 23/09 e, por fim, a não suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a regime de prova, em violação daquele diploma e do art. 50 e seguintes do CPenal. 11. Tão duras e contundentes penas em relação ao Recorrente, um jovem de 26 anos (19 à data), e que nunca havia sido condenado em prisão efetiva, por 2 furtos de baixo valor, são justificadas pelo Douto Tribunal a quo com o facto de o arguido Recorrente já condenado por 6 vezes, pela prática de um total de 8 crimes. 12. Acrescenta que “Sendo certo que a maioria das condenações ocorreu após os factos agora em análise, a verdade é que os mesmos são demonstrativos de que o arguido incrementou com as presentes condenações o seu cadastro criminal.”, e acrescenta: “constata-se ainda que o arguido, apesar de não ter sofrido ainda condenações pela prática de crimes contra o património, foi já condenado por diversas em penas de multa, pelo que esta já esgotou junto do arguido qualquer eficácia em matéria preventiva (…) 13. E quanto à medida da pena e não aplicação da atenuação prevista para jovens, acrescenta o Mmo. Juiz a quo que “tendo em atenção que, no caso dos arguidos AA e BB inexistiu qualquer laivo de arrependimento dos arguidos, sendo certo que, qualquer dos três arguidos (AA, BB e DD) apresentam já antecedentes criminais, sendo particularmente vastos no caso do arguido AA e do arguido BB. 14. Por fim, justifica-se a não aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, da seguinte forma: “Já no que tange aos demais arguidos, é nosso entender que, tendo em conta todo o seu historial criminal, diversificado e reiterado, sempre pela prática de crimes graves (o arguido AA com vários crimes praticados contra as pessoas e agora também contra o património, num total já de 10 crimes por ele levados a cabo; o arguido BB com historial pela prática de crimes contra o património mediante uso de violência, num total agora de 5 crimes praticados; e o arguido CC, também com vasto historial de reiteração na prática de crimes de furto qualificado, mas também de roubo, agora num total de 10 crimes praticados), a factualidade apurada não permite formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não se mostram capazes de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 15. Não se alcança como a fundamentação para a não atenuação das penas ao abrigo do regime especial para jovens, bem como da decisão de não suspender a execução da pena de prisão, se faça em bloco, “por atacado”, englobando vários arguidos nas razões do douto tribunal, como se não estivéssemos a falar de indivíduos, de pessoas distintas, com passados distintos, com circunstâncias de vida diferentes e, inclusivamente, com um historial de delitos praticados assaz distinto, e que, por isso, mereceriam uma fundamentação da decisão casuística, centrada na sua pessoa e circunstâncias. 16. Tal ponderação e fundamentação teria de ser casuística e não conjunta ou em bloco, como foi, especialmente quando se está a justificar, como no caso do Recorrente, uma condenação que corresponde à sua primeira pena de prisão efetiva, por 2 furtos de valor reduzido, praticados há quase 7 anos, quando o Recorrente tinha 19 anos de idade, o que constitui uma evidente violação do dever de fundamentação do art. 374 do CPP, bem como dos referidos normativos legais (art. 50 e 70. e ss. do CPenal; 17. As circunstâncias únicas do Recorrente anteriores aos factos em causa, contemporâneas aos factos pelos quais veio condenado e posteriores aos factos, são muito distintas das demais arguidos condenados e merecem uma apreciação crítica individualizada, o que, sempre salvaguardado o devido respeito, não nos parece que tenha ocorrido, em clara violação, além do mais, dos artigos 71.º e 50.º do Código Penal e 374 do CPP. 18. Como corolário dessa indevida fundamentação conjunta para vários arguidos, em clara violação do art. 71.º n.º2, al.s d) e e), não é feita uma única referência às condições pessoais do arguido aqui Recorrente, incluindo as levadas aos factos provados (90. A 99*), como se tais factos fossem liminarmente descartáveis ou inócuos, quando se decide a aplicação de uma pena de prisão efetiva a um jovem: * “90. O arguido mantém uma relação afetiva com a atual namorada desde há dois anos e meio e viveram em união de facto, de janeiro de 2023 a meados de dezembro de 2023, em casa da mãe da mesma. 91.Entretanto, o casal desentendeu-se e, neste contexto conflitual, o arguido foi abandonou o agregado, tendo ido viver para casa do pai, nas ..., Vila do Conde. 92. Não obstante, o arguido reconciliou-se com a companheira e mantêm relação afetiva estável, encontrando-se diariamente, sobretudo em casa do pai do arguido, convivendo este também com o filho de 9 meses. 93. O arguido e a namorada pretendem encontrar espaço habitacional para se autonomizarem. 94. AA integra o agregado do pai e da madrasta, ambos quinquagenários, respetivamente operário da construção civil e cozinheira de restaurante, que subsistem do rendimento no valor de 2000 €. 95. Residem num apartamento tipologia 3, arrendado por 500 €, dotado de condições de habitabilidade. 96. AA, depois de um interregno, por sua iniciativa, na sua atividade profissional na área da construção civil, de outubro de 2023 a dezembro de 2023, arranjou colocação profissional há cerca de dois meses na empresa de construção civil “C..., LDA”, com a qual celebrou contrato de trabalho. 97. O arguido aufere 721,40 € líquidos, a que podem acrescer 150 € em horas extraordinárias. 98. AA contribui para o agregado do pai com 150€. 99. O quotidiano do arguido decorre da sua atividade profissional e no horário pós-laboral dedica-se à companheira, ao filho e à família.” 19. Faz a sentença em crise tábua rasa das circunstâncias de vida atual do Recorrente, mormente ter constituído uma família e ter hoje uma companheira e um filho bebé, aos quais se dedica no horário pós-laboral, uma vida afetiva estável, estar integrado na sociedade e no mercado de trabalho e auferir rendimento do seu trabalho, com o qual contribui para o agregado que integra com os seus pais, etc., 20. Faz uma ponderação em bloco da situação de 3 arguidos, não distinguindo tudo o que depõe a favor do aqui Recorrente, designadamente que os factos em causa foram praticados no espaço de 6 dias, em fevereiro de 2018, quando o Recorrente contava 19 anos de idade (nascido a 03/05/1998), que passaram quase 7 anos entre as datas da prática dos factos aqui em causa (fevereiro de 2018) e a data da condenação (janeiro de 2025), que, na data dos factos, tinha 2 condenações por ofensa à integridade física simples e ameaça agravada, praticadas com 16 e 17 anos, respetivamente; que, após os factos em causa, teve mais 4 condenações (detenção de arma proibida, ofensa à integridade física simples, violência doméstica injúria agravada e resistência, a última das quais), sendo que nenhuma das 6 condenações se prendem com crimes contra o património, como ocorre no presente. 21. Na ponderação conjunta da situação dos 3 arguidos, mistura-se arguidos com condenações anteriores por furtos e até por roubo, como o Recorrente, que nunca foi condenado por crimes contra o património. 22. Os crimes por que veio o arguido condenado anteriormente e nos presentes respeitam a factos praticados entre os 16 e os 22 anos do Recorrente, ou seja, numa idade precoce, enquanto jovem adolescente, ou jovem adulto. 23. À data da presente condenação, os factos mais recentes que motivaram a condenação do arguido Recorrente remontam 16-01-2021, ou seja, o arguido não cometeu qualquer crime no 4 (quatro) anos anteriores à data da presente condenação, o que foi igualmente ignorado (art. 71. E 72./2, al. d) do CPenal) 24. Se é sublinhado o percurso criminal do Recorrente enquanto jovem, entre os 16 e os 22 anos, mesmo não sendo respeitante a crimes da natureza do presente (contra o património), não se poderia ignorar um período subsequente, entre os 22 e os 26 anos, período de 4 anos que antecede a sentença em que não praticou qualquer crime, o que também será de relevar em alguém tão jovem, 25. Toda esta análise crítica ao percurso de vida do arguido Recorrente é ignorada, optando-se por uma apreciação genérica e em bloco do percurso e cadastro criminal de 3 arguidos, não se ponderando cada trajeto de vida e de confronto com o sistema de justiça de forma casuística e individualizada, como se impõe, mormente quando se pondera a aplicação de prisão efetiva a um jovem de 26 anos, em que a maioria dos crimes foram praticados numa fase de “latência social”, que, é consabido, precede uma fase de maturidade, “em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, em que regride a hipótese de condutas desviantes.”[Preâmbulo do Decreto-Lei, n.º401/82, de 23 de setembro) 26. Quanto ao primeiro crime pelo qual o arguido foi condenado, um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203.º do Código Penal, a lei prevê a punição com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, sendo que, por aplicação dos artigos 41º, n.º1 e 47.º,n.º1 do Código Penal, encontramos uma moldura penal de um mês a três anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias. 27. Como resulta do disposto no art.70.º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”, constituindo-se assim a pena privativa da liberdade como a “ultima ratio” da política criminal. Mas ainda assim o Tribunal a quo optou pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão de dez meses, ao invés de uma pena de multa, opção que o ora Recorrente considerada injustificada. 28. Mesmo considerando elevadas as necessidades de prevenção geral no âmbito do crime de furto (com a ressalva não despicienda de que estamos perante crimes cometidos há 7 (sete) anos), quanto às exigências de prevenção especial, afiguram-se com menor relevância, por apesar de o arguido ter condenações anteriores, não poderá deixar de se atentar na circunstância de as condenações sofridas pelo arguido/recorrente, em momento anterior e posterior à data da prática dos factos/crime de furto aqui em presença, nunca respeitarem a crimes contra o património, além de que não há qualquer registo da prática de crime nos últimos 4 (quatro) anos, fase entre os 22 e os 26 anos. 29. E esse é o período em que normalmente o indivíduo atinge uma maturidade que o leva a interiorizar as regras sociais ajustando-se às mesmas, constituindo família e exercendo uma atividade profissional, tal como, comprovadamente, aconteceu com o Recorrente, que até teve um filho em 2023, hoje um bebé ao seu cuidado e da mãe. 30. Como se discorreu exemplarmente no Ac. Rel Évora de 24/01/2023 (in dgsi.pt, sublinhado nosso): 31. E o mesmo se diga relativamente ao segundo crime pelo qual o arguido foi condenado, crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º, n.º 1, al. e) e n.º2, al. f), do Código Penal, este é punido com pena de prisão de dois anos a oito anos, pois a moldura penal resultante do preenchimento de determinado tipo legal de crime pode vir modificada, por efeito das chamadas circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes, sendo que, in casu, não foram ponderadas as atenuantes aplicáveis. 32. Aquando da prática dos crimes, o Recorrente tinha 19 anos, pelo que, de acordo com o artigo 1.º, n.º2 do Decreto-Lei n.º401/82, de 23 de setembro, beneficia do regime penal aplicável a jovens delinquentes que, à data da prática dos factos, tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos, que, no seu artigo 4.º prevê que, caso esteja em causa a aplicação de uma pena de prisão, o tribunal deve proceder a uma atenuação especial da pena nos termos e para os efeitos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal (atuais artigos 72.º e 73.º do Código Penal), quando entender que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. 33. Sendo pacífico que a atenuação em causa não é de aplicação necessária e obrigatória, nem operando a mesma de forma automática, o tribunal deverá equacionar obrigatoriamente a sua aplicação sempre que a idade do agente se situe dentro daquela margem etária, sendo que no presente caso, o Tribunal a quo entendeu não aplicar o regime especial para jovens adultos consagrado no Decreto-Lei n.º401/82, com fundamento na inexistência de qualquer laivo de arrependimento do arguido. 34. Para além de não se encontrar incluído nos factos provados, sendo certo que dificilmente se vislumbra como poderia fundamentar a inclusão na matéria de facto a inclusão da matéria de tal “facto” negativo e de cariz subjetivo, o Recorrente optou pelo silêncio, não prestando quaisquer declarações, para além das relativas à sua situação sócio-económica, e tal não pode ser usado contra si (art.61.º, n.º1, al.d) do Código de Processo Penal), sendo que Tribunal a quo retirou do silêncio do Recorrente uma conclusão contra o próprio, numa clara violação dos mais básicos princípios de Direito Penal e da Própria Constituição da República Portuguesa, CEDH e do TEDH. 25. Decorre dos artigos 343.º, n.º1 e 345.º, n.º1 do CPP a proibição expressa de que o arguido possa ser desfavorecido em consequência de em julgamento não prestar declarações ou, prestando-as, se recusar a responder a alguma ou todas as perguntas, pelo que tal proibição impede que o juiz interprete o silêncio do arguido e lhe atribua qualquer significado probatório para estabelecer na sentença a prova dos factos desfavoráveis ou que simplesmente o valore como circunstância agravante da pena, como fez, em clara violação daqueles preceitos legais. 26. Pelo contrário, quanto à sua conduta processual, o Recorrente, devidamente notificado, compareceu em todas as inúmeras sessões de julgamento, assumindo uma postura de respeito pelo Tribunal e uma atitude de preocupação com a sua situação jurídico-penal, da qual se pode concluir que interiorizou a gravidade e potenciais consequências das condutas a si imputadas. 27. Conduta mais de enaltecer quando tem um filho menor bebé, que tinha de entregar a terceiros por a mãe estar a trabalhar e não ter ainda vaga em creche, tudo ao largo das várias sessões de audiência de julgamento, o que denota uma maior capacidade de autocensura e consciência crítica sobre o ilícito, que tem de ser ponderada nas possibilidades de ressocialização e não é compaginável com a conclusão de não ter mostrado qualquer laivo de arrependimento. 28. Além disso, cumpre sempre salientar, tendo várias condenações, contudo, tais condenações respeitam, na sua maioria, a crimes de ofensas à integridade física simples, e, portanto, a crimes de natureza totalmente distinta dos crimes em análise nos presentes autos, além de se circunscreverem a uma idade muito precoce do Recorrente (entre os 16 e os 22 anos) e de não haver condenações nos 4 anos mais recentes, entre os 22 e os 26 anos. 29. Conforme Ac. STJ, de 13-01-2021, in www.dgsi.pt, “A avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não por considerações abstractas desligadas da realidade; do julgamento do caso concreto tem de resultar claramente a convicção do juiz sobre a natureza expressiva das [sérias] vantagens da atenuação para a reinserção do jovem condenado” 30. O tempo transcorrido sobre os factos (7 anos) e o tempo transcorrido sem praticar quaisquer crimes (4 anos), aliado a boa inserção social, familiar e laboral na atualidade, sugerem claramente que o Recorrente será merecedor desse juízo de prognose favorável. 31. Salvo todo o respeito, entendemos que não poderia ser afastada a aplicação do regime dos jovens delinquentes ao Recorrente, e, em consequência, deverá proceder-se à atenuação especial da pena nos termos do art.72.º e 73.º do Código Penal. 