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LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
PRESSUPOSTOS
RECORRIBILIDADE
ACESSO AO DIREITO
FUNDAMENTAÇÃO
CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO
Sumário
I - O princípio constitucional do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 20º CRP) impõe que o cidadão condenado tenha o direito de recorrer da decisão do TEP que lhe indeferiu a licença de saída jurisdicional. II - A fundamentação da decisão de não concessão de licença de saída jurisdicional pelo método da aposição de cruzes nas frases apropriadas, o ‘ábaco decisório’, embora duma pobreza humanística preocupante e passadista, não sofre de irregularidade que impeça o conhecimento do mérito em sede de recurso. III - O cancelamento definitivo da decisão no registo criminal com a reabilitação jurídico-penal do ex-condenado determina que seja tratado como delinquente primário. IV - No programa político-criminal humanista do nosso direito penal são fundamentais as medidas de flexibilização da execução da pena de prisão, entre elas as licenças de saída jurisdicional. V - As licenças de saída jurisdicional devem ser entendidas como componentes naturais, estruturais e desejadas na execução da pena de prisão. VI - São pressupostos materiais da licença de saída: a esperança de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e que não se furtará à execução da pena; a compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 193/22.6TXPRT-H.P1
Relator: William Themudo Gilman
1ª Adjunta: Carla Carecho
2ª Adjunta: Paula Cristina Jorge Pires
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo n.º 193/22.6TXPRT o Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto - ..., em 30-10-2024, foi proferida decisão de não conceder a licença de saída jurisdicional à condenada AA..
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Não se conformando com esta decisão, recorreu a condenada, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
««A. O Tribunal a quo decidiu não conceder a licença de saída jurisdicional solicitada pela Recorrente, afirmando “não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, dados os conhecimentos antecedentes da sua vida”, bem como “carecer de consolidar o seu percurso pessoal/profissional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena”.
B. A decisão baseou-se na avaliação dos antecedentes da reclusa e na suposta necessidade de consolidar o seu percurso pessoal durante a execução da pena.
C. Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com tal decisão.
D. As licenças de saída têm como objetivo promover laços familiares e sociais e preparar o recluso para a vida em liberdade.
E. Todos os requisitos legais para a concessão da licença estão preenchidos, conforme estipulado no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
F. A Recorrente já cumpriu um quarto da pena, que é superior a cinco anos, e encontrasse atualmente em regime comum.
G. Não há nenhum processo pendente de prisão preventiva, bem como qualquer ocorrência de evasão e ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.
H. A Recorrente enfatiza seu bom comportamento ao longo da pena, sem registros disciplinares e o seu empenho nas atividades laborais no estabelecimento prisional.
I. A evolução da reclusa deve ser considerada na análise, pois demonstra um comprometimento com a sua reintegração social.
J. Embora o crime de tráfico de estupefacientes tenha consequências graves, é preciso equilibrar a prevenção geral com uma análise individualizada do caso.
K. O ambiente familiar e social da recorrente é favorável, com apoio de familiares e uma proposta de emprego disponível.
L. Planeja retornar à sua casa com os filhos, o que reforça o seu compromisso com a reintegração.
M. A recorrente demonstra arrependimento sincero e uma vontade genuína de mudar o que deve ser um fator positivo para a concessão da licença.
N. O parecer do Conselho Técnico do estabelecimento prisional foi favorável à concessão da licença, refletindo-se no apoio unânime das autoridades envolvidas.
O. O progresso e a maturidade adquirida durante a pena justificam uma nova análise sobre a sua capacidade de reintegração.
P. Assim, e globalmente considerando o seu trajeto prisional, aliado às condições pessoais e familiares, mostra-se merecedora de uma oportunidade sendo que a sociedade bem entenderá tal.
Q. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao não conceder a requerida licença de saída jurisdicional
R. Assim sendo, deve ser o despacho revogado e substituído por outro que defira a pretendida licença de saída jurisdicional.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
* artigos 76.º, 78.º e 79.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE V. EXAS. DOUTAMENTE MELHOR SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DISSO, SER ALTERADA A, ALIÁS, DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE CONTEMPLE AS CONCLUSÕES ATRÁS ADUZIDAS. DECIDINDO DESTE MODO, FARÃO V. EXAS., ALIÁS COMO SEMPRE, UM ATO DE INTEIRA E SÃ JUSTIÇA»
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Foi proferido despacho a admitir o recurso, tendo sido considerado que:
«(…) por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva inscrito no artigo 20.º da CRP e do direito ao recurso estabelecido no artigo 32.º, n.º 1, da mesma lei fundamental, decido recusar a aplicação das normas contidas nos artigos 196.º, n.º 1 e n.º 2, e 235.º, n.º 1, ambos do CEP, interpretadas no sentido da irrecorribilidade do despacho decisório que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional.»
