OPOSIÇÃO À PENHORA
RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA
CONVERSÃO DA PENHORA PRÉVIA EM HIPOTECA
SUBSIDIARIEDADE DA PENHORA
INSUFICIÊNCIA DA PENHORA
Sumário

(Sumário elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil, doravante apenas CPC)
- O art.º 808º, n.º 2, do CPC, como expressamente nele se refere, reporta-se aos casos de renovação da execução em que, na sequência da celebração de acordo de pagamento entre exequente e executado, tenha havido conversão de prévia penhora em hipoteca ou penhor, em conformidade com o disposto no art.º 807º, n.º 1, do CPC, determinando que, nesses casos, a penhora se inicia pelos bens sobre os quais foi constituída hipoteca ou penhor, só podendo recair noutros bens quando se reconheça a insuficiência daqueles;
- A subsidiariedade da penhora dos bens não onerados, subjacente ao art.º 808º, n.º 2, do CPC, deixa de se justificar quando a satisfação do direito do credor não é garantida pelos bens onerados, pois a tutela do seu direito de crédito prevalece sobre o direito do devedor aos bens do seu património.
- A subsidiariedade da penhora determina-se, exclusivamente, em função da suficiência, ou não, dos bens onerados para garantir a satisfação do interesse do credor.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
Banco (…), S.A. veio instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa contra T (…) e J (…), apresentando como título executivo uma livrança no valor de 656.648,02 €, subscrita por Soplacas, S.A., da qual os Executados são avalistas.
Por despacho de 07.04.2017 foi ordenado que se procedesse à citação dos Executados.
Os Executados foram citados.
Em 31.07.2017 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração O, a que corresponde o quarto andar B, com arrecadação com o nº 5 e garagem com o nº 4, ambas situadas na cave, composto por 3 assoalhadas, destinada a habitação. A área bruta privativa é de 70,75 m2. Situado (…), inscrito na matriz predial urbana sob o art. (…), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (…) sob a ficha nº (…). Valor patrimonial é de 83.550.00 euros, determinado no ano de 2015”, propriedade do Executado T (…), ao qual foi atribuído o valor de 83.550,00 €.
Na mesma data de 31.07.2017 foi junto aos autos documento comprovativo de que pela Ap. 2551 de 25.07.2017 foi efetuada a inscrição dessa penhora a favor do Exequente.
Os Executados foram notificados da penhora do imóvel.
Em 23.08.2017 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo à “Parte penhorável do vencimento - em 10 de Agosto de 2017, que o executado T (…) aufere mensalmente por conta da empresa S (…) S.A, para garantia e pagamento da quantia exequenda, juros e custas da execução, até perfazer o montante provisório de 675.000,00”.
Os Executados foram notificados dessa penhora.
Em 04.06.2018, Exequente e Executados vieram “requerer de comum acordo a suspensão da instância executiva ao abrigo do artigo 806º do C.P.C., nos seguintes termos:
1- A Exequente reclamou créditos no âmbito do processo de PER (…), em que é Devedora a empresa S (…), SA (…)
2- Em 11-08-2017, foi proferida sentença de homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora. (…)
3- O plano aprovado e homologado prevê o pagamento à Exequente, ali Reclamante, da dívida exequenda dos presentes autos que corresponde ao valor actual de 625 333,99 €, até 04/09/2029. Ora,
4- A falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações importa o vencimento de todas.
5- Assim e porque a dívida objeto dos presentes autos será paga faseadamente e no âmbito do processo PER, nos termos do acima exposto, Exequente e Executados requerem a V. Exa., se digne suspender a presente instância até dia 04 de Setembro de 2029.
6- Caso haja incumprimento no pagamento de qualquer prestação do presente acordo, este deixará de surtir quaisquer efeitos legais, podendo a Exequente exigir o pagamento total da quantia exequenda em dívida nessa altura, acrescida dos respetivos juros, calculados às taxas legais aplicáveis.
7- A penhora registada no âmbito da presente execução deverá ser convertida em hipoteca a favor da Exequente, pelo montante de 658 545,00 €. (…)”.
Face a esse acordo, em 19.06.2018 a Agente de Execução declarou extinta a execução.
Em 09.08.2018 foi junto aos autos documento comprovativo de que pela Ap. 3043 de 24.07.2018 foi efetuada a inscrição da “Conversão de Penhora em Hipoteca”.
Em 03.11.2023 a Exequente requereu a renovação da instância executiva, nos termos do art.º 808º, n.º 1, do CPC, referindo que os Executados são devedores “do valor remanescente de € 509.088,56, acrescido dos juros de mora que se vierem a vencer, à taxa peticionada no requerimento executivo até integral e efetivo pagamento”.
Em 06.11.2023 foi decidida pela Agente de Execução “a renovação da presente instância executiva, nos termos do Artigo 850º do CPC”.
Nessa mesma data de 06.11.2023 foi expedida notificação dessa decisão aos Executados.
Nessa mesma data de 06.11.2023 a Agente de Execução notificou a entidade patronal do Executado T (…) “para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado (…), nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber (…)”; bem como o Banco (…), S.A., para penhora de saldos bancários dos Executados.
Em 07.11.2023 o Exequente veio requerer que se diligencie:
1) Pela notificação das entidades patronais dos Executados para que procedam à penhora dos respetivos vencimentos, à ordem dos presentes autos;
2) Pela notificação das entidades bancárias nas quais se apurou que os Executados detêm contas, de modo a que os respetivos saldos sejam penhorados à ordem dos presentes autos;
3) Pela penhora do imóvel do Executado T (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), sob o n.º (…) – O.