32. De qualquer modo, e sem conceder, ainda que não fosse aplicado o regime previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, a medida da pena sempre seria excessiva e desadequada, em conformidade com o previsto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, por isso injusta e ilegal, superando em muito a adequação, necessidade e proporcionalidade exigidas na determinação da medida da pena a aplicar ao recorrente perante a gravidade dos factos em presença. 33. Estão em causa 2 furtos de baixo valor (um deles de apenas €100) e que no seu conjunto não ultrapassarão os 1.000€, o que atenua fortemente a gravidade dos factos e conduta, sendo factos já com 7 anos, tempo transcorrido que também deverá ter consequências na ponderação e juízos de prognose, que não teve. 34. Sete anos volvidos, além do tempo transcorrido, verifica-se uma postura assaz diferente do recorrente, com uma dinâmica relacional, social e familiar consolidadas, que surgem pautadas pela cooperação e suporte. 35. Verifica-se hoje uma inserção laboral do Recorrente, vínculos afetivos criados numa relação a dois e o nascimento de um filho - com o tudo que de transformador traz a um indivíduo e especialmente passada a fase da adolescência e de jovem adulto - contexto familiar, profissional e social que, nas atuais circunstâncias de tempo já pode ser caracterizado como estável e duradouro. 36. Factos julgados provados em 90. A 99., mas dos quais não foram extraídas quaisquer consequências, como se impunha (art. 71, n.º 2, al. d)), em sede de juízo de prognose, condições pessoais que não poderiam deixar de ser consideradas na escolha, medida e ponderação da suspensão, mas não foram, em clara violação do art. 71.º/1, al. d) CPenal. 37. A determinação do grau de ilicitude dos factos deve refletir o modo e participação do arguido na execução do crime, o valor dos objetos furtados e os prejuízos resultantes das apropriações, sendo que perante o reduzido valor dos bens furtados e dos estragos causados, o grau de ilicitude sempre é diminuto. 38. Ao não ter ponderado o critério orientador plasmado no art. 40.º do Código Penal, o Tribunal a quo não decidiu bem, dando origem inevitavelmente a um erro de determinação da pena aplicável ao presente caso, devendo ser revogada a douta Sentença, sendo substituída por outra. 39. Ao ter aplicado uma pena de prisão efetiva de 3 anos, o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 50.º e seguintes do Código Penal, desconsiderando a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, legalmente e formalmente admissível ao Recorrente, embora entendesse se verificar o requisito formal, apenas atendeu ao registo criminal do arguido, para concluir que “as exigências de prevenção especial são muito elevadas” e arredar a suspensão da execução da pena de prisão. 40. A suspensão da execução da pena deverá ter na sua base um juízo de prognose favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. 41. À data do cometimento dos crimes em apreço nos autos o Recorrente i) não havia sido, como nunca foi, condenado por um crime da mesma natureza, ii) estando atualmente inserido numa família estruturada e funcional, iii) com um relacionamento afetivo duradouro, iii) tendo um filho menor ainda bebé (atualmente com 23 meses), e um emprego estável; iv) sendo ainda um jovem com 26 anos de idade, não praticou qualquer crime nos últimos 4 anos e nunca foi condenado a pena de prisão efetiva anteriormente, pelo que deve entender-se ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido em termos de poder fundamentar a suspensão da execução da pena. 42. Os antecedentes criminais do arguido não inviabilizam imperativamente a formulação de um juízo de prognose favorável, principalmente por se tratarem de crimes de diferente natureza relativamente aos crimes em causa nos presentes autos, pois nenhum dos anteriores ou posteriores atentava contra o património, e terem passado 4 ou mais anos sobre a prática dos mesmos. 43. Remontando os crimes aqui sub judice há 7 anos e atento o facto de que todos os crimes averbados ao Recorrente ocorreram entre os 16 e os 22 anos, não havendo registo de qualquer crime praticado nos últimos 4 (quatro) anos, o juízo de prognose atinente à suspensão terá de ser favorável, mas se o decurso do tempo é relevante para este juízo de prognose, tal não decorre da sentença, pois é ignorado tal facto, seja a antiguidade dos factos em causa (quase 7 anos), como dos factos relativos ao último crime averbado – 4 (quatro) anos, em violação dos artigos 70.º e 71.º do CPenal. 44. Não descurando o percurso criminal considerável enquanto adolescente e jovem adulto (entre os 16 anos e 22 anos), num jovem com apenas 26 anos, os 4 (quatro) anos decorridos sobre a prática do último crime pelo qual veio condenado, têm um peso acrescido e que não pode ser descurado, devendo mesmo ser relevado em sede de sentença, até por oposição ao passado criminal mais longínquo, enquanto adolescente/jovem. 45. Para concluir que a simples censura e a ameaça de prisão sempre realizam de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, concretamente a proteção do bem jurídico em causa e a reintegração do Recorrente na sociedade, num momento a sua vida em que essa integração parece ser plena. 46. Por fim, entende o Recorrente que, atentas as circunstâncias da sua vida atual, com 26 anos, uma vida profissional estruturada, um contexto familiar estável, com um filho atualmente com 23 meses, numa idade em que é tão fundamental a presença dos progenitores, atenuada a pena originária em medida não superior a 2 anos, no limite, sempre o cumprimento de eventual pena de prisão, caso não se optasse pela suspensão, sempre poderia e deveria ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por suficiente e adequada ao fim da pena (Art. 43.º da CP). (…)”.
4. O Ministério Público, em 1.ª Instância, respondeu a ambos os recursos defendendo que deverá ser negado provimento a ambos os recursos, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos. 5. Subidos os autos a este Tribunal a Digna PGA limitou-se a apor visto no saltos. 6. No exame preliminar a relatora deixou exarado que nada obstava ao conhecimento do recurso, que foi admitido com o regime de subida adequado. 7. Seguiram-se os vistos legais. 8 Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão
*
II. Fundamentação 1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), quanto a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º/2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
Assim e tendo presente ainda que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como não visam criar decisões sobre matéria nova, então, as questões suscitadas nos presentes são: recurso do arguido BB:
● não consideração do decurso de 7 anos desde a prática dos factos como factor atenuante em violação do disposto no artigo 72.º/1 e 2 alínea d) do Código Penal;
● não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes;
● suspensão de execução da pena aplicada recurso do arguido AA
● nulidade da decisão recorrida, por evidente violação do dever de fundamentação do artigo 374.º CPPenal;
● escolha da pena no caso do furto simples;
● aplicação do Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes
● dosimetria das penas aplicadas;
● suspensão da execução da pena aplicada;
● aplicação do Regime de permanência na habitação.
2. Comecemos por transcrever a sentença recorrida nas partes que ora relevam: “(…) II. Fundamentação de facto Factos provados: Da prova produzida em audiência de julgamento resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos: (…) Apenso G 29. No período compreendido entre as 20h00 do dia 05.03.2018 as 01h25 do dia 06.03.2018, o arguido AA, acompanhado de indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, deslocou-se ao estabelecimento comercial, talho, denominado A..., sito na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim. 30. Chegados à entrada partiram a porta de vidro de entrada e introduziram-se no seu interior. 31. Já no interior do referido estabelecimento retiraram da gaveta da caixa registadora o valor de €100,00. Apenso H 32. No período compreendido entre as 23h30 do dia 27.02.2018 as 05h00 do dia 28.02.2018, os arguidos CC, AA e BB deslocaram-se ao estabelecimento comercial gelataria denominada B..., sita na Avenida ..., ..., Póvoa de Varzim. 33. Chegados à entrada os arguidos partiram o vidro da porta da frente e introduziram-se no seu interior. 34. Já no interior do referido estabelecimento, retiraram e fizeram seus, pelo menos, os seguintes objetos: a) um plasma de marca Samsung de cor preta no valor não concretamente apurado, mas sempre superior a € 102,00; b) pelo menos € 570,00 em numerário; c) um número não concretamente apurado de garrafas de bebidas alcoólicas, de valor também não concretamente apurado. (…) 41. Nas circunstâncias referidas (…) 29º a 31º (Apenso G), 32º a 34º (Apenso H) e 35º a 37º (Apenso J), os arguidos aí referidos agiram em conjugação de esforços e identidade de fins, na sequência do que previamente combinaram, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus objetivos, tendo a intervenção de cada um sido determinante para a obtenção do resultado que almejavam e alcançaram. 42. Os arguidos, nas circunstâncias referidas, agiram deliberada, livre e conscientemente com a intenção de se apropriarem dos bens descritos que se encontravam no interior dos estabelecimentos comerciais identificados, que entraram, no caso referido de 32º a 34º através da quebra das portas de vidro de entrada, e se apropriaram de bens, bem sabendo que não eram de sua propriedade e de que se apropriavam contra a vontade e sem o consentimento dos seus legítimos donos e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 43. Ao procederem como descrito nas circunstâncias referidas em 41º, agiram os arguidos ali referidos de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos e dando execução a um plano que previamente haviam delineado e acordado, com o propósito, concretizado, de se apropriarem, do modo como o fizeram, dos referidos bens, que se encontravam no interior dos estabelecimentos que depois dividiam entre si, ajudando-se sempre na sua execução, quer a vigiar, quer a partir os vidros das portas da entrada e a guardar os bens subtraídos. (…) Mais se apurou quanto ao arguido BB: 59. À data dos factos, o arguido tinha 17 anos de idade e integrava o agregado de origem, constituído pela progenitora e pelos dois irmãos mais velhos, descendentes de relacionamento anterior da progenitora, residente em habitação arrendada. 60. Os recursos económicos do agregado provinham do salário da progenitora, que exercia funções de camareira em hotel, da comparticipação dos irmãos do arguido, que se encontravam laboralmente ativos, e incluía também a pensão de alimentos prestada pelo pai do arguido, no valor de €125,00. 61. À data dos factos, BB encontrava-se profissionalmente inativo, efetuando apenas trabalhos ocasionais, no setor da restauração/hotelaria, na prestação de serviços de catering, auferindo um rendimento variável, que era geralmente orientado para as suas despesas pessoais. 62. O seu quotidiano era gerido em função do momento, privilegiando o convívio com indivíduos em idêntica situação de inatividade. 63. O arguido, à data dos factos, mantinha consumo regular de haxixe desde os 16 anos, associado também ao consumo de álcool. 64. No início de 2019, BB estabeleceu relação de namoro com EE, que evoluiu, passado pouco tempo, para união de facto. 65. Desde então, BB integra o agregado de origem da companheira, constituído por esta, atualmente com 22 anos, pela respetiva progenitora, de 46 anos e um irmão de 14 anos, estudante. 66. Este núcleo familiar reside em apartamento T2, arrendado, com condições de habitabilidade e conforto, localizado na frente marítima de Vila do Conde. 67. Na infância o arguido foi diagnosticado com hiperatividade e défice de atenção, tendo sido sujeito a tratamento médico e farmacológico, bem como a acompanhamento de psicologia. 68. O percurso escolar de BB foi marcado pela instabilidade comportamental, pelo elevado absentismo escolar e inserção em grupo de pares com condutas transgressivas. 69. Registou várias retenções durante a frequência do ensino regular, vindo a concluir o 2º ciclo do ensino básico, aos 15-16 anos, após frequência de curso de formação vocacional de carpintaria. 70. Embora com experiências ocasionais de trabalho, a partir dos 16 anos, na construção civil e hotelaria, BB começou a trabalhar em setembro de 2019, juntamente com a namorada, em restaurante em Vila do Conde, com funções de empregado de mesa. 71. Em novembro de 2020, o arguido interrompeu o trabalho, por motivos de cirurgia a um joelho, a que poucos dias depois se sobrepôs o cumprimento de medida de coação de prisão preventiva em 19/11/2020, aplicada no processo nº..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Central Criminal de Vila do Conde, entretanto substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, a que esteve sujeito, entre 05/12/2020 e 03/12/2021. 72. O regular cumprimento desta medida assinalou a rutura com anterior grupo de pares e a alteração do padrão de consumo de substâncias psicoativas, que deixou de ter um caráter regular para dar lugar a um consumo esporádico. 73. BB encontra-se, desde há cerca de 3 anos, em acompanhamento de psicologia no âmbito da consulta de jovens, do CRI ..., na Póvoa de Varzim, no âmbito de anterior determinação judicial, com adesão ao mesmo. 74. Cerca de 3 meses após o termo da medida de coação, BB começou a trabalhar como empregado de mesa em restaurante/pizzaria na Póvoa de Varzim, com contrato de trabalho temporário, através de empresa de recrutamento e recursos humanos, que veio a interromper em novembro do mesmo ano, por insatisfação com a instabilidade profissional inerente à situação contratual. 75. Atualmente e desde fevereiro /2023 que o arguido se encontra a trabalhar na construção civil, em colaboração com um familiar (pai dos irmãos), na prestação de serviços de construção civil-pintura, a particulares e com características de informalidade. 76. Pontualmente, quando solicitado, colabora com o restaurante/pizzaria onde trabalhou anteriormente e na qual perspetiva retomar laboração em meados de abril/2024, conforme consta na declaração emitida por aquela empresa, apresentada na DGRSP. 77. Dadas as características do trabalho realizado atualmente, BB aufere rendimentos variáveis, entre os €150 a €200 semanais. 78. Para além dos rendimentos de trabalho do arguido, os recursos do agregado familiar incluem o salário da companheira, copeira em restaurante, no valor de €760, e os proventos do trabalho da mãe desta, que presta serviços de cuidadora e domésticos, no valor aproximado de €700 mensais. 79. As despesas mais significativas do agregado correspondem à renda do alojamento, no valor de €290 mensais, e cerca de 125€ relativos aos consumos de água, energia e comunicações. 80. O arguido e companheira comparticipam nas despesas familiares com aproximadamente €100 mês. 81. O casal tem ainda o encargo mensal de €100, que manterá nos próximos 3 anos, relativo a crédito pessoal para aquisição de automóvel, que, entretanto, foi entregue à financeira. 82. O arguido mantém uma relação afetiva de qualidade com a companheira e com a família desta, a qual lhe dá apoio. 83. O arguido e a companheira são pais de uma bebé recém-nascida. 84. O pai do arguido é uma figura ausente ao longo do seu percurso de vida, tendo o seu processo educativo sido assumido, a partir do primeiro ano, exclusivamente pela progenitora. 