CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA
FORMA ESCRITA
INTERPRETAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
CAUSA
Sumário

I. Encontrando-se o contrato de intermediação desportiva sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respectivas condições de pagamento, na interpretação do mesmo ficará afastada a possibilidade de se produzir prova testemunhal sobre o acordado, ainda que não esteja vedada a possibilidade de interpretação do contexto do documento – cf. artº 393º do CC.
II. Da cláusula de retribuição adicional de transferência definitiva do jogador, devida ao empresário desportivo, resulta inequivocamente que esta estava sujeita, quer à verificação da declaração volitiva do Clube adquirente, quer ainda à condição temporal de tal ter de se verificar até 31/05/2020.
III. Não integra a previsibilidade do artº 458º do CC a situação em que na declaração o devedor enuncia expressamente a causa da dívida reconhecida.
IV. Não constitui reconhecimento da dívida da ré perante a Autora o comunicado feito por esta à CMVM, quer do resumo das operações de entradas e saídas de jogadores ocorridas no mercado de transferências, quer ainda o valor das vendas e comissões devidas. Pois nem tal comunicado não foi emitido por entidade com competência para vincular a Ré e em nome dela confessar ou transigir, e não resulta de uma avaliação concreta das condições e vicissitudes contratuais relativas às entradas e saídas daqueles jogadores.
V. O mesmo se diga, relativamente aos Relatórios e Contas dos naos em causa, estes elaborados pela área financeira da sociedade e que apenas espelham o que vem lançado em contabilidade, sem que avaliem o mérito de uma concreta relação contratual e que definam uma interpretação contratual que resulte no reconhecimento ou no não reconhecimento de obrigações pecuniárias.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
AA Sports Gestão e Marketing Eireli, empresa individual de responsabilidade limitada de direito brasileiro intentou a presente acção com a forma comum contra Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, pedindo:
a) Se condene a Ré a pagar à A., pelos serviços prestados por si e pela sociedade parceira, no âmbito do contrato com estas celebrado a quantia valor global de capital de GBP 437.250,00 (quatrocentos e trinta e sete mil e duzentas e cinquenta libras esterlinas), correspondentes, nesta data, a €524.563,21 (quinhentos e vinte e quatro mil quinhentos e sessenta e três euros e vinte um cêntimos);
b) Se condene a Ré a pagar à A. o valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados sobre o valor do capital inscrito em cada uma das facturas supra identificadas, às sucessivas taxas de juros comerciais sucessivamente aplicáveis, desde a data de vencimento de cada uma delas até efectivo e integral pagamento, computando-se o valor dos juros vencidos em GBP 45,401,71 (quarenta e cinco mil quatrocentas e uma mil libras esterlinas e setenta e um centavos) correspondentes, nesta data, a € 54.567,89 (cinquenta e quatro mil quinhentos e sessenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos);
Subsidiariamente,
c) Na hipótese de, por qualquer circunstância, vir a ser entendida como relevante para a decisão a proferir nos autos, a consideração da data de 31 de maio de 2020 aposta no contrato de intermediação, sob o seu ponto 2. da cláusula 2, deve, nos termos do nº 1 do artigo 437º do Cód. Civil, atenta a anormal alteração de circunstâncias descrita sob os artigos 18º e 19º supra, ser declarada a modificação do contrato de intermediação, no que a esta data respeita, passando a considerar-se em substituição da mesma a do dia 10/08/2020 - sexto dia após o término da segunda liga inglesa;
d) Ser, consequentemente, em qualquer caso, a Ré condenada nos pedidos formulados sob as alíneas A) e B), que aqui se dão por, integralmente, reproduzidos.
Sustenta para o efeito que, dedica-se à prestação de serviços de consultoria e intermediação desportiva, representando clubes e jogadores de futebol na celebração de contratos de transferência, temporária ou definitiva, e na celebração e renovação de contratos de trabalho desportivo. Na época desportiva 2019/2020, em Julho de 2019, a Autora comunicou à Ré que o West Bromwich Albion Football Club (WBA) manifestara interesse na aquisição temporária dos direitos federativos ou de registo do seu jogador profissional de futebol BB. A Ré manifestou-se receptiva à negociação e acordou com a A. a celebração de um contrato de prestação de serviços a prestar pela Autora e pela CC Solutions, com vista à concretização da transferência temporária do jogador com opção de compra pelo WBA. A Ré acordou pagar à Autora e sociedade parceira, na proporção de metade para cada uma, o valor em libras esterlinas ou euros correspondente a 10% do preço das transferências do jogador, temporária ou definitiva, que se viessem a concretizar, como é prática neste tipo de contratos.
Convencido pela Autora e sociedade parceira, o WBA apresentou uma proposta de transferência temporária do jogador com opção de compra que mereceu o acordo da Ré. Em 08 de Agosto de 2019 foi assinado o contrato de transferência temporária e em 10 de Agosto foi assinado o contrato de intermediação. Ainda em fevereiro de 2020 o WBA manifestou a vontade em adquirir definitivamente o jogador, opção que não se concretizou por causa da pandemia. Por força da pandemia deu-se a suspensão das competições oficiais em que se encontrava o WBA, entre 07/03/2020 e 07/06/2020, e a segunda liga inglesa só veio a ser concluída em 20/08/2020. Em Maio de 2020 o WBA comunicou à Ré a sua vontade em exercer a opção de compra do jogador, vindo a adquirir definitivamente os direitos federativos do jogador. A Autora remeteu as facturas referentes ao preço dos serviços que prestara, mas a Ré, embora reconhecendo o crédito da Autora, não as pagou, o que justificou com dificuldades financeiras. Mais tarde comunicou à Autora que afinal não iria pagar o valor das duas últimas facturas afirmando que a transferência definitiva do jogador não ocorreu na sequência de uma decisão do WBA de exercer a sua opção através de uma notificação, mas sim automaticamente e depois da data limite para exercer tal direito, colando-se a uma interpretação reduzidamente literal do ponto 2 da cláusula 2 do contrato celebrado entre as partes. Ora, as partes sabiam que as condições de que dependia a obrigatoriedade da aquisição definitiva dos direitos do jogador, a verificarem-se, ocorreriam, necessariamente, antes de 31/05/2020.
Conclui que o ponto 2 da cláusula 2ª do contrato de intermediação não teve em mente cingir o direito da Ré ao preço condicional apenas no caso do WBA vir a comunicar por escrito o exercício do direito de opção de aquisição definitiva, mas definir a data de 31 de maio como aquela até à qual o direito da Ré ao preço se manteria. Acrescenta que a Ré sempre reconheceu a dívida à Autora e sociedade parceira e confessou-o em comunicação obrigatória à CMVM e nos relatórios de contas. Ao valor de capital das facturas acrescem juros vencidos e vincendos desde a data de vencimento das facturas.
Devidamente citada, a Ré apresentou contestação.
Alega em suma que, de acordo com o contrato celebrado entre as partes, as mesmas acordaram uma retribuição certa e uma retribuição incerta. A retribuição certa consta no nº 1 da Cláusula 2ª do contrato e foi paga. Já a remuneração incerta estava dependente de um requisito volitivo que residia na manifestação de vontade do clube inglês, dirigida ao Sporting, por escrito, no sentido de exercer a opção de compra sobre o jogador e um requisito temporal que residia na circunstância de tal manifestação escrita ter de ocorrer até 31 de Maio de 2020. Sucede que esta condição não chegou a verificar-se, pois havia outras condições destinadas à transferência definitiva por efeito automático acordadas entre o Réu e o WBA, isto é, caso o WBA fosse promovido ao primeiro escalão e o jogador tivesse intervindo em determinado número de jogos, ou caso o jogador tivesse intervindo em determinado número de jogos com determinada permanência em campo. Esta última hipótese não foi considerada no contrato celebrado com a Autora e não o foi por lapso. Acontece que, até 31 de Maio de 2020, o WBA não notificou a Ré de que pretendia adquirir os direitos do jogador, mas o clube subiu de divisão e o jogador completou mais de 30 jogos com mais de 45 minutos em campo, razão pela qual a Ré deu por verificada a condição automática e remeteu a sua factura destinada ao pagamento do preço da transferência.
Defende que nunca ocorreu qualquer reconhecimento por parte da Ré do crédito reclamado pela Autora, o que não se pode extrair do pedido de correcção de uma factura face a uma desconformidade formal, nem de um comunicado ou de Relatórios de Contas que apenas espelham o que vem lançado na contabilidade. Conclui pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Em 09/04/2024, foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio. Consignaram-se os factos assentes e procedeu-se à enunciação dos temas da prova.
Foram apresentadas reclamações que foram decididas por despacho de 21/06/2024.
Procedeu-se à realização da audiência final, nesta a Autora rectificou a al. A) do petitório de modo a que dele conste o pedido de pagamento o pedido de pagamento do valor de capital de GBP 437.500,00 (quatrocentos e trinta e sete mil e quinhentas libras esterlinas), correspondentes, “nesta data, a €525.161,21 (quinhentos e vinte e cinco mil cento e sessenta e um euros e vinte e um cêntimo)”.
Foi proferida sentença na qual se absolveu a ré do peticionado pela Autora nos autos.
Inconformada veio a Autora recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«A) A decisão sob recurso, para além de nula e sem prejuízo do que, subsidiariamente se requererá quanto à matéria de facto, encerra um flagrante erro na aplicação do direito;
B)Tendo presente os fundamentos de facto, designadamente os factos dados como provados sob o ponto 15. da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal a quo, obedecendo a um silogismo judiciário lógico, deveria ter sido, desde logo, no sentido da condenação da recorrida no pagamento do valor correspondente aos juros de mora calculados sobre o montante inscrito na factura junta como Doc 3. com a petição inicial, calculados desde a data de vencimento da mesma até 5 de Abril de 2024 e que se fixam em € 11.224,14 (onze mil duzentos e vinte e quatro euros e catorze cêntimos).
C) Ao não ter decidido neste sentido, salvo melhor entendimento, a decisão apresenta-se em oposição com os fundamentos de facto, na parte referida, sendo, por isso, a sentença nula, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC;
D) Assim não se entendendo, não se considerando existir oposição entre a fundamentação e a decisão, atendendo a que Tribunal a quo tampouco se pronunciou na fundamentação de direito da decisão sobre a questão dos juros de mora, sempre teríamos que a sentença seria nula por omissão de pronúncia sobre questão que devia conhecer, nos termos da alínea d) do mesmo nº 1 do artigo 615º do CPC;
E) Posto isto, muito mal andou o Tribunal a quo na tarefa interpretativa do contrato de prestação de serviço de intermediação, em crise nos autos, desde logo em ordem aos factos dados como provados, mormente ao facto constante do ponto 6. da matéria de facto provada;
F) Embora sem que se tivesse socorrido ou disso dado nota na decisão de toda a abundante prova que a confirma, o Tribunal a quo logrou apurar a vontade comum e real das partes quanto ao preço dos serviços de intermediação prestados, previsto nos números 1 e 2 da cláusula 2 do documento que deu corpo ao contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida;
G) Sob o ponto 6. da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo deu como assente que “A Ré e A. acordaram que esta e a sociedade parceira teriam direito a 10% do preço da transferência temporária, caso esta se viesse a materializar e, posteriormente, no caso de se vir a concretizar a transferência definitiva, igual percentagem do preço desta”
H) Contudo, na fundamentação de direito da decisão veio a desconsiderar essa vontade comum e real das partes assentando num conjunto de equívocos, considerações, suposições e ilações desprovidos de suporte lógico e factual que, ademais, ignoram e subvertem o tipo e o fim do contrato em crise nos autos e, bem assim, os demais elementos que integram o contexto em que foi celebrado.
