ARRESTO
REPETIÇÃO DE PROVIDÊNCIA
CASO JULGADO
FACTOS SUPERVENIENTES
Sumário

I. Tendo a providência cautelar sido julgada improcedente, por não se provar um dos requisitos, não existe repetição de providência, para os efeitos do citado artº 362 nº 4 do CPC, quando o requerente alega factos novos a integrar a respectiva causa pedir, suprindo essa insuficiência de alegação inicial quanto à previsão de algum dos requisitos em falta.
II. Porém, considerando a característica intrumental da providência, a força de caso julgado exige não só os elementos que definem tal instituto em geral, ou seja, os sujeitos, pedido e causa de pedir, mas igualmente um limite temporal, pois a alteração da decisão, ou nova decisão, pode ocorrer tendo por base factos supervenientes, mas estes desde que obedeçam a uma superveniência objectiva, pois a regra da preclusão aplica-se não apenas ao alegado, mas também ao alegável.
III. Intentando os requerentes uma providencia cautelar de arresto, a primeira autonomamente, a segunda por apenso à acção onde se peticiona o valor alegadamente em dívida, com a única diferença na alegação que os requeridos planeiam a venda do imóvel cujo arresto se requer, na primeira, e na segunda, que colocaram o imóvel à venda, inexistem factos novos pelo que existe repetição da providencia.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
BB, Advogado, e AA, Advogada, intentaram a presente providencia cautelar de arresto contra DD, EE e CC, pedindo o arresto de 1/18 de cada um dos requeridos relativamente ao prédio identificado nos autos.
Alegaram, em suma, que no âmbito da sua actividade de advogados prestaram serviços jurídicos para os Requeridos no processo de inventário por morte de FF, somando os honorários devidos por tais serviços o valor de 26.050,00€, acrescido de IVA.
Mais alegaram ter sido acordado que o valor dos honorários seria pago após a venda do imóvel pertencente aos Requeridos e à Herança, sendo que no dia da outorga da escritura pública de compra e venda os Requeridos não compareceram no Cartório Notarial, tendo o Requerido DD dito ao agente imobiliário e ao vendedor que não queriam pagar os honorários aos ora Requerentes.
Mais acrescentaram que os Requeridos deixaram de atender aos seus telefonemas, bem como responder às mensagens de correio electrónico que lhes enviaram tendo, nessa sequência, lhes sido remetida a respectiva nota de honorários.
Concluíram, alegando que os Requeridos não têm intenção de pagar os honorários e que estes últimos apenas têm o referido imóvel, que planeiam vender, terminando a pedir que seja decretado o arresto dos seus direitos sobre o mesmo de forma a que os Requerentes garantam o seu crédito de honorários.
Mediante informação dos requeridos (ainda que não citados na acção ou na providencia) foi dado conhecimento que procedimento cautelar idêntico já foi suscitado, discutido e decidido no âmbito do processo nº 514/24.7T8LAG que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo de Competência Genérica de Lagos- Juiz 2. Mais informando que foi interposto recurso e que este foi julgado improcedente, juntando cópia da decisão do Tribunal da Relação de Évora que veio a confirmar a decisão de primeira instância.
Face a tais elementos foram os requeridos notificados para se pronunciarem sobre a eventual existência da excepção de litispendência ou caso julgado.
Os mesmos responderam pugnando pelo indeferimento e dizendo, em suma, na parte relevante em termos factuais que: “25.Na primeira ação cautelar interposta há um ano, os requerentes sabiam que havia a intenção dos requeridos venderem o imóvel sem nunca lhes pagarem 1 euro, dos honorários em dívida, por que os mesmos tiveram comportamentos e conversas com terceiros que denotavam essa realidade.
26. Na presente ação, volvido 1 ano da primeira, já há provas que os requeridos, posteriormente aquela outra ação cautelar, e à sua improcedência, colocaram o imóvel à venda, celebraram um CPCV, e que até à presente data, volvido quase 1 anos, os requeridos sequer pagaram 1 euro aos requeridos, os contactaram ou pediram prazo para fazer, o que ditam as regras da experiência comum, que é facto per si demonstrativo que não têm qualquer intenção de vir a pagar.”.
De seguida foi proferida decisão que ao disposto no artigo 362.º, nº 4, do Código de Processo Civil, declarou inadmissível o presente procedimento cautelar especificado, por consubstanciar repetição de providência que já foi julgada injustificada.
Inconformados vieram os requerentes recorrer, com as seguintes conclusões:
«1. O valor do presente procedimento cautelar (assim como do anterior) resulta da nota de honorários junta nos autos, pelo que não é verdade que haja incerteza relativamente ao montante, e que tal possa afastar a probabilidade de existência de um crédito.
2. Volvido um ano, sem que os Requeridos quisessem, tivessem ou sequer manifestassem, intenção de pagar um euro sequer – um euro sequer! - aos Requerentes, os mesmos colocaram uma placa de venda do imóvel demonstrando a clara alteração da factualidade do primeiro procedimento cautelar de arresto, com o agravamento do periculum in mora.
3. Acrescido que há presente data à já pendente de registo uma Promessa de Alienação do imóvel, sic: “REGISTOS PENDENTES (…) Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Bombarral AP. 446 de 2025/06/04 - Promessa de Alienação” (negrito e sublinhado nosso).