4) Pela penhora da metade do imóvel pertencente ao Executado J (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), sob o n.º (…)–CZ”.
Em 15.11.2023 a entidade patronal do Executado T (…) informou “que este aufere a remuneração ilíquida mensal de 2.200,00 Euros, a que corresponde a remuneração líquida mensal de 1.783,57 Euros”.
Na mesma data de 15.11.2013 a Agente de Execução notificou a entidade patronal do Executado T (…) para penhorar “1/3 do vencimento dos subsídios de férias e natal”.
Em 07.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo à “Penhora do vencimento que o executado aufere por conta da sociedade "S (…), S.A." até perfazer o montante da quantia exequenda acrescida de juros e despesas prováveis calculadas provisoriamente”, no valor de 887,88 €.
Os Executados foram notificados dessa penhora por correio expedido em 07.12.2023.
Em 14.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração O, a que corresponde o quarto andar B, com arrecadação com o nº 5 e garagem com o nº 4, ambas situadas na cave, composto por 3 assoalhadas, destinada a habitação. Situado (…), inscrito na matriz predial urbana sob o art. (…), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (…) sob a ficha nº (…) de 19970603 registado pela Ap. 4376 de 2023/11/24”, propriedade do Executado T (…), ao qual foi atribuído o valor de 84.803,25 €, correspondente ao seu valor patrimonial.
Na mesma data de 14.12.2023 foi junta certidão predial comprovativa de que:
- pela Ap. 85 de 06.04.2000 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de Banco de Investimento Imobiliário, S.A., ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 36.428.000,00 Escudos;
- pela Ap. 1431 de 25.09.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de S (…), ascendendo o “Capital” ao valor de 150.000,00 €;
- pela Ap. 3043 de 24.07.2018 foi efetuada a inscrição da conversão da penhora inscrita pela Ap. 2551 de 25.07.2017 em hipoteca a favor do Exequente;
- pela Ap. 7224 de 23.03.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor de X (…) S.A.R.L., ascendendo a quantia exequenda a 1.698.800,29 €;
- pela Ap. 4376 de 24.11.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor do Exequente.
Ainda em 14.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração CZ , a que corresponde BLOCO "C" (SEGUNDA FASE) – Piso cinco - Apartamento nº 507, destinado a habitação, com uma arrecadação nº 92 no piso zero e três estacionamentos nºs 1 e 2 no piso menos dois e nº 200 no piso menos um e cinco divisões. Situado (…), inscrito na matriz predial urbana sob o art. (…), descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha nº (…) de 19941212 registado pela AP. 4669 de 2023/11/24”, propriedade do Executado J (…) e mulher, ao qual foi atribuído o valor de 190.920,23 €.
Na mesma data de 14.12.2023 foi junta certidão predial comprovativa de que:
- pela Ap. 37 de 29.11.2006 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de Banco BPI, S.A., ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 445.511,50 €;
- pela Ap. 2158 de 06.06.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 100.000,00 €;
- pela Ap. 1303 de 12.09.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de A (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 50.000,00 €;
- pela Ap. 3548 de 23.12.2014 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 75.000,00 €;
- pela Ap. 2401 de 29.07.2020 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 180.000,00 €;
- pela Ap. 7224 de 23.03.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor de X (…) S.A.R.L., ascendendo a quantia exequenda a 1.698.800,29 €;
- pela Ap. 4669 de 24.11.2023 foi efetuada a inscrição dessa penhora a favor do Exequente.
Ambas as penhoras de imóveis foram notificadas aos Executados por correio expedido em 14.12.2023.
Em 15.12.2023 a Agente de Execução proferiu a seguinte decisão: “Resulta da Certidão Permanente, penhora anterior no imóvel propriedade do executado T (…) registada no âmbito do processo de execução nº 1597/ (…), registada com a AP. 7224 de 2023/03/23 havendo lugar à sustação da presente execução, nos termos do artigo 794º do Código Processo Civil”.
Ainda em 15.12.2023 a Agente de Execução proferiu a seguinte decisão: “Resulta da Certidão Permanente, penhora anterior no imóvel propriedade do executado J (…), registada no âmbito do processo de execução nº 1597/ (…), registada com a AP. 7224 de 2023/03/23 havendo lugar à sustação da presente execução, nos termos do artigo 794º do Código Processo Civil”.
Ambas as decisões foram notificadas aos Executados.
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Em 21.12.2023 o Executado T (…) veio deduzir oposição à penhora, pedindo:
- o imediato levantamento da penhora do vencimento, com efeitos retroativos, ou seja, ordenando-se o reembolso de todos os vencimentos entretanto penhorados e entregues à Agente de Execução; e
- o levantamento das demais penhoras efetuadas no âmbito destes autos, ou, assim não se entendendo, a sua redução ao limite legal imposto.