Do despacho de admissão de recurso, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Admitido este recurso, na sua sequência o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 259/2025, com o seguinte dispositivo:
« Pelos fundamentos expostos decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, a norma contida nos artigos 196.º, n.º 1, e 2 e 235.º, n.º 1, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretada no sentido da irrecorribilidade do despacho decisório que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional; e, consequentemente, b) Negar provimento ao recurso.»
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Descidos os autos à primeira instância, o Ministério Público apresentou as suas alegações de resposta ao recurso interposto pela condenada quanto à negação da licença de saída jurisdicional, pronunciando-se em primeiro lugar pela manifesta falta de admissibilidade da interposição do recurso, pugnando pela rejeição do recurso, nos termos do disposto no art.º 420º, nº 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, e depois pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1.- recurso versa a denegação de LSJ;
2.- nos termos conjugados do artºs 235º e 196º do CEPMPL as decisões que denegam a concessão de LSJ são irrecorríveis;
3.- a decisão em contrário, proferida em sede de reclamação da decisão que não admitiu o recurso, apenas vincula o Tribunal da primeira instância, mas já o Tribunal ad quem -art.º 405º, nº 4, do Cód. Proc. Penal;
sem prescindir:
4.- o recurso confunde pressupostos materiais para a concessão de LSJ com os objetivos da mesma;
5.-olvidando os critérios gerais determinados no artº 78º, ambos do CEPMPL;
6.- omite a reclusa estar a cumprir, pela segunda vez e pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, presentemente a prisão de 7 Anos e 6 Meses, tendo a primeira sido de 5 Anos e 6, e ambas pela prática de crime de tráfico de estupefacientes;
7.- os fundamentos para a não concessão da LSJ são, precisamente, as circunstâncias do caso -a natureza do crime praticado e as circunstâncias em que o foram e resultam da sentença condenatória e os antecedentes criminais- bem como a necessitar a recorrente de consolidar o percurso criminal, o qual não se basta com a adoção de comportamento exigível em meio prisional;
8.- a consolidação desse percurso tem de traduzir-se numa evolução da interiorização dos efeitos que com a pena se pretendeu alcançar.
9.- verifica-se falta de fundada expectativa de a reclusa vir a comportar-se de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, e isto atentos os seus antecedentes criminais -nº 1 al. a) e nº 2 al. e) a ainda necessária evolução da execução da pena -nº 2 al. a)
10.- reclusa exacerba o pressupostos do apoio familiar de que dispõe, sendo que sempre foi o mesmo desde a prática do primeiros crime de tráfico de estupefacientes, bem como convoca, como se de um pressuposto se tratasse, um dos objetivos da concessão da LSJ – promover laços familiares sociais e a preparação do recluso/a para a vida em liberdade,
11 desprezando todos os demais verdadeiros pressupostos materiais que decorrem do art.º 78ª, do CEPML.
12.- a decisão observou, totalmente, o disposto nos art.º 76º a 79º, do CEPMPL.
13.- não sendo rejeitado como se entende dever ser, o que se não concede e por mera hipótese se concebe, então terá o recurso de improceder.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, e se assim não for entendido, ser-lhe negado provimento e mantida a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA»
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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser apreciado e que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e deverá ser declarada inválida e, consequentemente, ser determinada a descida dos autos à 1ª instância a fim de ser proferida nova decisão.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP.
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1.1-Questão prévia
Coloca-se uma questão prévia levantada pelo Ministério Público na resposta ao recurso e que tem a ver com a admissibilidade, ou não, do recurso.