85. Apesar de num passado recente BB ter restabelecido o contacto com o pai, o mesmo não se constitui como suporte afetivo, verificando-se dificuldades no relacionamento e entraves ao convívio com as duas irmãs consanguíneas. 86. Não obstante, o arguido mantém laços de afetividade e entreajuda com outros elementos da família paterna, residentes em Braga, designadamente a avó paterna a quem visita com regularidade. 87. BB e a companheira pretendem autonomizar-se do agregado de origem da companheira, embora as perspetivas atuais sejam limitadas, atentos os elevados custos da habitação. 88. O quotidiano do arguido está organizado em função do exercício da atividade laboral, dedicando o tempo livre à namorada e ao convívio com a família, designadamente com os irmãos e a progenitora. 89. Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado a: i) 20.10.2020, por sentença transitada em julgado a 19.11.2020, proferida no âmbito do processo nº ..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 3, pela prática a 3.03.2018 de um crime dois crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do CP, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. ii) 3.12.2021, por acórdão transitado em julgado a 17.01.2022, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila do Conde, Juiz 6, pela prática a 29.03.2020 de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, mediante sujeição a regime de prova. iii) 26.04.2021, por sentença transitada em julgado a 28.10.2021, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 21.05.2018 de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1, do CP, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 1 ano, mediante sujeição a regime de prova. Mais se apurou quanto ao arguido AA: 90. O arguido mantém uma relação afetiva com a atual namorada desde há dois anos e meio e viveram em união de facto, de janeiro de 2023 a meados de dezembro de 2023, em casa da mãe da mesma. 91.Entretanto, o casal desentendeu-se e, neste contexto conflitual, o arguido foi abandonou o agregado, tendo ido viver para casa do pai, nas ..., Vila do Conde. 92. Não obstante, o arguido reconciliou-se com a companheira e mantêm relação afetiva estável, encontrando-se diariamente, sobretudo em casa do pai do arguido, convivendo este também com o filho de 9 meses. 93. O arguido e a namorada pretendem encontrar espaço habitacional para se autonomizarem. 94. AA integra o agregado do pai e da madrasta, ambos quinquagenários, respetivamente operário da construção civil e cozinheira de restaurante, que subsistem do rendimento no valor de 2000 €. 95. Residem num apartamento tipologia 3, arrendado por 500 €, dotado de condições de habitabilidade. 96. AA, depois de um interregno, por sua iniciativa, na sua atividade profissional na área da construção civil, de outubro de 2023 a dezembro de 2023, arranjou colocação profissional há cerca de dois meses na empresa de construção civil “C..., LDA”, com a qual celebrou contrato de trabalho. 97. O arguido aufere 721,40 € líquidos, a que podem acrescer 150 € em horas extraordinárias. 98. AA contribui para o agregado do pai com 150€. 99. O quotidiano do arguido decorre da sua atividade profissional e no horário pós-laboral dedica-se à companheira, ao filho e à família. 100. No presente, AA está a ser acompanhado por equipa da DGRSP, no âmbito do processo n.º..., Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim. 101. No decorrer da execução da medida em apreço ausentou-se do país para trabalhar sem nos informar previamente, inviabilizando intervenção da DGRSP. 102. Nesta sequência, foi prorrogada a suspensão da execução da medida por mais um ano, ou seja, até 14.07.2024, à qual o arguido está a corresponder. 103. Também está a ser acompanhado por esta equipa da DGRSP, no âmbito do processo n.º ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim. 104. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado a: i) 28.04.2015, por decisão transitada em julgado a 26.05.2015, proferida no âmbito do processo nº ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima (Juiz 2), pela prática a 5.06.2014 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do CP, na pena de 170 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 850,00, substituída por 170 horas de trabalho a favor da comunidade. ii) 1.02.2018, por decisão transitada em julgado a 5.03.2018, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 2, pela prática a 20.03.20216 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP, e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº1, e 155º, nº1, do CP, na pena de 320 dias de multa, à razão diária de € 6,00, perfazendo um total de € 1920,00, posteriormente substituída por 320 dias de trabalho a favor da comunidade e mais tarde convertida em 134 dias de prisão subsidiária. iii) 25.08.2020, por decisão transitada em julgado a 30.09.2020, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 30.09.2020 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, al. m), 3.º, n.ºs 1 e 2, al. f), e 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 250,00. iv) 6.05.2021, por decisão transitada em julgado a 21.05.2021, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 2, pela prática a 26.03.2019 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do CP, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 500,00. v) 7.01.2022, por decisão transitada em julgado a 14.02.2022, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 4.10.2020 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º do CP, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, o qual foi posteriormente prorrogado por mais um ano. vi) 27.11.2023, por sentença transitada em julgado a 9.01.2024, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 16.01.2021 de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do CP, e um crime de resistência e coação, p. e p. pelo artigo 347º, nº1, do CP, na pena única de 1 ano e 7 meses, suspensa por 3 anos com regime de prova. (…)
*
III. Fundamentação de Direito (…) Isto posto, no que tange ao apenso G (A...), concluiu-se pela prática dos factos por parte, pelo menos, do arguido AA. O crime em apreço consiste num crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do CP, que, nos termos do nº3 do mesmo artigo depende de queixa, isto é, trata-se de um crime de natureza semi-pública, tendo essa queixa sido devidamente formulada a fls. 3-3verso do apenso respetivo. Por conseguinte, tendo-se demonstrado toda a factualidade objetiva e subjetiva em apreço, deverá o arguido AA, nesta parte, ser condenado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1, do CP. Relativamente ao apenso H (B...), verifica-se a demonstração de toda a factualidade objetiva e subjetiva imputada aos arguidos CC, AA e BB, pelo que deverão os mesmos ser condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. e), com referência 202º, al. d), todos do Código Penal. (…)
*
Das consequências jurídico-penais do crime Da escolha e determinação da medida da pena Feito que está o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a medida da pena a aplicar. No caso concreto, os crimes de furto qualificado cometidos pelos arguidos (5 no caso do arguido CC, 1 no caso do arguido AA e 1 no caso do arguido BB) são puníveis com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão (sem prejuízo do disposto no artigo 16º, nº3, do CPP). Por outro lado, o arguido AA cometeu ainda um outro crime de furto simples, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Assim, e antes de mais, cumpre proceder à escolha da pena relativamente a este último crime que admite, alternativamente, prisão ou multa, fazendo apelo às finalidades que subjazem à sua aplicação, conforme decorre do preceituado no nº1 do artigo 40º do Código Penal. Assim, na esteira de FIGUEIREDO DIAS, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 227). Por sua vez, encontra-se no artigo 70º do Código Penal o critério que preside à escolha da pena. Assim, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O critério plasmado no sobredito artigo 70º do Código Penal permite concluir que o ordenamento jurídico-penal português assenta na conceção básica de que a pena privativa da liberdade deve constituir a ultima ratio da política criminal. Assim, no caso dos autos, constata-se que são bastante elevadas as exigências de prevenção geral, nomeadamente tendo em conta, como é bem sabido, o aumento generalizado que se tem verificado de prática de crimes contra o património, aos quais está subjacente um forte alarme social. Já no que concerne às exigências de prevenção especial, dir-se-á que as mesmas se situam num nível extremamente relevante, desde logo porquanto o arguido foi já condenado por 6 vezes, pela prática de um total de 8 crimes. Sendo certo que a maioria das condenações ocorreu após os factos agora em análise, a verdade é que os mesmos são demonstrativos de que o arguido incrementou com as presentes condenações o seu cadastro criminal. Por outro lado, constata-se ainda que o arguido, apesar de não ter sofrido ainda condenações pela prática de crimes contra o património, foi já condenado por diversas em penas de multa, pelo que esta já esgotou junto do arguido qualquer eficácia em matéria preventiva, impondo-se a aplicação de outra que nele tenha um efeito mais incisivo, só assim se acautelando as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial que o caso demanda. Face ao exposto, no que tange ao crime cometido pelo arguido nos termos do preceituado no artigo 204º, nº1, do CP, o tribunal decide-se pela aplicação de uma pena de prisão. Posto isto, importa determinar a medida concreta das penas. No que concerne à determinação da medida da pena concreta, cumpre ter em consideração que a mesma se fará em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71º, nº1, do Código Penal). Com efeito, nos termos do artigo 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico. À prevenção geral de integração cabe fornecer o limite mínimo de tal moldura, sendo certo que esta terá como um limite superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e como inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma. Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva. Ora, dentro desses limites caberá à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo-se pois às possibilidades de socialização do agente, sendo certo que, quando esta em concreto, não for possível, relevará a função de intimidação. Concretizando de uma outra forma, à luz do disposto no artigo 71º do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstratos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido; fixando-se o limite máximo de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham. Isto posto, no caso dos autos, importa, antes de mais, verificar se sobre a moldura penal deverá incidir qualquer circunstância modificativa, designadamente, atenuante. Com efeito, no caso, constata-se que os arguidos AA, BB e DD, à data da prática dos factos, não tinha ainda completado 21 anos. Deste modo, impõe-se assim ponderar a aplicação do Decreto-Lei nº 401/82, de 23/09, que veio estabelecer o regime aplicável aos jovens adultos que tenham cometido um facto qualificado como crime. De acordo com o nº 2 do artigo 1º do citado Decreto-Lei, considera-se jovem adulto o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos. No caso de ser aplicável uma pena de prisão, o tribunal deve atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando existirem razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado (artigo 4º do DL nº401/82, de 23 de setembro). Ora, tendo em atenção que, no caso dos arguidos AA e BB inexistiu qualquer laivo de arrependimento dos arguidos, sendo certo que, qualquer dos três arguidos (AA, BB e DD) apresentam já antecedentes criminais, sendo particularmente vastos no caso do arguido AA e do arguido BB. (…) Por conseguinte, é nosso entender que a aplicação do regime em apreço já não trará aos arguidos quaisquer vantagens em termos de reinserção social, antes se impondo a aplicação de penas que neles tenham um efeito incisivo no sentido da correção do seu reiterado comportamento criminal. Isto é, não estamos perante arguidos a quem deva ser dada uma primeira oportunidade de ressocialização, mas perante arguidos que enveredaram, cada um em sua medida, em condutas de repetição. Nesta medida, entendemos não ser de atenuar especialmente a pena aplicável aos arguidos. Isto posto, no caso, temos que, no caso, e em todas as situações dadas como provadas, o dolo revelado pelos arguidos foi direto, circunstância que caracteriza a gravidade da violação jurídica perpetrada e revela que o grau de ilicitude e de culpa subjacente à ação é elevado. Já no que tange aos crimes em causa (furto e furto qualificado) constata-se, uma vez mais, que são bastante elevadas as exigências de prevenção geral, nomeadamente tendo em conta, como é bem sabido, a generalização que se tem verificado em relação à prática de crimes contra o património. Na perspetiva da prevenção geral, entendemos assim que a conduta dos arguidos em apreço, atento o seu modo de execução, é suscetível de revelar um grau considerável de contrariedade à ordem jurídica, gerando preocupação de defesa dos bens jurídicos comunitários, tanto mais atenta a frequência como são praticados estes crimes, e bem ainda o perigo e o alarme social que representam para a comunidade os crimes contra o património. No que concerne às exigências de prevenção especial, conforme já acima se aludiu, constata-se que efetivamente os arguidos CC, BB e AA apresentam já um impressionante historial criminal, alcançado num curto espaço de tempo, o que é bastante ilustrativo de uma forma de estar reveladora de grande contrariedade ao direito que suscita fortes preocupações do ponto de vista da prevenção especial. Ademais, no caso, inexiste qualquer sentido crítico ou laivo de interiorização do desvalor da conduta que o tribunal possa valorar em termos favoráveis a estes arguidos. (…) Nestes termos, tudo ponderado, não olvidando também a grandeza das penas anteriormente aplicadas aos arguidos, decide-se aplicar-lhes: (…) - Ao arguido AA: - Considerando que não tem antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património, a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses pelo crime de furto qualificado (Apenso H); e a pena de 10 (dez) meses de prisão pelo crime de furto simples (Apenso G). - Ao arguido BB: - Com diversas condenações pela prática de crimes de roubo, isto é, de crimes contra a propriedade mediante uso de violência, a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (Apenso H). (…)
*
Isto posto, temos que, nos termos do disposto no artigo 77º, nº1, do CP, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. Prescreve o nº2 do mesmo artigo que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (...); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Assim, em ordem a fixar uma pena única aos arguidos CC e AA, o tribunal depara-se com as seguintes molduras: (…) - No caso do arguido AA uma moldura cifrada entre os 2 anos e 6 meses a 3 anos e 6 meses de prisão. Ora, tendo em conta que a imagem global da conduta dos arguidos, que nos reporta para uma situação de gravidade muito relevante e de grave desrespeito pelos direitos dos demais cidadãos, não olvidando a reiteração dos arguidos (pois que se o arguido CC engrossou o seu cadastro com a repetição de mais crimes de furto qualificados, já o arguido AA diversificou a sua carreira criminal, demonstrando ambos uma personalidade de especial desafio à Lei e ao Direito, bem como à ação da Justiça), é nosso entendimento que se reputa adequada a aplicação: (…) - Ao arguido AA a pena única de 3 anos de prisão.