Para o efeito e em súmula alega:
- Por requerimento submetido aos autos em 04.06.2018, Exequente e Executados lograram obter uma transação onde, além do mais, fixaram o montante em dívida no valor de € 625.333,39 e o Opoente deu como garantia de pagamento a hipoteca do seu imóvel que então se encontrava penhorado nos autos;
- Em decorrência dessa transação, o processo executivo foi extinto por decisão da Agente de Execução datada de 19.06.2018;
- Em 24.07.2018 foi convertida em hipoteca a penhora que incidia sobre a fração autónoma identificada pela letra “O”, para garantia do montante máximo assegurado do valor de € 658.545,00;
- Por requerimento de 03.11.2023 o Exequente requereu a renovação da instância, peticionando o pagamento da quantia exequenda cujo valor fixou então em € 509.088,56;
- Em 05.12.2023 foi penhorado o vencimento que o Opoente aufere na sociedade “S (…) S.A.”, no valor mensal de € 887,88;
- Em 14.12.2023 foi penhorado a fração autónoma identificada pela letra “O”, sobre a qual foi constituída hipoteca;
- Foram ainda penhorados outros bens imóveis e saldos bancários, propriedade dos Executados;
- Do auto de penhora datado de 14.12.2023 consta um valor atribuído pela Agente de Execução ao imóvel penhorado, propriedade do Opoente;
- Não foi efetuada qualquer diligência tendente ao apuramento do valor de mercado dos imóveis penhorados em 14.12.2023, podendo inferir-se que os valores atribuídos resultam exclusivamente da informação da Autoridade Tributária e Aduaneira;
- Não resulta dos autos qualquer indício de insuficiência de bens;
- Na renovação da instância o Exequente indicou o valor exequendo de € 509.088,56;
- É imperioso notar que as partes acordaram que para pagamento daquele montante foi constituída uma hipoteca sobre o bem imóvel do Opoente, que ainda não foi excutido;
- Foram penhorados bens a mais, devendo tal diligência ser reduzida à sua necessidade, tendo em vista o que se intenta pagar;
- Tem de concluir-se, no mínimo, pelo levantamento das penhoras que incidem sobre todos os demais bens penhorados nos autos que não o bem imóvel hipotecado;
- Sem prescindir, em cumprimento do princípio da subsidiariedade real, a penhora de bens inicia-se pelos bens dados em garantia (art.ºs 808º, n.º 2 e 810º, n.º 3, do CPC), o que, no caso concreto, não se verificou, dado ter sido primeiramente penhorado o vencimento do Executado;
- Só após ser penhorado o bem imóvel hipotecado é que poderá, então, ser avaliada e decidida a insuficiência daquele, procedendo-se à penhora adicional de outros bens;
- Acresce que, essa avaliação e determinação de insuficiência, haverá que ser colhida de uma demonstração concreta por parte do Exequente ou, também, de diligências executivas que visem demonstrar o valor concreto dos bens, praticadas pela Agente de Execução, o que no caso concreto foi omitido;
- Depois, essa avaliação só pode ser efetuada em fase de venda de bens, o que significa que a determinação da insuficiência dos mesmos não pode ser efetuada em qualquer momento processual, mas somente após a venda executiva dos bens com garantia real;
- A decisão da Agente de Execução de penhora do vencimento do Executado é nula.
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Notificado para o efeito o Exequente deduziu oposição, alegando, em súmula:
- No que respeita à penhora de vencimento do Executado, a quantia penhorada em 05.12.2023 foi de € 887,88;
- Em 24.07.2018 procedeu-se à penhora da fração “O”, do Executado T (…), a qual foi convertida em hipoteca a favor do Exequente, com o capital de € 658.545,00;
- Sobre esse prédio, ao tempo, já existiam duas hipotecas anteriores registadas: uma a favor do Banco de Investimento Imobiliário, Lda., no valor de capital de 28.000.000 Escudos, e outra a favor de S (…), no valor de € 150.000,00;
- Neste momento, o Exequente pode exigir o pagamento total da quantia em dívida, que se cifra em € 658.545,00, a que acrescerão juros de mora vincendos e respetivo imposto de selo sobre os mesmos, até ao efetivo e integral pagamento e despesas da presente execução;
- A pedido do Exequente, a Agente de Execução, em 24.11.2023, procedeu à penhora da fração “O”, supra referida, pelo valor de € 658.545,00;
- Para além disso, procedeu a Agente de Execução à penhora do prédio urbano do Executado J (…);
- Acontece que, além das diferentes hipotecas constituídas a favor de outros credores, existem, em ambos os prédios, penhoras realizadas em 23.03.2023, pela X (…) SARL, junto ao processo executivo n.º 1597/(…), no valor de € 1.698.800,29;
- As penhoras realizadas no âmbito da presente execução, em ambos os referidos prédios, só foram registadas em 14.11.2023, ou seja, em data posterior às penhoras supra identificadas;
- Assim, no âmbito desta execução, as duas penhoras dos prédios supra referidos foram sustadas;
- Ou seja, neste momento, o valor recuperado ao Executado/Opoente, é de apenas € 887,88;
- Face ao exposto, conclui que assiste razão ao Opoente.
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Foi realizada a audiência final, a qual se limitou às alegações orais.
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Após foi proferida sentença, da qual, após uma súmula dos atos praticados no processo executivo e nestes autos, consta:
(…)
Importa apreciar - estabelecendo o nº 2 do artigo 808º do CPC que “Na execução renovada, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 807º, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.”, e, o nº 3 do artigo 794º do CPC que “Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.”.
Face às normas supra, resulta evidente que o primeiro ato após a renovação deveria ter sido a penhora do imóvel hipotecado – pelo que todos os atos praticados entre 6-XI-23 e 24-XI-23 são nulos (incluindo a penhora da fração ‘CZ’), uma vez que não houve reconhecimento de qualquer “insuficiência” (agora alegada).