4. Pelo que a mera constatação da “tríplice identidade, na medida em que i) as partes são as mesmas; ii) em ambos o procedimento foi requerido o decretamento do arresto sobre o mesmo bem imóvel; iii) tendo como fundamento a mesma causa” não pode originar autêntica denegação de Justiça, conforme o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4439/22.2T8AVR.P1, datado de 09.10.2023, claramente o defende, sic: “
5. “Ora, in casu, mesmo que de “repetição de providência” se tratasse, podendo tal repetição ser considerada uma situação paralela à “repetição de causa”, remetendo-se a interpretação a dar para o conteúdo daquele preceito que a esta se reporta, nunca perante a tríplice identidade imposta por este preceito estaríamos, pois que, como vimos, a tutela a obter pela decisão do procedimento cautelar não se apresenta como definitiva, tendo, meramente, um caráter provisório, sendo que o que releva para a exceção dilatória do caso julgado é a existência de definitiva decisão de mérito. E, sendo a posição processual dos sujeitos idêntica nas duas providências e idênticas sendo as pretensões nelas formuladas, suscitada vem a, pertinente, questão da falta de identidade de causas de pedir, por alegados se mostrarem essenciais factos novos, não se estando, por isso, perante repetição de providência, dada a diferente causa de pedir.”
6. A interpretação que o douto Tribunal a quo faz do n.º 4.º do art.º 362.º do CPC, rejeitando abrir a Audiência para verificar se há ou não um agravamento do periculum in mora, está ferida de inconstitucionalidade uma vez que consubstancia numa errada aplicabilidade do n.º 1 e do n.º 5 do art.º 20.º da CRP, a tal preceito normativo, tornando a sua interpretação inconstitucional, e conduzindo à denegação de Justiça e eventual responsabilidade civil do Estado caso o património seja dissipado e os requerentes fiquem assim sem o seu credito ressarcido.
Nestes Termos,
E nos demais de Direito doutamente supridos pelos Venerandos Desembargadores, deve o presente recuso ser julgado procedente, por erro manifesto de facto e de Direito, anulando-se a douta Sentença, e ordenar a descida dos autos para a realização da audiência de julgamento, de molde a ouvir-se as testemunhas que foram arroladas, e assim decidindo-se conforme o Direito e a Justiça!».
Por requerimento que deu entrada a 24/06/2025, vieram os requerentes juntar requerimento no qual requerem a junção de dois documentos ao “recurso interposto”, sendo estes, cópia da nota de honorários (já junto no requerimento inicial), bem como de um email datado de 24/07/2024.
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão prévia: Da junção de documentos pelos apelantes
Os apelantes sem qualquer justificação vieram, por requerimento, após as alegações de recurso juntar dois documentos dizendo que o fazem junto do recurso interposto.
Tais documentos constituem, o primeiro uma cópia da nota de honorários de 22/07/2024, a qual, aliás, já se encontra junta com o requerimento inicial, identificado como doc. 7, sem que tal numeração corresponda a este processo. O segundo, constitui um alegado email da 1ª requerente dirigido ao 1º e 2º requerido da marcação da escritura e elementos da mesma, datado de 24/07/2024.
Manifestamente tal junção é feita ao arrepio das mais elementares regras processuais, inexistindo fundamentação para a sua junção em sede de recurso, ou sequer a eventual junção no âmbito da providência.
Com efeito, no âmbito das providências cautelares a prova deverá ser junta com o requerimento inicial, nos termos previstos no artº 293º nº 1 do Código de Processo Civil, ex vide artº 365º nº 3 do mesmo diploma.
Quanto ao recurso estabelece o artº 651.º do CPC que:
“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão”.
Por seu turno, o art. 425.º do CPC estabelece: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Quanto ao sentido da expressão legal “documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, que, ultrapassado o limite temporal do n.º 2 do art. 423.º, “apenas são admitidos documentos não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objectiva ou subjectivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento.” ( in “Código de Processo Civil Anotado, vol I”, pág. 499).
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro precisam que “actualmente, na norma de dilação prevista no nº 3, esse impedimento (que se prolongou para além do prazo previsto no nº 2) apenas legitima a apresentação imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo a parte aguardar pelo derradeiro momento pressuposto pela norma de dilação – o encerramento da discussão em primeira instância (art. 425.º).” – in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2.ª edição, Almedina, pág. 370.Obra citada, pág. 370.
No caso dos autos nem sequer os recorrentes fundamentam tal junção, verificando-se que ambos os documentos são anteriores à interposição da presente acção, esta de 06/05/2025.
Do exposto, decorre não ser de considerar justificada a junção dos documentos apresentados pelos Recorrente não se admitindo, por isso, a sua junção aos autos e determinando-se que sejam os mesmos desentranhados e restituídos, bem como não considerados em termos electrónicos nos autos.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de admitir um novo arresto pelos requerentes contra os requeridos, apesar do indeferimento ou improcedência de um pedido de arresto anterior, tendo esta decisão sido confirmada por decisão do Tribunal Superior proferida a 9/04/2025.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos pertinentes para a decisão são, além dos constantes do relatório que antecede quanto às ocorrências processuais relevantes e que se dão por reproduzidas, também o seguinte:
• Os requerentes intentaram a presente providencia cautelar de arresto, a 6/05/2025, invocando em termos factuais o seguinte:
«1. Em Dezembro de 2022, DD apareceu no escritório do Dr. BB para que este o representasse, a si e ao seu irmão, EE, no âmbito do processo de inventário, por morte do avô de ambos, FF, e que corria termos no Cartório Notarial Fátima Logrado, processo n.º 6277/18, cfr. DOC 2. – procuração forense.
2. E ainda, que representasse a mãe de ambos, CC, uma vez que a mesma era detentora de uma quota no único imóvel relacionado na herança. DOC 3. - procuração forense
3. O inventário tinha 3 herdeiros, o filho GG, e os dois netos, DD e EE.
4. A verba única do inventário é o imóvel supra melhor identificado e do qual requeremos o arresto das respectivas quotas, as quais já eram pertença dos Requeridos, antes da partilha.
5. Ocorre que aquando da intervenção dos mandatários do supramencionado processo de inventario notarial, iniciado em 2018, e com dois mandatários diferentes, em momentos distintos, o mesmo estava quase findo, senão mesmo findo.
6. Isto por que foi decidido um Mapa de Partilha em que os Requeridos nada viriam a herdar.
7. Foi acordado, aquando da assinatura da procuração, entre os Requerentes e Requeridos, que os honorários seriam, e devido ao grau de complexidade e tempo que seria despendido, tendo por base o valor de €75 euros/hora cada um dos mandatários, num total de €150/hora os dois mandatários.
