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CONTRAORDENAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário
Sumário: I - Para enquadrar a punição contraordenacional no âmbito da atenuação especial prevista no art. 72.º, n. os 1 e 2 do Código Penal, não é suficiente que a sociedade arguida não tenha antecedentes de natureza contraordenacional (ou penal) ou que não tenha resultado provado um qualquer especial benefício económico directo decorrente da prática da infracção contraordenacional em causa (ou a ausência de um especial prejuízo, directo ou indirecto).
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
Nos presentes autos de impugnação judicial em processo de contraordenação, foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decido: a) julgar o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente AA totalmente improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão proferida Presidente do Conselho Diretivo do ... que aplicou à recorrente uma coima no valor de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 20.º n.º 1, 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea d) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho; b) julgar o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente BB totalmente improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão proferida Presidente do Conselho Diretivo do ... que aplicou à recorrente uma coima no valor de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 6.º n.º 2 e n.º 3, 23.º, 24.º n.º 2 e 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea f) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho; c) julgar o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente CC totalmente procedente, em consequência, revogar a decisão administrativa impugnada quanto a esta recorrente e absolver a CC prática, em cumplicidade, das contraordenações previstas e punidas pelos arts. 6.º n.º 2 e n.º 3, 20.º n.º 1, 23.º, 24.º n.º 2 e 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alíneas d) e f) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho Custas a cargo das recorrentes AAeBB, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, nos termos dos arts. 94.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27/10 e 8.º n.º 7 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais. Notifique e deposite. Após trânsito, comunique à autoridade administrativa a presente decisão (art. 70.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).”
II. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes os factos:
“2.1. Factos provados Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. Em ...-...-2018, pelas 15h15, uma equipa inspetiva do ... deslocou-se ao estaleiro de construção sito na ..., onde estava a ser executada uma empreitada de obra particular, designadamente a fase III da construção do ... – execução da estrutura da edificação, acabamentos e arranjos exteriores 2. A equipa inspetiva foi recebida em obra pelo técnico de segurança da obra, DD, pelo diretor de obra residente, EE, este a trabalhar em nome e por conta da arguida AA, e por FF, diretor de fiscalização da obra e representante do dono da obra. 3. Para execução da obra acima referida, a arguida AA subcontratou as coarguidas BB e CC, estabelecidas em consórcio externo por contrato de subempreitada firmado em ...-...-2018.4. O aludido contrato de subempreitada foi firmado pelo preço total de 19.494.601,79€, sendo especificado no mesmo contrato que a arguida CC executaria os trabalhos melhor descritos no contrato, no valor de 12.034.296,01, e que a coarguida BB iria executar trabalhos no valor de 7.460.305,78€. 5. A arguida AA é detentora do alvará de empreiteiro de obras públicas n.º ..., da classe ..., desde ...-...-1957. 6. A arguida CC é detentora do alvará n.º …, da classe …, desde ...-...-1973. 7. À data da ação inspetiva, a arguida BB era detentora do alvará n.º ... de classe ..., desde ...-...-1992 o qual apenas lhe permitia executar obras particulares até ao limite do valor de 2.800,00€, na data em que os factos foram verificados. 8. A arguida BB só viria a elevar a classe do seu alvará em ...-...-2019, passando a deter a classe 6 e, posteriormente, em ...-...-2020, passando a deter a classe 7, que ainda mantém à presente data. 9. Até à data de ...-...-2018, a arguida BB já executara e faturara trabalhos em regime de subempreitada para a coarguida AA no valor total de 1.861.741,67€. 10. Nas datas em causa nos autos, a arguida BB não estava legalmente habilitada para executar os trabalhos no valor daqueles que lhe foram subcontratados pela coarguida AA. 11. As três arguidas são empresas de construção com larga experiência e presença no mercado da construção de obras públicas e particulares e, por isso, conheciam e conhecem muito bem as obrigações legais que lhes cabiam e lhes cabem enquanto empreiteiras e/ou subempreiteiras da obra particular em causa nos presentes autos e sabiam as arguidas AA e BB que, ao violar os seus deveres legalmente impostos, se sujeitava, às consequências da lei. 12. Ao aceitar de subempreitada executar trabalhos de construção num valor superior em mais de duas vezes e meia o limite de classe do seu alvará, a arguida BB sabia estar a violara lei, ficando sujeita às consequências nela previstas. 13. Ao subcontratar a arguida BB, ainda que em consórcio com a coarguida CC, para executar trabalhos de construção muito superiores àquele que o alvará permitia, não se tendo certificado previamente de tal facto e tendo-lhe permitido a execução de parte desses trabalhos em obra, a coarguida AA sabia estar a violar o n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 21/2015, de 3 de junho. 