Argumenta o Ministério Público, junto da primeira instância, em suma, que o despacho recorrido não é recorrível, atento o disposto no nº 1 do artigo 235º, do CEPMPL, que afirma que só nos casos expressamente previstos na lei o recurso é admissível, para além dos casos expostos no seu nº 2, não dizendo respeito a nenhum deles o caso dos autos, acrescendo que o artigo 196º do CEPMPL que expressamente dispõe dos recursos quanto às decisões que versam as LSJs, afasta, clara e objetivamente, a sua admissibilidade em caso da sua não concessão. Acrescenta ainda que a decisão da Srª Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto que atendeu à reclamação da não admissão do recurso apenas vincula o Tribunal da primeira instância, mas já não os seu pares do Tribunal ad quem, como decorre do disposto no art.º 405º, nº 4, do Cód. Proc. Penal. Finalmente, relembra a propósito ter o Tribunal Constitucional já decidido pela não inconstitucionalidade da dimensão normativa que resulta do n.º 2 do art.º 196º do CEPMPL (Ac. publicado no DR de 08/01/2015).
Conclui o Ministério Público, junto da primeira instância, que por manifesta falta de admissibilidade da sua interposição deve ter lugar a rejeição do recurso, nos termos do disposto no art.º 420º, nº 1, al. a), do Cód. Proc. Penal.
Já na segunda instância o Ministério Público entende que o recurso interposto deve ser apreciado.
Em primeiro lugar, é de ter em conta que, contrariamente ao afirmado pelo Ministério Público na sua resposta, no presente recurso não houve qualquer intervenção da Exma. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, nem tão pouco qualquer reclamação ou sequer despacho algum de não admissão do recurso interposto pela condenada.
É certo que tem havido intervenções da Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto e dos seus congéneres nas Relações de Lisboa e de Évora no sentido de atender a reclamações de não admissão de recurso em situações como a dos autos de negação de saídas jurisdicionais[1], mas no caso dos autos, do que vimos (e cremos tudo ter visto), tal não sucedeu.
O que houve nos autos, como acima relatámos, foi um despacho de admissão do recurso interposto pela condenada da decisão de recusa de saída jurisdicional, do qual o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este negado provimento ao recurso, assim confirmando a conformidade com a Constituição da decisão de admissão recorrida.
Por outro lado, encontrando-se decidida com trânsito em julgado pelo Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, da norma contida nos artigos 196.º, n.º 1, e 2 e 235.º, n.º 1, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretada no sentido da irrecorribilidade do despacho decisório que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional; tendo sido, consequentemente, negado provimento ao recurso do Ministério Público, de pouco serve a lembrança feita por este de que o Tribunal Constitucional já decidiu em sentido oposto.
Com efeito, se é certo que o Tribunal Constitucional já decidiu em sentido oposto – no sentido da constitucionalidade da não admissibilidade de recurso pelo condenado da decisão que indefere a licença de saída jurisdicional - a verdade é que nas decisões mais recentes se operou uma significativa mudança jurisprudencial no sentido da inconstitucionalidade da não admissibilidade de recurso pelos condenados das decisões que indeferem a licença de saída jurisdicional, o período de adaptação à liberdade condicional ou o indeferimento da saída jurisdicional por não estar a situação penal estabilizada.
Como marco essencial desta inversão jurisprudencial temos a decisão proferida pelo Plenário do Tribunal Constitucional no acórdão nº 202/2025 onde se decidiu:
«julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n. 1 e 2, e 235.º, n.º 1, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que não conceda a licença de saída jurisdicional, por violação do disposto no artigo 20.º, n. 1 e 4, da Constituição»[2].
Ora, como também neste sentido decidiu o Tribunal Constitucional nos presentes autos a propósito do recurso interposto pelo Ministério Público contra o despacho de admissão de recurso, a única conclusão a retirar é a de que é manifestamente improcedente a ‘pretensão’ do Ministério Público junto da primeira instância de ter lugar a rejeição do recurso interposto pela condenada, uma vez que a interpretação da norma contida nos artigos 196.º, n. 1 e 2, e 235.º, n.º 1, ambos do CEPMPL no sentido da irrecorribilidade da decisão que indeferiu a licença de saída jurisdicional constitui violação do disposto no artigo 20.º, n. 1 e 4, da Constituição.
Concluindo, estando em causa uma decisão que interfere com a liberdade do cidadão, o princípio constitucional do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20º da Constituição, impõe que seja conferido ao cidadão condenado o direito de recorrer da decisão do TEP que lhe indeferiu a licença de saída jurisdicional.
2.1.2-Objeto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão apreciar e decidir é a da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da licença de saída jurisdicional.