8. E que os mesmos seriam liquidados aquando da venda da imóvel pertença quer dos Requeridos, quer da Herança na qual os Requeridos são Herdeiros.
9. Isto por que DD trabalha em turno noturno, enquanto vigilante, da AQUALVOR – ATIVIDADE EM AQUACULTURA LDA, NIPC ... em ...Lagos, e EE é técnico operacional de limpeza no HOSPITAL DE CASCAIS, Av. Brigadeiro Victor Novais Gonçalves, ... Alcabideche, e ambos recebem pouco mais do que o ordenado mínimo e a mãe, , CC, com 77 anos é reformada, com uma pensão segundo os mesmos, MUITO baixa.
10. Os mandatários deslocaram-se duas vezes de Lagos ao Cartório Notarial do Seixal.
11. E interpuseram um recurso junto do Tribunal Judicial do Seixal, procedente, conforme Sentença judicial que se anexa enquanto DOC 4., a qual sendo aqui integralmente reproduzida espelha a importância e o profissionalismo dos aqui Requerentes.
12. Decorrente desta Sentença as partes resolveram transacionar no Cartório Notarial da Dra. Fátima Logrado, no Seixal, no dia 27 de Junho de 2024, nos exactos termos do DOC 5., isto é, a venda do imóvel e a partilha dos valores ali auferidos, saldado o passivo da herança e consoante as quotas de cada interveniente.
13. A imobiliária “Zonas Mágicas Lda” encontrou um comprador pelo calor de 325 000,00 euros.
14. Assim foi agendada escritura pública para o dia 26 de Julho de 2024 pelas 14h30 no Cartório Notarial da Dra. Carla Centeio, em Aljezur, para a venda do supramencionado imóvel.
15. Todos os Requeridos confirmaram a presença presencial, com exceção da Requerida CC a qual seria representada por procuração pelo filho, o Requerido DD.
16. No entanto a partir do dia 17 de Julho, sexta-feira, os Requeridos deixaram de atender o telefone aos ora mandatários, bem assim não responderam a comunicações de email, tendo unicamente, o Requerido DD e sem qualquer esclarecimento plausível, dito que não iriam à escritura através de duas mensagens de voz, que se juntam enquanto DOC 6.
17. Invocando questões mentirosas de saúde, nos supramencionados áudios, o mesmo diz, sic: “Olá Dra. acordei, agora. Era para lhe ligar e coiso... Ora hoje não atendi porque estava a fazer lá um... falar com umas pessoas, amanhã de manhã, vou outra vez, para lá, vou fazer ao traseiro. E tirar alguns nódulos ou ver o que é que é. E o resto das partilhas é para cancelar tudo, tudo. E tenho também a minha mãe no hospital que foi operada, ninguém me disse nada, nem ela disse nada. É para pronto. E amanhã quando me despachar vou logo de manhã para o hospital. Quando me despachar logo ligo para si, vá tchau, um abraço.”; e “Ah e já falei lá com os outros senhores lá de cima, também concordaram tudo comigo para parar tudo. Uma semana, duas três, quatro, um mês, 10 anos, 50 anos, está tudo. Sem eu estar presente e tar bom, a minha cabeça não há nada para ninguém. Ele já sabem, podem falar com os advogados dos outros.”
18. A partir dessas mensagens não mais atendeu, este ou os outros Requeridos, todas e quaisquer telefonemas ou responderam a todas e quaisquer mensagens de correio eletrónico ou telefone.
19. O Sr. HH, agente imobiliário das “Zona Mágicas Lda, a mesma que angariou o comprador, conseguiu falar com o Requerido pessoalmente, indo ao seu local de trabalho.
20. O mesmo disse que não iria à escritura pois NÃO QUERIAM PAGAR OS HONORÁRIOS AOS ADVOGADOS.
21. Em decorrência do exposto os ora mandatários enviaram nota de honorários para os Requeridos cfr. DOC 7.
22. O comprador do imóvel, o Sr. II nif ..., e esposa, JJ, nif ..., um dia antes da escritura foi ao imóvel, e foi-lhe comunicado pelo Requerido DD que o imóvel poderia ser vendido aos mesmos em data posterior à agendada, pois não queriam pagar aos Requerentes, enquanto Advogados, bem como a comissão da interveniente “Zonas Mágicas Lda”.
23. O comprador falou mesmo com o filho dos Dr. GG, que lhe garantiu que a venda poderia ser realizada posteriormente, com o consentimento de todos os proprietários/herdeiros, e com o a ausência dos advogados e imobiliária.
24. Os Requeridos nunca disseram aos Requerentes para cancelar a escritura.
25. E assim, no dia 26 de Julho, TODOS, com exceção dos Requeridos estiveram presentes no Cartório para realizara a escritura, o Sr. GG e ainda os compradores, e agente imobiliário, cfr. DOC 8.
26. Pelo que os Requeridos devem aos Requerentes, de forma solidária, um total de €26 050.00 euros acrescido de IVA.
27. Conforme supra exposto, e os Requeridos não fazem qualquer intenção de pagar os honorários dos Requerentes.
28. Aliás como boa-fé e no sentido de pôr fim ao presente litígio, os requerentes solicitaram que os requeridos fizessem uma proposta de pagamento.
29. Mas os mesmos nada fizeram.
30. Outrossim, estão a praticar actos para que possam vender o imóvel sem que os requerentes tenham conhecimento, ou possam do produto da venda, ver o ser crédito ressarcido.
31. Aliás um dos requeridos, o Requerido DD gaba- se na freguesia de Odiáxere de já ter compradores para o imóvel, e que nada irá pagar aos advogados.