*
Da suspensão da execução da pena de prisão Atenta as medidas da pena de prisão aplicadas aos quatro arguidos, há que ponderar sobre a eventual suspensão da execução da mesma. O artigo 50º do Código Penal estabelece no seu nº 1: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, e prevê no seu nº 5: “O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”. Vejamos então se, no caso concreto, se mostram reunidos os pressupostos para a sua aplicação. No que respeita ao pressuposto formal, consistente na necessidade da medida concreta da pena de prisão aplicada não ser superior a 5 anos, encontra-se o mesmo preenchido atenta a pena supra fixada. Por seu turno, o pressuposto material consiste na adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades de prevenção geral e especial do caso. Constituindo “[a] pena de suspensão de execução da pena de prisão (…) entre nós a mais importante das penas de substituição”, “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, Coimbra Editora, 2009, pág. 337 e 331). É, assim, pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a existência de factos que permitam a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a este, a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostrarem suficientes e adequadas a dissuadi-lo da prática de futuros crimes. Trata-se de uma fundada expectativa, apoiada em factos concretos, de que o arguido, considerado merecedor de confiança, mudará os termos da sua vida e não voltará a delinquir. No caso em apreço, há que proceder às devidas distinções. (…) Já no que tange aos demais arguidos, é nosso entender que, tendo em conta todo o seu historial criminal, diversificado e reiterado, sempre pela prática de crimes graves (o arguido AA com vários crimes praticados contra as pessoas e agora também contra o património, num total já de 10 crimes por ele levados a cabo; o arguido BB com historial pela prática de crimes contra o património mediante uso de violência, num total agora de 5 crimes praticados; (…), a factualidade apurada não permite formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não se mostram capazes de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, pelos argumentos aduzidos, mal compreenderia a comunidade que, perante o sucessivo incremento do historial criminal destes arguidos, o sistema persistisse com a aplicação de pena substitutivas não privativas da liberdade, o que tudo seria gerador de um sentimento não apenas de insegurança, mas também de impunidade. Com efeito, esta reiteração e persistência na prática de condutas ilícitas exprime, em qualquer dos casos referidos, personalidades pautadas pela desvalorização dada aos crimes praticados, bem como uma completa indiferença no que tange aos bens jurídicos que sucessivamente foram violados, evidenciando personalidades avessas ao direito e com sérias necessidades de reinserção social. Assim, e face à gravidade dos crimes cometidos, é entender do tribunal não ser possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro dos arguidos, no sentido de que não voltarão a praticar crimes, tanto mais que inexistiu no caso mais ténue laivo de arrependimento que pudesse, pelo menos, indiciar uma possível (e louvável) interiorização do desvalor das respetivas condutas. Destarte, entendemos que não estão reunidos os pressupostos para determinar a suspensão da execução da pena de prisão relativamente aos arguidos AA, BB e CC, porquanto só o cumprimento de pena privativa da liberdade se mostra adequado às finalidades punitivas, nomeadamente quanto ao encaminhamento dos arguidos para condutas conformes ao dever-ser jurídico, pelo que se decide não suspender a execução das penas de prisão agora aplicadas aos arguidos em apreço.
*
Do perdão: Os arguidos nasceram, respetivamente nos seguintes dias: (…) - O arguido AA no dia 3.05.1998; - O arguido BB no dia 30.08.2000; (…) Por conseguinte, temos que, à data dos factos (em 2018), nenhum dos mesmos apresentava uma idade superior a 30 anos. Nos termos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (Perdão de penas e amnistia de infrações praticadas por jovens), com entrada em vigor no dia 1 de setembro de 2023, no seu art. 2º: “1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.” Por sua vez, nos termos do art. 3º: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos”. 2 - São ainda perdoadas: a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.” Assim sendo, e não estando o crime em causa incluído no art. 7º da mesma lei onde se incluem as exceções ao regime do perdão e da amnistia, a pena de prisão aplicada aos arguidos AA, BB e CC serão perdoadas em 1 (um) ano, mediante, porém, as condições resolutivas previstas no artigo 8º da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto. (…) De salientar que a aplicação do perdão em referência não implica a ponderação, neste caso, da eventual substituição das penas aplicadas aos arguidos BB e AA pelo regime de permanência na habituação, porquanto a pena originária agora fixada (sem o perdão) é superior a 2 anos (artigo 43º, nº1, al. a), do CP, a contrario) e, por outro lado, não é caso de aplicação do desconto dos artigos 80º a 82º do CP (previsto na hipótese do artigo 43º, nº1, al. b), do CP), que expressamente não inclui o perdão. Ademais, e ainda neste sentido, importa sempre salientar que, ao contrário das aludidas situações de desconto, no caso do perdão estamos perante um cumprimento parcial de pena, mas sujeito a condições resolutivas, o que não sucede nas hipóteses dos artigos 80º a 82º do CP – cf. neste sentido, por todos, o Acórdão do TRC de 5.06.2024, proc. 13/17.3PTCLD.C2, in www.dgsi.pt - “O legislador, ao fixar como pressuposto formal da aplicação das várias penas substitutivas que legislou teve em vista apenas os agentes punidos com penas originárias não superiores às medidas nelas previstas, sendo indiferente, para esse efeito, que a pena a cumprir fique aquém desse limite por força de qualquer perdão concedido por leis de clemência.” (…)”
3. A isto que contrapõem os arguidos?
O arguido BB, pugnando pela atenuação da pena e a suspensão da respectiva execução, invoca a violação,
- do artigo 32.º/2 da CRP e do artigo 6.º/1 da CEDH porque o julgamento dos presentes autos ocorreu sete anos após a prática dos factos, o que representa um atraso intolerável no processo penal;
- do artigo 4.º do Decreto Lei 401/82, por se ter decidido pela inaplicabilidade do regime penal especial para jovens e da, consequente, atenuação especial da pena em prol da sua efectiva reinserção social;
- do artigo 32.º/2 da CRP, por se ter fundamentado a inaplicabilidade do regime penal especial para jovens na falta de “laivo de arrependimento”, na falta de “laivo de interiorização do desvalor da conduta”, assim se conotando negativamente o facto de se ter remetido ao silêncio,
- do artigo 71.º/1 e 2 alíneas d) e e) CP, quando na operação de determinação da medida da pena se decidiu pela não suspensão da execução da pena de prisão;
- do artigo 72.º/1 e 2 alínea d) CP por se não ter considerado a significativa morosidade do processo, que atrasou a administração da justiça e violou os seus direitos, devendo tal ser considerado factor atenuante, refletindo a diminuição da ilicitude do acto e a culpa do agente;
- do artigo 50.º/1 CP, por se não ter considerado que a suspensão da execução da pena era suficiente, adequada e proporcional a acautelar as necessidades de prevenção especial.
Para o que alinha em resumo o seguinte raciocínio:
- o arguido nasceu a 30.8.2000 e foi condenado, no ano de 2015, quando tem 25 anos de idade, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º/2 alínea e) CPenal na pena de 2 anos de 10 meses de prisão efetiva, por factos de 27.2.2018, quando o arguido tinha 17 anos de idade;
- decorridos 7 anos sobre a data da prática de tais factos, o Tribunal a quo considerou ser de aplicar uma pena de prisão efetiva, atentas as “diversas condenações pela prática de crimes de roubo, isto é, de crimes contra a propriedade mediante uso de violência”; considerando ser de impor “a aplicação de penas que neles tenham um efeito incisivo no sentido da correção do seu reiterado comportamento criminal”; considerando ainda não se estar “perante arguido a quem deva ser dada uma primeira oportunidade de ressocialização, mas perante arguido que enveredou em condutas de repetição”;
- o arguido foi agora condenado de forma muito mais severa do que seria, se não tivesse ocorrido tal atraso;
- perante este atraso impunha-se a consideração da evidência de que a pessoa do arguido em 2017 não é a pessoa que esteve em julgamento no ano de 2025;
- na data da prática dos factos o arguido não tinha nenhuma condenação, pelo simples facto de que este crime pelo qual o arguido foi agora condenado, em relação àqueles que resultam do seu CRC, foi o primeiro por si praticado;
- se o arguido tivesse sido julgado por estes factos num prazo razoável, a determinação da medida da sua pena iria ser analisada atendendo a um certificado de registo criminal sem antecedentes, ou seja, tratando-se de um arguido primário;
- este atraso prejudicou-o na medida em que as condenações anteriores, que se referem todas a factos posteriores, em relação aos quais o arguido viu ser aplicadas penas de prisão suspensas (que, entretanto, já foram todas integralmente cumpridas e extintas), foram valoradas em seu desfavor;
- foi agora condenado como adulto – trabalhador, familiar, socialmente integrado e ressocializado – por um crime executado pela criança/adolescente desvairado, delinquente, inconsequente e desajustado, que felizmente já não existe;
- se a condenação deste processo tivesse sido atempada, como deveria ter sido, o arguido poderia ter “sido salvo” mais cedo, impedido da continuação da prática de ilícitos criminais e tendo, por conseguinte, iniciado a sua ressocialização mais cedo;
- a condenação agora numa pena efetiva privativa da liberdade ameaça aniquilar por completo todo o trabalho e progresso até agora conseguido;
- quando, desde pelo menos novembro de 2020 que o arguido está estável profissionalmente, integrado no contexto familiar, tendo constituído família com a sua atual companheira e inclusive com um filho de tenra idade a seu cargo, sendo remetido pela decisão recorrida à estaca zero, anulando toda a ressocialização conseguida desde há cinco anos atrás, até ao momento;
- a decisão recorrida contraria também o teor e as conclusões do relatório social da DGRSP – que tem vindo a acompanhar o arguido no seu percurso de ressocialização deste novembro de 2020;
- após a data da prática destes factos, o aqui recorrente praticou dois crimes de roubo em 03.03.2018 e um crime de roubo em 21.05.2018, pelos quais foi condenado, em penas de 4 meses e 2 meses de prisão, respetivamente, suspensas na sua execução, as quais foram cumpridas e por isso extintas.
- no processo ... o arguido foi condenado por dois crimes de roubo, p. e p. pelos artigo 210.º/1 CP, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, porquanto, a 03 de março de 2018 (nem um mês depois dos factos em crise nos presentes autos), o arguido acompanhado de outros dois indivíduos, apoderou-se de uma coluna de som da marca JBL, modelo ..., de cor preta no valor de €139 euros e um telemóvel da marca Samsung, modelo ..., de cor cinza, no valor de €200 - antes da audiência de julgamento o arguido ressarciu os ofendidos nos montantes acima referidos;
- o processo ... refere-se a factos consumados em maio de 2018 (3 meses depois dos factos a que se refere os presentes autos), no qual o arguido BB foi condenado por um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal, numa pena de 2 meses, suspensa na sua execução por 1 mês - os factos dados como provados revelaram que o arguido se apoderou de um telemóvel, que de imediato devolveu, tendo ficado apenas com a quantia monetária de 2 (dois) euros na sua posse, e seguido caminho;
- todos estes crimes foram praticados quando o arguido tinha apenas 17 anos de idade, no mesmo enquadramento sócio económico e de espaço temporal, e numa janela temporal de escassos 4 meses;
- o arguido foi ainda condenado, por factos de Março de 2000, quando tinha 19 anos deidade, no processo ..., em co-autoria material, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal, em 2 anos de prisão, suspensa na execução por 2 anos, com regime de prova, que versava sobre a consolidação de uma vida normativa, livre de adições e com hábitos de trabalho, tendo consentido e mantido o acompanhamento em psicologia/psiquiatria que se revelou necessário - no que se refere aos factos dados como provados no âmbito deste processo, ao praticar tal crime, o arguido retirou um lucro de 10 euros, tendo devolvido ao ofendido a carteira e os cartões que haviam sido subtraídos;
- isto é, a condenação do arguido por factos posteriores àqueles pelos quais foi agora condenado, redundaram na aplicação uniforme de penas suspensas, todas elas integralmente cumpridas, em momento anterior ao da condenação agora em crise;
- foram precisamente os regimes de prova que permitiram que o arguido tivesse acesso a acompanhamento psicológico e psiquiátrico de que tanto necessitava, e que conseguisse romper laços com o anterior grupo de pares que influenciavam e motivavam comportamentos desafiadores de regras por parte do arguido.
- mostra-se assim evidente que se a “justiça” tivesse funcionado mais cedo e sujeitado o arguido a regimes de prova num momento anterior, muito provavelmente não teria incorrido na prática de ilícitos criminais em data posterior;
- esteve detido preventivamente em estabelecimento prisional, e depois na residência;
- foi precisamente este regime de prova que forçou o arguido BB a romper com as relações de amizades que tinha até então e foi com o auxílio dos serviços de psicologia e psiquiatria do CRI 1... e das suas demais valências que o arguido BB se conseguiu organizar, não só do ponto de vista pessoal, mas como também profissional;
- as exigências prevenção especiais que se demonstraram nos presentes autos não justificam a aplicação de uma pena de prisão efetiva e, por isso, a suspensão da pena de prisão sempre será suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
- atendendo à forma como os presentes autos foram conduzidos, verificou-se um enorme atraso na realização da justiça e, nos casos em que se verifica um atraso significativo entre a data da prática do crime e a condenação do arguido, o Código Penal prescreve no seu artigo 72.º/1 e 2 alínea d) que o tribunal atenua especialmente a pena quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, designadamente, nos casos em que decorreu “muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”;
- manda o bom senso que se conclua que a simples ameaça de pena privativa da liberdade será suficiente para cumprir os desígnios das penas, pelo que a sua aplicação (eventualmente sujeita a deveres, regras, ou regime de prova) se impõe.