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2.2-A DECISÃO RECORRIDA:
2.2.1-O teor da decisão recorrida proferida nos autos em impresso de escolha múltipla é o seguinte (ficheiro de imagem):
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
Entende a recorrente que, contrariamente ao decidido, os requisitos legais para a concessão da licença estão preenchidos, tendo sido violado ou incorretamente aplicado o disposto nos artigos 76.º, 78.º e 79.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), devendo ser o despacho revogado e substituído por outro que defira a pretendida licença de saída jurisdicional.
Vejamos.
Comecemos por ver qual o papel das licenças de saída jurisdicionais no direito penal, entendido este em sentido amplo ou ordenamento jurídico-penal que abrange para além do direito penal substantivo, o direito processual, adjetivo ou formal, e o direito de execução das penas e medidas de segurança ou direito penal executivo[3].
Do programa político criminal consagrado no nosso direito penal, fruto de uma visão unitária, coerente, marcadamente humanista[4]que se estende por todo ele, desde os fins das penas – a prevenção do crime e a reintegração do agente na sociedade –, à proibição de penas cruéis ou degradantes – morte ou prisão perpétua -, passando pelo caráter de ultima ratio conferido à pena privativa da liberdade, da escolha e determinação da pena e concluindo na fase da sua execução.
Neste contexto, não nos podemos esquecer do princípio de socialidade ou solidariedade, de natureza constitucional, segundo o qual ao Estado que faz uso do seu ius puniendi incumbe, em compensação, um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes[5].
A execução da pena de prisão, como resulta dos artigos 42º do Código Penal e do artigo 2º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, servindo a defesa da sociedade, deve orientar-se no sentido da socialização do condenado, obedecendo a uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade[6].
Nessa dinâmica progressiva de preparação para a liberdade assumem um papel fundamental as medidas de flexibilização da execução da pena de prisão, desde o regime aberto para o exterior, as licenças de saída do EP, a liberdade condicional, as licenças de saída de preparação para a liberdade ou a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Por outro lado, em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos a privação da liberdade é a ultima ratio da política criminal, devendo ser assegurado que o regime da execução seja o menos restritivo possível do direito à liberdade, o que se cumpre através das medidas de flexibilização da execução da pena de prisão (regimes abertos, licenças de saída, liberdade condicional, regime de permanência na habitação, modificação da execução da pena de prisão, adaptação à liberdade condicional)[7]. É que não nos podemos esquecer que a violência dos mecanismos de dissuasão do direito penal, designadamente da ameaça e efetiva aplicação da pena, é democraticamente legitimada e controlada, estando sujeita à exigência do «mínimo dano social» ou da «mínima violência»[8].
Acresce que em termos de ressocialização do condenado temos de ter em conta que o primeiro objetivo da execução da pena de prisão é o de evitar a dessocialização do recluso que entrando na prisão fica sujeito a duas tensões de sinal contrário: uma no sentido da intimidação para a adaptação às regras de vida em sociedade; outra de sentido contrário, sendo segregado da sociedade e sujeito às subculturas delinquentes e à aprendizagem de novas técnicas criminosas.[9]
Com efeito, haveremos de cuidar que o mal da pena de prisão efetiva quando cumprida na cadeia não é só um – o da pura perda da liberdade -, é muito mais que isso, especialmente nos países em que os estabelecimentos prisionais estão antiquados, decadentes, com salubridade reduzida ou sobrelotados. A pressão dos horários e das regras totais, os períodos limitados de permanência ao ar livre, a hora de fechar a luz, o férreo bater das portas e portões, o ter de viver em camarata ou em quartos duplos, as instalações sanitárias comungadas entre todos, a falta de privacidade, a disciplina férrea e constante, as subculturas violentas. Enfim, os resultados do encarceramento nas cadeias são conhecidos pelos efeitos de dessocialização da pessoa e pela enorme pressão sofrida naquele meio, na prisão, nessa ‘região mais sombria do aparelho de justiça’, como lhe chama Michel Foucault[10].
Além de constituírem uma exigência da visão humanista em que se funda todo o nosso direito, incluindo o penal, as vantagens ressocializadoras das medidas de suavização da violência da execução da pena de prisão são conhecidas e por isso várias foram consagradas pelo nosso legislador, entre as quais as licenças de saída[11].