32. Cortaram todas e quaisquer vias de comunicação.
33. Disseram a terceiros que não teriam intenções de pagar.
34. Os requeridos, com ordenado mínimo, sem quaisquer bens em seu nome, exceto o supramencionado imóvel, JAMAIS conseguirão vir a pagar o que devem aos Requerentes.
35. E nem querem!!!! Já o disseram!
36. Aliás o arresto das quotas dos Requeridos sobre o imóvel, não lhes trazem nenhum transtorno, a não ser o facto de impedir a venda que pretendem levar a cabo, com o fito de NUNCA vir a pagar esse crédito.
37. E têm o imóvel à venda(…) (reproduzindo duas fotografias».
• Os requerentes intentaram procedimento cautelar de arresto contra os requeridos, o qual foi discutido e decidido no âmbito do processo nº 514/24.7T8LAG que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo de Competência Genérica de Lagos- Juiz 2, e foi julgado improcedente e interposto recurso foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, a 9/04/2025, o qual julgou improcedente a apelação, e na parte relevante fundamentou tal decisão na análise dos requisitos da providencia de arresto no seguinte:
“(…) está indiciada a existência do crédito dos Requerentes pelo menos quanto aos Requeridos DD e EE não será, conforme percebemos do que supra se expendeu, a incerteza quanto ao respectivo montante que afastará o preenchimento do primeiro requisito respeitante à probabilidade da existência de um crédito dos Requerentes sobre os Requeridos, visto que “a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um crédito ilíquido […]”
Mas se assim é quanto a esse primeiro requisito que dizer sobre a verificação do
segundo requisito essencial respeitante ao justo receio de perda da garantia patrimonial,
que se traduz no chamado periculum in mora?
Mais uma vez vejamos o que a propósito ficou dito na decisão final recorrida:
“No que diz respeito ao segundo requisito, os Requerentes também não lograram fazer prova do justo receio de perda da garantia, desde logo porque a situação patrimonial dos Requeridos é de todo desconhecida (nem foi produzida qualquer prova quanto à mesma).
O justo receio de o credor perder a garantia patrimonial é o pressuposto fundamental do arresto e, já pelas consequências que esta providência acarreta para o devedor, já porque importa prevenir abusos, a sua verificação tem de ser inequivocamente demonstrada. (…)
Da factualidade provada, resulta, é certo, justificado receio de incumprimento da obrigação de pagamento do valor peticionado a título de honorários segundo a nota de honorários elaborada pelos Requerentes.
Porém, o arresto não assenta no fundado receio de incumprimento da obrigação, mas sim no fundado receio de o credor perder a garantia patrimonial, que são coisas bem diferentes.(…)
Na verdade, apenas decorre dos factos indiciariamente demonstrados na decisão
recorrida , mormente dos vertidos sob os pontos 9) a 11), 13) e 14), que um dos Requeridos, DD, chegou a solicitar os serviços de uma imobiliária para
a venda do imóvel visado pelo arresto, tendo surgido um potencial comprador para o mesmo e que chegou a estar agendada escritura pública para o dia 26/07/2024, ou seja
quando ainda não existia litigio aberto entre os ora Apelantes e os Requeridos relativo aos honorários, cuja nota fora comunicada a estes últimos por carta registada enviada em 22/07/2024, bem como que em data anterior àquela (26/07/2024), o aludido Requerido informou os Apelantes que os Requeridos não iriam comparecer no acto de escritura pública por motivos de saúde, mais informando ainda a imobiliária de tal falta de comparência dizendo ao respectivo agente imobiliário que não concordavam com o pagamento dos honorários pretendidos pelos Apelantes, falta de comparência essa que
se veio a concretizar quanto a todos os Requeridos.
Sem embargo, nada mais resultou indiciariamente demonstrado, como seja que
posteriormente a 26/07/2024 os Requeridos, ou algum deles, manteve o imóvel para venda, que tenha sido reagendada outra data para a escritura pública, que tenham sido angariados outros potenciais compradores interessados, que a situação económica dos Requeridos indicie forte probabilidade de não conseguirem fazer face ao pagamento do
montante de honorários que vierem concretamente a ser devidos e muito particularmente que os Requeridos não possuam quaisquer outros bens, além da respectiva participação no imóvel mencionado no caso em apreço, que possam servir de garantia para assegurar o cumprimento da obrigação relativa ao pagamento dos ditos honorários, importando, outrossim, clarificar ainda que o ter resultado indiciada a não concordância dos Requeridos com os honorários comunicados pelos Apelantes nos termos vertidos no ponto 12) do segmento respeitante aos factos indiciariamente provados não significa necessariamente uma recusa peremptória da parte dos Requeridos em pagar a título de honorários qualquer outro montante aos Apelantes. Ora perante tal contexto temos de convir não se encontrar no caso vertente suficientemente preenchido o requisito respeitante ao justo receio de perda de garantia patrimonial e consequente periculum in mora associado a tal.”
• Na decisão proferida e aludida importa ter ainda presente que resultou como não provado (e assim mantido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora) que:
“a) Para além do provado em 2) e 7), em Dezembro de 2022 o Requerido DD apareceu no escritório do Requerente Dr. BB para que este o representasse, a si e ao seu irmão, EE, no âmbito do inventário do avô de ambos, FF, e que corria termos no Cartório Notarial Fátima Logrado, processo n.º 6277/18, e ainda que representasse a mãe de ambos, CC por esta ser detentora de uma quota no único imóvel relacionado na herança.
b) Foi acordado, aquando da assinatura da procuração, entre os Requerentes e os Requeridos, que os honorários seriam, e devido ao grau de complexidade e tempo que seria despendido, tendo por base o valor de 75,00€/hora cada um dos mandatários, num total de 150€/hora os dois mandatários.
c) As partes acordaram que os honorários seriam liquidados aquando da venda do imóvel pertença dos Requeridos e da Herança.
d) O Requerido DD trabalha em turno nocturno enquanto vigilante da Aqualvor – Actividade de Aquacultura, Lda., NIPC ... em ...Lagos, e EE é técnico operacional de limpeza no Hospital de Cascais, Av. Brigadeiro Victor Novais Gonçalves, 2755- 009 Alcabideche, e ambos recebem pouco mais do que o ordenado mínimo e a mãe, CC, com 77 anos é reformada, com uma pensão baixa.
e) Para além do provado em 8), os Requerentes deslocaram-se duas vezes de Lagos ao
Cartório Notarial do Seixal.
f) Para além do provado, que os Requerentes tenham prestado outros serviços aos Requeridos.”.