I) Mais e com especial relevância na decisão da causa, fá-lo sem que tenha apurado e, por
consequência, dado como provado, qualquer outro facto que apontasse numa vontade real
diversa da que afirmara;
J) Limitou-se, grosso modo, a apontar o teor do documento – vulgo, contrato – em que as partes exteriorizaram as suas vontades, para justificar que a vontade comum e real das partes, afinal, não é aquela que apurara e deu como provada, mas tão-só a que está expressa em tal documento;
K) Ora, o documento, por si só, não é gerador de efeitos jurídicos, de direitos e de obrigações, sendo apenas a forma exigida por lei ou escolhida pelas partes para exteriorizarem a sua vontade, para corporizarem as suas declarações de vontade;
L) Para que o Tribunal a quo tivesse podido desconsiderar o acordo de vontades que logrou apurar, impunha-se que tivesse sido apurado e, portanto, dado como provado, que, num momento subsequente, em que a vontade de ambas as partes convergiu, essa vontade comum tivesse sofrido alguma alteração na sua essência, explicitando e justificando essa conclusão de forma sustentada, o que não sucedeu;
M) Apurada a vontade comum e real, Tribunal a quo deveria ter prosseguido na sua tarefa
interpretativa, cuidando de verificar, fundamentadamente, se, estando em causa um negócio formal, essa vontade tinha o mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que expressa de forma imperfeita, ou se, mesmo que assim não entendesse, se as razões determinantes da forma do negócio se não opunham ao sentido da vontade apurada, o que não fez;
N) Dúvidas não podem subsistir quanto à vontade comum e real das partes ou, ainda que assim, por mera hipótese de raciocínio, não se entendesse, quanto à vontade juridicamente relevante da declaração exteriorizada no ponto 2 da clausula 2 do contrato de prestação de serviço de intermediação;
O) Medianamente se entendendo no contexto negocial que redação do nº 2 do da cláusula 2 do contrato de intermediação decorreu da conexão entre os contratos de prestação de serviço de intermediação e de transferência temporária do jogador, da ligação umbilical entre os mesmos, aquele celebrado entre a Recorrente – e a sociedade parceira – e a Recorrida e este celebrado entre esta, o WBA e o jogador;
P) Apesar de a Recorrida entender já afirmada a vontade comum e real das partes, sob o ponto 6. da matéria de facto provada, se assim não for entendido pelo Tribunal ad quem, tendo presente tudo quanto se deixou alegado sob o ponto 2) da presente alegação de recurso, deve essa vontade real, por inequívoca, ser dada como provada acrescentando-se à matéria que assim já foi considerada pelo Tribunal a quo, nos seguintes termos que se sugerem:
Q) “A Recorrida, a Recorrente e a sociedade parceira desta, acordaram, a título de preço pelos serviços a prestar por estas àquela, no pagamento do valor equivalente a 10% do preço da transferência temporária e, bem assim, a 10% do preço da transferência definitiva do jogador BB, independentemente desta transferência vir a ocorrer por decisão do WBA, a comunicar por escrito àquela, até 31 de Maio de 2020 ou ser determinada pelo cumprimento de condições objectivas, contratualmente previstas, tendo sido esta a vontade comum e real das partes.”
R) Para tanto se ponderando e confrontando a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo – designadamente a constante dos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 11., 13., 13., 16., 21., 26., 27., 32., 33., 34., 35., 36. e 37 – conjugada com o depoimento do legal representante da Recorrida, Sr. Dr. DD – aos minutos 00:00 a 00:35 da segunda parte da gravação do seu depoimento, registada entre as 11:54 e 12:34 horas do dia 16/10/2024 –, o depoimento, em especial da testemunha EE – aos minutos 2:35 a 3.30, 3:55 a 5:55, 9:40 a 11:00 e 31:30 a 31:45 da primeira parte da gravação do depoimento, registada entre as 11:57 e as 12:30 horas do dia 24/10/2024, e minutos 4:45 a 6:05, 11:10 a 12:25, 17:20 a 18:05, 25:20: a 26:15, 26:45 a 28:05, 28:15 a 28:45, da segunda parte da gravação do depoimento, registada entre as 14:13 e as 15:15 horas do dia 24/10/2024 –, o depoimento da testemunha FF – minutos 8:45 a 9:10 e 39:10 a 41:00 da gravação do depoimento, registada entre as 15:23 e 16:32 horas do dia 24/10/2024 –,
S) bem como, com o teor dos documentos 6, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial, com o teor dos documentos juntos pelo requerimento de 20/10/2023 e, bem assim, com o teor das mensagens áudio e escritas trocadas, via whatsapp, entre a referida testemunha EE e o legal representante da Recorrente, Jolden AA – juntas aos autos pelo requerimento datado de 06/9/2022 e, novamente juntas, já reproduzidas em acta notarial (com excepção dos ficheiros áudio que aí apenas são identificados mas foram reproduzidos em audiência de julgamento) 15/10/2024.
T) Acrescentando-se, ainda, à matéria de facto dada como provada, embora como facto instrumental, igualmente tendo presente o alegado sob o ponto 2 da alegação de recurso,
designadamente pela conjugação do depoimento da testemunha FF – minutos 8:45 a 9:40 da gravação do depoimento – com o teor dos documentos juntos pela Recorrente a 20/10/2023, o seguinte facto: “a segunda liga inglesa terminaria no dia 25 de Maio de 2020, data agendada para a final do playoff de promoção à primeira liga inglesa”
U) Mais do que o sentido que seria apreendido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, do comportamento do declarante – que sempre caberia ao Tribunal – quanto à declaração em crise nos autos, logrou-se ir além e, assim, apurou-se a vontade comum e real das partes.
V) Apurada esta vontade, estando em causa um negócio formal, para que o sentido dessa vontade possa ser considerado terá de ter o mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que expresso de forma imperfeita, ou, mesmo que assim não se entenda, as razões determinantes da forma do negócio não se podem opor ao sentido da vontade apurada;
W) In casu, tem-se por manifesto que a assim é, nada obstando a que o sentido da vontade comum e real apurada possa e deva ser considerado;
X) Sem prescindir, ainda que por mera hipótese de raciocínio, se não viesse a considerar apurada a vontade comum e real das partes e alguma dúvida ficasse quanto o sentido juridicamente relevante da declaração exteriorizada no nº 2 da clausula 2 do documento que corporiza o contrato de intermediação, sempre terá o Tribunal ad quem, nos termos do artigo 237º do CC, que considerar o sentido sustentado pela Recorrente, porquanto, tratando-se de um contrato oneroso, é o que conduz a um maior equilíbrio entre as partes;
Y) Ainda sem prescindir, se, em resultado da interpretação do contrato, se viesse a concluir que, em função da redacção do ponto 2 da cláusula 2 do contrato, a não inclusão no texto, de forma expressa e literal, do direito ao preço, também, quando a opção de compra do jogador operasse de forma automática, verificadas as condições objectivas previstas, encerraria um caso de omissão, deveria a declaração contida nesse ponto ser integrada, nos termos do artigo 239º do CC, de acordo com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou seja, de acordo com a vontade sustentada pela Recorrente.
Z) Subsidiariamente, na hipótese de, em qualquer circunstância, vir a ser entendida como
relevante para a decisão a proferir nos autos, a consideração da data de 31 de maio de 2020 aposta no contrato de intermediação, sob o seu ponto 2. da cláusula 2, deve, nos termos do nº 1 do artigo 437º do Cód. Civil, atenta a anormal alteração de circunstâncias descrita sob o pontos 19. da matéria de facto provada, ser declara a modificação do contrato, no que a esta data respeita, passando a considerar-se em substituição da mesma a do dia 4/07/2020 ou, caso venha a ser dado como provado que a segunda liga inglesa terminaria 25 de Maio de 2020, a do dia 10/08/2020;
AA) Sem prejuízo de tudo quanto se deixou dito, se perante uma declaração unilateral onde não se indica nenhuma relação fundamental o credor fica, nos termos do 458º do CC, dispensado de provar a existência dessa relação fundamental, de uma causa para a dívida, o mesmo deve acontecer, por maioria de razão, nos casos em que no documento se indica uma relação fundamental, caso em se deverá presumir, não apenas que a dívida tem uma causa, mas também que a dívida tem a causa indicada.
BB) Pelo que caberia à Recorrida, nos termos do nº 2 do artigo 350º fazer prova em contrário, o que não fez.
CC) Assim resulta que, mesmo que não procedesse a acção por tudo quanto se deixou ditou, sempre esta teria que ser julgada procedente, por via da presunção de a Recorrente beneficia.
DD) Por tudo quanto se alegou, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Recorrida no
pedido;
EE) Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e violou a normas
contidas nos artigos 236º, 237º, 238º, 239º, 350º, 437º e 458ºdo CC.».
A ré respondeu em contra alegações, nas quais pugna que “É irrepreensível na fundamentação da matéria de facto que dá por provada e por não provada, bem como na subsunção dessa matéria de facto ao direito, em ordem a alcançar a decisão final.”, mais dizendo que “a presente resposta circunscrever-se-á à apresentação de alguns apontamentos que ajudam a demonstrar a falência da argumentação da recorrente e a necessidade de manutenção da decisão recorrida”, expondo no seu articulado resposta tais argumentos.
Na apreciação da nulidade o Tribunal a quo decidiu que: “(…)Efectivamente o pedido global formulado nos autos sob a alínea a) do petitório - GBP 437.500,00 (quatrocentos e trinta e sete mil e duzentas e cinquenta libras esterlinas) respeitava tanto à factura devida pela transferência temporária do jogador no montante de £25.000,00 (vinte e cinco mil libras esterlinas), junta à p.i. como doc. 3, como às (duas) facturas relativas à transferência definitiva do jogador no total de GBP 412.500,00 (£206.250,00x2) (docs. 7 e 8 da p.i.).
O pomo da discórdia das partes residia no pagamento destas últimas tendo o Tribunal entendido que tal pagamento não era devido.
O Tribunal não se pronunciou especificamente sobre o pagamento da factura no montante de £25.000,00 porquanto esse pagamento ocorreu na pendência da causa (em 05/04/2024) conforme resulta do ponto 15 da matéria de facto provada.
Em todo o caso, sendo certo que foram peticionados juros vencidos e vincendos sobre todas as facturas importava tomar posição sobre os juros devidos sobre a factura no valor de £25.000,00 com data de vencimento em 15/09/2019 e que foi paga em 05/04/2024, pedido relativamente ao qual não foi chegou a ser emitida pronúncia na sentença, por lapso da nossa parte (e não por qualquer consideração implícita de falta de factos para proceder a uma tal condenação). Não há, a nosso ver, contradição entre a decisão e os fundamentos, mas sim, omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia apreciar, o que constitui causa de nulidade da sentença (cfr. art. 615º nº 1 al. d) do C.P.C.) que nos cabe agora suprir, apreciando a questão de saber se são devidos juros de mora vencidos sobre a factura junta à p.i como doc. nº 3.
Com efeito, na contestação a Ré não colocou em causa a sua obrigação de pagar a factura relativa à transferência temporária. O pagamento desta factura ocorreu na pendência da causa e foi dado a conhecer pela própria Autora em sede de reclamação contra despacho que fixou objecto do litígio e enunciou os temas de prova, requerendo que tal pagamento fosse considerado na matéria assente, o que se verificou por despacho subsequente.
Na contestação que apresentou em 06/06/2022, a Ré centrou a sua defesa na circunstância de não ser devida qualquer comissão pela transferência definitiva do jogador e apesar de ter pugnado pela improcedência total da acção, nada de concreto opôs relativamente à factura junta como doc. nº 3 nem quanto aos seus juros, chegando a afirmar na contestação nos arts. 4º e 5º que “a remuneração certa (…) a que a autora alude no artº 16º da sua petição inicial” (reportando-se à remuneração pela transferência temporária, serviço já prestado, alvo da factura junta à p.i. como doc. 3) “foi paga pela ré (não sendo, por isso, aqui reclamada)”. No art. 16º da p.i. a Autora havia alegado: “Concretizada a transferência temporária do jogador, a A. remeteu à Ré a factura correspondente a metade do preço, não sujeito a condição, dos serviços a esta prestados, valor de valor de GPB, 25.000,00 (vinte e cinco mil libras esterlinas), então, equivalente a €27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), com vencimento a 15 de setembro de 2019” Este artigo, coerentemente, não foi impugnado pela Ré. Também não foi impugnado o art. 25º da p.i. no qual a Autora alegou “não obstante a A. tenha remetido, à Ré, as facturas referidas no artigo anterior e no artigo 16º supra e os documentos fiscais que se justificavam, referidos no ponto 3. da cláusula 2 do contrato de intermediação, esta não procedeu ao pagamento do valor inscrito nas mesmas.” (o destacado a bold é nosso). Conforme decorre do processado subsequente, ao contrário do que alegou na contestação, o pagamento da factura no montante de GPB 25.000,00 não havia sido ainda efectuado pela Ré, vindo a sê-lo bem mais tarde sem que a Ré tenha apresentada qualquer justificação para tal.