14. No ano económico de 2019, a arguida BB declarou para efeitos tributários um produto de vendas e serviços prestados no valor de 12.990.702,83€, com um resultado líquido positivo de 869.640,98€. 15. No ano económico de 2020, a arguida BB declarou para efeitos tributários um produto de vendas e serviços prestados no valor de 13.715.619,73€, com um resultado líquido positivo de 312.142,65€. 16. A arguida BB subcontratou a diversos subempreiteiros a realização de variados trabalhos. 17. A arguida BB tinha a seu cargo trabalhos das seguintes categorias: 8., 4.ª, 9.ª, 10.ª, 12.ª, 18.ª e 19.º 18. A arguida BB nunca excedeu o valor do seu alvará para cada tipo de trabalho: a) Conduta construída – categoria 8: obra no valor global de 175.000,00€; b) Eletricidade – categoria 4: obra no valor global de 1.400,00€ c) ITED – categoria 9: obra no valor global de 350.000,00; d) Extinção de incêndio – categoria 10: obra no valor global de 350.000,00; e) AVAC – categoria 12: obra no valor global de 2.800,00€; f) Trabalhos da categoria 18: obra no valor global de 700.000,00€; g) Trabalhos de categoria 19: obra no valor global de 700.000,00€. 19. A arguida AA agiu convicta de atuar em conformidade com a lei. 2.2 Factos não provados A) A arguida CC sabia que ao violar os seus deveres legalmente impostos se sujeitava às consequências da lei. B) A arguida CC sabia que a sua consorte BB não detinha habilitação suficiente para o valor de trabalhos com o qual se comprometia o âmbito do mesmo consórcio e aceitou, mesmo nessas condições, subcontratar com a mesma, naquele regime de consórcio. C) Ao aceitar fazer consórcio com a coarguida BB, sabendo que esta não detinha habilitações suficientes para o valor de trabalhos contratados e regime de subempreitada, a arguida CC promoveu, voluntária e conscientemente, o auxílio material e moral para que esta última e a coarguida AA cometessem os ilícitos de que ora são acusadas, representando os factos e tendo intenção de os realizar. Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes e não assentes factos conclusivos ou de direito, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma.”
III- Convicção da matéria de facto
O Tribunal a quo apresentou a seguinte convicção da matéria de facto:
“Na decisão quanto à matéria de facto, o Tribunal teve em atenção os depoimentos das testemunhas, prestados em audiência de julgamento, bem como toda a demais prova documental junta aos autos. Efetivamente, foram ouvidas as testemunhas GG e HH, ambas inspetoras do ..., tendo prestado depoimento de forma, clara, isenta, objetiva e circunstanciada, tendo sido considerados credíveis pelo tribunal. Assim, tais testemunhas confirmaram a fiscalização levada a cabo e o que assistiram. A testemunha GG confirmou a elaboração e o teor dos autos de notícia, tendo explicado que só depois de receberem a documentação verificaram as infrações, tendo afirmado que todas as recorrentes prestaram a colaboração devida. Acresce que a generalidade dos factos dados como provados, nomeadamente os termos do contrato de subempreitada e os alvarás detidos em cada momento pelas arguidas, bem como os trabalhos executados pela BB e respetivo valor e os valores declarados em termos tributários por esta última arguida. Na verdade, tais factos não são controvertidos nem impugnados. De facto, o que é posto em causa, em termos factuais, pelas recorrentes são os elementos subjetivos das infrações descritas. Assim, foi ouvido o legal representante da BB, que afirmou estar convicto de que podia somar os diversos alvarás. A testemunha DD, técnico de segurança da AA, recordou a fiscalização e a solicitação de informação referente aos alvarás, sendo que do contrato nada sabia. A testemunha EE, engenheiro civil da ... afirmou ter recebido as inspeções na qualidade de diretor de obra e afirmou ter conhecimento do consórcio sendo que este no global tinha capacidade, que olharam para esta capacidade em termos de consórcio (que não tinha líder) e que grande parte das obras foram subcontratadas. Disse que sempre procuraram cumprir a lei. A testemunha II era engenheiro civil na AA na altura dos factos, e afirmou que a CC tinha alvará para fazer tudo sozinha e que estavam convicto de que estava tudo a ser respeitado, que não adjudicaram diretamente à BB precisamente para aproveitar o alvará. Disse que formalmente estava descriminado o trabalho de cada um dos consorciados, mas que não era necessário que assim fosse, um podia fazer o trabalho do outro. A testemunha JJ é engenheiro civil na AA e disse que as consorciadas se socorreram de uma cadeia vasta de subcontratação. Disse que quando contratam o alvará é uma das principais preocupações e é uma das verificações que fazem, que não vê qualquer benefício em ignorar os alvarás, mas que existindo consorcio consideram como se fosse uma só entidade. A testemunha KK é engenheira mecânica na BB e era diretora de obra adjunta e disse não ter participado na elaboração do contrato e nada saber sobre a inspeção do .... Finalmente, a testemunha LL é igualmente funcionário da BB, e afirmou que entraram numa relação de consórcio por causa de uma questão de alvará e também pelo nível de exigência da obra, tendo referido vários dos subempreiteiros contratados por esta arguida. Porém, não participou na elaboração do contrato e não se apercebeu da inspeção do .... Ora, desde logo, algumas das testemunhas arroladas pelas arguidas referiram a pretensão e convicção de cumprir a lei de forma genérica, sendo que outras disseram estar convencidas de que todos os trabalhos estavam a coberto do alvará da CC, que as