• Nestes autos e face a tal decisão foi assim, proferido o seguinte despacho:
«Compulsados os autos, verifica-se que os requerentes intentaram procedimento cautelar de arresto junto do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Lagos, conforme resulta dos documentos juntos aos autos em 16.5.2025 (ref. 42852457) e em 26.5.2025.
Existe absoluta identidade de partes, do pedido e da causa de pedir entre o referido procedimento e os presentes autos.
Em análise aos documentos remetidos pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos, mormente ao requerimento inicial, constata-se que a factualidade aí alegada é a mesma que os requerentes alegam nestes autos.
Tal procedimento cautelar foi julgado improcedente por indiciariamente não provado.
Os requerentes interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação de Évora, através de acórdão datado de 9.4.2025, confirmado a decisão recorrida.
Resulta do referido acórdão, entre o mais, que o Juízo de Competência Genérica de Lagos foi considerado territorialmente competente para decidir o procedimento cautelar especificado de arresto aí intentado (exceção invocada pelos próprios requerentes em sede de recurso).
Consta também do referido acórdão que existe “incerteza quanto ao respetivo montante que afastará o preenchimento do primeiro requisito respeitante à probabilidade da existência de um crédito dos Requerentes sobre os Requeridos (…) No que diz respeito ao segundo requisito, os Requerentes também não lograram fazer prova do justo receio de perda da garantia, desde logo porque a situação patrimonial dos Requeridos é de todo desconhecida (nem foi produzida qualquer prova quanto à mesma).”
Tendo tomado conhecimento do referido acórdão, os requerentes intentaram o presente procedimento cautelar especificado precisamente com os mesmos fundamentos, tentando obter decisão diversa daquela que foi proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.
Determina o artigo 362.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil que:
“1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
(…)
4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
A expressão repetição da providência “paralela à expressão repetição da causa (…) inculca que só é hoje tida por inadmissível a providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto” - FREITAS, José Lebre de, e ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2017, p. 14.
Por injustificação da providência deve entender-se a sua recusa, com ou sem audiência prévia do requerido – artigo 368.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil -, quer a revogação de uma providência inicialmente ordenada, após a oposição do requerido ou em recurso. (ob.cit., p. 15). Assim, encontram-se abrangidos na recusa o não decretamento pela falta da probabilidade séria da existência do direito, bem como pela falta da demonstração do fundado receio da sua lesão (artigo 368.º, n.º 1), estando excecionados os casos de indeferimento liminar.
No caso do arresto, determina o artigo 391.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que: “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”
No caso vertente, a decisão proferida no procedimento cautelar anteriormente intentado pelos requerentes considerou que não ficou indiciariamente demonstrada a existência do crédito, nem o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
“A proibição da repetição de providência constitui-se como uma hipótese especial, perante a particular natureza desta (…) de salvaguarda das razões subjacentes ao instituto do caso julgado: por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objeto). Há repetição quando está em causa uma providência com o mesmo conteúdo e que se baseie nos mesmos factos espácio-temporalmente situados.” – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-09-2024, processo n.º 17837/23.5T8PRT-A.P1.
Assim, cumpre aferir se estamos perante uma repetição de procedimento cautelar admissível ou, ao invés, se o presente procedimento cautelar é inadmissível, o que pressupõe saber se, verificando-se identidade de sujeitos e de pretensão, também se verifica identidade de causa de pedir.
No caso em análise, constatamos essa tríplice identidade, na medida em que i) as partes são as mesmas; ii) em ambos os procedimentos foi requerido o decretamento do arresto sobre o mesmo bem imóvel; iii) tendo como fundamento a mesma causa.
Destarte, à semelhança do que alegaram no procedimento cautelar que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Lagos, invocam aqui os requerentes, em suma, que prestaram serviços aos requeridos no âmbito de processo de inventário, sendo devidos honorários no montante que cifram em € 26.050,00, acrescidos de IVA; que os requeridos não pretendem pagar e que o imóvel que constituía a verba única do inventário está à venda. Note-se que nesse procedimento já fora expressamente alegado que os requeridos “estão a praticar atos para que possam vender o imóvel sem que os requerentes tenham conhecimento, ou possam do produto da venda, ver o ser crédito ressarcido.” (sic).
Em face do exposto, atendendo aos elementos coligidos para os autos e ao disposto no artigo 362.º, nº 4, do Código de Processo Civil, declara-se inadmissível o presente procedimento cautelar especificado, por consubstanciar repetição de providência que já foi julgada injustificada.”.
• Os presentes autos de arresto foram intentados por apenso ao processo de inventário, figurando sob a letra B uma acção de honorários intentada a 25/06/2025, contra os ora requeridos e em que se peticiona a condenação dos RR. a pagar aos AA. o valor da nota de honorários invocada nestes autos.
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III. O Direito:
Importa ter presente que o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a possibilidade de composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos. Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…). A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”( Cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 08.04.2000 in www.dgsi.pt/jrc).
Logo, constituem características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana de a circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado. A propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva (“Processo Cautelar Comum”, pág. 144 e segs.), «…o ”periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária de probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar, por sua vez justificativa das especificidades próprias deste tipo de processos (…). O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que, cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto. Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto)».
A providência cautelar exige apenas a prova sumária – sumario cognitio – do direito ameaçado, isto é, a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória, e o receio da sua lesão, ou seja, a possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente.