- a partir de novembro de 2020, na sequência de uma detenção e consequente cumprimento de uma medida de coação privativa da liberdade, o aqui recorrente conseguiu mudar drasticamente a sua vida, os seus hábitos de consumo, os seus hábitos de convívio, de trabalho, e relações familiares - hoje, e desde há 5 anos a esta data, é uma pessoa completamente diferente, em crescente processo de ressocialização e reabilitação, tendo modificado os seus hábitos, incluindo o consumo de substâncias, deixou de se associar a grupos problemáticos e tem um trabalho regular, passou a ser acompanhado por serviços de psicologia e construiu uma vida familiar estável, com uma relação de apoio com sua companheira, familiares, tendo hoje uma filha bebé;
- a não aplicação do regime especial para jovens implica uma pena de prisão efetiva a quem está há pelo menos 5 anos em processo de ressocialização;
- estamos perante uma conexão de circunstâncias, envolvidas numa conjunção em que se manifestam os mesmos problemas próprios de uma situação de latência social a exigir um tratamento e uma abordagem conjunta;
- por outro lado a invocada falta de “qualquer laivo de arrependimento”, de “qualquer sentido crítico ou laivo de interiorização do desvalor da conduta que o tribunal possa valorar em termos favoráveis (…)” contraria o próprio relatório da DGRSP que serviu de base para se dar como assente toda a factualidade atinente às circunstâncias pessoais e económicas do arguido, na parte em que aborda a repercussão da situação jurídico penal do arguido, do qual consta expressamente que “o arguido elabora um juízo crítico sobre o seu percurso transgressivo do qual atualmente se distancia”;
- para haver demonstração de arrependimento, impunha-se que o arguido tivesse optado por prestar declarações em julgamento e o arguido remeteu-se ao silêncio, o que não pode ser valorado negativamente, ainda que o não beneficie.
O arguido AA pugnando pela condenação numa pena atenuada e, ainda que privativa da liberdade, suspensa na sua execução, mesmo que sujeita a regime de prova, graduada pelos limites mínimos e, se em pena não superior a 2 anos, a cumprir em regime de permanência na habitação, invoca a violação dos artigos 70.º, 71.º/2 alíneas d) e e), 72.º e 50.º CP bem como a violação do Decreto Lei 401/82, mostrando discordar, primeiro, da escolha da pena quanto ao crime de furto simples, depois com a não aplicação do regime especial para jovens, ainda, com o carácter excessivo, desadequado e desproporcionadas das penas parcelares e depois com a não suspensão da execução da pena.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- não foram devidamente observadas e valoradas as suas condições pessoais;
- por 2 pequenos furtos, cujo valor não ultrapassará, no total, os 1.000€, foi, agora com 26 anos de idade, condenado, pela primeira vez, na pena de 3 anos de prisão efectiva, por factos de Fevereiro de 2018, ocorridos há 7 anos, quando tinha 19 anos de idade, pois que nasceu a 3.5.1998;
- com a justificação de que fora já condenado por 6 vezes, pela prática de um total de 8 crimes, quando o certo é que a maioria das condenações ocorreu após os factos agora em análise;
- com a justificação de que os factos são demonstrativos de que “o arguido incrementou com as presentes condenações o seu cadastro criminal”, e que se “constata ainda que o arguido, apesar de não ter sofrido ainda condenações pela prática de crimes contra o património, foi já condenado por diversas em penas de multa, pelo que esta já esgotou junto do arguido qualquer eficácia em matéria preventiva (…)” e que “tendo em atenção que, no caso do arguido inexistiu qualquer laivo de arrependimento, sendo certo que apresenta já antecedentes criminais, particularmente vastos”;
- não se decretando a suspensão da execução da pena porque “tendo em conta todo o seu historial criminal, diversificado e reiterado, sempre pela prática de crimes graves - com vários crimes praticados contra as pessoas e agora também contra o património, num total já de 10 crimes por ele levados a cabo”;
- a decisão recorrida faz tábua rasa das circunstâncias da sua vida atual, mormente o facto de ter constituído uma família e ter hoje uma companheira e um filho bebé, aos quais se dedica no horário pós-laboral, uma vida afetiva estável, estar integrado na sociedade e no mercado de trabalho e auferir rendimento do seu trabalho, com o qual contribui para o agregado que integra com os seus pai;
- na data dos factos, tinha 2 condenações por ofensa à integridade física simples e ameaça agravada, praticadas com 16 e 17 anos, respetivamente e após, teve mais 4 condenações (detenção de arma proibida, ofensa à integridade física simples, violência doméstica injúria agravada e resistência, sendo que nenhuma das 6 condenações se prendem com crimes contra o património, como ocorre no presente;
- tudo crimes praticados entre os 16 e os 22 anos, numa idade precoce, enquanto jovem adolescente, ou jovem adulto;
- foi condenado, por sentença de 28.04.2015, transitada em julgado a 26.05.2015, proferida no âmbito do processo nº ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima (Juiz 2), pela prática a 5.06.2014 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do CP, na pena de 170 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 850,00, substituída por 170 horas de trabalho a favor da comunidade; por sentença de 1.02.2018, transitada em julgado a 5.03.2018, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 2, pela prática a 20.03.20216 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP, e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, nº1, e 155º, nº1, do CP, na pena de 320 dias de multa, à razão diária de € 6,00, perfazendo um total de € 1920,00, posteriormente substituída por 320 dias de trabalho a favor da comunidade e mais tarde convertida em 134 dias de prisão subsidiária; por sentença de 25.08.2020, transitada em julgado a 30.09.2020, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 30.09.2020 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, al. m), 3.º, n.ºs 1 e 2, al. f), e 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 250,00; por sentença de 6.05.2021, transitada em julgado a 21.05.2021, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 2, pela prática a 26.03.2019 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do CP, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo um total de € 500,00; por sentença de 7.01.2022, transitada em julgado a 14.02.2022, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 4.10.2020 de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º do CP, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, o qual foi posteriormente prorrogado por mais um ano; por sentença de 27.11.2023, transitada em julgado a 9.01.2024, proferida no âmbito do processo nº..., que correu termos no Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, pela prática a 16.01.2021 de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do CP, e um crime de resistência e coação, p. e p. pelo artigo 347º, nº1, do CP, na pena única de 1 ano e 7 meses, suspensa;
- à data da presente condenação, os factos mais recentes que motivaram a condenação do arguido remontam a 16.1,2021, ou seja, o arguido não cometeu qualquer crime no 4 (quatro) anos anteriores à data da presente condenação, o que foi igualmente ignorado;
- se é sublinhado o percurso criminal entre os 16 e os 22 anos, mesmo não sendo respeitante a crimes da natureza do presente (contra o património), não se poderia ignorar um período subsequente, entre os 22 e os 26 anos, período de 4 anos que antecede a sentença em que não praticou qualquer crime, o que também será de relevar em alguém tão jovem;
- quanto ao primeiro crime pelo qual o arguido foi condenado, um crime de furto simples, o artigo 203.º CPenal prevê a punição com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, tendo a decisão recorrida optado pela aplicação de pena de prisão de 10 meses, ao invés da um apena de multa – o que considera injustificado;
- mesmo considerando elevadas as necessidades de prevenção geral no âmbito do crime de furto, com a ressalva não despicienda de que estamos perante crimes cometidos há 7 anos, quanto às exigências de prevenção especial, afiguram-se com menor relevância, por apesar de o arguido ter condenações anteriores, não poderá deixar de se atentar na circunstância de as condenações sofridas, em momento anterior e posterior à data da prática dos factos/crime de furto aqui em presença, nunca respeitarem a crimes contra o património, além de que não há qualquer registo da prática de crime nos últimos 4 (quatro) anos, fase entre os 22 e os 26 anos;
- este é o período em que normalmente o indivíduo atinge uma maturidade que o leva a interiorizar as regras sociais ajustando-se às mesmas, constituindo família e exercendo uma atividade profissional, tal como, comprovadamente, aconteceu, que até teve um filho em 2023, hoje um bebé ao seu cuidado e da mãe;
- o tempo transcorrido sobre os factos (7 anos) e o tempo transcorrido sem praticar quaisquer crimes (4 anos), aliado a boa inserção social, familiar e laboral na atualidade, sugerem claramente que será merecedor desse juízo de prognose favorável;
- não poderia ser afastada a aplicação do regime dos jovens delinquentes ao Recorrente, e, em consequência, à atenuação especial da pena nos termos dos artigos 72.º e 73.º CP;
- ainda que não fosse aplicado o regime previsto no artigo 4.º do Decreto Lei 401/82, a medida da pena sempre seria excessiva e desadequada, em conformidade com o previsto nos artigos 40.º e 71.º CP, por isso injusta e ilegal, superando em muito a adequação, necessidade e proporcionalidade exigidas na determinação da medida da pena perante a gravidade dos factos - estão em causa 2 furtos de baixo valor (um deles de apenas €100) e que no seu conjunto não ultrapassarão os 1.000€, o que atenua fortemente a gravidade dos factos e conduta, sendo factos já com 7 anos, tempo transcorrido que também deverá ter consequências na ponderação e juízos de prognose, que não teve.
- sete anos volvidos, além do tempo transcorrido, verifica-se uma postura assaz diferente do recorrente, com uma dinâmica relacional, social e familiar consolidadas, que surgem pautadas pela cooperação e suporte, verifica-se hoje uma inserção laboral, vínculos afetivos criados numa relação a dois e o nascimento de um filho - com o tudo que de transformador traz a um indivíduo e especialmente passada a fase da adolescência e de jovem adulto - contexto familiar, profissional e social que, nas atuais circunstâncias de tempo já pode ser caracterizado como estável e duradouro - factos julgados provados mas dos quais não foram extraídas quaisquer consequências, como se impunha, em sede de juízo de prognose, condições pessoais que não poderiam deixar de ser consideradas na escolha, medida e ponderação da suspensão, mas não foram, em clara violação do artigo 71.º/2 alínea d) CP;
- a determinação do grau de ilicitude dos factos deve refletir o modo e participação do arguido na execução do crime, o valor dos objetos furtados e os prejuízos resultantes das apropriações, sendo que perante o reduzido valor dos bens furtados e dos estragos causados, o grau de ilicitude sempre é diminuto;
- a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base um juízo de prognose favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime;
- à data do cometimento dos crimes em apreço nos autos
i) não havia sido, como nunca foi condenado por um crime da mesma natureza,
ii) estando atualmente inserido numa família estruturada e funcional,
iii) com um relacionamento afetivo duradouro,
iii) tendo um filho menor ainda bebé (atualmente com 23 meses), e um emprego estável;
iv) sendo ainda um jovem com 26 anos de idade, não praticou qualquer crime nos últimos 4 anos e nunca foi condenado a pena de prisão efetiva anteriormente, pelo que deve entender-se ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido em termos de poder fundamentar a suspensão da execução da pena;
- os antecedentes criminais não inviabilizam imperativamente a formulação de um juízo de prognose favorável, principalmente por se tratar de crimes de diferente natureza relativamente aos crimes em causa nos presentes autos, pois nenhum dos anteriores ou posteriores atentava contra o património, e terem passado 4 ou mais anos sobre a prática dos mesmos.
Finalmente, defende que atentas as circunstâncias da sua vida atual, com 26 anos, uma vida profissional estruturada, um contexto familiar estável, com um filho atualmente com 23 meses, numa idade em que é tão fundamental a presença dos progenitores, atenuada a pena originária em medida não superior a 2 anos, no limite, sempre o cumprimento de eventual pena de prisão, caso não se optasse pela suspensão, sempre poderia e deveria ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por suficiente e adequada ao fim da pena, nos termos do artigo 43.º CP.
4. Vejamosse os arguidos têm razão. 4.1. Desde logo, incumbe afirmar que ao contrário do que defende o arguido AA a decisão recorrida não evidencia falta de fundamentação.
Manifestamente que o arguido confunde falta de fundamentação com discordância sobre os fundamentos aduzidos – através da alegação de erros de julgamento - para suportar todas as questões de cujo sentido de decisão afinal, mostra discordar.
São realidades processuais absolutamente distintas, com abordagens e consequências, naturalmente, diversas.
A primeira a importar a nulidade da decisão e a segundo a revogação por erro na aplicação do direito.
A decisão recorrida fundamenta, em absoluto, todas as tomadas de decisão sobre todas as questões de que o arguido discorda.
E, assim sendo a forma de contra ela reagir, não será através da invocação daquele vício, gerador de nulidade, mas sim, como de resto o arguido faz, da tentativa de demonstrar a existência de vários erros de julgamento, erros no caso sobre aplicação do Direito e da consequente violação de várias normas legais.
Improcede, assim, este segmento do recurso.
4.2. A aplicação do regime penal especial para jovens.
O pano de fundo de ambos os recursos é o facto de os mesmos terem sido julgados e condenados no ano de 2025, por factos praticados em Fevereiro de 2018, quando um tinha 17 e o outro 19 anos de idade, o que não pode deixar de ser enquadrado, normativamente no âmbito do artigo 6.º/1 da CEDH, segundo o qual, “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…)”.
Dispõe o artigo 9.º CP, sob a epígrafe de “Disposições especiais para jovens”, que “aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
E aqui se insere o Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro que, estatui o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.