A Ré não pode aproveitar a pronúncia sobre a nulidade da sentença para ampliar ou modificar o que alegou em sede de contestação. Decorre da contestação que para a Ré nada obstava ao pagamento da factura junta como doc. nº 3, tanto que até julgava (erroneamente) que esse pagamento já tinha ocorrido e que tal factura nem estava a ser reclamada na acção pela Autora. A Ré nada alegou relativamente à bondade da respectiva data de vencimento, designadamente, não alegou que a obrigação de pagamento de tal factura implicava igualmente a apresentação, pela recorrente, de certificado de residência fiscal (Mod. 21 RF1 e/ou outro, se aplicável) devidamente preenchido e carimbado pelas Empresas e respectivas autoridades fiscais, e que tal não havia ocorrido e que foi isso que levou ao não pagamento da factura e/ou a não serem devidos juros de mora, não obstante constar efectivamente do contrato celebrado entre as partes, cláusula 2, nº 3, que “Independentemente das datas de pagamento acordadas, todas as quantias referidas na presente cláusula só serão pagas após a apresentação ao Sporting CP da respetiva fatura e certificado de residência fiscal (Mod. 21 RF1 e/ou outro, se aplicável) devidamente preenchido e carimbado pelas Empresas e respetivas autoridades fiscais.”. A Ré não alegou que tivesse solicitado a rectificação desta factura ou a apresentação de mais documentos para efectuar o respectivo pagamento, bem como aceitou tacitamente os factos alegados nos arts. 16º e 25º da p.i..
Por este motivo, esta questão (atinente ao pagamento da factura junta como doc. 3 e respectivos juros) não foi sequer levada à conta de “questão a decidir”.
Ficou provado na sentença que, concretizada a transferência temporária do jogador, a Autora remeteu à Ré a factura correspondente a metade do preço, não sujeito a condição, dos serviços a esta prestados, no valor de GPB, 25.000,00 (vinte e cinco mil libras esterlinas), então, equivalente a €27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), com vencimento a 15 de setembro de 2019, a qual foi paga em 05 de Abril de 2024. Tendo a Autora inclusive alegado na p.i. que remeteu os documentos fiscais necessários ao pagamento das facturas, incluindo a factura junta como doc. nº 3, sem oposição da Ré neste particular, nada mais tinha de alegar.
De acordo com o art. 805º nº 2 al. a) do Cód. Civil, há mora do devedor independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo. A factura foi emitida em 22/08/2019 e tinha como prazo de vencimento ou data de pagamento (“Date of Payment”) o dia 15/09/2019. Os factos apurados aliados à contestação da Ré são suficientes para concluir que a Ré entrou em mora ao proceder ao pagamento da factura junta como doc. 3 à p.i. apenas em Abril de 2024.
Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º nº 1 do Cód. Civil).
São assim devidos juros de mora vencidos desde a data de vencimento da factura junta à p.i. como doc. 3 até ao seu pagamento ocorrido em 05/04/2024.
A taxa de juros a ter em conta a ter em conta será a taxa legal supletiva (uma vez que não ficou demonstrada a existência de qualquer acordo neste sentido) aplicável aos juros relativamente a créditos de natureza comercial e de que sejam titulares empresas comerciais, como é o caso (cfr. arts. 806º nº 2 e 559º do C.C., conjugados com o art. 102º parág. 3º do Cód. Comercial e com a Portaria nº 597/2005 de 19/07).
Assim, em face do exposto, suprimos a nulidade da sentença nos termos supra expostos e consequentemente altera-se o decisório da sentença de modo a que dele passe a constar:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência decide-se:
a. a) Condenar a Ré a pagar os juros de mora vencidos sobre a quantia paga atinente à factura junta à p.i. como doc. 3, desde a data de vencimento da mesma – 15/09/2019 - até ao seu pagamento em 05/04/2024, à taxa legal supletiva aplicável;
b) Absolver a Ré do demais peticionado.
Condena-se a Autora e Ré nas custas da acção na proporção do decaimento, com redução da taxa remanescente em 80% por se mostrar conforme à postura processual das partes e real complexidade dos autos (cfr. arts. 527º do C.P.C. e 6º nº 7 do R.C.P.).”.
Considera-se o presente despacho como complemento e parte integrante da sentença, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 617.º do C.P.C.”.
Face ao suprimento da nulidade veio a recorrente declarar que se deva considerar inútil a apreciação ou conhecimento do recurso, da questão da nulidade – arguida sob alínea B) da alegação e cujos fundamentos se mostram sintetizados sob as alíneas B) a D) das respectivas conclusões – impondo-se a restrição do âmbito do mesmo às questões que a extravasam.
Recebido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de aditar o facto pretendido pela recorrente, que consubstanciará a vontade real das partes, bem como o facto instrumental nos termos pretendidos pela mesma.
- Haverá que considerar que no contrato se previa o pagamento pela ré à Autora na concretização da transferência definitiva do jogador, nos termos peticionados na acção, ou por prova do acordo de vontades nesse sentido, ou por aplicação do artº 237º do CC e a concretização do equilíbrio entre as partes, ou ainda por integração nos termos do artº 239º do CC.
- É de atender, subsidiariamente, que perante o contrato a causa da existência da dívida ocorre nos termos enunciados pela A. ( artº 437º ou 458º ambos do CC), competindo à ré fazer prova do contrário, o que não logrou fazer.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. A Autora dedicava-se e dedica-se, além do mais, à prestação de servições de consultoria e intermediação desportiva, representando clubes e jogadores de futebol na celebração de contratos de transferência, temporárias ou definitivas, e na celebração e renovação de contratos de trabalho desportivos (alínea A) dos factos provados).
2. A Ré é uma sociedade anónima desportiva que tem como objecto social a participação nas competições desportivas de futebol, bem como a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva de futebol (alínea B) dos factos provados).
3. No início da época desportiva de 2019/20, em Julho de 2019, antes do início da fase competitiva, a Autora, comunicou à Ré que o West Bromwich Albion Football Club, clube inglês que disputava a segunda liga inglesa de futebol, manifestara interesse na aquisição temporária dos direitos federativos ou de registo do seu jogador profissional de futebol BB, por forma a que este viesse a integrar equipa profissional de futebol do clube (alínea C) dos factos provados).
4. A Ré, manifestando-se receptiva à negociação como WBA, acordou com Autora na celebração de um contrato de prestação de serviços dirigidos à concretização desta transferência temporária do jogador, com inclusão de uma opção por parte do WBA para transferência definitiva, vulgo “Empréstimo com Opção de Compra” – a prestar, em conjunto, por esta e por uma sociedade terceira, a CC Solutions, sociedade de direito espanhol, consubstanciados, designadamente, no aconselhamento estratégico negocial, na sua representação nas negociações e na eventual celebração do contrato de transferência (alínea D) dos factos provados).
5. Durante as negociações entre as partes, a Ré, então representada pelo director desportivo EE, acordou em pagar à A. e à sociedade parceira, na proporção de metade para cada uma, o valor, em libras esterlinas ou em euros, correspondente a 10% do preço das transferências do jogador que se viessem a concretizar (art. 5º da p.i. – resposta explicativa).
6. A Ré e A. acordaram que esta e a sociedade parceira teriam direito a 10% do preço da transferência temporária, caso esta se viesse a materializar e, posteriormente, no caso de se vir a concretizar a transferência definitiva, igual percentagem do preço desta (art. 6º, 1ª parte, da p.i. – resposta explicativa).
7. É prática generalizada para se fechar um contrato o clube vendedor pagar uma comissão de transferência de 10% sobre o valor global da operação, o que fica a constar nos contratos (art. 6º, 2ª parte, da p.i. – parcialmente confessado em audiência).
8. A Ré, aquando do conhecimento do interesse do WBA, logo comunicou à Autora que apesar de receptiva à transferência do jogador, o eventual contrato de transferência temporária sempre teria de contemplar uma cláusula de opção de compra e que esta teria que operar automaticamente com a realização de um determinado de jogos na segunda liga inglesa ou no caso de promoção do WBA à primeira liga (alínea E) dos factos provados).
9. Depois das primeiras abordagens do WBA, a Ré veio a acordar com a A. que se dispunha a aceitar a transferência temporária do jogador pelo preço GBP 500.000,00 (quinhentas mil libras esterlinas) a título de preço de transferência temporária, ficando o WBA com opção de compra definitiva dos direitos federativos daquele, pelo preço de GBP 8.250.000,00 (oito milhões e duzentos cinquenta mil libras esterlinas) (art. 8º da p.i. – parcialmente confessado em audiência).
10. Mais acrescentando que, obrigatoriamente, esta opção de compra teria que operar de forma automática – leia-se, sem necessidade de qualquer comunicação por parte do WBA –, convertendo-se em “opção de compra obrigatória”, caso o WBA alcançasse a promoção à primeira liga inglesa ou, independentemente da promoção, o jogador participasse em, pelo menos, 30 jogos na segunda liga inglesa (art. 9º da p.i. – confessado em audiência).
11. Depois de aturadas negociações com o WBA, com vários avanços e recuos, a A. e a sociedade parceira acabaram por conseguir que o WBA aceitasse as condições essenciais exigidas pela Ré para aceitar a transferência temporária do jogador, designadamente garantindo, com especial interesse para a esta, a aceitação, por parte daquele, da opção de compra poder operar, verificadas as condições estabelecidas, de forma automática (art. 10º da p.i.).
12. Convencido pela A. e pela sociedade parceira, o WBA, em data não concretamente apurada anterior a 08/08/2019, apresentou uma proposta de transferência temporária do jogador com opção de compra definitiva, que veio a merecer o acordo da Ré (art. 11º da p.i. em parte).
13. Entre Autora, Ré, o WEST BROMWICH ALBION FOOTBALL CLUB e BB, foi celebrado o seguinte:
“CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE JOGADOR DE FUTEBOL PR0FISSIONAL
Entre:
SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL, SAD, com sede social no Estádio José Alvalade, Rua Professor Fernando da Fonseca, 1600 - 616 Lisboa, Portugal, numero de contribuinte 503 994 499, representada pelos membros da Direção abaixo-assinados, doravante designada por ‘’SPORTING”;
WEST BROMWICH ALBION FOOTBALL CLUB, com sede social em The Hawthorns, West Bromwich, B71 4LF, England, número de IVA 849760968, representado pelos seus membros da Direção, doravante referido como “WBA”;
E
BB, nascido a 5 de Maio de 1996, de nacionalidade brasileira e portuguesa, cidadão português com o n.º de identificação 18017166, doravante referido como “JOGADOR”.
Considerando que:
(a) A SPORTING é um clube de futebol de associação profissional filiada na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e compete na Liga NOS.
(b) O WBA é um clube de futebol de associação profissional filiado na Associação Inglesa de Futebol e compete no Campeonato da Liga Inglesa de Futebol.
(c) O JOGADOR está atualmente registado na SPORTING nos termos de um contrato de trabalho desportivo.
d) O WBA deseja adquirir, temporariamente, os direitos sobre o desempenho desportivo do JOGADOR durante o período a contar da data de assinatura do presente contrato;
e) A SPORTING demonstrou a sua vontade de transferir, temporariamente, o JOGADOR para o WBA, sujeito aos termos e condições a seguir especificados;
(f) O JOGADOR também demonstrou a sua vontade de ser transferido, temporariamente, para o WBA, sujeito aos termos e condições a seguir especificados;
As Partes acordam o seguinte:
1. Fica acordado que a SPORTING deverá, sujeita a e em conformidade com os termos aqui estabelecidos, incluindo o cumprimento das Condições Precedentes (tal como
estão definidas na Cláusula 2), transferir, temporariamente, o direito ao desempenho desportivo e ao registo do JOGADOR para o WBA, a partir da data do presente Contrato e até 30 de junho de 2020.
2. O presente Contrato está sujeito ao cumprimento das seguintes Condições Precedentes:
2.1. O JOGADOR passar nos exames médicos de forma absolutamente satisfatória para o WBA;
2.2. O WBA chegar a um acordo com o JOGADOR sobre os termos do contrato de trabalho a celebrar entre si, durante o período do empréstimo.
3. As Partes devem envidar todos os esforços razoáveis para cumprir as Condições Precedentes mais rapidamente possível. Caso as Condições Precedentes sejam cumpridas, o presente Contrato será vinculativo e válido a partir da sua assinatura pelos representantes legais das Partes e do envio por fax, ou por correio eletrónico (em ficheiro pdf) de cada Parte para a outra. No caso, porém, de as Condições Precedentes não terem sido todas cumpridas até às 20:00 horas (hora de Lisboa) do dia 8 de agosto de 2019, então o presente Contrato será automaticamente determinado como sem efeito, e nenhuma das Partes terá qualquer obrigação para com a outra ao abrigo do mesmo.