Como refere a mesma Autora (Lucinda Dias da Silva, in ob. Cit. Pág. 143) “incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da acção principal, invocando factos que permitam inferir tal conclusão, pelo que tais factos constituirão, no seu conjunto, uma aproximação sumária da causa de pedir da acção principal (…). Trata-se, nesta medida, de um requisito prévio, relativamente aos demais, permitindo distinguir, adentro da causa de pedir da acção cautelar (…), além dos factos consubstanciadores da existência de perigo para a tutela jurisdicional efectiva no processo principal (factualidade relevante exclusivamente no processo cautelar), um segmento correspondente ao conjunto de factos que proporcionam um vislumbre do que será a causa de pedir da acção principal e permitem aferir da probabilidade de futura procedência dessa lide (…). A perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efectiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”.
Relativamente à questão que nos ocupa importa ter presente a característica da instrumentalidade da providencia, dada a correlação desta com o caso julgado, pois ainda que não haja dúvidas sobre a natureza judicial da decisão proferida neste âmbito, não há que olvidar o seu carácter provisório, mas sem que este permita afastar o efeito do caso julgado ( seguimos de perto Rita Lynce de faria in “A Função Instrumental da Tutela Cautelar não especificada”, pág. 150 e ss.). No entanto, dada a sua característica intrumental, a força de caso julgado exige não só os elementos que definem tal instituto em geral, ou seja, os sujeitos, pedido e causa de pedir, mas igualmente um limite temporal, pois a alteração da decisão, ou nova decisão, pode ocorrer tendo por base factos supervenientes, mas estes desde que obedeçam a uma superveniência objectiva, ou seja factos novos. Pois como bem alude Rita Lynce de Faria ( in ob. cit. pág. 156) “ a regra da preclusão aplica-se não apenas ao alegado, mas também ao alegável”, e tal exigência temporal é que permite ou a alteração da decisão, ou a possibilidade de se convocar uma nova decisão.
Da análise do previsto no artº 362 nº 4 do Código de Processo Civil, o qual estatui que “não é admissível na dependência da mesma causa, a repetição da providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”, parece resultar que estando a providencia afecta a uma causa ou acção principal, sempre impediria a interposição de uma nova providencia afecta a essa mesma acção, por ter como fundamento a mesma causa de pedir. No entanto, tal será assim se os factos em que assenta uma e a outra providencia são os mesmos, mas tal já não ocorre se forem convocados factos supervenientes que provoquem uma alteração da decisão cautelar.
Significa, assim, que tendo a providência sido julgada improcedente, por não se provar um dos requisitos, não existe repetição de providência, para os efeitos do citado artº 362 nº 4 do CPC, quando o requerente alega factos novos a integrar a respectiva causa pedir suprindo essa insuficiência de alegação inicial. Mas tais factos novos têm de ocorrer em termos temporais ou superveniente mente e não apenas por falta de alegação dos mesmos, ou ainda por falta de prova de determinado requisito na providencia primeiramente intentada. Com efeito, não há que olvidar que “o procedimento cautelar envolve o seu próprio litígio, que o juiz cautelar é chamado a resolver” , pelo que defender a possibilidade de modificação ou alteração de uma decisão cautelar “por não gozar da imutabilidade própria da coisa julgada, conduziria a uma situação de instabilidade e insegurança jurídicas, indefensável no quadro da tutela cautelar” ( Rita Lynce de Faria in ob. cit. pág. 152-154)
Esta é a posição igualmente assumida por Teixeira de Sousa ( in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, págs. 245/246 “desde que a nova acção cautelar se apresente com novos factos, designadamente supervenientes, a integrar a respectiva causa de pedir , ou seja, não ocorrendo os requisitos do caso julgado.- art. 498 do CPC não há impedimento à sua instauração”. Bem como o defendido por Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol. 3ª ed. 2004, pág. 124).
Em idêntico sentido, Lopes do Rego ( in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 344) ao referir que a dita norma apenas inviabiliza “a nova dedução de pretensão idêntica (ainda que alicerçada em factos diferentes)” e que a figura da excepção de caso julgado, aplicável, “sempre obstaria a sucessiva repetição de providências idênticas, alicerçadas numa mesma causa de pedir”.
Também sobre tal questão e idêntica posição se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/09/2015 (proc. nº 2560/10.9TBPBL-A.C1, in www.dgsi.pt) ao sumariar que:1. Verifica-se a repetição de providência cautelar quando ocorra semelhança essencial, pelo que importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente - art.º 362º, n.º 4, do CPC. 2. Com a referida estatuição pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objecto). 3. A proibição que dela decorre assenta, pois, em fundamentos algo semelhantes aos subjacentes ao instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º, do Código de Processo Civil
Para a análise que se impõe e na aferição da repetição ou não nos termos sobreditos, haverá que considerar a determinada providência cautelar, na qual importa aferir, antes de mais, da necessidade do seu decretamento, através da indagação do preenchimento dos princípios do “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.
In casu, estamos perante a providência cautelar nominada de arresto. E o arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391º a 396º do Código de Processo Civil.
Prescreve o nº1 do artigo 619º do Código Civil: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Dispõe o art. 391º, nº 1, do Cód. Proc. Civil que «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.». Acrescenta o art. 392º, nº 1, do mesmo diploma legal que «o requerente do arresto deduz os factos que tomam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.».
Desde logo, a procedência do pedido de arresto preventivo depende da alegação e prova pelo arrestante de que:
1– É provável a existência do crédito, isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há grandes probabilidades de ele existir;
2– Se justifica o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património - cfr., entre outros, Acs. do S. T. J. de 23.07.81, B. M. J. 309º, 300, da Rel. de Évora de 04.05.76, Col. Jur., 1976, Tomo II, pág. 401 e da Rel. de Coimbra de 13.11.79, B. M. J. 293º, 441. Ou seja, são requisitos do arresto preventivo, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito; e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito.