O relevo conferido pelo legislador às licenças de saída jurisdicionais na ressocialização dos condenados resulta claro da redação do 76º do CEPMPL, segundo o qual «As licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade.», devendo ser entendidas como componentes naturais, estruturais e desejadas na execução da pena de prisão.
São requisitos gerais das licenças de saída (artigo 78º do CEPMPL)[12]: a) Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; b) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e c) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.
São requisitos especiais das licenças de saída jurisdicionais (artigo 79º do CEPMPL): a) O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos; b) A execução da pena em regime comum ou aberto; c) A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva; d) A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.
Na decisão deve o juiz ponderar (artigo 78º CEPMPL): a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade; as necessidades de proteção da vítima; o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar; as circunstâncias do caso; e os antecedentes conhecidos da vida do recluso.
Na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, a observar pelo recluso.
Apurado o papel do instituto das licenças de saída jurisdicionais no programa político criminal humanista que o legislador consagrou no nosso direito penal e exposto o seu concreto regime jurídico, vejamos da sua aplicação ao caso dos autos.
Relativamente à decisão recorrida, constante da ata e redigida/fundamentada de acordo com o método da aposição de cruzes nas frases apropriadas, qual ‘ábaco decisório’ em que se vai percorrendo o texto do princípio ao fim, de acordo com os caminhos indicados pelas cruzes, numa lógica de sim/não, acabando por se chegar a uma decisão de saída/não saída, dentro/fora, prisão ou liberdade, qual inteligência artificial pré-contemporânea, sendo desde logo duma pobreza humanísticapreocupante e, para mais, atreito a erros de colocação duma simples cruz ou ‘X’ na frase/segmento/período/parágrafo certo, faz concluir que a escolha desse método de redação ou fundamentação deixa muito a desejar.
Com efeito, não se encontra justificação plausível, tanto mais nos dias de hoje com a facilidade de processamento de texto disponível, para que uma decisão tão importante para a vida da pessoa condenada, como é a da possibilidade de ir passar uns dias a casa com a família, reatar e estreitar laços familiares, deixando para trás por um tempo, embora limitado, as agruras e a violência do cárcere, seja proferida e registada no processo pelo método das cruzes colocadas no quadrado que antecede as frases pré-impressas que se julgaram adequadas e nada apondo no quadrado que antecede as não adequadas.
Estará na altura de o Tribunal de Execução de Penas atualizar os seus métodos de registo e redação de decisões tão importantes para as vidas das pessoas como as saídas jurisdicionais e abandonar o método da colocação de cruzes nas frases apropriadas, o ‘ábaco decisório’.
Com efeito e como bem lembra o Tribunal Constitucional[13]:
“(…) para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão, a liberdade, temporária mas não custodiada, inerente a uma saída de licença jurisdicional, não pode deixar de significar um bem de valor incomensurável, não só pela liberdade em si, como também pela relevância em termos de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais”.
Não obstante, uma coisa é o modo de expressão da fundamentação, outra a invalidade da decisão. Assim, embora discordando do modo empobrecido e passadista de redação da fundamentação pelo método das cruzes, vejamos o que diz a lei.
Começando pelo princípio, a exigência de fundamentação das decisões judiciais é imposta pela Constituição no seu artigo 205º, n.º 1: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
De acordo com a lei ordinária – artigo 97º, n.º 1 do CPP -, no caso da concessão/ não concessão de licenças de saída jurisdicionais estamos perante um despacho e não perante uma sentença, pelo que as exigências de fundamentação são menos apertadas, não se aplicando o disposto no artigo 374º do CPP, mas antes o disposto nos artigos 97º-5 do CPP (Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.) e 146º, n.º 1 do CEPMPL (Os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.).
Em relação à especificação dos motivos de facto e de direito da decisão sobre a concessão de licença de saída jurisdicional, importa que se perceba da leitura da decisão quais as circunstâncias de facto que se consideraram resultar dos autos e porquê, bem como as normas aplicadas e por que levaram à opção final tomada.
De outro modo, a fundamentação fica incompleta e o Tribunal de recurso, os outros sujeitos e intervenientes processuais e a comunidade terão dificuldade em perceber a razão de ser da decisão e o direito ao recurso poderá ser significativamente abalado.