consorciadas atuavam como uma só entidade. Ora, tal versão não se afigura credível, pois se assim fosse e se se olhasse para estas arguidas (JJ e BB) como uma só entidade, não faz qualquer sentido que o contrato especificasse o que era da responsabilidade de ada empresa do consórcio – não era necessário que assim fosse como foi afirmado pela testemunha II, e ainda assim fizeram-no por que motivo? Desde logo, face a tal descriminação, não se acredita que olharam para a capacidade das arguidas em termos de consórcio. Por outro lado, tendo em conta as datas da emissão dos alvarás, constata-se que efetivamente todas as arguidas têm largos anos de experiência na área, não se considerando credível, como afirmou o legal representante da BB, que estivessem convencidos de que cumpriam a lei neste caso – decorre das regras da experiência comum que uma empresa com tantos aos de experiência como as arguidas já sabem amplamente os seus deveres e as regras que lhes são impostas, não se afigurando credível que achassem que trabalhos especifica e unicamente atribuídos, em termos contratuais, à BB estivessem a coberto do alvará da CC. Em contrapartida, quanto aos demais factos que não se deram como provados, não resultaram de forma convincente de nenhum elemento de prova. Sim, a arguida CC assinou o contrato, mas daí não decorre necessariamente que tivesse consciência do nível de alvará da BB, sendo certo que não estava a subcontratar nenhuma empresa e não lhe cabia proceder a essa verificação. Do mesmo modo, muito menos se pode dar como provado que auxiliou materialmente as suas coarguidas na prática das infrações (e aqui refira-se que a alegação da entidade administrativa se revela particularmente conclusiva), pois que para a prática das infrações, tendo em conta que atribuíram os trabalhos de forma descriminada a cada uma das empresas do consórcio, não era necessário qualquer auxílio desta arguida.”
IV. Do Recurso
Não se conformando com a sua condenação, a AA, apresentou as seguintes conclusões na sequência da motivação do seu recurso:
“ A. O presente recurso de apelação é interposto contra a sentença que confirmou integralmente a decisão do pelo ..., condenando a Recorrente ““uma coima no valor de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 20.º n.º 1, 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea d) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho;”. B. É contra esta decisão – imputação dolosa da sua conduta - que a ora Recorrente, inconformada, vem interpor o presente recurso, pedindo, em concreto, que a sentença recorrida seja revogada e substituída por acórdão que considere a inexistência de qualquer infração praticada pela Recorrente, ou, a ser considerada alguma irregularidade formal (o que se não concede), a qualificação da infração apenas poderia ser feita, quanto muito, a título de negligência, coma correspondente redução das consequências jurídicas. C. A Recorrente pautou sempre sua atuação pelo estrito cumprimento das normas legais aplicáveis ao setor. D. Desde a sua constituição, todas as decisões estratégicas e operacionais foram tomadas com base na legislação vigente, garantindo conformidade com os requisitos regulatórios. E. A Recorrente foi adjudicatária da empreitada denominada «Empreitada de Construção da obra de Estruturas, Instalações Especais, acabamentos e Arranjos Exteriores do ...» figurando como Dono de Obra a ..., tendo celebrado um contrato de subempreitada com as sociedades CC e a BB organizadas em consórcio externo com responsabilidade conjunta. F. À data da celebração do contrato e da execução dos trabalhos, tanto a CC como a BB eram detentoras de alvará de empreiteiro de obras públicas, encontrando-se legalmente habilitadas para o exercício da atividade. G. A sociedade BB, em concreto, era titular do Alvará nº ... desde 1992, encontrando-se habilitada com classe ... à data da visita inspetiva e tendo vindo, posteriormente, a elevar a sua classe para ... (em 2019) e para...(em 2020), o que foi reconhecido pelo próprio .... H.O ... e o Tribunal consideraram incorretamente que a infração se consumou no momento da contratação da BB, ignorando que a infração legal pressupõe a execução efetiva de trabalhos em valor superior à classe de alvará. I. À data dos factos, a BB não havia ultrapassado o limite de €2.800.000,00 da classe 5, tendo executado apenas €1.861.741,67 em trabalhos. J. A posterior atualização do limite para €3.200.000,00 pela Portaria n.º 212/2022 confirma que o critério relevante é o da execução material, e não o valor contratual. K. A BB foi aumentando regularmente a sua classe de alvará, demonstrando regularidade e adequação progressiva à atividade exercida. L. Acresce que, o consórcio subempreiteiro, incluindo a sociedade BB solicitou e obteve autorização expressa da Recorrente para subcontratar terceiros legalmente habilitados. M. Parte relevante dos trabalhos faturados pela BB foi executada por subcontratados com alvará válido, cuja identificação foi apresentada pela própria em sede de defesa. N. Nos termos do artigo 20.º, n.º 3 do RJAC e do artigo 3.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017, é legalmente admissível o aproveitamento das habilitações dos subcontratados para efeitos de verificação da conformidade legal. O. O ... e o Tribunal não procederam à análise dos alvarás dos subcontratados, omitindo pronúncia sobre questão essencial à verificação da eventual infração, em violação dos princípios do contraditório e da instrução adequada. P. A sociedade BB e a coarguida CC atuaram em consórcio, modelo expressamente admitido pelo artigo 19.º, n.