No Preâmbulo deste Diploma legal refere-se, “4. O princípio geral imanente em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão-só uma medida correctiva. Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se se facilitará aquela reinserção. (…). 7. As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”.
Por sua vez, o seu artigo 1.º, sob a epígrafe de “Âmbito de aplicação”, dispõe que, “1 – O presente diploma aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime. 2 – É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido 21 anos. 3 – O disposto no presente diploma não é aplicável a jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica”.
E, o artigo 4.º, sob a epígrafe de “da atenuação especial relativa a jovens” que, “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Esta remissão refere-se à redacção originária do CP, devendo considerar-se feita, hoje, para os artigos 72.º e 73.º, na sua actual versão.
O regime especial para jovens nas palavras do Professor Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, 600) consagra um regime específico, ao nível das consequências jurídicas do crime, que tem em conta as especiais necessidades de (re)socialização suscitadas pelos jovens delinquentes
O regime penal especial para jovens tem, assim, por fundamento a aceitação da especificidade da delinquência dos jovens pré-adultos e adultos e seu reflexo na aplicação de penas de prisão.
O regime penal especial para jovens deve ter aplicação sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos – agente com mais de 16 anos e sem ter completado 21 anos na data da prática dos factos e existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social – deve a atenuação especial da pena – em que se objectiva tal regime especial – ser decretada se se concluir existirem razões sérias para, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, a personalidade do agente e as perspectivas da sua evolução, acreditar que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a ressocialização do jovem condenado, sem prejuízo de à aplicação da atenuação se oporem as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico.
Considerações doutrinárias coincidentes com a jurisprudência uniforme e constante do STJ e, que também aqui se têm por corretas e, por isso, se acolhem, cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 7.11.2007, processo 07P33214, 31.03.2016, processo 499/14.8PWLSB.L1.S1-5.ª, 25.10.2023, processos 271/21.9JALRA.C1.S1 e 691/22.1JAPRT.S1, 26.10.2023, processo 911/21.0JALRA.L1.S1-5.ª, 6.12.2023, processo 710/22.1PEAMD.L1.S1, 31.01.2024, processo 2540/22.1JAPRT:P1.S1-5.ª e, o mais recente, de 3.4.2025, processo 339/23.7PQLSB-5.ª, todos consultados no site da dgsi.
Como se refere neste último “não se duvida, cremos, que o juízo de censura a exercer sobre um jovem que pratica um crime, deve ser menos exigente do que o exercido sobre um agente não jovem do mesmo crime, pois aquele terá, em regra, uma personalidade ainda em formação, tendencialmente mais impulsiva, irreflectida e susceptível a influência de terceiros, do que a personalidade já plenamente formada de um adulto. Também não suscitará reservas a afirmação de que a capacidade de um jovem delinquente se ressocializar será superior à de um delinquente adulto”. E é precisamente esta a ideia que ressuma da letra do artigo 4.º do Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro, quando estabelece como condição da atenuação especial nele prevista, que da sua aplicação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, colocando o acento tónico, inequivocamente, na prevenção especial de ressocialização. Em suma, a atenuação especial da pena é de aplicar, sempre que ocorram razões sérias para crer que dela resultam vantagens para a ressocialização do jovem condenado, e não existam nem devam sobrepor-se importantes razões de prevenção geral. Ou, dito de outro modo, a atenuação especial da pena será aplicada sempre que não existam circunstâncias especiais que o desaconselhem por o jovem revelar uma personalidade de difícil conformação com a ressocialização, ou quando a essa aplicação se não oponham inalienáveis exigências de prevenção geral”.
Baixando ao caso concreto.
Atentemos agora nos pressupostos de cuja verificação depende a aplicação do regime previsto no artigo 4.º do Decreto Lei 401/82 – de que depende, afinal, a atenuação especial da pena.
O primeiro pressuposto previsto no artigo 1.º/2 é o de o agente, à data da prática do crime, ter completado 16 anos e não ter ainda atingido os 21 anos.
Está manifestamente verificado este pressuposto de ordem formal, em relação a ambos os arguidos, sendo que a verificação deste pressuposto não suscita qualquer dificuldade de comprovação, por se tratar de um dado de facto objectivo, a sua idade.
Já não assim, relativamente ao segundo pressuposto, que requer algum esforço de densificação.
O segundo pressuposto, de natureza material e substantiva, é o de que, existindo razões sérias para acreditar que da atenuação especial da pena de prisão resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, ela deve ter lugar.
E, é, aqui, naturalmente, que surge a discordância de ambos os arguidos, para com a decisão recorrida.
A existência de um regime penal especial para jovens não significa que o mesmo tenha de ser aplicado, sempre que o agente do crime é um jovem.
Nem de forma necessária, nem de forma obrigatória, nem de forma automática.
Significa apenas que, o tribunal, perante um crime punível com prisão, cometido por jovem com idade entre 16 e 21 anos, tem a obrigação de ponderar, à luz dos critérios enunciados, se deverá ou não atenuar especialmente a pena.
Estamos, pois, perante um verdadeiro poder-dever.
No caso de arguido com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam “as sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
E se for cado de se concluir pela sua verificação não pode deixar de se atenuar especialmente a pena.
Este regime assenta na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, não só porque a sua capacidade de ressocialização é mais fácil – por se encontrar no limiar da maturidade – como ainda porque se deve evitar, em princípio, um tratamento estigmatizante.
São critérios de prevenção especial de socialização que devem presidir à sua aplicação.
Tudo dependerá do juízo que se formular quanto às vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem, sendo imprescindível, sempre, um juízo de prognose favorável objectivamente fundado no carácter evolutivo e na capacidade de ressocialização do jovem.
Regime cuja aplicação terá sido pensada tendo em vista uma determinada realidade e com um campo de aplicação privilegiado, em que o crime constitui um episódio isolado na vida do jovem.
Donde, apenas será caso de aplicação, quando o Tribunal ficar convencido de que traz reais vantagens para a reintegração social do jovem delinquente, sendo que tal juízo, naturalmente, não radica em qualquer mero subjectivismo, antes devendo assentar em factos concretos que permitam concluir que a moldura penal abstracta correspondente ao crime praticado, por excessiva, não cumpre os fins da socialização do arguido jovem.
É evidente que em abstracto, desde que a pena seja menor, em qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização.
Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o jovem delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de actos da mesma natureza dos praticados.
E, por absolutamente paradigmático e indesmentivelmente pertinente para a apreciação desta matéria, não resistimos a citar, aqui e agora, o acórdão, invocado pelo arguido BB a sustentar a sua tese, o primeiro dos acima mencionados, do STJ, de 7.11.2007, onde se entendeu que, “a aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – artigo 5.º do DL 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção. As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade. A plasticidade do modelo deve permitir logo uma leitura e interpretação dos pressupostos de aplicação, moldadas pela consideração individualizada do caso e do indivíduo na singularidade das condições do percurso de vida, que moldam as vivências que, muitas vezes, não procurou, mas que se lhe impuseram e das quais não tem meios para encontrar uma saída, nem acompanhamento ou apoio de reversão de situações problemáticas. Na complexidade das sociedades modernas, urbanas, massificadas e com factores acrescidos de desestruturação e de desenraizamento nos meios da imigração, as dificuldades económicas, escolares e de formação, e as consequentes fracturas sociais, induzem fenómenos de isolamento, de afastamento ou mesmo de rejeição, com a assunção de comportamentos desviantes; o consumo e os tráficos de estupefacientes de pequena escala e a criminalidade conexa contra a propriedade como maior ou menor violência associada, são campos onde o fenómeno apresenta manifestações que confrontam a sociedade a um tempo com os sentimentos ambivalentes de insegurança e com as sua próprias responsabilidades. É neste confronto extremo que, por vezes, casos singulares se apresentam paradigmáticos”.
A decisão recorrida entendeu não ser de atenuar especialmente a pena, por via da aplicação do regime aplicável aos jovens adultos, tendo em atenção que no caso de ambos os arguidos inexistiu qualquer laivo de arrependimento, sendo certo que, qualquer deles apresentam já antecedentes criminais, particularmente vastos e, por conseguinte já não traria aos arguidos quaisquer vantagens em termos de reinserção social, antes se impondo a aplicação de penas que neles tenham um efeito incisivo no sentido da correção do seu reiterado comportamento criminal, ié., não estamos perante arguidos a quem deva ser dada uma primeira oportunidade de ressocialização, mas perante arguidos que enveredaram, cada um em sua medida, em condutas de repetição.
Curiosamente, ou não, não se invocou o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos. “E, bem, dizemos nós, já que natureza e a gravidade do ilícito não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo. O que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para o juízo de prognose no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa. Os factos, porém, não revelam por si, nem neles se manifesta, ostensiva e claramente, uma personalidade, ou tendências de personalidade desvaliosas. As circunstâncias revelam, antes, um comportamento próprio das pequenas violências urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil, muitas vezes de primeiro grau, e que impõe o combate por meio da utilização de instrumentos de recomposição, evitando, na maior medida possível, as reacções institucionais e o contacto com o sistema prisional”, como, expressivamente, se entendeu no referido acórdão do STJ de 07-11-2007 (proc. n.º 07P3214, www.dgsi.pt).
A gravidade do ilícito típico praticado não pode, por si, constituir fundamento para arredar a aplicação do regime penal especial para jovens, sob pena de o mesmo só poder ser aplicado à pequena e média criminalidade quando, segundo cremos, é nas penas de prisão de maior dimensão que a sua atenuação especial, verificados que sejam os respectivos pressupostos, pode alcançar melhores efeitos ressocializadores.
Sendo, certo, contudo, que, por outro lado, não pode deixar de ser ponderada essa gravidade para, conjuntamente com outros factores, se decidir, ou não, pela atenuação especial.
Como vimos já, na decisão recorrida não se fez apelo ao próprio facto criminoso, apenas se invocou a questão da postura processual dos arguidos em julgamento, vertida no facto de não terem prestado declarações, bem como os antecedentes criminais particularmente vastos.
Poderia, desde logo, questionar-se se o excerto transcrito, em que é tratada e decidida a questão da aplicação ao arguido do regime penal estabelecido no Decreto-Lei 401/82, traduz, ou não, uma efectiva e suficiente ponderação e fundamentação para a decisão da sua não aplicação.
Cremos, contudo, que, apesar da forma breve e sucinta, como está fundamentada, a decisão recorrida ponderou a aplicação de tal regime, assim cumprindo o “poder-dever” que a lei lhe impunha, face à idade do arguido à data da prática dos factos e ao princípio de que ele constitui o “regime regra” a equacionar necessariamente perante crimes cometidos por jovens com idades entre os 16 e os 21 anos, embora não seja de aplicação automática nem obrigatória, antes reclamando uma apreciação casuística e à luz de todas as circunstâncias apuradas no processo que permitam ao juiz “ter sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
E, apesar da sua concisão, a decisão recorrida acaba por deixar evidenciadas as concretas razões e os fundamentos em que assentou o juízo de inviabilidade de, neste caso, se poder extrair dos factos provados a conclusão da existência de sérias razões para acreditar que da atenuação especial resultassem vantagens para a reinserção social dos arguidos.
Assim, quanto à postura de ambos os arguidos em audiência, que foi entendida como não revelando qualquer arrependimento ou juízo de autocensura.
Tem sido entendimento invariável da Jurisprudência que, desde logo, a não confissão, o não arrependimento, a não prestação de declarações não são factos que devam ser julgados como provados, desde logo, o que impede a sua posterior valoração. Dado que o Direito apenas se aplica aos factos provados. Em relação aos pedaços da vida real, em que se traduzem, afinal, os factos positivos, naturalmente.
Por outro lado, o silêncio (que é um não-acto), sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios.
Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender ter sido prejudicado pelo seu silêncio.
É claro que no caso, o arguido. remetendo-se ao silêncio, quanto aos factos que lhe eram imputados, teria sempre ainda assim, o direito de ser ouvido sobre as suas condições de vida e de sobre tal matéria se pronunciar. E, nas últimas declarações, ainda, assim poderia ter verbalizado os sentimentos que o dominavam.
O que de alguma forma poderia ser entendido como contraditório com o que quer que fosse, atinente com o facto de ter exercido o direito de não prestar declarações, ou como assunção de responsabilidade e de culpa.
Não se pode é perante o absoluto silêncio do arguido invocar o facto de não ter revelado qualquer arrependimento ou juízo de autocensura.
Com efeito nem revelou nem deixou de revelar e, como se sabe da não prova de um facto positivo não se pode afirmar o seu contrário – o facto negativo.
Se não foi produzida prova sobre determinado facto, não se pode afirmar nem o facto positivo nem o seu contrário, nada se podendo ter como assente ou não assente.
E, daí, os arguidos não podem ser prejudicados pelo facto de não terem prestado declarações. Perderam foi a oportunidade de trazer ao processo factos que os poderiam beneficiar.
O que não significa que se haja provado que não demonstrou nem arrependimento nem auto-censura.
Ademais, avançando mais um pouco, pode-se dizer, sem rebuço, que se quem confessa, quem demonstra arrependimento e auto-censura pode ser beneficiado desses factos – e, deve, de resto, ser advertido, logo no início do julgamento, para esse facto - já, carece de fundamento ser prejudicado pelo facto de o não fazer.
Com efeito aquela omissão apenas tem o condão, a virtualidade o efeito de não poder beneficiar das ditas circunstâncias atenuantes. E, já não, passar a ver serem-lhe aplicadas, ao jeito de contraponto, como agravantes.
Quanto ao segundo fundamento, a conclusão sobre a existência, ou não, das ditas razões sérias para acreditar que da aplicação da atenuação especial resultam vantagens para a ressocialização do arguido, terá de resultar da análise conjunta do circunstancialismo de facto provado relativo à prática do crime, das condições pessoais do agente, do seu percurso de vida e da sua personalidade.