4. No âmbito do empréstimo do JOGADOR da SPORTING ao WBA, o WBA concorda em pagar à SPORTING o montante líquido de GBP 500.000,00 (quinhentas mil libras esterlinas) sem qualquer retenção dos montantes devidos relativos à contribuição solidária, a pagar no prazo de três dias úteis após conclusão das Condições Precedentes.
5. No âmbito do desempenho desportivo do JOGADOR relevante para o período do empréstimo, o WBA será exclusivamente responsável pelo pagamento de qualquer salário devido ao JOGADOR, nos ternos acordados entre o JOGADOR e o WBA. A SPORTING
não será responsável por qualquer responsabilidade relativa ao contrato de trabalhe assinado entre o WBA e o JOGADOR.
6. O JOGADOR concorda com o conteúdo deste contrato de empréstimo e com a suspensão do contrato de trabalho desportivo com a SPORTING, e assume expressamente que não tem nada a reclamar da SPORTING relativamente a qualquer salário não pago ou prémio devido até à assinatura do presente empréstimo celebrado entre as Partes, e renuncia a qualquer compensação devida relativamente ao presente empréstimo. Além disso, o JOGADOR autoriza expressamente a SPORTING a cancelar a sua inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional e na Federação Portuguesa de Futebol. O JOGADOR reconhece, também, que durante o período do empréstimo, a SPORTlNG não será responsável pela realização de qualquer pagamento (salário, prémio ou qualquer outro) ao JOGADOR.
7. Se o JOGADOR sofrer alguma lesão durante o período de empréstimo, o WBA está obrigado a informar a SPORTING no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. O WBA. É responsável por suportar todos os seguros de trabalho e saúde necessários para o JOGADOR. O WBA é responsável por pagar todos os tratamentos ou operações médicas do JOGADOR necessários durante o período do empréstimo.
8. O WBA tem o direito de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, mediante notificação por escrito enviada até 31 de maio 2020, pelo preço de GBP 8.250.000,00 (oito milhões, duzentas e cinquenta mil libras esterlinas) a pagar em duas prestações iguais de GBP 4.125.000,00 (quatro milhões, cento e vinte cinco mil libras esterlinas) devidas, respetivamente, no prazo de 10 dias após a notificação por escrito e quando se perfizerem 6 meses da transferência definitiva do JOGADOR para o WBA.
8.1. Para evitar dúvidas, caso o WBA não pague a primeira prestação dentro do prazo mencionado, a transferência definitiva dos direitos federativos do JOGADOR não ocorrerá.
8.2. A referida opção do WBA de adquirir os direitos federativos do JOGADOR permanentemente ocorrerá, automaticamente, com efeitos a partir de 1 de julho de 2020, sem necessidade de notificação por escrito por parte do WBA, caso ocorra qualquer uma das seguintes situações:
8.2.1. O WBA consegue a promoção à Primeira Liga inglesa no final da época 2019/20 e está, portanto, a jogar na Primeira liga durante a época 2020/21 e o JOGADOR faz uma Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou uma exibição como substituto, sem minutos mínimos por jogo) em 20 (vinte) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga de Futebol pelo WBA durante o período de empréstimo; ou
8.2.2. O WBA não é promovido no final da época 2019/20 e está, portanto, a jogar no Campeonato da Liga lnglesa de Futebol na época 2020/21 e o JOGADOR faz uma Exibição (“Exibição” definida como uma exibição inicial ou una exibição como substituto de, pelo menos, 45 minutos por jogo) em 30 (trinta) ou mais jogos oficiais do Campeonato da Liga Inglesa de Futebol pelo WBA durante o período de empréstimo.
Para evitar dúvidas, tanto os jogos da Liga como os playoffs (se aplicável) serão aplicáveis para efeitos das Cláusulas 8.2.1 e 8.2.2 acima.
8.3. Se o WBA assinar com o JOGADOR de forma permanente, de acordo com as Cláusulas 8 ou 8.2 acima, e no caso de, antes de 5 de setembro de 2023, o JOGADOR ser transferido pelo WBA., ou rescindir unilateralmente o seu contrato com justa causa (e dita justa causa for reconhecida pelos órgãos adjudicantes competentes) e for subsequentemente registado, no prazo de 1 mês após o cancelamento, pela Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD ou pela Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, as Partes acordam que a compensação pelo registo permanente do JOGADOR estabelecido neste Contrato aumentará em EUR 30.000.000 (trinta milhões de euros).
Para evitar dúvidas, no caso do contrato de trabalho do JOGADOR com o WBA expirar naturalmente por efluxo de tempo sem ser renovado, ou o WBA terminar o registo do JOGADOR por transgressão grave ou qualquer outra justa causa e o JOGADOR vier, mais tarde, a ser registado na Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD ou na Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, acordam, então, as Partes que o aumento delineado nesta Cláusula 8.3 não se aplicará.
Além disso, para evitar dúvidas, se o JOGADOR for vendido pelo WBA a qualquer clube não mencionado nesta Cláusula 8.3 e, subsequentemente, for transferido novamente e vier a registar-se num dos clubes acima mencionados, este não será um ato gerador.
8.4. No caso de o WBA assinar com o JOGADOR permanentemente de acordo com as Cláusulas 8 ou 8.2 acima, a SPORTING terá o direito de preferência em qualquer Transferência Futura do JOGADOR. Para este efeito, o WBA compromete-se a informar imediatamente a SPORTlNG dos detalhes completos de qualquer oferta de transferência definitiva ou temporária provinda de um clube terceiro, e a SPORTING deverá informar o WBA da sua decisão de exercer o seu direito preferência no prazo de 3 (três) dias. Para o efetivo exercício deste direito basta que a SPORTING ofereça a mesma taxa de transferência, paga nas mesmas prestações, sendo irrelevantes quaisquer outras cláusulas compensatórias não financeiras.
8.5. Note-se que a transferência temporária e permanente referida acima só pode ocorrer com o consentimento do JOGADOR. O JOGADOR concorda e aceita a transferência temporária acima referida, bem como a transferência permanente para o WBA, se decidir exercer a opção acima acordada. Neste caso, o JOGADOR compromete-se a assinar um contrato de trabalho permanente com o WBA, cujos termos foram acordados num contrato separado entre o JOGADOR e o WBA, e o JOGADOR concorda em submeter toda a documentação necessária para finalizar a sua transferência permanente para o WBA no mais curto prazo possível.
(…)
17. Salvo disposição em contrário no presente Contrato, qualquer notificação a ser feita nos termos do presente Contrato deverá ser feita cor escrito e dirigida à Parte interessada para o endereço aqui indicado (ou em qualquer outro endereço notificado pelas Partes por escrito, de tempos a tempos) e poderá ser enviada por: (i) correio registado; e/ou (ii) correio pessoal de entrega em mãos ou serviço de correio expresso; e/ou (iii) transmissão por fac-símile e/ou (iv) correio eletrónico. Qualquer aviso deste tipo será considerado como tendo sido devidamente notificado da seguinte forma: (i) no caso de correio registado: 2 (dois) dias úteis a partir da data envio; (ii) no caso de entrega pessoal em mãos ou serviço de correio expresso: no momento entrega; (iii) no caso de fac-símile: no momento da transmissão bem sucedida do fax do remetente e (iv) no caso de correio eletrónico: no momento do envio a partir do sistema informático do remetente. Para provar a entrega de um aviso basta provar que o envelope contendo tal aviso foi devidamente endereçado e afixado e/ou que o aviso foi deixado no endereço relevante e/ou mediante a apresentação de um relatório de transmissão por fax e/ou de um relatório de transmissão por correio eletrónico (conforme o caso). Quando o aviso é notificado por fac-símile ou correio eletrónico, os endereços para notificação são os seguintes:
Para a SPORTING: Fax
Para a SPORTING: Fax + + ...
Email
Email ...
Se para o WBA: Email
Se para o WBA: Email ...
...
(…)
Lisboa/West Bromwich, a 8 de agosto de 2019..(…).” (tudo conforme documento junto com a petição inicial e cuja tradução se (tudo conforme documento junto com a petição inicial e cuja tradução se mostra junta com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para mostra junta com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea F) dos factos provados).
14. Entre Autora, Ré e CC Solutions foi celebrado o seguinte:
“Contrato
Entre:
Sporting Clube Portugal – Futebol, SAD, com sede no Estádio José Alvalade (…);
CC Solutions (…) e
AA Sports Gestão e Marketing Ltda, (…);
CC e AA ambas adiante designados em conjunto por “Empresas”
Considerando que:
A) As Empresas tem experiência em consultoria relacionada com negócios do sector desportivo;
B) O Sporting CP está interessado em ser auxiliado pelas Empresas na negociação e conclusão da transferência temporária dos direitos federativos do jogador profissional de futebol BB, nascido a 05 de maio de 1996, cidadão brasileiro e português, titular do cartão de cidadão 18017166 (adiante designado por “Jogador”) para o clube Inglês WEST BROMWICH ALBION FOOTBALL CLUB (adiante designado por WBA),
com opção atribuída ao WBA para adquirir permanentemente os direitos federativos do Jogador;
C) As Empresas irão auxiliar o Sporting CP na referida transferência e também apoiar o Jogador durante a duração do seu contrato com o Sporting CP, prestando-lhe o acompanhamento e apoio adequados;
As partes acordam no seguinte:
Cláusula 1
1. As Empresas deverão prestar os seguintes serviços ao Sporting Cp:
(a) Aconselhar o Sporting CP na estratégia negocial, nomeadamente definindo a melhor forma de convencer o WBA e o Jogador a aceitar os termos do Sporting CP ao invés de procurar outras alternativas que possam estar disponíveis para aqueles; e
(b) Conduzir as negociações e obter a conclusão de um acordo de cedência temporária entre Jogador, Sporting CP e WBA para a época 2019/2020 pelo Preço de Empréstimo de GBP 500.000 (quinhentas mil libras esterlinas), com opção atribuída ao WBA para adquirir permanentemente os direitos federativos do Jogador pelo Preço de Transferência de GBP 8.250.000 (oito milhões e duzentos e cinquenta mil libras esterlinas) e;
(c) Apoiar o Jogador durante a duração do acordo de cedência temporária, prestando-lhe o acompanhamento e apoio adequados e auxiliando a comunicação entre Sporting CP e o Jogador.
2. As Empresas deverão prestar os serviços da melhor forma possível e ao nível que se pode razoavelmente esperar de empresas com experiência na prestação dos referidos tipos de serviço.
Cláusula 2
1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes, como contrapartida pelos serviços prestados pelas Empresas, o Sporting CP pagará a quantia de GBP 50.000 (cinquenta mil libras esterlinas) ou a quantia correspondente em Euros, acrescida de IVA à taxa aplicável, trinta dias após o recebimento do Preço de Empréstimo da parte do WBA.
2. Como contrapartida adicional pelos serviços prestados pelas Empresas, e no caso de o WBA decidir exercer a opção que lhe foi atribuída para a aquisição permanente dos direitos federativos do Jogador por meio de notificação escrita ao Sporting CP até 31 de maio de 2020, o Sporting CP pagará às Empresas a quantia condicional e ilíquida de GBP 825.000 (oitocentos e vinte e cinco mil libras esterlinas) ou a quantia correspondente em Euros, acrescida de IVA à taxa aplicável, trinta dias após o recebimento do Preço de Transferência da parte do WBA. Caso o pagamento seja efectuado pelo WBA em prestações, o Sporting CP pagará de forma proporcional em função do recebimento efetivo de cada prestação.
3. Independentemente das datas de pagamento acordadas, todas as quantias referidas na presente cláusula só serão pagas após a apresentação ao Sporting CP da respetiva fatura e certificado de residência fiscal (Mod. 21 RF1 e/ou outro, se aplicável) devidamente preenchido e carimbado pelas Empresas e respetivas autoridades fiscais.
4. As Empresas e os seus representantes são obrigados a registarem--se como se como intermediários na Federação Portuguesa de Futebol e a reconhecer que independentemente das datas de pagamento acordadas o Sporting apenas pagará as quantias acima mencionadas após conclusão e a aceitação desses registos.
5. Deve assumir-se que cada contribui na mesma proporção para atingir os serviços prestados nos termos do presente acordo, e como tal o Sporting CP pagará a cada das Empresas metade das quantias devidas de acordo com esta cláusula.
Cláusula 3
1. As partes declaram que são partes contratantes independentes e que não estão relacionadas entre si por relacionadas entre si por meio de direitos de propriedades ou se voto.
2. Nada no presente acordo deve ser considerado como constituindo uma parceria, uma relação de agência, ou joint venture entre as partes.
Cláusula 4
1. As partes declaram que são partes contratantes independentes e que não estão relacionadas entre si por meio de direitos de propriedade ou de voto.