º 3 do RJAC, o qual permite o aproveitamento conjunto da capacidade técnica dos respetivos membros, desde que demonstrem dispor, no seu conjunto, dos meios humanos e técnicos adequados à execução da obra. Q. No caso concreto, esse critério estava verificado, já que a CC detinha alvará de classe máxima (classe 9), e a BB possuía alvará válido, em contínua evolução, tendo ambas demonstrado habilitação legal para a execução dos trabalhos que lhes foram atribuídos no âmbito do contrato de subempreitada. R. A Recorrente contratou o consórcio na convicção, legítima e juridicamente fundamentada, de que as habilitações da CC supririam qualquer eventual limitação da BB, nos termos da lei, não tendo qualquer controlo ou responsabilidade sobre a distribuição interna de tarefas entre os membros do consórcio. S. Esta interpretação encontra respaldo no próprio artigo 20.º do RJAC, nomeadamente nos seus n.ºs 2 e 3, que consagram a possibilidade legal de subcontratação e o aproveitamento das habilitações dos subcontratados, desde que estes estejam legalmente habilitados para os trabalhos a executar — o que se verificava. T. O argumento de que a empresa contratada deve estar habilitada à data da contratação com classe correspondente ao valor global da obra não encontra suporte legal pois a infração contraordenacional apenas se consuma com a execução de trabalhos em excesso, o que não se verificou no caso da BB, que executou apenas €1.861.741,67 de um total admissível de €2.800.000,00 (ou €3.200.000,00, com a atualização da Portaria n.º 212/2022). U. A responsabilidade da subcontratante pelas tarefas executadas por terceiros não impede o aproveitamento das respetivas habilitações. V. Esse aproveitamento é precisamente o mecanismo legal previsto para garantir que os trabalhos são executados por entidades habilitadas, ainda que não diretamente pela empresa contratada. W. Negar essa possibilidade esvaziaria de sentido os artigos 19.º e 20.º do RJAC, que existem para permitir a atuação conjunta de empresas e o acesso de empresas de menor dimensão a empreitadas mais complexas, fomentando a concorrência e a colaboração no setor da construção. X. O ... e o Tribunal, ao desconsiderarem as habilitações dos subcontratados e o funcionamento do consórcio, omitiram a análise de questões essenciais, violando os deveres de instrução e pronúncia e sustentando uma condenação sem demonstração de infração efetiva, técnica ou jurídica. Y. A douta sentença incorre em erro de direito ao considerar que o cumprimento do limite do alvará deve ocorrer no momento da contratação, interpretação que não encontra suporte na letra nem na finalidade do artigo 20.º, n.º 1 do RJAC. Z. O referido preceito exige apenas que a empresa subcontratada esteja habilitada para os trabalhos concretamente a executar, e não que possua classe de alvará correspondente ao valor total da subempreitada. AA. A Portaria n.º 372/2017 reforça esta leitura ao permitir o aproveitamento das habilitações de terceiros, mediante compromisso formal do subcontratado, o que constitui uma garantia de legalidade e não um impedimento à contratação de empresas com classe inferior ao valor global do contrato. BB. A interpretação da sentença conduz a uma leitura formalista, restritiva e desproporcional, que contraria a estrutura legal do regime da construção e prejudica injustificadamente a atuação de empresas legalmente habilitadas. CC. O conceito de “obra” e o escalonamento das classes de alvará visam regular a execução efetiva de trabalhos e não limitar abstratamente a contratação, sendo que o limite de classe é aferido por obra, não por adjudicação global. DD. O limite de classe destina-se a assegurar que o empreiteiro não execute uma obra em valor superior à sua capacidade técnica, organizativa e financeira, aferida pela classe de alvará. Não visa impedir a contratação, mas sim regular a execução. EE. E isto, note-se, que o limite da classe do alvará é aferido por obra e não pelo volume total anual de trabalhos. FF. Salvo melhor entendimento, os artigos 19.º e 20.º do RJAC permitem o aproveitamento das habilitações de consorciadas e subcontratadas, desde que estas executem individualmente os trabalhos para os quais estão legalmente habilitadas. GG. Razão pela qual, entende a Recorrente que exigir que todas as entidades tenham alvará proporcional ao valor da totalidade do contrato seria inviável na prática e contrariaria a estrutura legal do regime da construção. HH. A infração imputada à Recorrente foi qualificada como muito grave, punível nos termos do artigo 37.º, n.º 2, alínea d) do RJAC, com aplicação de coima nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alínea a), com base na suposta atuação dolosa da Recorrente. II. Contudo, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do RGCO, na ausência de disposição legal expressa que preveja a punibilidade por negligência, a infração só é punível se praticada com dolo. JJ. O dolo, exigindo consciência e vontade de praticar o facto ilícito, não se encontra minimamente demonstrado nos autos. KK. A atuação da Recorrente foi sempre pautada pela diligência, cooperação e convicção legítima de que estava a agir em conformidade com o regime legal. LL. A subempreitada foi atribuída a consórcio formado por empresas legalmente habilitadas, uma das quais com alvará de classe máxima, havendo ainda subcontratações autorizadas com empresas igualmente habilitadas — tudo devidamente planeado e comunicado. MM. Acresce que, a Recorrente é uma sociedade centenária, detentora de alvará de construção desde ..., sem registo de condenações, o que demonstra a sua especial preocupação com as regras e matérias relativas