Motivo por que se julga procedente a oposição à penhora do vencimento e de créditos sobre entidades bancárias – devendo ser entregues ao opoente as quantias penhoradas.
Custas pela exequente.
Registe e notifique – e informe a A.E..
(…)”.
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Não se conformando com essa sentença, o Exequente dela veio recorrer, formulando as seguintes conclusões:
(….)
IV. CONCLUSÕES
1 - A oposição à penhora foi apresentada pelo Recorrido em 21.12.2023, referência na plataforma CITIUS 24690206.
2 - O Oponente, aqui Recorrido não prestou caução, pelo que o prosseguimento da execução não foi suspenso com a apresentação da oposição à penhora (artigo 733º do CPC).
3 - Da defesa apresentada no âmbito da oposição à penhora, em 21.12.2023, pelo recorrido, não consta qualquer tipo de referência à penhora efetuada, desde 23.03.2023, à ordem da execução nº 1597/(…) - Tribunal Judicial da Comarca de (…), pelo valor de € 1.698.800,29 (UM MILHÃO SEISCENTOS E NOVENTA E OITO MIL OITOCENTOS EUROS E VINTE E NOVE CÊNTIMOS)!.
4 – Penhora que foi também realizada ao outro executado nestes autos.
5 - E, não se compreende que o Recorrido não tivesse já conhecimento da penhora supra referida, registada em 23.03.2023, quando, 10 meses mais tarde, instaurou a presente oposição à penhora (cfr. Doc. 2 e 3).
6 – Acresce que, a penhora dos autos, a que o Recorrido tem acesso através do seu Ilustre Mandatário, em 15.11.2023, e pelas razões supra alegadas, que aqui se dão por reproduzidas, já tinha sido sustada pela Senhora Agente de Execução.
7 - Contrariamente ao alegado pelo Oponente, aqui Recorrido, mesmo considerando a penhora do imóvel, os bens nomeados à penhora pelo Exequente, sempre seriam, manifestamente insuficientes.
8 - Para além das garantias reais que se encontram registadas quer no imóvel do Recorrido, quer no imóvel do outro avalista e executado na ação principal, J (…), resulta das certidões prediais (referência da plataforma CITIUS 24390006 e referência da plataforma CITIUS 24390049), a penhora registada em 23.03.2023, sobre os imóveis de ambos a favor da sociedade X (…) S.À.R.L., no valor de € 1.698.800,29, (UM MILHÃO SEISCENTOS E NOVENTA E OITO MIL OITOCENTOS EUROS E VINTE E NOVE CÊNTIMOS)!
9 – Sendo certo que, no caso do outro executado, que não teve qualquer intervenção na oposição instaurada pelo aqui Recorrido, a verdade é que o Recorrente não tem sobre ele quaisquer garantias reais e a penhora da sociedade X (…) S.À.R.L., suprarreferida, é mais antiga do que a penhora do Recorrente, conforme resulta das certidões Prediais supra alegadas.
10 - Ora, tendo em atenção que no âmbito desta execução apenas foi possível penhorar 1/3 do vencimento do executado, concretizado apenas e só a partir de dezembro/2023 e é falso que qualquer outra penhora tenha sido efetuada, inclusivamente não resulta dos autos qualquer penhora que tenha sido concretizada em instituições bancárias.
11 - A quantia global que se encontra penhorada ao vencimento do Recorrido à data da apresentação do presente recurso, é de € 4.097,64.
12 - Contrariamente ao alegado na Decisão recorrida, sempre salvo melhor opinião, não tem qualquer aplicação, no caso dos autos, o disposto no n.º 2 do art.º 808.º do Código de Processo Civil, com base no qual o Meritíssimo Juiz a quo, decidiu julgar a oposição procedente.
13 – Sublinha-se que, em fase anterior à oposição, designadamente, no que respeita à penhora do imóvel e à penhora do vencimento do Recorrido, constava destes autos o seguinte:
• Em 06.11.2023, referência 24390006, foi junto aos autos uma Certidão do Registo Predial da qual consta, que o imóvel do Recorrido, se encontra penhorado, desde 23.03.2023, à ordem da execução nº 1597/(…), pelo valor de € 1.698.800,29 (UM MILHÃO SEISCENTOS E NOVENTA E OITO MIL OITOCENTOS EUROS E VINTE E NOVE CÊNTIMOS).
• Em 06.11.2023, referência da plataforma CITIUS 24390049, foi junta aos autos uma Certidão do Registo Predial da qual consta, que o imóvel do executado e avalista J (…) (que não é parte nesta oposição), para além de todas as hipotecas que se encontram registadas sobre o imóvel, se encontra também penhorado, desde 23.03.2023, à ordem da execução nº 1597/ (…), pelo valor de € 1.698.800,29 (UM MILHÃO SEISCENTOS E NOVENTA E OITO MIL OITOCENTOS EUROS E VINTE E NOVE CÊNTIMOS).
• Em 15.12.2023, referência 24659537, o Recorrente foi notificado da sustação da penhora, que a Senhora Agente de Execução tinha registado nestes autos sobre o referido imóvel do Recorrido em 24.11.2023, nos termos do artigo 794º do Código Processo Civil.
14 - Fundamentalmente, na oposição à penhora do Recorrido instaurada em 21.12.2023, foi alegado, designadamente, que a penhora realizada nos autos e referente ao imóvel do Recorrido, era “obviamente excessiva”, o que é falso, pelas razões já suprarreferidas e que se dão aqui por reproduzidas, não se admite.