2. Nada no presente acordo deve ser considerado como constituindo uma parceria, uma relação de agência, ou joint venture entre as partes.
3. O Acordo incorpora todo o acordo e entendimento das Partes no que diz respeito à transacção aqui contemplada e substitui todos os compromissos, acordos ou entendimentos anteriores, escritos ou orais, a este respeito.
4. O Acordo será considerado divisível e a invalidade ou inexequibilidade de qualquer termo ou disposição do mesmo não afetará a validade ou exequibilidade do Acordo no seu conjunto ou de qualquer outro termo ou conjunto ou de qualquer outro termo ou disposição do mesmo.
5. Nenhuma alteração do Acordo será válida se não for a se não for efectuada por escrito e assinada em nome de cada uma das Partes.
6. Os direitos e obrigações decorrentes do presente Acordo não podem ser legitimamente cedidos sem o consentimento expresso por escrito da outra Parte
Cláusula 5
1. Os termos deste acordo são estritamente acordo são estritamente confidenciais e não deverão ser nunca verão ser nunca divulgados a terceiros sem o prévio consentimento dado por escrito por ambas as partes, exceto nas seguintes circunstâncias:
(a) às autoridades competentes em matéria
(b) se exigido pelas leis ou regulamentos aplicáveis is da bolsa de valores ou de outra da bolsa de valores ou de outra bolsa reconhecida;
(c) Conforme exigido por departamento, funcionário ou agência governamental
Cláusula 6
Todas as notificações a efetuar no âmbito do âmbito do presente acordo deverão ser efectuadas por escrito e entregues pessoalmente ou enviadas por correio registado outro meio de outro meio de entrega seguro, para a sede social da parte a notificar, ou para qualquer outro endereço que cada parte possa ocasionalmente notificar à outra parte.
Cláusula 7
O Acordo será regulado e interpretado de acordo com a Lei Portuguesa. Quaisquer litígios que possam surgir com base no presente que possam surgir com base no presente Acordo e que não possam ser resolvidos possam ser resolvidos de forma amigável serão da exclusiva competência dos tribunais judiciais de Lisboa, Portugal.
O presente acordo é celebrado em Lisboa, em 08 de agosto de 2019, em dois exemplares (..)” (tudo conforme documento devidamente junto e traduzido aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)” (alínea G) dos factos provados).
15. Concretizada a transferência temporária do jogador, a Autora remeteu à Ré a factura correspondente a metade do preço, não sujeito a condição, dos serviços a esta esta prestados, no valor de valor de GPB, 25.000,00 (vinte e cinco mil libras esterlinas), então, equivalente a €27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), com vencimento a 15 de setembro de 2019, a qual foi paga em 05 de Abril de 2024 (alínea H) dos factos provados).
16. A A. e Ré sabiam, tanto aquando da celebração do contrato do contrato de intermediação, entre a aquelas e a sociedade parceira da A., como aquando de transferência temporária do jogador com opção de compra, celebrado entre a Ré, o WBA e o jogador, mas negociado e concluído pela A. e a sociedade parceira, que as condições ou circunstâncias de que dependia obrigatoriedade de aquisição definitiva dos direitos federativos do jogador, a verificarem-se, ocorreriam previsivelmente antes da data de 31 de maio de 2020 não fora a pandemia (art. 36º da p.i. – confessado em audiência).
17. A Autora estava convencida de que a cláusula 2 não restringia o recebimento da comissão pela venda à comunicação por escrito do exercício do direito de opção e que a data de 31 de Maio era a data até à qual o direito da Autora ao preço se manteria em caso de opção de compra, pois caso a opção de compra operasse automaticamente sê-lo-ia previsivelmente antes desse dia (art. 40º da p.i. – resposta explicativa).
18. Em Inglaterra (tal como em Portugal e restantes países da europa), a época desportiva do futebol profissional termina no mês de Junho (art. 21º da contestação – confessado em audiência).
19. A pandemia determinou – tal como aconteceu, praticamente, em todo mundo – a suspensão das competições oficiais em que o WBA se encontrava envolvido, concretamente da segunda liga inglesa – que esteve interrompida entre 7/3/2020 e 20/06/2020 e só veio a ser concluída a 04/08/2020, a data da final do playoff de promoção à primeira liga – levando a que este clube só tenha concluído a sua participação nesta competição a 27/07/2020 (art. 19º da p.i. – parcialmente confessado)
20. A pandemia constitui uma situação anormal e extraordinária que as partes – A., sociedade parceira, Ré, WBA e jogador – aceitaram como tal e com a qual se conformaram na execução dos contratos celebrados (art. 20º da p.i.)
21. Quando a competição foi interrompida por força da pandemia, o jogador tinha já cumprido 29 jogos, estando agendada para 14 de março de 2020 a próxima partida em o jogador iria previsivelmente completar 30 jogos (art. 37º da p.i.).
22. Em 20 de Junho de 2020 o jogador completou o seu trigésimo jogo ao serviço do WBA com permanência em campo por 45 minutos ou mais (art. 34º da contestação, 1ª parte – confessado em audiência).
23. Terminada a época desportiva 2019/2020, o clube inglês WBA, por ter ficado em segundo lugar na sua divisão, alcançou o seu objectivo de subida de divisão para Premier League, sendo que na época em questão o jogador BB não só compareceu em campo em mais de vinte jogos, como completou mais de 30 jogos com intervenção em jogo por mais de 45 minutos (art. 32º da contestação).
24. No dia 24 de Junho de 2020 a Ré Sporting deu por verificada a condição automática de transferência definitiva do jogador, tendo remetido ao clube WBA comunicação nesse sentido, conforme email junto à contestação como doc. 5, bem como a factura destinada ao pagamento do preço da transferência, a liquidar em duas prestações iguais e sucessivas, a primeira com vencimento em 31 de Julho de 2020 e a segunda com vencimento em 31 de Dezembro de 2020 (art. 34º da contestação, 2ª parte).
25. Tendo o clube procedido ao pagamento da primeira daquelas duas prestações em 03 de Agosto de 2020 (art. 35º da contestação – confessado em audiência).
26. A Autora emitiu e remeteu à Ré, no dia 9 de Agosto de 2020, duas facturas, as quais foram corrigidas e novamente enviadas à Ré no dia 11 de Agosto de 2020, sendo cada uma delas no valor de GBP 206.250,00 (duzentas e seis mil duzentas e cinquenta libras esterlinas), correspondentes, à data, a €228,937.50 (duzentos e vinte e oito mil, novecentos e trinta e sete mil euros e cinquenta cêntimos), com vencimento uma a 10 de Agosto de 2020 e outra a 10 de Fevereiro de 2021 (alínea J) dos factos provados).
27. A Autora voltou a enviar as facturas, devidamente corrigidas no seu valor, a solicitação do departamento financeiro da Ré – pois que ao valor contratualizado, a A. havia somado os impostos que teria que suportar, conforme email de 11/08/2020, junto à p.i. como doc. 6 e que se dá por integralmente reproduzido (art. 24º da p.i).
28. O pedido de correcção do valor das facturas efectuado através de referido email constituiu um pedido de correcção da área financeira face a uma desconformidade formal entre o valor das facturas emitidas e o valor constante do contrato de suporte, cuja cópia se encontra na contabilidade (art. 41º da contestação).
29. O departamento financeiro da Ré limita-se a aceitar ou não o lançamento de facturas na contabilidade em face da sua conformidade ou desconformidade formal (designadamente face a contrato para o qual a factura remeta), sem formular qualquer juízo acerca do mérito da emissão da factura ou da substância material do crédito que titula (art. 42º da contestação).
30. Incorporada a factura em contabilidade, o procedimento relativo ao seu pagamento é então iniciado, com a obtenção da necessária aprovação para o efeito, aprovação essa que, no caso concreto, nunca chegou a ocorrer (art. 43º da contestação).
31. A Ré não pagou à Autora as facturas aludidas (alínea L) dos factos provados).
32. Nos diversos contactos estabelecidos com a Ré com vista ao recebimento do valor das facturas, a Ré, até ao dia 23 de janeiro de 2021, justificava a falta de pagamento com as dificuldades financeiras que atravessava, ao mesmo tempo que pedia desculpa e solicitava compreensão (art. 26º da p.i.).
33. Mantendo este discurso mesmo após ter sido notificada – dado o tempo decorrido – pelo advogado da A., através de duas cartas datadas de 16 outubro e 8 dezembro de 2020 (art. 27º da p.i.).
34. No Relatório e Contas da Ré do exercício correspondente à época desportiva 2019/20, datado de 7 de setembro de 2020, na rubrica “rendimentos e gastos com transações”, relativamente ao jogador BB, consta o valor de 913 milhões de euros como “rendimentos/gastos associados à venda” e o valor de 8.075 milhões de euros de ganho/perda, mais esclarecendo que “O valor de 913 milhões de euros de gastos associados venda refere-se à comissão associada à transferência”, e a Autora bem como a CC Solutions S.L constam da respectiva lista de “Fornecedores com valores a pagar de aquisição de jogadores”, com os valores respectivos de 457 milhões de euros, conforme doc. 11 junto à p.i. que se dá por reproduzido (art. 44º da p.i.).
35. No comunicado da Ré à CMVM (Comissão de Mercados e Valores Mobiliários), efectuado nos termos 248º-A do Código dos Valores Mobiliários, datado de 08/10/2020, com vista a prestar informação ao mercado sobre o resumo das operações de entradas e saídas de jogadores ocorridas no mercado de transferências de verão de 2020, pode ler-se no campo “Saídas Definitivas”:
“(…) Jogador Clube Valor de venda Comissão
BB West - Bromwich Albion - 8,25M£ 0,825M£ “Comissão de venda com as empresas AA Sports and CC Solutions” (art. 43º da p.i.).
36. No dia 23 de Fevereiro de 2021 a Ré comunicou à Autora que a transferência definitiva do jogador não ocorreu na sequência de uma decisão do WEST BROMWICH ALBION FOOTBALL CLUB de exercer a sua opção para a transferência permanente dos direitos federativos do Jogador através de uma notificação escrita enviada ao Sporting até ao dia 31 de Maio de 2020, mas sim por o jogador ter sido utilizado pela trigésima vez, tudo conforme documento junto com a petição inicial sob o nº 9 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea M) dos factos provados).
37. Pelo que, acrescentou, “por outras palavras, a transferência em causa ocorreu automaticamente, independentemente de qualquer decisão do WBA em exercer o seu direito de opção pela transferência definitiva dos direitos federativos do Jogador e consideravelmente depois da Data-limite de exercício do referido direito, o que significa que a condição referida na cláusula 2.2 do Contrato não se verificou e que não é devido o montante aí referido.” (art. 30º da p.i.).
38. No Relatório e Contas da Ré correspondente à época desportiva 2020/21, datado de 21 de Setembro de 2021, na página 24, no ponto relativo à situação patrimonial, pode ler-se: “Em 30 de Junho de 2021 a evolução da posição financeira da Sporting SAD face ao verificado no exercício anterior é a seguinte:(…) nos últimos meses da época foi apenas accionada a cláusula de opção de compra do GG por 2.000 milhares de euros quando em 2019/2020 tinha sido accionada a claúsula de opção de compra do BB por 8.250 milhares de Libras”, cfr. doc 12 junto à p.i. e que se dá por reproduzido (art. 45º da p.i.).
*
Foi considerada como Matéria de facto não provada o seguinte:
1. A factualidade alegada pela Autora nos arts. 8º (na parte e no sentido em que as partes tivessem acordado que a transferência definitiva ocorreria apenas desde que o WBA comunicasse a sua vontade até ao último dia do mês de maio de 2020, considerando que a segunda liga inglesa terminaria no dia 25 desse mês, data agendada para a final do playoff de promoção à primeira liga inglesa), 11º (na parte em que a proposta tenha sido apresentada em 06/08), 15º (que contrato de intermediação celebrado com a A. e a sociedade parceira só tenha sido assinado por estas em 10 de Agosto), 17º (que em razão do bom desempenho do jogador, o WBA, ainda em Fevereiro de 2020, logo manifestou a vontade de adquirir definitivamente os direitos federativos do jogador), 18º (que foi por força da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, que não se concretizou o exercício do direito de opção por parte do WBA para a transmissão dos referidos direitos a título definitivo), 21º e 22º (que em maio de 2020, o WBA comunicou à Ré a sua vontade em exercer a opção de compra do jogador e foi nessa sequência que o WBA veio a adquirir definitivamente os direitos federativos do jogador), e 40º (na parte e no sentido em que tal fosse igualmente pretendido pela Ré), da p.i..