Atendendo ao princípio da taxatividade das nulidades do artigo 118º d), n.º 1 e 2 do CPP, uma deficiente fundamentação da decisão sobre a concessão de licença de saída jurisdicional constitui mera irregularidade.
A irregularidade da decisão por insuficiência de fundamentação só implica a invalidade do ato quando arguida no próprio ato ou nos três dias subsequentes à notificação, o que não sucedeu no caso dos autos, embora possa ser ordenada a sua reparação quando ela puder afetar o valor do ato praticado (123º do CPP).
Mas, se é verdade que a fundamentação da decisão de não concessão de licença de saída jurisdicional pelo método da aposição de cruzes nas frases apropriadas, o ‘ábaco decisório’, é pobre, quase mecânica, típica de tempos já passados, em que se usavam máquinas de escrever, carimbos, fotocopiadoras, máquinas de stencil, e outros objetos que hoje são peças de museu, não deixam de se compreender minimamente as circunstâncias de facto e de direito que levaram à decisão recorrida, o que também sucedeu com a recorrente que conseguiu recorrer e com o Ministério Público que respondeu ao recurso.
Assim, não obstante o anacrónico modo de elaborar a ata e a decisão, a decisão recorrida não sofre de irregularidade/invalidade que impeça o seu conhecimento e apreciação em sede de recurso, pelo que não se decretará qualquer invalidade nem ordenará a reparação de qualquer irregularidade.
Vejamos, então, o que consta com relevo da ata e da decisão recorrida.
O Conselho Técnico emitiu por unanimidade parecer favorável à concessão da licença de saída jurisdicional.
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável.
Quanto à decisão, ditada para a ata, dela resulta (após conversão do método das cruzes em texto limpo) com relevo o seguinte:
«Para além dos elementos já constantes dos autos, relativos à situação jurídico-penal, prisional e disciplinar da reclusa, que aqui se dão por reproduzidos (dos quais emerge mostrar-se cumprido o 1/4 -1/6 da pena ou da soma das penas, com o mínimo de seis meses, a inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada a prisão preventiva, bem como a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos doze meses que antecederam o pedido em presença) [obtidos através do cumprimento, pela secção de reclusos do estabelecimento prisional, do previsto no art,º 189º./3 a)b) CEP), com interesse para a decisão a proferir, apuraram-se, em resultado da análise e discussão ocorridas no decurso da reunião do Conselho Técnico, as circunstâncias que a seguir se enumeram.-
1-A reclusa encontra-se em regime X comum aberto e mostra-se detida em estabelecimento prisional pela 2. a vez
2-A reclusa no decurso da presente reclusão X não beneficiou de licença de saída
3- O comportamento da reclusa no âmbito do estabelecimento prisional tem-se revelado X estável ou regular
4- A reclusa nos últimos seis meses X não foi alvo da aplicação de medida(s) de natureza disciplinar.
5- (nada se assinalou nos quadrados)
6-A reclusa X desenvolve/participa de forma empenhada, atividade laboral, de formação profissional ou escolar/em programa específico de aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais.
7- A reclusa X revela adequadas interiorização dos fundamentos da condenação e consciência crítica em relação aos factos ilícitos por si praticados.
8- A reclusa, em meio livre, X dispõe de apoio familiar/social/institucional, revelando-se o mesmo, neste último caso, X consistente.
9- No meio social em que a reclusa está inserida/pretende gozar a licença de saída X não existe rejeição/resistência à sua presença.»
«Tendo em conta todo o descrito circunstancialismo, considerados os pareceres emitidos [ponderado o disposto nos artºs 76.°1 -2; 77.°-6;78.°;79.° CEP], decido: X Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional por, dadas as evidenciadas circunstâncias do caso, X não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida; X carecer de --/consolidar o seu percurso pessoal/prisional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena; »
A reclusa, como consta dos autos, havia requerido a saída jurisdicional para consolidar e fortalecer os seus laços familiares junto dos filhos e netos.
No caso em apreço estão verificados os pressupostos formais de concessão da licença de saída jurisdicional, conforme consta da decisão recorrida.
Vejamos então as circunstâncias com relevo em termos de pressupostos materiais de concessão da licença.
A recorrente encontra-se em regime comum aberto, mas não se pode considerar que se encontre detida em estabelecimento prisional pela segunda vez, ao contrário do que se ‘escreve de cruz’ na decisão recorrida, pois que consultado o CRC junto aos autos, dele se constata que a única condenação não caducada nos autos é a que se encontra presentemente a cumprir.