15 - O incidente da oposição à penhora cinge-se à impugnação do ato de penhora, e deve assentar nos fundamentos enunciados no n.º 1 do artigo 784º do Código de Processo Civil. A alínea a) do n.º 1 do referido artigo 784º abrange os casos em que tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos artigos 735º, n.º 3 e 751º, ambos do Código de Processo Civil. (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.05.2023, www.dgsi.pt)
16 - Importa, no entanto, sublinhar, que lendo a oposição à penhora do Recorrido, o Oponente aqui recorrido, não levantou qualquer questão que pudesse indiciar a decisão que veio a ser proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo.
17 - Dispõe o art.º 794.º, n.º 1 do C.P.C. que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora tenha sido mais antiga.”
18 - Apesar de tal facto não resultar ainda documentalmente dos presentes autos, em virtude da inexistência de outros bens que fossem suficientes para o pagamento da divida, apresentou o Exequente na referida execução a sua reclamação de créditos, em 08.01.2024, (cfr. DOC 4).
19 - Não foi até hoje, na referida execução proferida sentença de graduação de créditos.
20 - Mas, a sustação da penhora do imóvel no âmbito desta execução, e o facto do Exequente ter apresentado a sua reclamação de créditos no âmbito da outra execução em que a penhora é mais antiga, não significa que o Exequente seja obrigado a sustar também a penhora do vencimento do executado, aqui Recorrido.
21 - Não há qualquer excesso de penhora ou duplicação de pagamentos, o que existe é insuficiência de bens do Recorrido para o pagamento do capital em divida no valor de € 509.088,56!
22 - Sendo certo que, ainda que o exequente venha a obter pagamento do seu crédito, em qualquer das execuções, extinto o seu crédito, nunca poderá obter pagamento duplicado.
23 - A esse título, veja-se, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido pelo Relator Domingos Morais, processo n.º 2498/03.6TTPRT-D.P1, de 17.12.2020, de cujo teor resulta que:
“…salvo o disposto no artigo 784.º, n.º 1 do CPC, que protege o devedor de qualquer acto processual do credor que conduza à penhora de valor excessivo ou a um duplo pagamento, todas as demais normas da acção executiva devem ser interpretadas no sentido que conduzam ao pagamento efectivo do crédito do exequente, em prazo razoável, e não no sentido de proteger o devedor relapso.
24 – A decisão proferida nos autos de que se recorre, é injusta e desproporcional, atendendo ao facto de que, no presente caso e imediatamente a seguir à renovação desta execução, encontrava-se nos autos, designadamente:
• O valor da presente execução é de € 509.088,56 (quinhentos e nove mil oitenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos);
• O título executivo é uma livrança;
• Em 06.11.2023, foram inscritas na plataforma CITIUS, referência 2439006 e referência 24390049, as Certidões Prediais das quais resulta as penhoras concretizadas junto ao Processo nº.1597/(…), registadas em 23.03.2023, junto da Conservatória do Registo Predial, nos imóveis dos executados;
• Tendo em vista que o valor das referidas penhoras registadas em 23.03.2023, é de € 1.698.800,29 (UM MILHÃO SEISCENTOS E NOVENTA E OITO MIL OITOCENTOS EUROS E VINTE E NOVE CÊNTIMOS;
• Sendo certo, que para além da referida penhora encontram-se ainda registados sobre os imóveis, credores com garantias reais;
• Pelas razões suprarreferidas e que aqui se dão por reproduzidas é notória e evidente a insuficiência de bens do Recorrido e/ou dos executados nos autos;
• Qualquer valor que o Recorrente venha a obter para pagamento do seu crédito, em qualquer das execuções, extinto o seu crédito, nunca poderá obter pagamento duplicado;
• Não foi violado o princípio da proporcionalidade;
• Não existiu qualquer excesso de penhora;
• Ao ter conhecimento, em 06.11.2023, da existência de uma penhora registada no imóvel em 23.03.2023, e tendo em atenção que os bens que poderiam salvaguardar o direito do Requerente, eram diminutos, poderia a Senhora Agente de Execução, como o fez, proceder a outras diligências, designadamente, à notificação da sociedade S (…), SA, da qual o Recorrido é Administrador e Avalista, para indicar o vencimento do Recorrido;
• Notificação a que a entidade patronal do Recorrido respondeu afirmativa em 15.11.2023:
• Não existem quaisquer outras penhoras concretizadas nos autos;
• Sublinha-se, que efetivamente a penhora de vencimento do Recorrido, só foi concretizada em dezembro/2023;
• À data da apresentação deste recurso o valor global da penhora de vencimento do Recorrido é de € 4.097,40 (…)”.
Com as alegações o Apelante juntou 4 documentos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi corretamente admitido, com o efeito e modo de subida adequados.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
Questão Prévia:
- Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso;
Mérito do Recurso:
- Da admissibilidade da penhora de outros bens do Executado para além daquele sobre o qual foi constituída hipoteca.
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III. Questão Prévia:
- Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
Com as respetivas alegações de recurso o Apelante juntou quatro documentos, todos eles referentes ao processo executivo n.º 1597/(…): requerimento executivo na origem desse processo, com data de 30.03.2022; notificação após penhora realizada nesse processo, com data de 09.05.2023; edital relativo à publicidade dessa penhora, afixado em 26.06.2023; e, reclamação de créditos apresentada nesse processo pelo aqui Exequente/Apelante, com data de 08.01.2024.