*
Da impugnação dos factos:
Sem cuidar em abordar a questão que se impõe nesta matéria em termos adjectivos, mormente o previsto no artº 640º do Código de Processo Civil e a interpretação, quer doutrinal, quer jurisprudencial, que advém do mesmo preceito, na abordagem da questão que nos ocupa nestes autos haverá que considerar o alegado pelas partes e que consubstanciava a causa de pedir formulada nos autos e a correlação entre tais factos concretizadores e o objecto do recurso em termos factuais. A recorrente pretende que sejam considerados dois factos, sendo um essencial e um outro instrumental, da seguinte forma:
- “A Recorrida, a Recorrente e a sociedade parceira desta, acordaram, a título de preço pelos serviços a prestar por estas àquela, no pagamento do valor equivalente a 10% do preço da transferência temporária e, bem assim, a 10% do preço da transferência definitiva do jogador BB, independentemente desta transferência vir a ocorrer por decisão do WBA, a comunicar por escrito àquela, até 31 de Maio de 2020 ou ser determinada pelo cumprimento de condições objectivas, contratualmente previstas, tendo sido esta a vontade comum e real das partes.”
- “a segunda liga inglesa terminaria no dia 25 de Maio de 2020, data agendada para a final do playoff de promoção à primeira liga inglesa”
O princípio do dispositivo é ainda prevalente no processo civil e, como seu corolário, cabe às partes definir o objecto do litígio (através da dedução das suas pretensões) e alegar os factos que integrem a causa de pedir ou que sirvam de fundamento à dedução de eventuais excepções, de tal modo que o juiz só pode fundar a decisão nestes, sem prejuízo de poder investigar factos instrumentais e de os poder utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa.
Como refere José Lebre de Freitas (in “Introdução ao Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, pág. 136) o princípio dispositivo traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exactos limites do seu objecto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às excepções peremptórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transaccionar).
O princípio do dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correcta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. O exacto limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a acção (e de se defender), como delimitam o seu objecto ( cf. Mariana França Gouveia in “O Princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual” - Texto escrito para os Estudos em Homenagem aos Professores Palma Carlos e Castro Mendes, pág. 602 e ss.). Logo, às partes cabe iniciar o processo e fixar o seu objecto. Ao juiz cabe decidir dentro desse objecto, tendo liberdade (com cumprimento do contraditório) para aplicar regras de direito não alegadas pelas partes ( cf. Artº 5º nº 3 do CPC).
A alegação da autora na parte relativa a esta questão resulta no essencial dos seguintes factos contidos no seu articulado:
5º A título de preço pelos serviços contratados, a Ré acordou em pagar à A. e à sociedade parceira, na proporção de metade para cada uma, o valor, em libras esterlinas ou em euros, correspondente a 10% do preço das transferências do jogador que se viessem a concretizar.
6º Assim, Ré e A. acordaram que esta e a sociedade parceira teriam direito a 10% do preço da transferência temporária, caso esta se viesse a materializar e, posteriormente, no caso de se vir a concretizar a transferência definitiva, igual percentagem do preço desta, conforme, aliás, é pratica, generalizada, neste tipo de contratos de representação ou intermediação desportiva quando se está perante empréstimos com opção de compra.
(…)
40º O texto do ponto 2 da cláusula 2 do contrato de intermediação – embora agora se reconheça que pudesse e até devesse ter sido usada outra formulação – não teve em mente cingir o direito da Ré e da sociedade sua parceira ao preço condicional apenas no caso do WBA vir a comunicar por escrito o exercício do direito de opção de aquisição definitiva dos direitos federativos do jogador, mas, como bem sabem as partes, definir a data de 31 de maio – importada do contrato de contrato de transferência temporária com opção de compra do jogador – como aquela até à qual o direito da Ré ao preço se manteria, por esse efeito, pois caso a opção de compra viesse a operar automaticamente, nos termos da mesma cláusula, tal aconteceria necessariamente antes desse dia.
Daqui resulta que o aditamento do facto dito essencial não resulta claramente alegado nos termos ora propostos pela Autora, a qual, perante o desfecho da acção, pretende vir concretizar a sua alegação, por forma a abranger uma questão factual que não está impressa na sua alegação em termos de petição inicial.
O Tribunal a quo quanto a esta questão, deu como provado, no essencial que:
5. Durante as negociações entre as partes, a Ré, então representada pelo director desportivo EE, acordou em pagar à A. e à sociedade parceira, na proporção de metade para cada uma, o valor, em libras esterlinas ou em euros, correspondente a 10% do preço das transferências do jogador que se viessem a concretizar (art. 5º da p.i. – resposta explicativa).
6. A Ré e A. acordaram que esta e a sociedade parceira teriam direito a 10% do preço da transferência temporária, caso esta se viesse a materializar e, posteriormente, no caso de se vir a concretizar a transferência definitiva, igual percentagem do preço desta (art. 6º, 1ª parte, da p.i. – resposta explicativa).
7. É prática generalizada para se fechar um contrato o clube vendedor pagar uma comissão de transferência de 10% sobre o valor global da operação, o que fica a constar nos contratos (art. 6º, 2ª parte, da p.i. – parcialmente confessado em audiência).
17. A Autora estava convencida de que a cláusula 2 não restringia o recebimento da comissão pela venda à comunicação por escrito do exercício do direito de opção e que a data de 31 de Maio era a data até à qual o direito da Autora ao preço se manteria em caso de opção de compra, pois caso a opção de compra operasse automaticamente sê-lo-ia previsivelmente antes desse dia (art. 40º da p.i. – resposta explicativa).
Acresce que o Tribunal recorrido deu como não provado o constante no artº 40º da petição inicial “na parte e no sentido em que tal fosse igualmente pretendido pela Ré”, o que nem sequer e em concreto foi posto em causa pela recorrente neste recurso.
Por outro lado, nada nos permite afastar-nos do juízo levado a cabo pelo Tribunal a quo quando expõe que :” O ponto 17 (o convencimento da Autora de que a cláusula não restringia o recebimento da comissão apenas à comunicação escrita da opção de compra e que a data de 31 de Maio era a data até à qual o direito da Autora ao preço se manteria em caso de opção de compra por as condições de venda automática se terem previsivelmente por verificadas ou não antes desta data) resulta das declarações prestadas pelo legal representante da Autora e por FF que revelaram esta convicção alicerçada no entendimento que a comissão acordada de 10% pela venda ou transferência definitiva era em caso de qualquer venda, portanto, inclusive uma venda automática. FF salientou que a possibilidade de aquisição automática foi “fechada” pelos intermediários (a Autora e a sua parceira), sendo que, em face dos calendários de jogos previstos era expectável que até 31 de Maio já se soubesse se as condições para aquisição automática se verificavam ou não. Referiram também o facto de, após a emissão das facturas das suas comissões, a Ré “ter reconhecido a dívida”, justificando a falta de pagamento com problemas financeiros. Declararam que a opção de compra que ficou a constar do seu contrato funcionava como uma “última oportunidade” de o clube adquirir o jogador pelo mesmo preço mesmo que nessa data não se verificassem as condições de aquisição automática. A testemunha FF foi instada sobre a razão de não ter ficado a constar no contrato celebrado com os intermediários o pagamento da comissão em caso de venda automática, ao que o mesmo respondeu que “não era da praxe não pagarem no caso de venda” e que na altura “não viram problema na redacção”, do mesmo passo que reconheceu que o HH, legal representante da Autora, esteve presente na assinatura do contrato de empréstimo com o jogador, o que significa que também estava ciente do seu teor.”. E ainda que “Ignoram-se as exactas circunstâncias em que foram redigidos os contratos, mas também não foi alegado nem se provou que no momento da assinatura a redacção da cláusula 2ª do contrato celebrado entre as partes tivesse causado perplexidade ou desconforto à Autora e muito menos que o tivesse então manifestado.”.
Outrossim, não há que olvidar que, não obstante poder ser produzida prova testemunhal quanto ao sentido das declarações negociais reduzidas a escrito, haverá que considerar que em tal análise não deixará de se atender ao disposto no artº 393º do Código Civil, pelo que ou tal interpretação advém da confissão da parte, ou não será a prova testemunhal suficiente para abalar o que advém do contrato escrito.
No seu depoimento o legal representante da ré, DD, confirmou que EE é que elabora a negociação com os agentes, mas apenas o valor pelo qual pretendem vender o jogador, mas não negoceia cláusulas de contratos, nem a vertente jurídica, apenas faz o apelidado pelo representante da ré ouvido como sendo o “macro negócio”, mas não na parte “fina” do contrato. O valor da comissão também é dito pelo EE, mas sempre com a margem de 10%, esta admitida pela ré. Em esclarecimento concreto ao ponto 6., e a questão relativa à transferência definitiva e valor devido, apenas referiu que o pagamento só será feito se previamente acordado pela ré, só neste caso é que é pago. Dizendo que a pratica do “sporting é cumprir os contratos”, pelo que reafirmou que apenas efectuam o pagamento desde que resulte do contrato, logo, inexiste confissão da ré, não obstante a forma algo tendenciosa da inquirição levada a cabo pelo ilustre mandatário da A.
Quanto ao segundo aditamento, não impugnou a recorrente o dado como não provado quanto ao alegado no artº 8º da p.i., bem como o provado em 18., 19. e 20., pelo que o aditamento ora pretendido está em manifesta contradição com o já provado, e constitui aliás matéria de facto não provada e não impugnado pela Apelante nesta sede.
Daqui resulta que não há que aditar o primeiro ponto nos termos pretendidos pela Autora, sendo o segundo ponto igualmente irrelevante, pois caso a impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo ( cf. entre outros Acórdão do STJ de 17/05/2017).
Improcede assim, a alteração ou aditamento dos factos nos termos pretendidos pela recorrente.
*
III. O Direito:
Na subsunção dos factos ao direito, tendo em vista o desfecho pretendido pela recorrente seria essencial a alteração factual que visava neste recurso, o que não ocorre. No entanto, face às conclusões do recurso importa apreciar o busílis da questão, ou seja, aferir da concessão à Autora da comissão ou retribuição, pelos serviços prestados por si e pela sociedade parceira, no âmbito do contrato de intermediação celebrado com a Ré, mais concretamente, a comissão pela transferência definitiva do jogador BB.
Do contrato reproduzido no ponto 14., podemos concluir que estamos perante um contrato de intermediação desportiva, sujeito ao regime jurídico aprovado pela Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, o qual revogou a Lei n.º 28/98 de 26 de junho (cfr. artigo 43º do citado diploma) e estabeleceu o regime hoje vigente para os empresários desportivos.
O artigo 2º, al. c), da Lei 54/2017 define o “Empresário desportivo” como “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos.”
Sobre a actividade de intermediário desportivo rege ainda o “Regulamento de Intermediários” da FPF, publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 310, de 01.04.2015 (o qual entretanto foi já substituído pelo “Regulamento de Agentes de Futebol da FPF” mas que apenas entrou em vigor em 01.10.2023), não tendo, como tal, aplicação no caso dos autos.
O “Regulamento de Intermediários” da FPF, de acordo com o seu artigo, 2º, n.º 1, estabelece “as normas que regulam a contratação dos serviços de um intermediário por parte de um jogador e de um clube com vista a:
a) Celebrar ou renovar um contrato de trabalho entre um jogador e um clube, ou
b) Celebrar um contrato de transferência, temporária ou definitiva, entre dois clubes”.
O artigo 4º desse Regulamento define “Intermediário” como “a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.”
Como se alude no Acórdão desta Relação, datado de 08/06/2021 (proc. n.º 910/20.9T8PDL.L1-7, disponível em www.dgsi.pt) o contrato de intermediação desportiva tem “como partes necessárias, por um lado, um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva, e por outro, um intermediário desportivo. O acordo terá por finalidade específica que um dos primeiros solicite do segundo a prestação de serviços que consistem essencialmente na mediação tendente à celebração de contratos desportivos, nomeadamente contratos de trabalho desportivos ou contratos de transferência, incluindo eventuais alterações ou renovações, o que pode ser realizado de forma gratuita ou remunerada, podendo eventualmente ser atribuídos poderes de representação ao intermediário desportivo.”.