Assim, sempre que o requerente pretende a apreensão judicial de bens com vista a assegurar o “status quo”, para que ele não se altere em condições tais que não seja susceptível a reintegração, formulará tal pretensão ao Tribunal com a alegação dos factos que tomem provável a existência do crédito do requerente - crédito esse que deverá ser actual - e justifiquem o receio da perda de garantia patrimonial.
Ora, para que haja repetição de providência necessário é que ocorra semelhança essencial, o que se verificará, naturalmente, se as partes, os fundamentos e o pedido foram os mesmos. Mais concretamente, importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente.
Na verdade, como se defendeu no Acórdão desta Relação e secção, em acórdão 03.5.2012 (Proc. nº 2737/11.0TBSXL-B.L2-6, publicado in www.dgsi.pt) a proibição de repetição de providência julgada injustificada ou cuja caducidade foi declarada, obsta a que o requerente possa apresentar “nova pretensão de conteúdo idêntico dentro da mesma acção, ainda que sejam outros os factos alegados como fundamento. Mas já não existe impedimento legal a que seja solicitada outra providência de conteúdo diferente ou destinada a tutelar interesses diferentes daqueles que se visaram com a providência anterior“. Como se sumariou em tal acção: I. O impedimento legal de repetição de providência cautelar “na pendência da mesma causa”, estatuído no n.º 4, do art.º 381.º di CPC, abrange duas situações distintas: i) que tenha sido decretada a caducidade da providência; ii) ou, que tenha sido julgada injustificada. II. A locução “na pendência da mesma causa”, não significa necessariamente mesma acção ou meio processual, mas mesmo litígio ou questão a decidir”, ou seja, a causa da qual é sempre dependente a providência cautelar, quer seja instaurada preliminarmente à propositura da acção, quer seja instaurada como incidente da acção (art.º 383.º 1 do CPC). III. A expressão “haja sido julgada injustificada”, abrange também os casos em que a recusa do deferimento da providência resulta duma apreciação de mérito, ou seja, quando em face da prova produzida pelo requerente é feito um juízo sobre a verificação dos requisitos e se conclui pela falta dos fundamentos para que possa ser decretada. IV. A proibição de repetição de providência julgada injustificada ou cuja caducidade foi declarada, obsta a que o requerente posso formular “.
Defendem os recorrentes que a nova providencia cautelar que ora nos ocupa tem como facto inovatório a existência de um registo de uma Promessa de Alienação do imóvel, imóvel esse cujo direito dos requeridos no mesmo constitui o objecto do arresto. Convocando ainda que a mera constatação da “tríplice identidade, na medida em que i) as partes são as mesmas; ii) em ambos o procedimento foi requerido o decretamento do arresto sobre o mesmo bem imóvel; iii) tendo como fundamento a mesma causa” não pode originar autêntica denegação de Justiça, conforme o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4439/22.2T8AVR.P1, datado de 09.10.2023, claramente o defende, sic: “.
Por fim, aludem que a interpretação que o Tribunal a quo faz do n.º 4.º do art.º 362.º do CPC, rejeitando abrir a Audiência para verificar se há ou não um agravamento do periculum in mora, está ferida de inconstitucionalidade uma vez que consubstancia numa errada aplicabilidade do n.º 1 e do n.º 5 do art.º 20.º da CRP, a tal preceito normativo, tornando a sua interpretação inconstitucional, e conduzindo à denegação de Justiça e eventual responsabilidade civil do Estado caso o património seja dissipado e os requerentes fiquem assim sem o seu credito ressarcido.
Em primeiro lugar, o Acórdão da RP trazido à colação pelos apelantes vai no mesmo sentido preconizado e supra exposto, ao concluir que: I - Estando o indeferimento liminar de um procedimento cautelar reservado aos casos de verificação, na fase liminar, de situações em que a posição do requerente não tenha possibilidade de ser acolhida (manifesta inviabilidade) ou em que ocorram excepções dilatórias insupríveis de que o juiz possa conhecer oficiosamente (cfr. al. b), do nº4, do art. 226º e nº1, do art. 590º, do CPC), vedado está ao julgador proferi-lo fora desse contexto, de excepcionalidade. II - Verificando-se situação de tríplice identidade imposta pelo nº 1, do art. 581º, do CPC, e estando a causa já definitivamente julgada, estamos perante caso julgado (material), excepção dilatória a obstar ao conhecimento do mérito da causa e a levar à absolvição do sujeito passivo da instância (arts 577º, al. i), 576.º, n.º 2 e 278º nº1, al. e), daquele diploma legal). III - Tal figura, de “repetição de causa” (nº1, do art. 580 º e nº1, do art. 581º, ambos do CPC), não se confunde com a, paralela expressão, prevista no nº4, do art. 362º, daquele diploma, para os procedimentos cautelares (onde a tutela se desenha como provisória e, por isso, incompatível com o caso julgado material), de “repetição de providência”, que, especialmente, estatui a não admissibilidade de repetição de providência, na verificação dos seguintes requisitos, cumulativos: i) Tenha existido uma providência que foi julgada “injustificada” ou que tenha “caducado”; ii) Tenha, na dependência da “mesma causa” (litígio) daquela, sido instaurada outra providência; iii) Seja esta providência “repetição” da anterior. IV. Assim, verificando-se injustificação sempre que há recusa da providência (seja com ou sem audiência prévia do requerido (nº1 e 2, do art. 368º), seja quando há revogação duma providência inicialmente ordenada, após a oposição do requerido ou em recurso (art. 372º)), tem, para existir “repetição de providência”, de se suscitar a questão perante um mesmo litígio e a providência de ser idêntica a outra quanto aos elementos essenciais: i) sujeitos; ii) pedido; iii) causa de pedir. Só é inadmissível a nova providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto. V - Não é de restringir a admissibilidade de nova providência a situações de superveniência (objectiva e subjectiva) dado a lei não efectuar tal restrição e onde a lei não distingue não deve o interprete distinguir -“ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”. VI - A alegação de novos factos essenciais, a densificar diversa causa de pedir, afasta a “repetição de providência” e a inadmissibilidade legal da nova providência entre as mesmas partes e com o mesmo pedido. (sublinhado nosso).