Nada é dito pelo Apelante no sentido de fundamentar a necessidade da junção desses documentos.
Sobre a admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso estabelece o artigo 651º, n.º 1, do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Por seu lado, o citado artigo 425º do CPC determina que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Conforme se escreve no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2019, disponível em www.dgsi.pt, “Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância”.
Relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objetiva e de superveniência subjetiva: aqueles devem-se à produção do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Constituem exemplos de superveniência subjetiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro que, apesar de notificado nos termos do artigo 429º ou 432º do CPC, só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida, e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva.
Quanto à segunda hipótese, a da necessidade da consideração do documento em face do julgamento proferido em primeira instância, a mesma pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes, “(podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.
Na situação dos autos, como vimos, o Apelante não aponta qualquer justificação para a junção de documentos efetuada com as suas alegações.
Esses documentos consubstanciam elementos extraídos do processo executivo n.º 1597/(…), à ordem do qual foram penhoradas as duas frações autónomas também penhoradas nos presentes autos, sendo que todos eles têm data anterior a 22.01.2024, data essa em que o Exequente apresentou a sua oposição nos presentes autos. E todos esses documentos eram do conhecimento do ora Exequente/Apelante, bastando para tanto atentar na circunstância de a reclamação de créditos agora junta ser da sua autoria.
Decorre do exposto que não se encontra demonstrada a superveniência, objetiva ou subjetiva, desses documentos.
E também não se vislumbra a necessidade da consideração desses documentos em face do julgamento proferido em primeira instância, onde não é abordada qualquer questão relacionada com eles.
Nessa medida, não se admite a junção dos referidos documentos, determinando-se a sua restituição ao apresentante, o qual se condena em multa que se fixa em 1 UC – art.º 443º, n.º 1, do CPC e 27º, n.º 1, do RCP.
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IV. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.
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V. Mérito do Recurso:
- Da admissibilidade da penhora de outros bens do Executado para além daquele sobre o qual foi constituída hipoteca.
O incidente de oposição à penhora encontra-se previsto no art.º 784º e ss. do CPC, traduzindo um meio de defesa do executado contra a realização de penhora ilegal que incida sobre os seus bens próprios.
Nos termos do n.º 1, do art.º 784, do CPC, “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens do executado concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens do executado que só subsidiariamente respondiam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens do executado que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência”.
O citado normativo contém um elenco taxativo dos fundamentos da oposição à penhora, identificando as concretas situações que podem justificar o recurso a tal incidente.
Pode dizer-se que as alíneas a) e c), do n.º 1, do referido art.º 748º do CPC, respeitam a situações de impenhorabilidade dos bens, cabendo na sua alínea b) as situações de violação das regras relativas à subsidiariedade da penhora.
É no âmbito destas regras de subsidiariedade que se insere o art.º 808º, n.º 2, do CPC, invocado na sentença apelada. De acordo com esse normativo, “Na execução renovada, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 807º, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
O citado art.º 808º, n.º 2, do CPC, como expressamente nele se refere, reporta-se aos casos de renovação da execução em que, na sequência da celebração de acordo de pagamento entre exequente e executado, tenha havido conversão de prévia penhora em hipoteca ou penhor, em conformidade com o disposto no art.º 807º, n.º 1, do CPC.
Sempre se dirá que a mesma regra de subsidiariedade deriva igualmente do art.º 752º, n.º 1, do CPC, aplicável à execução em geral, nos termos do qual “Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
No entanto, temos por seguro que o art.º 808º, n.º 2, do CPC, não pretende repetir, para as execuções renovadas, o regime do citado art.º 752º, n.º 1, do mesmo diploma, mas sim deixar claro que tal regra também vale para as garantias reais constituídas no processo por força da conversão prevista no art.º 807º, n.º 1, do CPC.
As normas processuais a que acabamos de aludir estão em sintonia com a lei substantiva que, no seu art.º 697º, 1ª parte, do Código Civil, prevê que “O devedor que for dono de coisa hipotecada tem direito de se opor não só a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia (…)”.
Conforme decorre do exposto, no âmbito das garantias reais vigora uma regra de subsidiariedade expressa, nos termos da qual a penhora tem por objeto primário os bens onerados com garantia real, só se avançando, subsidiariamente, para a penhora de outros bens, quando aqueles se revelem insuficientes para o pagamento da quantia exequenda.
Como bem se refere no Acórdão da RE de disponível em www.dgsi.pt, “As regras relativas à subsidiariedade, nas situações em que existem garantias reais voluntárias, assentam essencialmente no princípio de que o credor teve o cuidado de acautelar, com a constituição daquelas garantias, a satisfação do seu crédito, e que, desse modo, os bens onerados seriam tidos por suficientes para satisfazer o crédito (nessa linha, o legislador quis evitar abusos na agressão ao património do devedor, dada aquela previsível suficiência). A oneração dos bens implica, também, uma implícita escolha (pelo credor e devedor) dos bens que ficam logo especialmente associados ao cumprimento (coercivo), como efeito da sua especial afetação à obrigação garantida. Mas tal ocorre sem que o credor renuncie ao direito ao cumprimento integral da prestação devida, continuando a valer o princípio que responsabiliza todos os bens do devedor (art. 601º do CC). Nessa medida, a subsidiariedade radica na expectável suficiência dos bens prioritariamente responsáveis e dela depende. Esta sua justificação envolve ainda, secundariamente, uma ideia de proporcionalidade: a esperada suficiência dos bens onerados e tidos por prioritários torna excessiva, e assim contrária ao programa de tutela da propriedade do executado, a penhora de outros bens. Simetricamente, a subsidiariedade deixa de se justificar quando a satisfação do direito do credor não é garantida pelos bens onerados, pois a tutela do seu direito de crédito prevalece sobre o direito do devedor aos bens do seu património (ideia de que são expressão os art. 601º e 605º e ss., 798º ou 817º do CC). A subsidiariedade em causa define-se, delimita-se e afere-se, pois, exclusivamente em função da suficiência, ou não, dos bens onerados para garantir a satisfação do interesse do credor”.