ao exercício da construção. NN. A Recorrente não obteve qualquer benefício económico da situação. OO. A Recorrente não prejudicou qualquer entidade com os factos descritos. PP. A Recorrente colaborou totalmente com o ..., não omitindo qualquer informação, como poderá ser constatado pela vasta documentação junta ao processo. QQ. Não pode, por essa razão, ser admitida qualquer imputação subjetiva à Recorrente, sendo totalmente inadmissível a acusação de uma atuação a título de dolo, mas apenas a título de negligência. RR. Ficou demonstrado, ao longo de todo o processo e audiência de discussão e julgamento, que a Recorrente não teve qualquer intenção de violar a Lei. SS. No que concerne ao elemento subjetivo do ilícito contraordenacional, os autos não oferecem elementos factuais que permitam concluir que a Arguida agiu com a intenção de realizar o ilícito em causa. TT. A Recorrente atuou convicta de que a sua atuação era conforme a Lei, pelo que se refuta qualquer atuação dolosa. UU. Mesmo que se considerasse existir infração (o que se não concede), esta apenas poderia ser punida — se e quando legalmente admissível — a título de negligência simples. O que determinaria a aplicação de uma coima reduzida a metade. VV. A coima aplicada é, por isso, excessiva e desproporcional, por assentar numa imputação sem correspondência com a verdade. Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, anulando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que: (i) Considere não preenchido o tipo contraordenacional imputado à Recorrente e absolva a mesma da contraordenação que lhe é imputada; ou, caso assim não se entenda, (ii) Seja ponderada a interpretação da Lei feita pela Recorrente; e (iii) seja reconhecida ausência de qualquer ação dolosa por parte da Recorrente considerando-se a existência de uma atuação da mesma meramente negligente, sendo, neste caso, os limites máximo e mínimo da coima reduzidos a metade, nos termos do artigo 37º, nº6 do RJAC, ou, em alternativa, (iv) que o montante da coima seja substancialmente inferior ao aplicado, assim se fazendo JUSTIÇA.”
Em sede de resposta, o Ministério Público pugnou pela falta de fundamento do recurso interposto, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Admitido o recurso, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta junto deste Tribunal aderiu aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância.
V- Questões a decidir
Resulta do art.º 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal (e do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995) que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes na sequência da respetiva motivação, onde sintetizam as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir o conhecimento das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo, das questões de conhecimento oficioso, que eventualmente existam.
São as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
- analisar se a recorrente praticou a contraordenação (dolosa) que lhe é imputada;
- dependendo da resposta à questão anterior, analisar a proporcionalidade da coima aplicada.
VI- Fundamento de direito
A decisão recorrida a este respeito tem o seguinte teor: “As arguidas AA, BB e CC vêm acusadas, respetivamente, da prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 20.º n.º 1, 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea d) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (AA), da prática da contraordenação prevista e punida pelos arts. 6.º n.º 2 e n.º 3, 23.º, 24.º n.º 2 e 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea f) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (BB); e da prática, em cumplicidade, das contraordenações previstas e punidas pelos arts. 6.º n.º 2 e n.º 3, 20.º n.º 1, 23.º, 24.º n.º 2 e 37.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, alíneas d) e f) da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho (CC. A Lei n.º 41/2015, de 3 de junho prevê o Regime Jurídico Aplicável ao Exercício da Atividade da Construção, aplicando-se, nos termos do seu art. 2.º, a pessoas singulares e coletivas que executem obras públicas ou particulares em território nacional. Prescreve o artigo 23.º da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho que, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º, o exercício da atividade de empreiteiro de obras particulares por prestador estabelecido em território nacional depende de alvará ou certificado a conceder pelo ... P., nos termos dos artigos seguintes, referindo-se o art. 27.º à habilitação de prestadores estabelecidos noutros Estados para execução de empreitadas de obras particulares. Nos termos do disposto no art. 3.º, alínea a), da referida lei, «alvará» é a permissão, emitida pelo ... P. (... P.), em suporte eletrónico e comprovável mediante consulta no respetivo sítio na Internet e no balcão único eletrónico dos serviços, que habilita a empresa de construção a realizar obras e respetivos trabalhos especializados cujo valor não exceda o limite previsto para a respetiva classe, sendo esta o escalão de valores das obras e respetivos trabalhos especializados que as empresas de construção estão habilitadas a executar, sem prejuízo da aplicação de regimes especiais para a execução de certos trabalhos especializados (alínea e) da referida norma). Conforme dispõe o art. 6.º n.º 3 da lei em apreço, o alvará de empreiteiro de obras públicas habilita a empresa de construção a executar obras particulares cujo valor se inclua na classe para que está autorizada, sendo que o certificado de empreiteiro de obras públicas habilita ainda a empresa de construção a executar obras particulares nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º (art. 7.