E, se assim é, então, o arguido BB não tinha – absolutamente - antecedentes criminais, à data da prática dos factos.
É certo que se aos 17 anos o arguido já tivesse antecedentes criminais tal teria um significado e um necessário efeito negativo na ponderação da aqui exigida prevenção especial.
Mas, o certo é que não tinha, o que nada adianta e menos ainda, impressiona, uma vez que o arguido era, então, imputável criminalmente há apenas 1 ano.
Realidade, assim, com significado e relevância diminutas no caso.
É certo que no mesmo contexto de tempo, em apenas 4 meses, o arguido BB cometeu este crime e outros dois pelos quais foi já julgado e condenado e com as penas de prisão suspensas na sua execução, entretanto, julgadas extintas.
Este quadro não é suscpetível de alterar, só por si, decisivamente a apreciação dos pressupostos de que depende a aplicação do regime especial para jovens.
Esta situação aponta para uma conexão de circunstâncias envolvidas numa conjunção em que se manifestam os mesmos problemas próprios de uma situação de latência social a exigir um tratamento e uma abordagem conjunta.
O que, inequivocamente, resulta do quadro de facto apurado, como se refere no acórdão citado do STJ de 07-11-2007, “traduz uma singularidade que necessariamente interpela a sociedade, os seus poderes e instituições, os limites das respostas normativas e institucionais hão-se ser equacionados certamente até ao máximo das possibilidades que permitem, na concordância prática entre as exigências dos pressupostos, o sentido dos institutos e a plasticidade das reacções. Nesta perspectiva, o regime com primeira vocação de aplicabilidade será, como vem sustentado na motivação de recurso, o regime penal de jovens, tomada a especificidade do caso, desde logo, no nível de consideração da exigência dos pressupostos. Por outro lado, as dificuldades que resultam da inexistência de amparos sociais e familiares não devem no plano dos pressupostos do regime de jovens ter a leitura negativa que parece resultar da decisão recorrida: Com efeito, as condições difíceis em que tem vivido existem antes e à margem do recorrente, e por isso não deverão impedir um juízo favorável, ou melhor, constituir-se em juízo desfavorável: só perante a criação de algumas condições possíveis no encaminhamento na direcção dos valores se poderá testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade do recorrente. Numa situação de paradigma como a que vem descrita, o fundamento da prognose deve ser enquadrado pelo lado da ponderação negativa: o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção. A este propósito, o relatório social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes. Os elementos disponíveis possibilitam, na dúvida, um juízo que lhe não deve ser desfavorável ao recorrente. (…) Os factos, considerados no seu conjunto, fazem emergir a prevalência das finalidades político criminais que estão no fundamento do regime de jovens: assegurar, na maior extensão possível e compatível com as exigências de prevenção geral, as finalidades de ressocialização e de integração do jovem condenado nos valores da comunidade. As condições precárias em que o recorrente viveu – no passado e que hoje persistem - não permitem um juízo categórico sobre as características da sua personalidade, não podem ser negativamente valoradas contra si, uma vez que também se não provaram factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica”.
Dizer, da forma simplista e definitiva que perante os antecedentes criminais, particularmente vastos, a aplicação do regime especial para jovens já não traria aos arguidos quaisquer vantagens em termos de reinserção social, porque não estamos perante arguidos a quem deva ser dada uma primeira oportunidade de ressocialização, mas perante arguidos que enveredaram, cada um em sua medida, em condutas de repetição, traduz uma visão redutora, limitada, desalentadora, sem qualquer repercussão na perspectiva de melhorar a realidade da vida dos arguidos.
Mas, essencialmente, destituída de fundamento fáctico, desde logo, em relação ao arguido BB.
Esta afirmação revela um, assaz, incompreensível erro de percepção da realidade e depois, uma errada leitura do texto legal, realidade que interpela toda a sociedade, olvidando que o homem é ele próprio e a sua circunstância. Que a realidade é dinâmica e que a forma eficaz, prospetiva, de futuro e pedagógica de combater o crime, mormente a delinquência juvenil nos meios urbanos, se terá que fazer não, simplisticamente, pela via mais fácil, através da reclusão, mas, enfrentando e combatendo as causas próximas e remotas.
Numa abordagem sistémica que incida, desde logo, sobre a prevenção, Através da educação, do apoio das instituições sociais públicas de acompanhamento, de orientação, daqueles que, por uma razão ou por outra, não revelam apetência nem aproveitamento escolar.
De forma a que todos tenham iguais oportunidades no sistema de educação, em vista do desenvolvimento de capacidades numa perspectiva de promoção da inclusão e participação na vida comunitária, da prevenção de comportamentos de risco e de preparação, habilitação para o ingresso na vida profissional.
E, depois, fazer uma abordagem em que se coloque o acento tónico na reintegração do agente, que, não obstante, delinquiu.
O contexto da prática dos factos revela, desde logo, uma inusitado demora no julgamento destes factos, quando factos da mesma ocasião, foram já julgados e, mesmo declaradas extintas as penas em que o arguido foi condenado.
Factos - os dos 3 primeiros processos – praticados numa janela temporal de cerca de 4 meses, todos eles que deveriam, de resto, ter sido apreciados em conexão, em termos de concurso real.
Se assim tivesse acontecido, já a pena única aplicada, por todos eles, estaria extinta.
Tal não aconteceu e ao fim de 7 anos, esta pena surge aqui como um verdadeiro facto anormal e inusitado.
Um facto anormal, quer em termos de administração da justiça, como especialmente, agora, no tratamento e abordagem que foram feitas ao arrepio do que se deve entender como um direito penal humanista, deixando, antever, pelo contrário, um direito penal securitário, porventura com a aplicação das regras legais sem a devida leitura integrada da realidade e do contexto dos factos.
É certo que ainda assim subsiste um outro crime praticado dois anos depois destes 3. Ainda assim, factos sobre os quais já decorreram 5 anos – período durante o qual a vida do arguido mudou.
Aparentemente, por casa deste processo, porventura da aplicação de prisão preventiva. Ou por causa do regime de prova imposto. Porventura, por uma conjugação dos dois factores. Sem dúvida, porém, é que também esta pena está extinta.
E o que temos, então, agora - depois de condenado o arguido em 3 ocasiões, com penas, entretanto, extintas – o julgamento, e a condenação, em pena de prisão efectiva, pelo primeiro crime que cometeu na vida e decorridos 7 anos sobre a prática dos factos a que se reportam os autos.
Cinco anos depois, como vem abundantemente provado, de ter virado a página da delinquência juvenil e ter passado a ter responsabilidades familiares, desde logo e, também, com a integração estável no mercado de trabalho.
Todos estes factos, lidos nesta perspectiva, não podem deixar de traduzir a pertinência das razões invocadas no recurso.
O conjunto dos factos provados não evidencia, apesar de tudo, um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da integração do arguido num mundo afastado do crime e externamente condizente com o cumprimento das regras que regulam a vida em sociedade.
Cremos assim, que a leitura integrada do complexo das condições pessoais do arguido aconselham uma interpretação mais plástica dos pressupostos de que depende a aplicação do regime penal de jovens previsto no Decreto Lei 401/82, com a atenuação prevista no artigo 4.º, porquanto a sua idade e as suas condições e contexto de vida fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reintegração.
Procede, assim, este segmento do recurso.
Vejamos agora a situação do arguido AA.
Tudo o que vem de ser dito tem aplicação a este arguido, sendo que, contudo, o ponto de partida é diverso.
Com efeito à data da prática destes factos, Fevereiro de 2018, então com 19 anos de idade, o arguido já tinha sido julgado e condenado,
- por sentença de 28.04.2015, transitada em julgado a 26.05.2015, pela prática a 5.06.2014 de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa substituída por 170 horas de trabalho a favor da comunidade;
- por sentença de 1.02.2018, transitada em julgado a 5.03.2018, pela prática a 20.03.2016 de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, em pena de multa, também, posteriormente substituída por 320 dias de trabalho a favor da comunidade e, mais tarde convertida em 134 dias de prisão subsidiária.
E, depois veio a ser julgado e condenado por factos ocorridos posteriormente aos deste processo,
- por sentença de 25.08.2020, transitada em julgado a 30.09.2020, pela prática a 30.09.2020 de um crime de detenção de arma proibida, em pena de multa;
- por sentença de 6.05.2021, transitada em julgado a 21.05.2021, pela prática a 26.03.2019 de um crime de ofensa à integridade física simples, em nova pena de multa;
- por sentença de 7.01.2022, transitada em julgado a 14.02.2022, pela prática a 4.10.2020 de um crime de violência doméstica, em pena de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, posteriormente prorrogado;
- por sentença de 27.11.2023, transitada em julgado a 9.01.2024, pela prática a 16.01.2021 de um crime de injúria agravada, em pena de prisão suspensa na sua execução.
É verdade que aqui em causa estão 2 furtos, cujo valor não ultrapassará, no total, os € 1.000,00, um simples e um qualificado.
Como é verdade que, entretanto, constituiu família, tem uma companheira e um filho bebé e esta integrado em termos laborais; é a sua primeira condenação pelo crime de furto; todas as condenações se reportam a factos de quando tinha entre 16 e 22 anos de idade; não foi condenado por factos praticados nos últimos 4 anos, entre os 22 e os 26 anos.
Mas o certo é que o dito pano de fundo retrata que o arguido aos 19 anos já tinha duas condenações anteriores, ainda que por crimes diversos. O que naturalmente, não constitui qualquer factor de atenuação. Ninguém tem o direito de praticar - tão pouco o direito de ser tratado com maior indulgência – pela primeira vez um crime que nunca praticou antes.
Numa outra perspectiva a diversidade de crimes cometidos até sugere uma personalidade mais perigosa e mais desconforme com o Direito, do que a daquele que pratica sempre o mesmo tipo de crime.
E, assim, concluímos que não obstante o muito tempo entretanto decorrido, os antecedentes criminais do arguido ao tempo da prática destes factos impedem se considere existirem sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social.
O que é válido, numa leitura retrospectiva e actual dos factos. Ao tempo tal não poderia ser afirmado. Da mesma forma, actualmente, tal não se pode afirmar.
Não é o mero decurso do demasiado tempo que altera os dados da questão.
Quer agora ao fim de 7 anos que então, no imediato, a conclusão sempre seria a mesma – a não verificação dos pressupostos de que depende a aplicação do regime especial para jovens, pois que não existem razões de facto para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do arguido, quando estamos a falar da 3.ª condenação, relativamente, em termos cronológicos, a factos praticados com apenas 19 anos de idade.
Improcede, assim este segmento do recurso.
4.3. Consequências em relação ao arguido BB.
Com o que vem de ser decidido fica naturalmente, prejudicado conhecimento da outra via pela qual o arguido pretendia obter a atenuação especial da pena – que obteve por via da aplicação do regime penal especial para jovens - agora, pela aplicação do artigo 72.º/1 e 2 alínea d) CP.
4.3.1. Medida da pena.
O arguido vem condenado pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) e 2 alínea e), com referência ao artigo 202.º alínea d) CPenal, a que corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 2 a 8 anos.
Por via da atenuação especial, nos termos do artigo 73.º/1 alíneas a) e b) CP, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo é reduzido ao mínimo legal.
Assim, ao crime de furto qualificado pelo n.º 2 do artigo 204.º CPenal, passa a corresponder a moldura penal abstracta de prisão de 30 dias a 5 anos e 4 meses de prisão.
Nesta moldura, há que ter em consideração – como se entendeu na decisão recorrida – que, “- o dolo revelado pelo arguido foi direto, circunstância que caracteriza a gravidade da violação jurídica perpetrada e revela que o grau de ilicitude e de culpa subjacente à ação é elevado; - quanto ao crime de furto qualificado constata-se que são bastante elevadas as exigências de prevenção geral, nomeadamente tendo em conta, como é bem sabido, a generalização que se tem verificado em relação à prática de crimes contra o património; - na perspetiva da prevenção geral, entendemos assim que a conduta do arguido, atento o seu modo de execução, é suscetível de revelar um grau considerável de contrariedade à ordem jurídica, gerando preocupação de defesa dos bens jurídicos comunitários, tanto mais atenta a frequência como são praticados estes crimes, e bem ainda o perigo e o alarme social que representam para a comunidade os crimes contra o património; - no que concerne às exigências de prevenção especial, conforme já acima se aludiu, constata-se que o arguido apresenta já um impressionante historial criminal, alcançado num curto espaço de tempo, o que é bastante ilustrativo de uma forma de estar reveladora de grande contrariedade ao direito que suscita fortes preocupações do ponto de vista da prevenção especial”.
Da mesma forma, aqui não se valorará, naturalmente, que inexiste qualquer sentido crítico ou laivo de interiorização do desvalor da conduta que o tribunal possa valorar em termos favoráveis.
E, assim, julgamos adequada e justa a imposição ao arguido de uma pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
4.3.2. A suspensão da execução da pena.
Nos termos do artigo 50.º/1 CP “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Segundo o n.º 5 da mesma norma o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena traduz um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.
Não são considerações de culpa que devem aqui ser ponderadas, mas prognósticos sobre o desempenho futuro da personalidade do arguido, perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes (cfr. Professor Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências do Crimes, 337 e ss).
Todavia, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição - artigos 40.º/1 e 50.º/1 do CP - nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que “só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto” - cfr. op. cit., 344.
A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
A pena de prisão em medida não superior a cinco anos deve, em princípio, ser suspensa na execução, a não ser que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, e a suspensão da execução for desaconselhada por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido em cuja base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial, o que não significa, contudo, discricionário nem arbitrário.
Há que ponderar, de forma articulada e conjugada, sobre a personalidade do arguido, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta anterior e posterior e sobre o circunstancialismo envolvente à prática do crime.