No caso dos autos, quer na anterior, quer nesta, alegavam os apelantes como causa justificativa do periculum in mora a intenção de venda pelos requerido do imóvel identificado, sendo esta a alegação contida no requerimento inicial dos presentes autos. A questão da existência de uma promessa de venda do mesmo imóvel surge apenas em momento posterior e apenas de forma clara neste recurso. Mas igualmente a impossibilidade de os rendimentos ou bens dos requeridos fazerem face a tal dívida, sendo o direito que detém sobre o imóvel o único bem. Alegando naquela acção que:” O Requerido DD trabalha em turno nocturno enquanto vigilante da Aqualvor – Actividade de Aquacultura, Lda., NIPC ... em ...Lagos, e EE é técnico operacional de limpeza no Hospital de Cascais, Av. Brigadeiro Victor Novais Gonçalves, 2755- 009 Alcabideche, e ambos recebem pouco mais do que o ordenado mínimo e a mãe, CC, com 77 anos é reformada, com uma pensão baixa.”. Factos repetidos exactamente nos mesmos termos nesta acção, sob o artº 9º do requerimento inicial, bem como os demais considerados nesta e naquela outra acção. Aliás, dos reiterados nesta acção também não se provou naquela acção que: a) Para além do provado em 2) e 7), em Dezembro de 2022 o Requerido DD apareceu no escritório do Requerente Dr. BB para que este o representasse, a si e ao seu irmão, EE, no âmbito do inventário do avô de ambos, FF, e que corria termos no Cartório Notarial Fátima Logrado, processo n.º 6277/18, e ainda que representasse a mãe de ambos, CC por esta ser detentora de uma quota no único imóvel relacionado na herança.b) Foi acordado, aquando da assinatura da procuração, entre os Requerentes e os Requeridos, que os honorários seriam, e devido ao grau de complexidade e tempo que seria despendido, tendo por base o valor de 75,00€/hora cada um dos mandatários, num total de 150€/hora os dois mandatários. c) As partes acordaram que os honorários seriam liquidados aquando da venda do imóvel pertença dos Requeridos e da Herança.(sublinhado nosso).
Ora, cotejando a providência decidida e objecto de decisão pelo Tribunal da Relação de Évora, com a presente providência, dúvidas não restam de que aquela surgiu entre as mesmas partes como preliminar de acção a propor, ou neste momento da acção e honorários já proposta e que constitui o Apenso B, teve pedido e fundamento essencialmente idênticos aos da presente providência (a alegada existência da dívida consubstanciada na nota de honorários e a intenção manifestada pelos requeridos de não efectuarem tal pagamento), o receio era o mesmo ( a possibilidade de venda, ainda que neste caso com a argumentação da promessa de venda), a mesma ou idêntica era a possibilidade de lesão do direito e a dificuldade de reparação (a inexistência de bens ou rendimentos da titularidade dos requeridos para fazer face à dívida).
Na verdade, o que determinou a improcedência da providencia cautelar anterior não foi efectivamente a ausência de prova, produzida que foi a mesma, da intenção de venda do imóvel ou a existência do crédito, mas sim a falta de prova que a “(…) situação económica dos Requeridos indicie forte probabilidade de não conseguirem fazer face ao pagamento do montante de honorários que vierem concretamente a ser devidos e muito particularmente que os Requeridos não possuam quaisquer outros bens, além da respectiva participação no imóvel mencionado no caso em apreço, que possam servir de garantia para assegurar o cumprimento da obrigação relativa ao pagamento dos ditos honorários, importando, outrossim, clarificar ainda que o ter resultado indiciada a não concordância dos Requeridos com os honorários comunicados pelos Apelantes nos termos vertidos no ponto 12) do segmento respeitante aos factos indiciariamente provados não significa necessariamente uma recusa peremptória da parte dos Requeridos em pagar a título de honorários qualquer outro montante aos Apelantes. Ora perante tal contexto temos de convir não se encontrar no caso vertente suficientemente preenchido o requisito respeitante ao justo receio de perda de garantia patrimonial e consequente periculum in mora associado a tal.” (cf. Ac. da RE supra aludido na sua fundamentação).
Na verdade, quer naquela acção, quer nesta, os recorrentes alegam os mesmos factos, e estes foram considerados naquela acção como não provados, pelo que mesmo que se considere a existência eventual de factos novos (ainda que estes não resultem do requerimento inicial), dúvidas não há que quanto ao requisito exigido do receio de perder a garantia patrimonial, os factos são os mesmos, não tendo os recorrentes logrado fazer prova destes naquela outra acção, nem existindo factos novos a apreciar nesta acção.
Por conseguinte, apenas se poderá concluir estarmos perante uma situação de repetição de providência cautelar.
No que concerne à alegada inconstitucionalidade de tal interpretação, olvidam os recorrentes que a par do direito à acção existe o princípio da segurança jurídica, este inserto no instituto do caso julgado e na tutela judicial prevista em termos constitucionais, igualmente presente no artº 362º nº 4 do Código de Processo Civil, pelo que não ficará arredado aos recorrentes lançarem mão da providencia cautelar adequada ao seu direito, desde que preenchidos os respectivos requisitos e se alicerce em factos novos não apreciados por decisão anterior, o que não ocorre nos autos.
Improcede, assim, a apelação.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em:
a) Não admitir os documentos juntos com as alegações dos apelantes, ordenando o seu desentranhamento/exclusão a nível informático e restituição à parte;
b) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos requerentes e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas da apelação e do incidente pelos apelantes, fixando este em 1 UC.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2025
Gabriela de Fátima Marques
António Santos
Anabela Calafate