º n.º 3 da referida Lei). E de forma semelhante, dispõe o art. 24.º do mesmo diploma legal que o alvará de empreiteiro de obras particulares habilita a empresa a executar obras particulares cujo valor se enquadrem na classe respetiva, conforme previsto na portaria referida no n.º 2 do artigo 6.º, aplicando-se aos titulares de alvará de empreiteiro de obras particulares as disposições relativas ao licenciamento previstas nos artigos 12.º a 16.º, bem como as condições de exercício da atividade previstas nos artigos 17.º a 20.º, com as devidas adaptações (n.º 5 do mesmo preceito). Relativamente ao certificado de empreiteiro de obras particulares, o mesmo habilita a empresa, nos termos do disposto no art. 25.º n.º 2, a executar obras particulares cujo valor não exceda 20 /prct. do limite fixado para a classe 1, sem prejuízo do disposto no número seguinte. Quanto à subcontratação, o art. 20.º estabelece, para o que aqui releva, que só é permitida a subcontratação de trabalhos a empresas de construção que estejam devidamente habilitadas para o exercício da atividade nos termos da presente lei (n.º 1), sendo que a empresa subcontratante aproveita das habilitações detidas pelas empresas subcontratadas (n.º 3) e as empresas de construção que pretendam recorrer à subcontratação devem previamente comprovar, mediante consulta no sítio na Internet do ... P., ou no balcão único eletrónico dos serviços, as habilitações detidas pelas empresas que pretendam subcontratar, e manter posteriormente em estaleiro o comprovativo dessas habilitações (n.º 4). Por fim, nos termos do art. 37.º n.º 2, alíneas d) e e f), constituem ilícitos de mera ordenação social muito graves a violação do n.º 1 do art. 20.º e a violação do disposto o art. 23.º. Ora, no caso em apreço, resultou provado que a arguida AA subcontratou, estabelecidas em consórcio externo, as arguidas BB e CC para a execução da obra em apreço, tendo, no âmbito do contrato de subempreitada, definido quais os concretos trabalhos e os respetivos valores a executar por cada consorciada. E o valor dos trabalhos atribuídos à BB ultrapassava o valor máximo dos trabalhos que lhe eram permitidos executar ao abrigo do alvará que à data detinha, pese embora à data da fiscalização ainda não o tivesse ultrapassado. Ficou igualmente provado que a BB tinha a seu cargo trabalhos de várias categorias, nunca em cada uma dessas categorias tendo ultrapassado o valor máximo do alvará, sendo certo que contratou vários trabalhos. E tendo em conta tais factos, as arguidas pugnam, por um lado, pela aplicação do limite de classe a cada categoria e, bem assim, pelo aproveitamento dos alvarás dos empreiteiros que subcontratou, sendo certo que pugnam igualmente pelo entendimento de que o valor a ter em conta para aferir se o limite máximo permitido foi ultrapassado ou não é o valor dos concretos trabalhos realizados à data em que se vai proceder a essa aferição – podendo, no fundo, contratar o valor que quiser, desde que antes de atingir o limite máximo viesse a elevar a classe do seu alvará. Ora, não pode o tribunal concordar com este entendimento. De facto, nos termos do art. 20.º, n.º 3 a empresa subcontratante aproveita das habilitações detidas pelas empresas subcontratadas – mas tal não pode deixar de referir-se às classes necessárias para os concretos trabalhos executados, ou seja, só se pode subcontratar empresas habilitadas pelo seu alvará para as concretas obras a executar, n sentido estabelecido no n.º 1 da referida norma. Nunca poderá tal significar que a subcontratante deixa de ser responsável pela parte da obra que vai ser executada. Acresce que, necessariamente, o cumprimento do limite do respetivo alvará tem de ocorrer no momento da contratação, pois é em contratação que fala o n.º 1 do art. 20.º, e aí a letra da lei afigura-se-nos clara. Da mesma forma, a portaria 372/2017 estabelece que: 1 - Nos termos previstos no n.º 2 artigo 81.º do CCP, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, o adjudicatário deve apresentar documento comprovativo da titularidade de alvará ou certificado de empreiteiro de obras públicas, emitido pelo ... P. (... P.), contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar. 2 - Para efeitos de comprovação das habilitações referidas no número anterior, o adjudicatário pode socorrer-se dos alvarás ou certificados de empreiteiros de obras públicas de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes. […] Se não se entendesse que é no momento da contratação que a empresa tem de estar habilitada para a execução dos trabalhos contratados, não seria necessário apresentar o comprovativo da titularidade de alvará contendo as habilitações necessárias. Efetivamente o n.º 2 menciona novamente do aproveitamento dos alvarás dos subcontratados, mas “para efeitos de comprovação das habilitações referidas no número anterior”, ou seja, para efeito da comprovação da existência das habilitações na formação do contrato. E esclarece a referida norma que para efeitos desse aproveitamento, deverá ser apresentada declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes. Ora, não só consta dos autos qualquer declaração nesse sentido, como no próprio contrato a BB se obriga a executar trabalhos para além das habilitações constantes do seu alvará – e quanto a este aspeto, não se pode igualmente concordar com a tese de que a limite máximo da classe do alvará é aplicável individualmente a cada uma das categorias de trabalhos a realizar. Conforme se referiu, o art. 1.