Na situação dos autos, o Executado deduziu oposição à penhora com fundamento no disposto no art.º 784º n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.
O Tribunal a quo julgou procedente o incidente de oposição à penhora, porquanto, tendo ocorrido a renovação da instância executiva, face ao disposto no art.º 808º, n.º 2, do CPC, considerou que “(…) o primeiro ato após a renovação deveria ter sido a penhora do imóvel hipotecado – pelo que todos os atos praticados entre 6-XI-23 e 24-XI-23 são nulos (incluindo a penhora da fração ‘CZ’), uma vez que não houve reconhecimento de qualquer “insuficiência” (agora alegada)”.
O Apelante discorda, defendendo que a penhora do imóvel do Executado/Oponente sobre o qual foi constituída hipoteca é manifestamente insuficiente, face às garantias reais que incidem sobre esse imóvel e sobre o imóvel do outro Executado e à penhora no valor de 1.687.800,20 € que incide sobre esses dois imóveis.
Vejamos.
Dos autos resulta o seguinte:
- Em 31.07.2017 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração O (…), propriedade do Executado/Oponente Tomas (…), ao qual foi atribuído o valor de 83.550,00 €;
- Nessa mesma data foi junto aos autos documento comprovativo de que pela Ap. 2551 de 25.07.2017 foi efetuada a inscrição dessa penhora a favor do Exequente;
- Em 04.06.2018, Exequente e Executados vieram “requerer de comum acordo a suspensão da instância executiva ao abrigo do artigo 806º do C.P.C.”, estipulando, designadamente, que “A penhora registada no âmbito da presente execução deverá ser convertida em hipoteca a favor da Exequente, pelo montante de 658 545,00 €”;
- Face a esse acordo, em 19.06.2018 a Agente de Execução declarou extinta a execução;
- Em 09.08.2018 foi junto aos autos documento comprovativo de que pela Ap. 3043 de 24.07.2018 foi efetuada a inscrição da “Conversão de Penhora em Hipoteca”;
- Em 03.11.2023 a Exequente requereu a renovação da instância executiva, nos termos do art.º 808º, n.º 1, do CPC, referindo que os Executados são devedores “do valor remanescente de € 509.088,56, acrescido dos juros de mora que se vierem a vencer, à taxa peticionada no requerimento executivo até integral e efetivo pagamento”;
- Em 06.11.2023 foi decidida pela Agente de Execução “a renovação da presente instância executiva, nos termos do Artigo 850º do CPC”;
- Em 07.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo à “Penhora do vencimento que o executado aufere por conta da sociedade "SOPLACAS, S.A." até perfazer o montante da quantia exequenda acrescida de juros e despesas prováveis calculadas provisoriamente”, no valor de 887,88 €;
- Em 14.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração O (…)”, propriedade do Executado T (…), ao qual foi atribuído o valor de 84.803,25 €, correspondente ao seu valor patrimonial;
- Nessa mesma data foi junta certidão predial comprovativa de que:
a) pela Ap. 85 de 06.04.2000 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de Banco de Investimento Imobiliário, S.A., ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 36.428.000,00 Escudos (181.703,00 €);
b) pela Ap. 1431 de 25.09.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de S (…), ascendendo o “Capital” ao valor de 150.000,00 €;
c) pela Ap. 3043 de 24.07.2018 foi efetuada a inscrição da conversão da penhora inscrita pela Ap. 2551 de 25.07.2017 em hipoteca a favor do Exequente;
d) pela Ap. 7224 de 23.03.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor de X (…) S.A.R.L., ascendendo a quantia exequenda a 1.698.800,29 €;
e) pela Ap. 4376 de 24.11.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor do Exequente.
- Ainda em 14.12.2023 foi junto aos autos “Auto de Penhora” relativo ao “Prédio urbano, referente à fração CZ (…)”, propriedade do Executado J (…) e mulher, ao qual foi atribuído o valor de 190.920,23 €;
- Nessa mesma data foi junta certidão predial comprovativa de que:
a) pela Ap. 37 de 29.11.2006 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de Banco BPI, S.A., ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 445.511,50 €;
b) pela Ap. 2158 de 06.06.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 100.000,00 €;
c) pela Ap. 1303 de 12.09.2012 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de A (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 50.000,00 €;
d) pela Ap. 3548 de 23.12.2014 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 75.000,00 €;
e) pela Ap. 2401 de 29.07.2020 foi inscrita hipoteca voluntária desse imóvel a favor de L (…), ascendendo o “Montante Máximo Assegurado” ao valor de 180.000,00 €;
f) pela Ap. 7224 de 23.03.2023 foi inscrita a penhora desse imóvel a favor de X (…) S.A.R.L., ascendendo a quantia exequenda a 1.698.800,29 €;
g) pela Ap. 4669 de 24.11.2023 foi efetuada a inscrição dessa penhora a favor do Exequente.