No caso concreto, cremos que a natureza do instituto, as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação, permitem concluir que a suspensão da pena será adequada à apurada situação e ao contexto envolvente do arguido.
O prognóstico sobre o seu desempenho futuro não é desfavorável. Tudo aponta que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena serão suficientes para satisfazer as apontadas necessidades de prevenção da reincidência.
Afinal, a oportunidade que o arguido aqui peticiona.
Assim se decreta a suspensão da execução da pena pelo período de 2 anos.
4.3.3. Condições da suspensão da execução da pena.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples ou subordinada ao cumprimento de deveres, ou à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova - cfr. artigo 50.º/2 e 3 CP.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de irremediável e definitiva fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
Naturalmente, que no quadro apurado se justifica, no sentido de melhor promover a sua inserção, a sua reintegração na sociedade, que a suspensão da execução da pena seja acompanhada de regime de prova, imposta, de resto, no caso de arguido com menos de 21 anos, ao tempo do crime, obrigatoriamente, nos termos do artigo 53.º/3 CP.
Regime de prova que, nos termos do artigo 53.º/2 CP, assenta num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão.
Por outro lado, dispõe o artigo 51.º/1 alínea a) CP que “a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea”.
Este dever de reparar o mal do crime, através da obrigação do pagamento da indemnização, como condição da suspensão da execução da pena tem uma função adjuvante da realização da finalidade da punição, fazendo sentir à comunidade e ao arguido os efeitos da condenação.
A imposição desta condição representa um esforço e implica um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas do crime, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também como elemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade - cfr. acórdão do STJ de 13-10-1999, proc. n.º 665/99, sumariado por Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 1.º, Rei dos Livros, 2002, 681.
A imposição desta condição deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da proporcionalidade que são ideias básicas do Estado de Direito.
E, assim, dispõe o artigo 51.º/2 CP que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” – que o arguido invoca a propósito da condição para a concessão do perdão.
O que deixa aberta a possibilidade de se fixar como dever o pagamento apenas parcial do valor da indemnização, para os casos em que o Tribunal concluir que só este é concretamente exigível.
A traduzir a ideia de que o arguido deve apenas pagar aquilo que puder, no limite das suas forças - cfr. Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, 48.
Para que o tribunal fixe o dever, total ou parcial, de indemnizar não é necessário que o lesado tenha deduzido essa pretensão, como, da mesma forma, não é impeditivo da sua fixação que o lesado tenha deduzido e tenha logrado obter essa pretensão.
Nesta última situação a condição reportar-se-á ao pagamento da totalidade ou de parte da indemnização civil arbitrada.
Do que vem de ser dito e, obviamente e sem antecipar o que se dirá em sede de ponderação do valor da indemnização, que oficiosamente foi fixada, cremos resultar absolutamente justificada, no caso concreto, a imposição de uma condição desta natureza à decretada suspensão da execução da pena.
Tendo presente as reais e potenciais capacidades de pagamento por parte do arguido e o período de 2 anos em que vigorará o período da suspensão da execução da pena e ponderando todos os critérios supra enunciados, afigura-se-nos ajustado fixar como condição o pagamento do valor de € 500,00 ao proprietário do estabelecimento onde foi cometido o furto.
Com vencimento ao fim do 1.º e do 2.º ano do período da suspensão da execução da pena, a ser documentada nos autos, em 30 dias.
Com o que vem de ser decidido fica excluída a possibilidade da aplicação, desde já, do perdão da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, pois que o seu artigo 3.º/1 alínea d) dele exclui a suspensão da execução da pena subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
4.4. Arguido AA.
O arguido vem condenado pela prática de,
- um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º/1 CPenal na pena de 10 (dez) meses de prisão;
- de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) e 2 alínea e), com referência ao artigo 202.º alínea d) CPenal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão,
- em cúmulo jurídico, pena única de 3 (três) anos de prisão.
4.4.1. Escolha da espécie da pena quanto ao crime de furto simples.
Nesta sede começa o arguido por defender que em relação ao crime de furto simples, o artigo 203.º CP prevendo a punição com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, então, nos termos do artigo 70.º CP se deve dar preferência à pena não detentiva.
Carece de fundamento este segmento do recurso, pois que uma vez que o arguido vem sancionado pela prática, em concurso real, de dois crimes, necessariamente, em relação a um deles, punido com pena de prisão, a aplicação de pena de multa em relação ao outro colocaria em causa a unidade do sistema jurídico, como vem sendo, invariavelmente, entendido.
4.4.2. Medida das penas parcelares.
Por outro lado, invocando a violação do artigo 71.º/2 alínea d) CP, “condições pessoais e situação económica”, defende que as penas parcelares são injustas e ilegais, superando em muito a adequação, necessidade e proporcionalidade exigidas na determinação da medida da pena perante a gravidade dos factos, isto porque estão em causa 2 furtos de baixo valor (um deles de apenas €100,00) e que no seu conjunto não ultrapassarão os € 1.000,00, o que atenua fortemente a gravidade dos factos e da sua conduta, com grau de ilicitude diminuto, sendo factos já com 7 anos, sendo que actualmente está inserido em termos familiares, profissionais e sociais.
Como vimos já a este propósito considerou a decisão recorrida que, “- o dolo revelado pelo arguido foi direto, circunstância que caracteriza a gravidade da violação jurídica perpetrada e revela que o grau de ilicitude e de culpa subjacente à ação é elevado; - são bastante elevadas as exigências de prevenção geral, nomeadamente tendo em conta, como é bem sabido, a generalização que se tem verificado em relação à prática de crimes contra o património; - na perspetiva da prevenção geral, entendemos assim que a conduta do arguido, atento o seu modo de execução, é suscetível de revelar um grau considerável de contrariedade à ordem jurídica, gerando preocupação de defesa dos bens jurídicos comunitários, tanto mais atenta a frequência como são praticados estes crimes, e bem ainda o perigo e o alarme social que representam para a comunidade os crimes contra o património; - no que concerne às exigências de prevenção especial, conforme já acima se aludiu, constata-se que o arguido apresenta já um impressionante historial criminal, alcançado num curto espaço de tempo, o que é bastante ilustrativo de uma forma de estar reveladora de grande contrariedade ao direito que suscita fortes preocupações do ponto de vista da prevenção especial”.
Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71.º CP - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Com efeito, o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.
Ultrapassada que está a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena (onde, coincide a aplicada nos autos) o do ponto médio da sua moldura abstracta, bem como o de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada, temos que a operação de determinação da medida da pena, se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Dispõe o artigo 40.º do CP que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
As finalidades da pena são, assim, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40.° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas:
- protecção de bens jurídicos,
- socialização do agente do crime,
- sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
Por sua vez, nos termos do artigo 71.º/1 e 2, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Considerando, nomeadamente, nos termos do n.º 2 desta norma: “a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência: c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.
A culpa constitui, assim, o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial.
Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa - artigos 40.º/2 e 71.°/1.
Isto é, se a culpa constitui o fundamento e o limite da pena, as suas finalidades são a prevenção geral e especial.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Professor Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” - Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados.
Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição da norma jurídica violada e, este será o limite mínimo da pena concreta.
A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações, por si, feitas, que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.
Tendo, então, presente que a culpa constitui o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial, a propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena apenas há que ponderar e extrair ilações dos factos provados, que se repercutam na operação de determinação da medida concreta da pena, não podendo este Tribunal imiscuir-se nem nos factos, nem criticar as ilações deles retiradas, porque a sua intervenção está reservada à matéria de direito.
As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração. E tal proporcionalidade deve atender a todos os contornos da infração.
E, no caso concreto, não se mostra que tenham sido ponderadas circunstâncias que não o devessem ser ou deixado de ponderar outras que o devessem se:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
Estamos perante a violação de um bem jurídico de grande importância na vida em sociedade, propriedade dentro do património, ainda que, por meios e com consequências, com valores a deixar transparecer um diminuto grau de ilicitude.
b) A intensidade do dolo ou da negligência.
A culpa do arguido é de normal intensidade a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo.
Isto porque, apesar da actuação com dolo directo, tal não se traduz, de forma necessária, numa culpa de elevada intensidade – como se decidiu.
Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos, com efeito, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento deste ilícito penal.
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.
Naturalmente que subjacente à actuação do arguido, está o objectivo de angariar proventos económicos.
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.
O arguido é de modesta condição económica e média condição social e está actualmente, ao fim de 7 anos, sobre os factos, integrado em termos familiares, à data dos factos.
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Havendo aqui a realçar o facto de no passado, o arguido, ao tempo da prática dos factos, ter já sido condenado, em duas ocasiões, por crimes de outra natureza e, de depois ter voltado a ser condenado, por mais quatro ocasiões, sempre por crimes de outra natureza.
Finalmente, as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem com cada vez maior, inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade.
E, finalmente, as, igualmente, ainda assim, prementes, necessidades de prevenção especial, pois que o arguido foi já julgado e condenado, entretanto por 6 ocasiões, ainda que seja a sua primeira condenação me crimes de furto.
A natureza, gravidade e o contexto da prática dos factos não permitem – sob pena de grosseira violação da justiça do caso concreto, da justiça relativa, do referencial jurisprudencial dos Tribunais da Relação, reportado a situações semelhantes – a aplicação de penas mais reduzidas que as aplicadas de 10 meses – numa moldura de 30 dias a 3 anos de prisão - e de 2 anos e 8 meses de prisão – numa moldura de prisão de 2 a 8 anos.
As penas aplicadas foram-no, indesmentivelmente, de forma justa, adequada e proporcional.
Em conclusão, improcede, também este segmento do recurso.
4.4.3. Suspensão da execução da pena única.
Entende depois que deve a pena única de 3 anos de prisão deve ser suspensa na sua execução, pois que será possível emitir um juízo de prognose favorável, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, dado que,
- à data do cometimento dos crimes em apreço nos autos não havia sido, como nunca foi condenado por um crime da mesma natureza,
ii) está atualmente inserido numa família estruturada e funcional,
iii) com um relacionamento afetivo duradouro,
iii) tendo um filho menor ainda bebé (atualmente com 23 meses), e um emprego estável;
iv) sendo ainda um jovem com 26 anos de idade, não praticou qualquer crime nos últimos 4 anos e nunca foi condenado a pena de prisão efetiva anteriormente.
Conclui o arguido que os seus antecedentes criminais não inviabilizam imperativamente a formulação de um juízo de prognose favorável, principalmente por se tratar de crimes de diferente natureza relativamente aos crimes em causa nos presentes autos, pois nenhum dos anteriores ou posteriores atentava contra o património, e terem passado 4 ou mais anos sobre a prática dos mesmos.
Apelando aqui ao que se disse supra a propósito do arguido BB, cremos, da mesma forma, que ainda assim, se justificará, dado, essencialmente, mais uma vez, a matriz do processo - o demasiado tempo entretanto decorrido que permitiu, ainda assim, melhor avaliar a evolução do arguido ao longo do seu crescimento (aqui traduzindo o melhor e mais esclarecido regime de prova) – que será, ainda possível concluir porque a ameaça da (primeira efectiva) pena e a censura dos factos sejam suficientes para afastar o arguido, definitivamente, da vida do crime.
Pelo exposto, julga-se adequado suspender a execução da pena de 3 anos de prisão, pelo período de 3 anos e 6 meses, com submissão a regime de prova e com a mesma obrigação imposta ao arguido BB.
Neste caso, com a condição de proceder ao pagamento do proprietário de cada um dos estabelecimentos dos valores de € 150,00 e de € 500,00, respectivamente, quanto ao crime de furto simples e quanto ao crime de furto qualificado.
Em 3 prestações, nos montantes de € 50,00, quanto ao primeiro e nos montantes de € 150,00, € 150 e € 200,00, quanto ao segundo, com vencimentos ao fim do 1.º, ao fim do 2.º e ao fim do 3.º ano do período da suspensão.
E, desta forma fica prejudicado o conhecimento da derradeira questão atinente com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.
Como fica prejudicada, também, desde já, a aplicação do perdão.
*
III. Dispositivo
Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em julgar parcialmente providos os recurso interpostos e, consequentemente:
quanto ao arguido BB, condená-lo:
- pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1, e 204.º1, al. f), e n.º 2, al. e), com referência ao artigo 202.º, al. d), todos do CP e art. 4.º do Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 2 anos;
- condicionar a suspensão da execução da pena a regime de prova e ao pagamento do valor de € 500,00 ao proprietário do estabelecimento onde foi cometido o furto, com vencimento ao fim do 1.º e do 2.º ano do período da suspensão da execução da pena, a ser documentada nos autos, em 30 dias;
quanto ao arguido AA:
- suspender a execução da pena única de 3 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º/1, do CP epela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1, e 204.º/1, al. f), e n.º 2, al. e), com referência ao artigo 202.º, al. d), todos do CP, pelo período de 3 anos e 6 meses;
- condicionar a suspensão da execução da pena a regime de prova e ao pagamento do proprietário de cada um dos estabelecimentos dos valores de € 150,00 e de € 500,00, respectivamente, quanto ao crime de furto simples e quanto ao crime de furto qualificado, pagamento a efectuar em 3 prestações, nos montantes de € 50,00, quanto ao primeiro e nos montantes de € 150,00, € 150 e € 200,00, quanto ao segundo, com vencimentos ao fim do 1.º, ao fim do 2.º e ao fim do 3.º ano do período da suspensão.
*
No mais, decide-se manter a decisão recorrida.
*
Sem tributação, atendendo ao provimento parcial dos recursos.
*
Notifique.
*
Porto, 02-07-2025
Elaborado e integralmente revisto pela relatora, nos termos do artigo 94.º/2 do CPP.
Assinado digitalmente pela Relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos.
Maria João Ferreira Lopes
José António Rodrigues da Cunha
Liliana de Páris Dias