Assim, tal como se conclui no Acórdão desta Relação, em situação em tudo similar à discutida nestes autos e igualmente indicada pela recorrida, proferido no proc. nº 13856/21.4T8LSB.L1-2, datado de 9/05/2024 ( endereço da net a que fizemos referência) “Em causa está assim uma modalidade de contrato de prestação de serviços relativo ao exercício de uma actividade económica muito particular, sujeita a um regime jurídico especial, mas ao qual se podem ainda aplicar as disposições legais estabelecidas no Código Civil para o contrato de mandato, em tudo o que não esteja especificamente regulado na Lei n.º 54/2017 de 14 de julho e no “Regulamento de Intermediários” da FPF, tendo em atenção os artigos 1154º, 1156º e 1157º e ss. do Código Civil.”.
A par de tal contrato e correlacionado com o mesmo estará ainda o contrato reproduzido no ponto 13, este relativo ao empréstimo do jogador. Pois, como bem se fundamenta na decisão recorrida: “Independentemente de terem sido formalizados/assinados na mesma data, é bom de ver que foi o contrato assinado entre as partes (de prestação de serviços/intermediação) que permitiu ou veio a desembocar no contrato de empréstimo de jogador de futebol profissional. Dito de outro modo, foi o contrato celebrado entre as partes que conduziu ao contrato de empréstimo celebrado com o jogador e com o clube inglês, como era o seu propósito (cfr. Cláusula 1 do Contrato).
Considerando que os dois contratos foram assinados na mesma data, certamente para que o contrato de intermediação obedecesse à forma escrita legalmente imposta, tal significa também que, na data em que o Contrato entre as partes foi assinado, já a essência dos serviços acordados, quais sejam, o aconselhamento do Sporting CP na estratégia negocial, nomeadamente definindo a melhor forma de convencer o WBA e o Jogador a aceitar os termos do Sporting CP ao invés de procurar outras alternativas que possam estar disponíveis para aqueles; e a condução das negociações por forma a obter a conclusão de um acordo de cedência temporária entre Jogador, Sporting CP e WBA para a época 2019/2020 pelo Preço de Empréstimo de GBP 500.000 (quinhentas mil libras esterlinas), com opção atribuída ao WBA para adquirir permanentemente os direitos federativos do Jogador pelo Preço de Transferência de GBP 8.250.000, havia sido prestado.”.
Com efeito, a questão que se coloca é saber que interpretação deva ser dada à cláusula que prevê a retribuição da Autora, ou seja, o previsto pelas partes na cláusula 2ª, sem, contudo, deixar de frisar o que já havíamos aludido no âmbito da apreciação da alteração dos factos propugnada pela recorrente. Na verdade, sempre haverá que considerar que está em causa um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e uma entidade empregadora desportiva, pelo que nos termos do artº 38º nº 2 da Lei nº 54/2017 de 14/07, o contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respectivas condições de pagamento. Tal determina o afastamento da possibilidade de se produzir prova testemunhal sobre o acordado, ainda que não esteja vedada a interpretação do contexto do documento – cf. artº 393º do CC.
Com base em tal interpretação a recorrente começa por afirmar que do facto dado como provado em 6. resultará, desde logo, a possibilidade de a retribuição pela transferência definitiva do jogador ser devida.
Ficou acordado entre a ré a A. que esta e a sociedade parceira teriam direito a 10% do preço da transferência temporária, caso esta se viesse a materializar e, posteriormente, no caso de se vir a concretizar a transferência definitiva, igual percentagem do preço desta. Também resultou que é prática generalizada para se fechar um contrato o clube vendedor pagar uma comissão de transferência de 10% sobre o valor global da operação, o que fica a constar nos contratos. Quanto ao contrato entre a Autora, Ré, o WEST BROMWICH ALBION FOOTBALL CLUB e BB, previu-se no ponto 8 respectivo, as formas distintas da transferência temporária do jogador BB para o clube inglês WBA se converter numa transferência definitiva. A primeira, por manifestação de vontade nesse sentido, formalizada, por escrito, pelo clube inglês à recorrida (Sporting C.P.) até à data limite de 31 de Maio de 2020. A segunda, de natureza automática, por verificação de uma de duas circunstâncias possíveis: (i) o clube inglês subir de escalão, obtendo, no final da época, a promoção à 1ª liga inglesa e o jogador em causa participar em pelo menos 20 jogos durante a época, ou, (ii) o clube inglês não obter a subida de escalão, mas o jogador participar em pelo menos 30 jogos durante a época, com um período mínimo de permanência em jogo de 45 minutos.
Donde, em correlação com o previsto no âmbito do contrato de intermediação desportiva, na cláusula relativa á retribuição previram as partes na Cláusula 2 nº 1 que: “como contrapartida pelos serviços prestados pelas Empresas, o Sporting CP pagará a quantia de GBP 50.000 (cinquenta mil libras esterlinas) ou a quantia correspondente em Euros, acrescida de IVA à taxa aplicável, trinta dias após o recebimento do Preço de Empréstimo da parte do WBA (…)” E no nº 2, consagrou-se um pagamento adicional mas apenas “no caso de o WBA decidir exercer a opção que lhe foi atribuída para a aquisição permanente dos direitos federativos do Jogador por meio de notificação escrita ao Sporting CP até 31 de maio de 2020, o Sporting CP pagará às Empresas a quantia condicional e ilíquida de GBP 825.000 (oitocentos e vinte e cinco mil libras esterlinas) ou a quantia correspondente em Euros (…)”.
Frise-se que como bem se alude na sentença recorrida naquele “ponto 1 não se refere que se trata do pagamento pela transferência temporária. O que se diz é que aquela é a quantia devida como contrapartida pelos serviços prestados, portanto, todos os serviços prestados, sublinhando-se que o grosso dos serviços acordados já estava prestado na data de formalização do contrato.”
Em simultâneo haverá que considerar a alegação da Autora que no seu entender sustentaria o pedido do direito à remuneração adicional ( já tendo sido paga a retribuição dita fixa no decorrer desta acção, a qual nem sequer se discute) ocorreria porque o clube inglês WBA comunicou à recorrida a sua intenção de adquirir definitivamente os direitos definitivos do jogador, tendo-o feito em Fevereiro e em Maio de 2020, tendo sido na sequência dessa manifestação de vontade que a transferência definitiva do jogador ocorreu. Porém, tal não resultou provado, pois apenas se demonstrou que em 20 de Junho de 2020 o jogador completou o seu trigésimo jogo ao serviço do WBA com permanência em campo por 45 minutos ou mais. E terminada a época desportiva 2019/2020, o clube inglês WBA, por ter ficado em segundo lugar na sua divisão, alcançou o seu objectivo de subida de divisão para Premier League, sendo que na época em questão o jogador BB não só compareceu em campo em mais de vinte jogos, como completou mais de 30 jogos com intervenção em jogo por mais de 45 minutos. Logo, no dia 24 de Junho de 2020, a Ré Sporting deu por verificada a condição automática de transferência definitiva do jogador, tendo remetido ao clube WBA comunicação nesse sentido, conforme email junto à contestação como doc. 5, bem como a factura destinada ao pagamento do preço da transferência, a liquidar em duas prestações iguais e sucessivas, a primeira com vencimento em 31 de Julho de 2020 e a segunda com vencimento em 31 de Dezembro de 2020.
Donde, ao contrário do pretendido e alegado pela recorrente a transferência definitiva não ocorreu por manifestação do clube inglês nesse sentido, mas sim da forma automática nos termos sobreditos. Logo, o provado em 6., ao contrário do defendido pela Apelante, não pode ser entendido desgarrado do demais alegado pela mesma no seu petitório, pelo que em nada releva que tenha sido acordada a percentagem de 10% em ambas as transferências – a temporária e a definitiva – competindo-lhe provar que a definitiva tenha ocorrido por manifestação de vontade do Clube inglês, por um lado, e que tal ocorreu antes de 31 de Maio de 2020, condições previstas no contrato e que não resultam dos factos a apreciar. Saliente-se que a cláusula 2ª não deixa qualquer equívoco sobre o que as partes contrataram, nem tal resulta contrariado pelo provado em 6., pois claramente as partes não afastaram a retribuição adicional da transferência definitiva, mas esta sujeita quer à verificação da declaração volitiva do Clube Inglês, quer ainda à condição temporal de tal ter de se verificar até 31/05/2020.
Em nada releva trazer a colação o previsto no artº 237º do CC no sentido de a interpretação do clausulado ser duvidosa, e face a esta prevalecer que é devida a retribuição à Autora, por ser esta que permite um maior equilíbrio das prestações. Pois, o que faltará desde logo é a dúvida sobre o sentido da declaração, dado que as partes declararam, no ponto 3 da Cláusula 4, que “o acordo incorpora todo o acordo e entendimento das Partes no que diz respeito à transacção aqui comtemplada e substitui todos os compromissos, acordos ou entendimentos anteriores, escritos ou orais, a este respeito”. Além disso, estando em causa um negócio formal, a sua interpretação segue regras mais apertadas.
A propósito da interpretação do contrato, como se prevê no artº 238º do CC nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto. Revisitando a bem fundamentada sentença “Já vimos que estamos perante um contrato formal, em que a forma escrita é legalmente imposta. Ora, justamente confrontando os pontos 8 e 8.2 o Contrato de Empréstimo com a Cláusula 2 do Contrato celebrado entre as partes, vemos que a interpretação pretendida pela Autora, no sentido de se entender que o pagamento da retribuição pela venda também ocorreria em caso de venda automática não tem qualquer correspondência no texto do Contrato. Não se provou que esta vontade da Autora fosse conhecida da Ré aquando da celebração do contrato. Um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante a redacção da cláusula 2 não deduziria uma tal interpretação.
É verdade que, mesmo sem correspondência mínima com o texto, a interpretação pretendida pode valer por traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Diremos desde logo que as razões determinantes da forma até se oporiam a uma tal validade na medida em que a Lei exige que o contrato defina com clareza a remuneração devida ao prestador de serviços e as respetivas condições de pagamento. Ademais, apesar de se ter provado que a Autora estava subjectivamente convencida que a cláusula 2 não restringia o recebimento da comissão pela venda à comunicação por escrito do exercício do direito de opção e que a data de 31 de Maio era a data até à qual o direito da Autora ao preço se manteria em caso de opção de compra, pois caso a opção de compra operasse automaticamente sê-lo-ia previsivelmente antes desse dia, não se provou que essa fosse a vontade real da Ré aquando da assinatura do contrato. O confronto entre os dois contratos aponta para uma intenção clara de não subordinar o pagamento adicional à mera transferência definitiva do jogador em qualquer circunstância, isto é, também por via da opção automática. No contrato de empréstimo havia duas situações de compra do jogador, aquela exercida por via de opção expressamente comunicada, e a exercida automaticamente verificadas certas condições relacionadas com o desempenho do jogador ou a promoção do clube que não foram transpostas para o Contrato celebrado entre as partes.
E desde já adiantamos que não estamos perante qualquer caso omisso que convocasse o disposto no art. 239º do Cód. Civil. As partes sabiam que a venda automática era uma hipótese pelo que se não fizeram constar na Cláusula 2 qualquer retribuição neste caso foi porque não quiseram, ainda que a Autora pudesse estar subjectivamente convencida que não obstante a letra da Cláusula receberia a comissão em caso de venda automática antes do final da época.
Note-se que a Autora nada alegou nem nada se provou no sentido de que a Ré tenha redigido o contrato “à revelia” da Autora ou que esta o tenha assinado sem se aperceber do teor daquela cláusula, actuando a Ré dolosamente como que para se aproveitar de menor atenção da Autora aquando da assinatura do Contrato. A presente acção também não foi enquadrada sob a perspectiva de erro na declaração negocial por divergência entre a vontade declarada e a vontade real (da Autora) e cuja consequência seria a anulabilidade mediante determinadas condições nos termos do art. 247º do Cód. Civil e sempre sujeita a esbarrar na eventual invocação de caducidade cujo prazo é de um ano apenas (cfr. art. 287º do Cód. Civil). Já para não dizer que da eventual anulação do nº 2 da cláusula 2 não resultava necessariamente a introdução de uma cláusula ficcionada no sentido pretendido pela Autora.”.
No que concerne à invocação da anormal alteração de circunstâncias a título subsidiário, convocada de novo neste recurso, sem, contudo, rebater a argumentação da sentença, no sentido de ser considerada ou a data de 4/07/2020 ou 10/08/2020, como relevante para ser considerada a retribuição. Em primeiro lugar, haverá que considerar que inexistiu alteração factual neste recurso. Em segundo lugar, o direito à retribuição adicional tal como se encontra previsto na cláusula 2ª tinha como pressuposto a manifestação de vontade do Clube Inglês, o que nunca ocorreu, nem até 31 de Maio de 2020, como previa o contrato, nem em data posterior, pois tal transferência definitiva ocorreu sim automaticamente, pelo que em nada relevara considerar datas posteriores.