Com efeito, por força do instituto da reabilitação, a outra condenação que consta do CRC da condenada encontra-se caducada pois que a pena cumprida foi por despacho proferido em 17-09-2009[14] julgada cumprida e extinta no passado dia 21-03-2009 ou seja, mais de 10 anos antes da condenação posterior, pela qual a recorrente hoje cumpre pena, sendo que cessou a sua vigência nos termos do artigo 11º da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio (LEI DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL), norma que rege o cancelamento definitivo do registo criminal, o qual dispõe na parte que ao caso dos autos interessa que «1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos: a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.»
O cancelamento definitivo da decisão no registo criminal constitui uma das expressões práticas do princípio político-criminal da reintegração do agente na sociedade, manifestada através da sua reabilitação jurídico-penal, impondo que o ex-condenado, decorrido determinado período de tempo sem cometer crimes, seja recolocado na situação jurídica anterior à sentença. Esta reabilitação constitui um verdadeiro direito subjetivo de todo o ex-condenado já reintegrado socialmente[15].
E tal cancelamento definitivo da inscrição da decisão no registo criminal tem por efeito impedir a transmissão válida do seu conteúdo, independentemente da finalidade que presida ao seu pedido de informação, ficando o seu beneficiário, como refere Figueiredo Dias, não só reinvestido no exercício dos direitos de que se achava privado, mas ainda terá de ser tratado como delinquente primário no caso de tornar a figurar como arguido num novo processo[16]. Acrescendo que o cancelamento definitivo da inscrição da decisão no registo criminal constitui uma autêntica proibição de prova[17], relativamente à utilização do registo como meio de prova dos factos relativos às inscrições canceladas.
Assim, tal referência a anterior condenação da recorrente tem-se por não escrita.
De resto, haverá de se considerar que a condenada, não obstante à data da decisão recorrida já ter atingido o meio da pena (3 anos e 9 meses de prisão), não beneficiou ainda de licença de saída. A não concessão de licenças de saída jurisdicionais tem tido, na prática judiciária do TEP, um efeito colateral pesado que se tem vindo a repercutir na denegação da liberdade condicional ao 1/2 ou aos 2/3 da pena, através da repetida argumentação que vamos verificando nos recursos de que como o condenado ainda não teve saídas não se pôde testar o seu comportamento em liberdade e não é de ‘arriscar’ a liberdade condicional. Este efeito à distância da não concessão das licenças de saída sobre a não concessão da liberdade condicional, além de ser de muito duvidosa razoabilidade e comprometedor de todo um programa político criminal humanista consagrado no nosso direito constitucional e penal, vem realçar ainda mais a importância das licenças de saída jurisdicional, que devem ser entendidas como componentes naturais, estruturais e desejadas da execução da pena de prisão.
O comportamento da condenada no âmbito do estabelecimento prisional tem-se revelado estável ou regular, não tendo sido nos últimos seis meses alvo da aplicação de medida de natureza disciplinar; participa de forma empenhada em atividade laboral, de formação profissional ou escolar/em programa específico de aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais. Revela adequadas interiorização dos fundamentos da condenação e consciência crítica em relação aos factos ilícitos por si praticados. Em meio livre dispõe de apoio familiar/social/institucional, revelando-se o mesmo consistente. No meio social em que a reclusa está inserida/pretende gozar a licença de saída não existe rejeição/resistência à sua presença.
Todos estes fatores – comportamento estável, investimento pessoal, apoio familiar, consciência crítica, parte substancial da pena já cumprida - são favoráveis à concessão da licença de saída jurisdicional, pois que deles se pode fundadamente crer que a reclusa já sofreu advertência suficiente para se comportar de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e que não se furtará à execução da pena.
Aliás, o parecer favorável por unanimidade formulado pelo Conselho Técnico é mais um fator a apontar no sentido da conclusão a que chegámos em sede de prognóstico de cumprimento adequado da medida de flexibilização em causa.
Quanto à compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social haverá de se considerar que, se por um lado é certo que o crime de tráfico de estupefacientes agravado cometido, cuja gravidade se pode ver da pena aplicada, faz aumentar as exigências de defesa da ordem e da paz social, a verdade é que tendo em conta o tempo de encarceramento já decorrido, afigura-se que uma mera saída jurisdicional não colocará em risco tais exigências.