º, alínea e), define classe como o escalão de valores das obras e respetivos trabalhos especializados que as empresas de construção estão habilitadas a executar, sem prejuízo da aplicação de regimes especiais para a execução de certos trabalhos especializados. E obra é, nos termos do art. 3.º, alínea k), do citado diploma legal, a atividade e o resultado de trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reabilitação, reparação, restauro, conservação e demolição de bens imóveis. Ou seja, a obra compreende a totalidade dos trabalhos, incluindo os trabalhos especializados. Acresce que, caso o limite se referisse a cada categoria de trabalhos, tal estaria explícito, por um lado, e por outro, faria com que mesmo o valor limite das classes mais baixas muito dificilmente fossem atingidos, o que retiraria utilidade ao escalonamento das classes de alvará. E do mesmo modo falece a ideia de que o alvará da CC pudesse aproveitar neste caso à BB. É verdade que o art. 19.º permite a organização das empresas em consórcios, mas aí no que se fala é no aproveitamento, em conjunto, da capacidade técnica dos respetivos membros. Ora, se por um lado em nenhum momento se fala aí no aproveitamento do alvará de uma das consorciadas pelas demais consorciadas, e muito menos quando cada uma tem os seus trabalhos a executar e respetivos valores bem definidos – e cada empresa tem de ter alvará que a habilite à execução dos concretos trabalhos a seu cargo, conforme se viu decorre do art. 6.º n.ºs 2 e 3 e art. 23.º. Provou-se ainda que as três arguidas são empresas de construção com larga experiência e presença no mercado da construção de obras públicas e particulares e, por isso, conheciam e conhecem muito bem as obrigações legais que lhes cabiam e lhes cabem enquanto empreiteiras e/ou subempreiteiras da obra particular em causa nos presentes autos e sabiam as arguidas AA e BB que, ao violar os seus deveres legalmente impostos, se sujeitava, às consequências da lei. Mais se provou que, ao aceitar de subempreitada executar trabalhos de construção num valor superior em mais de duas vezes e meia o limite de classe do seu alvará, a arguida BB sabia estar a violara lei, ficando sujeita às consequências nela previstas. Deste modo, face da factualidade provada e da interpretação das normas supracitadas, forçoso é concluir que estão reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos da prática pelas arguidas AA e BB das contraordenações de que vinham acusadas a título doloso, pelo que deverão as mesmas ser condenadas em conformidade. Em contrapartida, a arguida CC vinha acusada da prática de cada uma desses contraordenação em regime de cumplicidade. Assim, dispõe o art. 16.º n.º 1 do RGCO que se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contraordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes. Ora, são comparticipantes tanto os autores como os cúmplices. Nos termos do disposto no art. 26.º do Código Penal, é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. Sendo punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso (art. 27.º do Código Penal). Conforme se esclarece no acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, relatado por José Eduardo Martins no processo n.º 160/10.2JACBR, a cumplicidade diferencia-se da coautoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a ação típica, direta ou indiretamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a ação típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la. Ora, no caso em apreço, a prática das contraordenações vinha, conforme se referiu, imputada à CC a título de cumplicidade. Porém, não resultou provado que a arguida CC sabia que a sua consorte BB não detinha habilitação suficiente para o valor de trabalhos com o qual se comprometia o âmbito do mesmo consórcio e aceitou, mesmo nessas condições, subcontratar com a mesma, naquele regime de consórcio, nem que, ao aceitar fazer consórcio com a coarguida BB, sabendo que esta não detinha habilitações suficientes para o valor de trabalhos contratados e regime de subempreitada, a arguida CC promoveu, voluntária e conscientemente, o auxílio material e moral para que esta última e a coarguida AA cometessem os ilícitos de que ora são acusadas, representando os factos e tendo intenção de os realizar. Desta forma, não se encontram reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos da prática pela arguida CC das contraordenações de que vinha acusada, pelo que deverá a mesma ser absolvida.”
Comecemos então por analisar as questões a decidir enunciadas.
- analisar se a recorrente praticou a contraordenação (dolosa) que lhe é imputada.
A decisão recorrida mostra-se muito bem fundamentada, trata de cada uma das questões colocadas no recurso interposto pela recorrente e, pela sua clareza, escusamo-nos, no essencial, de repetir os seus argumentos, para os quais remetemos, designadamente no que diz respeito ao aproveitamento às habilitações dos subcontratados, não se reconhecendo assim qualquer omissão de pronúncia a tal respeito por parte do tribunal a quo.
Compreendemos a frustração da recorrente, num mercado porventura hiper-regulado e burocratizado em excesso, com efeitos limitadores da concorrência e do próprio crescimento sobretudo das pequenas e, até, médias empresas. Mas estas, na nossa sociedade e no mercado em que opera, são as “regras do jogo” e a recorrente, de antemão, tem de ter conhecimento das mesmas, sendo certo que há longos anos conhece “muito bem as obrigações legais que lhe[s] cabia[m] e lhe[s] cabe[m] enquanto empreiteira[s] […] e sabia[m] a[s] arguida […] que ao violar os seus deveres legalmente impostos, se sujeitava, às consequências da lei.” (cfr. facto provado 11).