- Em 15.12.2023 a Agente de Execução proferiu a seguinte decisão: “Resulta da Certidão Permanente, penhora anterior no imóvel propriedade do executado T (…) registada no âmbito do processo de execução nº 1597/(…), registada com a AP. 7224 de 2023/03/23 havendo lugar à sustação da presente execução, nos termos do artigo 794º do Código Processo Civil”; e,
- Ainda em 15.12.2023 a Agente de Execução proferiu a seguinte decisão: “Resulta da Certidão Permanente, penhora anterior no imóvel propriedade do executado J (…), registada no âmbito do processo de execução nº 1597/ (…), registada com a AP. 7224 de 2023/03/23 havendo lugar à sustação da presente execução, nos termos do artigo 794º do Código Processo Civil”.
Sendo esta a factualidade a considerar, dúvidas não temos de que a penhora da fração autónoma identificada pela letra “O”, propriedade do Executado/Oponente, com o valor patrimonial de 84.803,25 €, não é suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda que se cifra no valor de 509.088,56 €, acrescido de juros de mora.
Desde logo, apesar de se admitir como possível que o valor de mercado desse imóvel seja superior ao seu valor patrimonial, inexistem quaisquer elementos objetivos nos autos que nos permitam afirmar que esse valor se aproxima, sequer, do valor da quantia exequenda, sendo que o Executado/Oponente nada demonstrou, como lhe competia, nesse sentido.
Por outro lado, mesmo considerando que o produto da venda da referida fração autónoma, contrariamente ao que é afirmado pelo Exequente/Apelante, será afeto, em primeiro lugar, ao pagamento do crédito exequendo e só depois ao crédito da X (…), S.A.R.L. - atenta a garantia resultante da hipoteca registada em momento anterior ao do registo dessa penhora (cfr. art.º 686º, n.º 1, do CC) -, a verdade é que sobre o referido imóvel incidem duas hipotecas registadas em momento anterior ao registo daquela que garante o crédito exequendo: a hipoteca inscrita pela Ap. 85 de 06.04.2000 a favor do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. que assegura o montante máximo de 181.703,00 €; e a hipoteca inscrita pela Ap. 1431 de 25.09.2012 a favor de S (…) que assegura o valor de 150.000,00 €. Assim, o produto da venda da referida fração autónoma será afeto, em primeiro lugar, ao pagamento dos créditos garantidos por essas hipotecas, respeitando a regra da antiguidade do registo, e só depois, caso sobre algum montante, ao pagamento do crédito exequendo. E, note-se, a existência dessas duas hipotecas já era conhecida nos autos em 24.07.2018, data em que a Agente de Execução procedeu à conversão da penhora efetuada à ordem dos mesmos em hipoteca.
Ora, neste enquadramento, temos de reconhecer que a penhora da fração autónoma identificada pela letra “O”, efetuada em 14.12.2023, sobre a qual incide a hipoteca constituída para garantia do pagamento do crédito exequendo, não será suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda, realidade que já era conhecida nos autos aquando da realização, em 07.12.2023, da penhora do vencimento do Executado/Oponente, motivo pelo qual nada obstava à penhora de outros bens.
Saliente-se que nem a conjugação da penhora dessa fração autónoma com a penhora da fração autónoma identificada pelas letras “CZ”, propriedade do Executado J (…) e mulher, à qual foi atribuído o valor de 190.920,23 €, permite o pagamento integral da quantia exequenda, pois sobre essa fração autónoma incidem, registadas em momento anterior ao do registo da penhora efetuada no âmbito da presente execução, os seguintes ónus: hipoteca inscrita pela Ap. 37 de 29.11.2006, a favor de Banco BPI, S.A., a qual assegura o pagamento do montante máximo de 445.511,50 €; hipoteca inscrita pela Ap. 2158 de 06.06.2012, a favor de L (…), a qual assegura o pagamento do montante máximo de 100.000,00 €; hipoteca inscrita pela Ap. 1303 de 12.09.2012, a favor de A (…), a qual assegura o pagamento do montante máximo de 50.000,00 €; hipoteca inscrita pela Ap. 3548 de 23.12.2014, a favor de L (…), a qual assegura o pagamento do montante máximo de 75.000,00 €; hipoteca inscrita pela Ap. 2401 de 29.07.2020, a favor de L (…), a qual assegura o pagamento do montante máximo de 180.000,00 €; e, a penhora inscrita pela Ap. 7224 de 23.03.2023, a favor de X (…) S.A.R.L., para pagamento da quantia exequenda a 1.698.800,29 €.
Aqui chegados e em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se que os factos não revelam, nem a suficiência do bem onerado com garantia real para o pagamento da quantia exequenda, nem qualquer excesso de penhora, pelo que, na procedência do recurso, revoga-se a sentença apelada, julgando-se improcedente a oposição à penhora.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em:
a) não admitir os documentos juntos pelo Apelante com as respetivas alegações de recurso, condenando-se o mesmo em multa que se fixa em 1 UC;
b) julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por uma outra que julga improcedente a oposição à penhora.
Custas pelo Apelado.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10/07/2025
Susana Mesquita Gonçalves
Rute Sobral
Paulo Fernandes da Silva