Finalmente, também a visão humanista que suporta a legitimidade do nosso direito penal aponta no sentido da aplicação desta pequena medida de suavização do mal que constitui a execução da pena de prisão, tanto mais quanto não só já se chegou ao meio da pena como já decorreram vários anos de encarceramento da pessoa condenada sem que lhe tenha sido concedida saída alguma.
Tudo visto, afigura-se ser possível formular um juízo positivo no sentido de que a condenada cumprirá de forma adequada a saída jurisdicional, sendo benéfica esta medida de flexibilização da execução da pena de prisão para mitigar os efeitos negativos do encarceramento de longa duração a que está sujeita, procurando manter e desenvolver os laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade, ou seja, promovendo a ressocialização e evitando a dessocialização.
Resumindo:
O princípio constitucional do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 20º CRP) impõe que o cidadão condenado tenha o direito de recorrer da decisão do TEP que lhe indeferiu a licença de saída jurisdicional.
A fundamentação da decisão de não concessão de licença de saída jurisdicional pelo método da aposição de cruzes nas frases apropriadas, o ‘ábaco decisório’, embora duma pobreza humanísticapreocupante e passadista, mas permitindo compreender minimamente as circunstâncias de facto e de direito que levaram a tomar essa opção não sofre de irregularidade que impeça o conhecimento do mérito em sede de recurso.
O cancelamento definitivo da decisão no registo criminal com a reabilitação jurídico-penal do ex-condenado determina que seja tratado em novo processo como delinquente primário.
No programa político-criminal humanista que o legislador consagrou no direito penal a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade, deve orientar-se no sentido da socialização do condenado, numa dinâmica progressiva de preparação para a vida em meio livre e o menos restritiva possível do direito à liberdade, sendo fundamentais as medidas de flexibilização, entre as quais as licenças de saída jurisdicional. As licenças de saída jurisdicional visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade, devendo ser entendidas como componentes naturais, estruturais e desejadas na execução da pena de prisão.
São pressupostos materiais da licença de saída: a esperança fundada de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e que não se furtará à execução da pena; a compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social
No caso dos autos, considerando por um lado que a condenada cumpre a pena de 7 anos e 6 meses pelo crime de tráfico de estupefacientes, à data da decisão recorrida já tinha atingido o meio da pena, não beneficiou ainda de licença de saída, tem comportamento estável, investimento pessoal, apoio familiar em meio livre, consciência crítica dos factos cometidos, que obteve parecer favorável por unanimidade pelo Conselho Técnico, afigura-se ser de concluir que a reclusa já sofreu advertência suficiente para se comportar de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e que não se furtará à execução da pena, servindo a licença de saída para mitigar os efeitos negativos do encarceramento de longa duração a que está sujeita e a sua ressocialização; e que, por outro lado, não obstante a gravidade do crime cometido, tendo em conta o tempo de encarceramento já decorrido, afigura-se que uma mera saída jurisdicional não colocará em risco as exigências de defesa da ordem e da paz social; pelo que deve ser concedida a licença de saída jurisdicional.
Concluindo, com a verificação dos pressupostos – formais e materiais – de que depende a concessão da licença de saída jurisdicional, importa revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que conceda à recorrente uma licença de saída jurisdicional pelo período de 3 (três) dias, a ocorrer com as condições de regressar ao Estabelecimento Prisional até ao termo do prazo determinado; residir, durante o período da licença, na morada por si mencionada no requerimento ou naquela que for indicada pela DGRSP, a constar do mandado a emitir pelo TEP; não consumir substâncias estupefacientes, nem efetuar consumos excessivos de bebidas alcoólicas; não frequentar locais conotados com atividades delituosas, nem acompanhar pessoas conotadas com a prática de tais atividades; manter conduta social regular, com observância dos padrões normativos vigentes.
Tudo visto, caberá dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e concedendo-se a licença de saída jurisdicional por três dias à condenada que ocorrerá no período mais próximo a fixar pelo TEP, sujeita às obrigações e regras de conduta adequadas à situação e atrás referidas.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra concedendo a licença de saída jurisdicional pelo período de três dias à recorrente AA, a ocorrer no prazo mais próximo possível a fixar pelo TEP, e com as condições suprarreferidas.