Resulta, todavia, da matéria de facto provada um elemento perturbador : o facto 19, cujo teor é o seguinte: “A arguida AA agiu convicta de actuar em conformidade com a lei.”, sendo certo que da convicção da matéria de facto não se alcança por que motivo tal facto surge como provado e o mesmo se mostra em clara contradição com o facto provado 11 e, também, com o facto provado 13, in fine, que imediatamente supra se transcreveram, nem em momento algum se revela sequer relevante para a decisão confirmatória (recorrida) da que foi tomada pela entidade administrativa. Aliás, a própria recorrente nada refere no seu recurso a respeito desta clara contradição (pelo menos de forma expressa), supondo toda a sua argumentação recursiva precisamente o seu conhecimento da legislação em vigor, embora dando-lhe a interpretação necessária para sustentar a sua absolvição.
Entendemos, não obstante estarmos perante a situação prevista no art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP (de conhecimento oficioso), que a mesma pode ser ultrapassada (cfr. art. 426.º, n.º 1, a contrario, do CPP), dando-se tal facto (19) como não escrito.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto.
Cumpre analisar a questão a decidir seguinte.
A tal respeito a decisão recorrida tem o teor que se passa a transcrever:
“ 3.2. Da medida da coima e da sua substituição por admoestação Dispõe o art. 18.º do RGCO, que a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação. Em contrapartida, o artigo 72º-A n.º 1 do RGCO proíbe a “reformatio in pejus” ao dispor que impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo recorrente, ou no seu exclusivo interesse (o que é o caso da recorrente), não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos recorrentes, ainda que não recorrentes”. No caso em apreço, as contraordenações em causa são, nos termos do disposto no art. 37.º n.º 1, al. a), da Lei n.º 41/2015, e tendo em conta que se trata de uma pessoa coletiva, punidas com coima de (euro) 7500 a (euro) 100 000. Ora, verificando-se que a coima aplicada às arguidas (7.500,00) constitui o mínimo legal, não cabe a este tribunal proceder a qualquer alteração. Por outro lado, nos termos do disposto no art. 51.º n.º 1 do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente a justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Como é entendimento jurisprudencial pacífico, requerendo a aplicação da admoestação a reduzida gravidade da infração, a mesma não pode ter lugar tratando-se de infrações classificadas como graves ou muito graves. Aliás, constitui jurisprudência obrigatória fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 6/2018, de 14-11, que a admoestação prevista no artigo 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04. Pese embora não se analise a mesma lei no referido acórdão, o raciocínio jurídico subjacente à posição vertida naquele acórdão uniformizador é aplicável ao caso dos autos presentes autos, não cabendo, também por esta via, aplicar tal regime de admoestação a uma contraordenação que seja qualificada como grave na própria lei – neste caso, de muito grave. Assim, encontra-se inviabilizada a substituição das coimas aplicadas por admoestação. Face ao exposto, entende o tribunal adequada a coima aplicada à recorrente pela autoridade administrativa, devendo ser mantida a decisão recorrida.”
Considerando que a decisão recorrida não fez mais do que confirmar a decisão administrativa que havia fixado o montante da coima no mínimo legal (cujo máximo previsto atinge os € 100.000), não pode a mesma ser alvo de um juízo de desproporcionalidade.
Cumpre, ainda assim, analisar se há fundamento para a atenuação especial da coima, não por via da afirmação da prática negligente da infracção como faz a recorrente (como vimos, sem fundamento), mas por via da aplicação do instituto previsto no art. 72.º do Código Penal, pelo qual se deve reger, por via da remissão prevista no n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, conjugado com o que se dispõe no art. 32.º do mesmo diploma (cfr., neste sentido, por exemplo, Acórdão deste Tribunal Superior, de 10/1/2024, proferido no processo n.º 2490/22.1T8CSC, relatado por Paula Pott, disponível in www.dgsi.pt1).
Prevê o art. 72.º do Código Penal, o seguinte:
“1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a. Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b. Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c. Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d. Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo”.
Ora, não resultou provado qualquer facto que permita afirmar alguma das circunstâncias previstas no art. 72.º, n. os 1 e 2 do Código Penal, não sendo bastante para tal que a arguida não tenha antecedentes de natureza contraordenacional (ou penal), nem que não tenha resultado provado qualquer benefício económico directo decorrente da prática da infracção em causa, nem qualquer especial prejuízo, directo ou indirecto, da mesma decorrente (no que é uma demonstração clara da neutralidade axiológica da legislação contraordenacional) pelo que, tudo conjugado, entendemos não ser possível acionar o instituto da atenuação especial da coima.
Dando aqui por reproduzidos os (compreensivelmente parcos) factores de determinação da medida da coima constantes da decisão recorrida (com efeito, limitou-se a reconhecer ter sido aplicada pela autoridade administrativa a coima pelo seu pelo mínimo legal), confirmamos, nessa parte, a decisão recorrida.
VII. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a 3.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto, com a eliminação do facto provado 19 da decisão recorrida, e, em consequência, condenar a recorrente AA pela prática da contraordenação identificada na decisão recorrida.
Custas pela recorrente, que se fixam em 4 (quatro) UCs.