Importa ter presente que ficou efectivamente provado que em Inglaterra (tal como em Portugal e restantes países da europa), a época desportiva do futebol profissional termina no mês de Junho. Porém, a pandemia determinou – tal como aconteceu, praticamente, em todo mundo – a suspensão das competições oficiais em que o WBA se encontrava envolvido, concretamente da segunda liga inglesa – que esteve interrompida entre 7/3/2020 e 20/06/2020 e só veio a ser concluída a 04/08/2020, a data da final do playoff de promoção à primeira liga – levando a que este clube só tenha concluído a sua participação nesta competição a 27/07/2020.
No entanto, relevante para a apreciação desta questão é a demonstração que a pandemia constitui uma situação anormal e extraordinária que as partes – A., sociedade parceira, Ré, WBA e jogador – aceitaram como tal e com a qual se conformaram na execução dos contratos celebrados. Ora, ainda que se pudesse, em tese, considerar uma data diferenciada no contrato, frise-se, o previsto no nº 2 da Cl. 2, dado o adiamento que ocorreu da época desportiva na sequência da pandemia, tal como se alude na sentença do juiz a quo a “conclusão seria a mesma, pois continuávamos a não ter uma transferência decorrente do exercício de uma opção de compra expressamente comunicada, mas sim, uma transferência automática em virtude do preenchimento de condições exógenas que escapavam à manifestação de vontade do clube que no limite poderia até não desejar ficar com o jogador.”.
Nas suas conclusões a apelante reitera a argumentação relativa à declaração unilateral da ré, convocando o disposto no artº 458º do CC, assente, ainda que não o aluda, nos factos atinentes ao reconhecimento pela ré da dívida peticiona nos autos – cf. conclusão AA).
Mais uma vez em nada a apelante contraria o argumentário da sentença sob apreciação, a qual também nesta parte não nos merece qualquer reparo.
Nos termos do nº 1 do art. 458º do Cód. Civil, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
O preceito em causa refere-se à situação em que alguém reconhece uma dívida sem indicar a relação que está na origem da dívida. A presunção que a norma estabelece é a presunção de que a dívida tem uma causa jurídica. O que o credor fica dispensado de provar é a existência de relação fundamental, de causa para a dívida, uma vez que se presume que a dívida tem uma causa, é causal. Mas já não se presume qual seja essa causa em concreto e/ou a respectiva validade, motivo pelo qual, tendo presente o princípio da proibição dos negócios abstractos, se entende que o credor deve indicar a causa, não carecendo é de a provar.
Por isso, por não ser essa a sua previsão, a norma não se aplica nas situações em que na declaração o devedor enuncia expressamente a causa da dívida reconhecida. E isso é assim porque se o devedor indica a causa da dívida reconhecida já não é necessário presumir a sua existência, pois a mesma resulta da própria declaração de dívida. Eventualmente pode é colocar-se a questão da necessidade de provar que essa indicação é falsa e que a causa da dívida é outra, designadamente para efeitos de prova da sua invalidade, mas isso já nada tem a ver com a disposição do artigo 458.º do Código Civil.
Na análise de tal questão, expõe-se assim, na sentença recorrida que:”Como nos ensina Menezes Leitão (in Direito da Obrigações, Vol. I, 4ª Ed., pág. 262 e 263): “É reconhecida a má colocação deste preceito nesta sede, uma vez que nesta secção, o Código ocupa-se dos negócios unilaterais como fonte de obrigações e a promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida não é entre nós um negócio unilateral constitutivo de obrigações, já que para tal teria que revestir as características de negócio abstracto (…) Ora, face à nossa lei, a promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida não reveste essas características (…) Certa doutrina tem, por isso, integrado esta figura nos negócios jurídicos de causa presumida (…) Ora, o que a parte quis estipular foi a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida em termos abstractos, e não dispensar o credor da prova correspondente à respectiva fonte. O que resulta do art. 458º é a ineficácia dessa estipulação e a sua relevância apenas para a inversão do ónus da prova, o que corresponde à celebração de um acto jurídico simples e não de um negócio jurídico.”.
Porém, o artigo 458.º do Código Civil apenas se refere à situação em que alguém reconhece uma dívida sem indicar a relação que está na origem da dívida, já não às situações em que na declaração o devedor enuncia expressamente a causa da dívida reconhecida. E isso é assim porque se o devedor indica a causa da dívida reconhecida já não é necessário presumir a sua existência, pois a mesma resulta da própria declaração de dívida (cfr. acórdão do S.T.J. de 04/04/2024 proferido no processo nº 18679/21.8T8SNT-A.L1.S1 in www.dgsi.pt).
A Autora alega que a Ré reconheceu a dívida quando referiu à Autora que podia emitir as facturas sob condição, quando solicitou a correcção do valor destas e quando pediu desculpas pelo atraso. Ficou provado que a Autora emitiu e remeteu à Ré, no dia 9 de Agosto de 2020, duas facturas, as quais foram corrigidas e novamente enviadas à Ré no dia 11 de Agosto de 2020, sendo cada uma delas no valor de GBP 206.250,00 (duzentas e seis mil duzentas e cinquenta libras esterlinas), correspondentes, à data, a €228,937.50 (duzentos e vinte e oito mil, novecentos e trinta e sete mil euros e cinquenta cêntimos), com vencimento uma a 10 de Agosto de 2020 e outra a 10 de Fevereiro de 2021. A Autora voltou a enviar as facturas, devidamente corrigidas no seu valor, e também se provou que o pedido de correcção do valor das facturas efectuado através de referido email constituiu um pedido de correcção da área financeira face a uma desconformidade formal entre o valor das facturas emitidas e o valor constante do contrato de suporte, cuja cópia se encontra na contabilidade. Provou-se que o departamento financeiro da Ré se limita a aceitar ou não o lançamento de facturas na contabilidade em face da sua conformidade ou desconformidade formal (designadamente face a contrato para o qual a factura remeta), sem formular qualquer juízo acerca do mérito da emissão da factura ou da substância material do crédito que titula.
Ou seja, para além de o departamento financeiro da Ré não ter poderes para vincular a Ré ou realizar confissões extrajudiciais, o propósito do pedido de correcção das facturas não foi o de reconhecer a dívida que pudesse estar subjacente à emissão da factura. Aliás, no caso não chegou nunca a ocorrer uma aprovação interna de tal pagamento (ponto 30 dos factos provados). E nem mesmo as justificações iniciais para a falta de pagamento, relacionadas com as dificuldades financeiras têm essa virtualidade. Para mais, importa lembrar que a própria factura relativa à transferência temporária e que vencia a 15 de Setembro de 2019 só foi paga em 05 de Abril de 2024, o que significa que as justificações iniciais também se estendiam a esta factura que lapso não tinha sido paga na medida em que a Ré, nem posteriormente ou nesta acção negou ser devida.
Outrossim, a menção do comunicado da Ré à CMVM transcrita no ponto 35 dos factos provados, bem como as menções efectuadas dos relatórios e contas da Ré de 2020 e 2021, este (relatório de 2021) já depois da posição formal da Ré assumida na carta de 23 de Fevereiro de 2021, transcritas nos pontos 34 e 38 dos factos provados, não corporizam um reconhecimento efectivo da dívida efetuado pelos órgãos com capacidade de vincular a Ré perante a Autora e a sua parceira com a virtualidade de ser entendido como confissão extrajudicial e muito menos como reconhecimento unilateral de dívida nos termos e para os efeitos do art. 458º do Cód. Civil, pois, naqueles documentos a Ré indica a causa da dívida e que respeita à transferência do jogador.
O comunicado da Ré à CMVM (Comissão de Mercados e Valores Mobiliários), foi efectuado nos termos 248º-A do Código dos Valores Mobiliários, datado de 08/10/2020, com vista a prestar informação ao mercado sobre o resumo das operações de entradas e saídas de jogadores ocorridas no mercado de transferências de verão de 2020, dando apenas conta no campo “Saídas Definitivas” do valor de venda do jogador BB e da comissão de venda da Autora e parceira. No contexto do comunicado a colocação deste valor não pode ser vista como uma assunção de dívida pela Ré, tratava-se apenas de uma indicação do valor da comissão que estava previsto no contrato para a situação de venda, sem prejuízo das condições para que fosse efectivamente devida. Como bem refere a Ré, a Autora não pode extrair deste comunicado atinente a operações de entradas e saídas de jogadores ocorridas no mercado de transferências de verão de 2020 um reconhecimento por parte da Ré de uma concreta responsabilidade patrimonial naquele valor. O comunicado não foi emitido por entidade com competência para vincular a Ré e em nome dela confessar ou transigir e não resulta de uma avaliação concreta das condições e vicissitudes contratuais relativas às entradas e saídas daqueles jogadores.
O mesmo se diga, relativamente aos Relatórios e Contas de 2020 e 2021 elaborados pela área financeira da sociedade e que apenas espelham o que vem lançado em contabilidade. Mais uma vez, não se tratam de documentos que avaliem o mérito de uma concreta relação contratual e que definam uma interpretação contratual que resulte no reconhecimento ou no não reconhecimento de obrigações pecuniárias. Tanto que, mesmo depois da posição assumida em 23/02/2023 no Relatório e Contas da Ré correspondente à época desportiva 2020/21, datado de 21 de Setembro de 2021, na página 24, no ponto relativo à situação patrimonial, pode ler-se: “Em 30 de Junho de 2021 a evolução da posição financeira da Sporting SAD face ao verificado no exercício anterior é a seguinte (…) nos últimos meses da época foi apenas accionada a cláusula de opção de compra do GG por 2.000 milhares de euros quando em 2019/2020 tinha sido accionada a cláusula de opção de compra do BB por 8.250 milhares de Libras”.
O valor deste comunicados e menções foi já apreciado na acção movida pela parceira CC contra a Ré, em termos que foram mantidos nos acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/2024 (proferido no processo nº 13856/21.4T8LSB.L1-2 disponível in www.dgsi.pt e que a Ré juntou aos autos) no qual se concluiu que “A comunicação efetuada pela Ré à CMVM e o teor do seu Relatório e Contas Anual referente a 2019/2020 não encerram em si a virtualidade de alterar a interpretação a dar à Cláusula 2ª, n.º 2, do contrato de intermediação desportiva, dos mesmos não decorrendo qualquer obrigação da Ré para com a Autora.”.
Igual entendimento e em situação em tudo similar à dos autos se decidiu no Acórdão desta Relação, datado de 9/05/2024, proferido no proc, nº 13856/21.4T8LSB.L1-2, supra aludido, publicado e junto pela recorrida, na qual além do mais, se conclui que: “ a informação à CMVM - aquisições ou vendas de jogadores pelas SAD de futebol cotadas – tem como objectivo regular o mercado e só têm de ser comunicadas ao mercado se o seu impacto financeiro for susceptível de afectar de forma significativa as cotações das acções da sociedade, por considerar-se que todas as contratações ou vendas de direitos desportivos de jogadores constituem informação privilegiada.(…) O Relatório e Contas é um documento produzido anualmente pelas empresas e outras organizações, constituído essencialmente por duas partes:
· Um relatório onde é apresentada a actividade e o desempenho da empresa e o contexto em que a mesma foi desenvolvida;
· As contas da empresa, apresentadas em mapas contabilísticos específicos, nomeadamente o Balanço, a Demonstração de Resultados e o Mapa de Fluxos de Tesouraria.
O principal objectivo do Relatório e Contas é o de colocar à disposição das partes interessadas toda a informação que permite a correcta avaliação do desempenho da empresa em causa, constituindo uma oportunidade para explicar aos diversos interessados as prioridades estratégicas do exercício, face ao enquadramento económico e regulamentar, caracterizar a actividade das áreas de negócio e analisar o seu efeito do ponto de vista económico e financeiro.
Sendo assim, desse relatório e contas apenas resulta que as contas da SAD reflectiam uma dívida à Autora no montante aí indicado e apenas isso, porquanto esse documento não é uma fonte de obrigações.”(…)
A comunicação efectuada pela Ré à CMVM e o teor do seu Relatório e Contas Anual referente a 2019/2020 não encerram em si a virtualidade de alterar a interpretação a dar à Cláusula 2ª, n.º 2, do contrato de intermediação desportiva, dos mesmos não decorrendo qualquer obrigação da Ré para com a Autora.”.
Igual conclusão chega este colectivo, improcedendo na íntegra a apelação.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Gabriela de Fátima Marques
Vera Antunes
Nuno Gonçalves